segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Tardiamente
Alguém me disse que estava velha. Tardiamente compreendo. E a única chama que me fez envelhecer foi a dor. A dor de perder alguém. No calendário uma mancha de sangue assinala os dias já convertidos em mais de um ano passado. Batalho com os meus pensamentos, nas longas noites, nas madrugadas frias e silenciosas. Estamos sós, sim, de facto, sós. Não há ninguém para além da nossa vigília. A lanterna alimenta o desassossego. Deito-me e relembro. Relembro a náusea das paredes excessivamente brancas. Ninguém compreenderá. Já não o esperas. Lês à luz da cabeceira, tentando em vão que a viagem saceie o travo amargo. Tê-lo-ás sempre e, terás de viver com isso. Terás de viver, sabendo que, algures nesse dia morreram as tuas ingénuas esperanças. O céu é o teu rosto que as forças que guiam o alto, afastaram das minhas mãos. Já não há lágrimas, elas, tornaram-se o teu Outro, que observa, indiferente, as ruínas, o berço inumano. Dos ramos da amendoeira, bebo a primeva e longínqua presença. A taça erguida ao alto, chama pela minha sede. No sonho vagueio e escureço. Se me ouves o pranto ferido, acolhe-me no teu leito, que perdi as forças para viver nesta ilha, onde tudo é vago rumor.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
FALA COM AS ÁRVORES O TRISTE VENTO DE OUTONO...
Fala com as árvores o triste vento
de Outono, fala baixo, não se ouve;
que lhes dirá? Ao seu discurso, movem
as árvores, sonhando, a cabeça.
É a meio da tarde; confortável,
estendo-me na largura do sofá...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Manso, numa mão, ondeia o seio
da minha doce e bela adormecida;
na outra, meu livro de orações: a
história das lutas de libertação.
Quais cometas, cavalgam suas letras
através da minha alma exaltada...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Ouro te seduz e o chicote bate,
se lutas pelo tirano, povo escravo;
e a liberdade? Um só sorriso,
e quem crê corre ao campo da batalha,
e aceita, como flor de moça linda,
golpes, morte, perdidamente alegre...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Quantas vidas queridas por ti caíram
já, ó santa liberdade! E qual
a utilidade? Mas ver-se-á
tua vitória na luta final,
e teus mortos também irás vingar,
e tua vingança será terrível!...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Koltó, Setembro de 1847
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 92
de Outono, fala baixo, não se ouve;
que lhes dirá? Ao seu discurso, movem
as árvores, sonhando, a cabeça.
É a meio da tarde; confortável,
estendo-me na largura do sofá...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Manso, numa mão, ondeia o seio
da minha doce e bela adormecida;
na outra, meu livro de orações: a
história das lutas de libertação.
Quais cometas, cavalgam suas letras
através da minha alma exaltada...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Ouro te seduz e o chicote bate,
se lutas pelo tirano, povo escravo;
e a liberdade? Um só sorriso,
e quem crê corre ao campo da batalha,
e aceita, como flor de moça linda,
golpes, morte, perdidamente alegre...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Quantas vidas queridas por ti caíram
já, ó santa liberdade! E qual
a utilidade? Mas ver-se-á
tua vitória na luta final,
e teus mortos também irás vingar,
e tua vingança será terrível!...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Koltó, Setembro de 1847
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 92
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Sándor Petőfi
«Trago no coração chama, celeste
chama, que as gotas do sangue aquece,»
...
«Oh, pudesse dizê-lo, não só com
palavras vazias, mas também obras.»
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 86
chama, que as gotas do sangue aquece,»
...
«Oh, pudesse dizê-lo, não só com
palavras vazias, mas também obras.»
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 86
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AQUI ESTOU, NO MEIO DA PLANURA...
Aqui estou, no meio da planura,
como estátua, imóvel.
Cobre o deserto silêncio sepulcral,
qual sudário cobre o morto.
Ao longe, um homem ceifa;
pára agora mesmo,
e afia a foice...
A lâmina não se ouve,
vejo somente como a mão se move.
E olha, agora,
comigo se admira, mas eu nem pestanejo.
Que pensará que eu penso acerca dele?
Szalkszentmárton, antes de 10 de Março de 1846
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 84
como estátua, imóvel.
Cobre o deserto silêncio sepulcral,
qual sudário cobre o morto.
Ao longe, um homem ceifa;
pára agora mesmo,
e afia a foice...
A lâmina não se ouve,
vejo somente como a mão se move.
E olha, agora,
comigo se admira, mas eu nem pestanejo.
Que pensará que eu penso acerca dele?
Szalkszentmárton, antes de 10 de Março de 1846
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 84
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Sándor Petőfi
Acto de União
I
Esta noite, um primeiro abalo, latejante
Como se a chuva no pântano engrossasse
Pr'a fluir e alargar: uma explosão,
Um rasgão abrindo o leito vegetal.
O teu dorso é a costa leste, linha firme,
Braços e pernas lançadas para lá
Do teu relevo gradual. Acaricio
A província arquejante onde cresceu o nosso passado.
Sou o reino que por detrás de ti se eleva,
Que não queiras seduzir nem ignorar.
A conquista é uma mentira. Envelheço
Concedendo-te uma meia independência,
Território em que agora o meu legado
Tem o seu ponto culminante, inexorável.
II
E permaneço no aprumo imperial
Do macho - deixando-te com o sofrimento,
A colónia a ser dilacerada,
O ariete, e a explosão vinda de dentro.
A quinta coluna que do acto nasceu
É obstinada e tem o olhar unilateral.
O seu coração ao lado do teu
É um tambor chamando p'rá batalha. E já
Os pequenos punhos, parasitas, ignaros,
Te batem às fronteiras, me ameaçam
Por sobre a água. Nenhum tratado
Poderá o teu corpo marcado sarar,
Estriado, em carne viva com a dor
Que te faz solo rasgado, de novo.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.143
Esta noite, um primeiro abalo, latejante
Como se a chuva no pântano engrossasse
Pr'a fluir e alargar: uma explosão,
Um rasgão abrindo o leito vegetal.
O teu dorso é a costa leste, linha firme,
Braços e pernas lançadas para lá
Do teu relevo gradual. Acaricio
A província arquejante onde cresceu o nosso passado.
Sou o reino que por detrás de ti se eleva,
Que não queiras seduzir nem ignorar.
A conquista é uma mentira. Envelheço
Concedendo-te uma meia independência,
Território em que agora o meu legado
Tem o seu ponto culminante, inexorável.
II
E permaneço no aprumo imperial
Do macho - deixando-te com o sofrimento,
A colónia a ser dilacerada,
O ariete, e a explosão vinda de dentro.
A quinta coluna que do acto nasceu
É obstinada e tem o olhar unilateral.
O seu coração ao lado do teu
É um tambor chamando p'rá batalha. E já
Os pequenos punhos, parasitas, ignaros,
Te batem às fronteiras, me ameaçam
Por sobre a água. Nenhum tratado
Poderá o teu corpo marcado sarar,
Estriado, em carne viva com a dor
Que te faz solo rasgado, de novo.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.143
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prémio nobel da literatura 1995,
Seamus Heaney
«Dia a dia, apercebia-me de que não conseguia afastar de mim os pensamentos pecaminosos. Até que chegou o momento em que desejei também o pecado.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.14
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.14
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excerto
«Lembro-me de que o seu corpo, a sua atitude e os movimentos resultavam por vezes rudes. Não que ela fosse tão rude. Parecia, sobretudo, que se recolhera no interior do seu corpo, que o entregara a si mesmo e ao seu próprio ritmo pausado, indiferente a alguma ordem do cérebro, e que esquecera o mundo exterior. Foi esse mesmo esquecimento do mundo que eu vi na atitude e nos movimentos ao calçar as meias. Mas nisso não era rude, tinha gestos fluidos, graciosos, sedutores; uma sedução que não é seios e nádegas e pernas, mas sim o convite para o mundo dentro do corpo.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.12
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«Sobre a memória do seu rosto de então foram-se depositando, com o passar dos anos, os seus outros rostos. Quando a tenho diante dos olhos como ela era então, vejo-a sem rosto. Tenho de o reconstruir. Testa alta, maxilares salientes, olhos azul-pálidos, lábios grossos bem desenhados e sem sinuosidades, queixo enérgico. Um rosto largo, áspero, de uma mulher adulta. Sei que era bonito. Mas não consigo lembrar-me da sua beleza.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.9
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«Por cima do sofá estava estendida uma manta de veludo vermelho. A cozinha não tinha janelas. A luz passava pelos vidros da porta que abria para a varanda. Não muita luz; a cozinha só era iluminada quando a porta estava aberta. Ouvia-se então o chiar da serra na oficina do pátio e cheirava a madeira.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.8/9
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«(...) O dia está luminoso, o sol brilha, o ar reverba, e a estrada cintila de calor. As paredes laterais do prédio fazem-no parecer recortado, incompleto. Aquelas poderiam ser as paredes de qualquer prédio. A casa não é ali mais sombria do que na Rua da Estação. Mas as janelas estão cobertas de pó, não deixam adivinhar nada dentro das divisões, nem sequer as cortinas. A casa é cega.
Estaciono junto à berma e atravesso a estrada na direcção da entrada. Não se vê ninguém, não se ouve nada, nem tão-pouco o ruído longínquo de um motor, nem o vento, nem um pássaro. O mundo está morto. Subo as escadas e toca a campainha.
Mas não abro a porta. Acordo e sei apenas que atingi a campainha e a toquei. Depois vem-me à memória todo o sonho, e que também já o havia sonhado muitas vezes antes.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.6/7
Estaciono junto à berma e atravesso a estrada na direcção da entrada. Não se vê ninguém, não se ouve nada, nem tão-pouco o ruído longínquo de um motor, nem o vento, nem um pássaro. O mundo está morto. Subo as escadas e toca a campainha.
Mas não abro a porta. Acordo e sei apenas que atingi a campainha e a toquei. Depois vem-me à memória todo o sonho, e que também já o havia sonhado muitas vezes antes.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.6/7
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«Endireitou-se e viu que eu chorava. - Miúdo - disse, surpreendida -, miúdo. - Abraçou-me. Eu era pouco mais alto do que ela, senti os seus seios no meu peito, no aperto do braço cheirei o meu mau hálito e o suor fresco dela e não soube o que fazer com os braços. Parei de chorar.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.4
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.4
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excerto
Colmeiro
Há muito apalavrado, apareceu numa certa
Manhã, de surpresa, e na bicicleta
Uma escada leve e um saco de navalhas.
Olhou o velho colmo, testou as traves,
Abriu e ajeitou feixes de palha.
Depois, molhos de varas, de aveleira e salgueiro:
Sopesadas, torcidas - não fossem estalar.
Pareceu gastar toda a manhã a prepara-se:
Firmou então a escada, e com facas bem afiadas
Cortou a palha e aguçou a ponta das varas
Que, dobradas, eram o agrafo de espigões brancos
Com que fixava o seu mundo, em punhados.
Curvados vários dias sobre as vigas
Aparou e poliu extremidades, tudo atou
Numa colmeia em declive, uma resteva,
E a todos espantou com o seu toque de Midas.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.49
Manhã, de surpresa, e na bicicleta
Uma escada leve e um saco de navalhas.
Olhou o velho colmo, testou as traves,
Abriu e ajeitou feixes de palha.
Depois, molhos de varas, de aveleira e salgueiro:
Sopesadas, torcidas - não fossem estalar.
Pareceu gastar toda a manhã a prepara-se:
Firmou então a escada, e com facas bem afiadas
Cortou a palha e aguçou a ponta das varas
Que, dobradas, eram o agrafo de espigões brancos
Com que fixava o seu mundo, em punhados.
Curvados vários dias sobre as vigas
Aparou e poliu extremidades, tudo atou
Numa colmeia em declive, uma resteva,
E a todos espantou com o seu toque de Midas.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.49
sábado, 26 de fevereiro de 2011
QUEM SOU EU?
AH, NÃO, NÃO DIGO...
Quem sou eu? Ah, não, não digo;
se digo, sou conhecido.
E, se me conhecem mesmo,
vou à forca, pelo menos.
Não tenho machado à mão,
se tiver de ser brigão;
pasta longe meu cavalo,
nem fugir, se necessário.
E para quê tanta pressa,
quando me pesa a cabeça?
E não só, e o coração -
vinho e mulher falsos são.
Se, ao largar a rameira,
cozo eu a bebedeira,
e me vão alferes ao pêlo -
quem eu sou hei-de dizê-lo!
Bratislava, Maio de 1843
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 77
AH, NÃO, NÃO DIGO...
Quem sou eu? Ah, não, não digo;
se digo, sou conhecido.
E, se me conhecem mesmo,
vou à forca, pelo menos.
Não tenho machado à mão,
se tiver de ser brigão;
pasta longe meu cavalo,
nem fugir, se necessário.
E para quê tanta pressa,
quando me pesa a cabeça?
E não só, e o coração -
vinho e mulher falsos são.
Se, ao largar a rameira,
cozo eu a bebedeira,
e me vão alferes ao pêlo -
quem eu sou hei-de dizê-lo!
Bratislava, Maio de 1843
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 77
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Defeito
Boa, como a clemência, formosa és, qual o ouro;
tens um defeito, Nellike: não seres minha.
1838
Mihály Vörösmarty in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 69
tens um defeito, Nellike: não seres minha.
1838
Mihály Vörösmarty in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 69
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POETA E DRAMATURGO HÚNGARO
Amor Feliz [Canção 35]
Davam já cortes finais,
na mata, lestos ceifeiros;
ao comprido, colossais,
caíam sombras, à beira;
parámos de vez em quando
na erva alta do prado;
e a ponte atravessando
do rio ao nosso lado,
olhar à água desceu:
nela, em cima, o céu,
também dentro; ardeu logo,
nos corações, santo fogo.
Kisfaludi Sándor in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 55
na mata, lestos ceifeiros;
ao comprido, colossais,
caíam sombras, à beira;
parámos de vez em quando
na erva alta do prado;
e a ponte atravessando
do rio ao nosso lado,
olhar à água desceu:
nela, em cima, o céu,
também dentro; ardeu logo,
nos corações, santo fogo.
Kisfaludi Sándor in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 55
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A Apanha das Amoras
Para Philip Hobsbaum
Por fins de Agosto, com chuva forte e sol
Toda uma semana, amadureciam as amoras.
A princípio, uma só, luzidio coágulo púrpura
Entre outras, rubras, verdes, duras como um nó.
Comia-se a primeira e era carnuda e doce
Como vinho fermentado: era o sangue do Verão
Tingindo-nos a língua com o desejo de as
Colher. Escureciam então as vermelhas, e essa fome
Levava-nos com canecas, latas, boiões
Onde as silvas arranhavam e erva húmida
Polia as botas. Por prados, lameiros e searas
Seguíamos na apanha até enchermos as vasilhas,
Até que o seu fundo tilintante se cobria
Com as verdes, e por cima borrões negros reluziam
Como um prato de olhos. Picados de espinhos
Ardiam-nos nas mãos, tão pegajosas
Como as do Barba-Azul.
Guardávamos as bagas frescas no curral.
Mas mal a dorna enchia lhe víamos uma penugem,
Um fungo cinza-rato devorando-nos o tesouro.
Também o sumo estava pestilento. Mal o colhíamos,
Fermentava o fruto, azedava a doce carne.
Apetecia-me chorar. Não era justo
Que tanto deleite fosse agora podridão.
Ano a ano esperava conservá-las,
Sabendo bem que não.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.41
Por fins de Agosto, com chuva forte e sol
Toda uma semana, amadureciam as amoras.
A princípio, uma só, luzidio coágulo púrpura
Entre outras, rubras, verdes, duras como um nó.
Comia-se a primeira e era carnuda e doce
Como vinho fermentado: era o sangue do Verão
Tingindo-nos a língua com o desejo de as
Colher. Escureciam então as vermelhas, e essa fome
Levava-nos com canecas, latas, boiões
Onde as silvas arranhavam e erva húmida
Polia as botas. Por prados, lameiros e searas
Seguíamos na apanha até enchermos as vasilhas,
Até que o seu fundo tilintante se cobria
Com as verdes, e por cima borrões negros reluziam
Como um prato de olhos. Picados de espinhos
Ardiam-nos nas mãos, tão pegajosas
Como as do Barba-Azul.
Guardávamos as bagas frescas no curral.
Mas mal a dorna enchia lhe víamos uma penugem,
Um fungo cinza-rato devorando-nos o tesouro.
Também o sumo estava pestilento. Mal o colhíamos,
Fermentava o fruto, azedava a doce carne.
Apetecia-me chorar. Não era justo
Que tanto deleite fosse agora podridão.
Ano a ano esperava conservá-las,
Sabendo bem que não.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.41
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A Lúcia
Porque, Lúcia, me desprezas e rejeitas?
Nunca, lembro, a rapariga alguma
(assim vivo, e passo bem) houve que eu não contentasse;
se, porventura, recusas acreditar,
posso provar-to com testemunhos de peso.
Janus Pannonius na Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p.31
Nunca, lembro, a rapariga alguma
(assim vivo, e passo bem) houve que eu não contentasse;
se, porventura, recusas acreditar,
posso provar-to com testemunhos de peso.
Janus Pannonius na Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p.31
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A AGAPITO
Envia-me, Agapito, os teus livros;
envia, digo; não serei crítico, mas leitor.
Janus Pannonius in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002 ., p. 28
envia, digo; não serei crítico, mas leitor.
Janus Pannonius in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002 ., p. 28
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(1434-1472),
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Da Arte
A arte deu-me vigor; atinge-se a perfeição das coisas,
quando a força no engenho se apoia.
Janus Pannonius (1434-1472) in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002
quando a força no engenho se apoia.
Janus Pannonius (1434-1472) in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
The Sleeper
At midnight, in the month of June,
I stand beneath the mystic moon.
An opiate vapor, dewy, dim,
Exhales from out her golden rim,
And softly dripping, drop by drop,
Upon the quiet mountain top,
Steals drowsily and musically
Into the universal valley.
The rosemary nods upon the grave;
The lily lolls upon the wave;
Wrapping the fog about its breast,
The ruin moulders into rest;
Looking like Lethe, see! the lake
A conscious slumber seems to take,
And would not, for the world, awake.
All Beauty sleeps!—and lo! where lies
Irene, with her Destinies!
Oh, lady bright! can it be right—
This window open to the night?
The wanton airs, from the tree-top,
Laughingly through the lattice drop—
The bodiless airs, a wizard rout,
Flit through thy chamber in and out,
And wave the curtain canopy
So fitfully—so fearfully—
Above the closed and fringéd lid
’Neath which thy slumb’ring soul lies hid,
That, o’er the floor and down the wall,
Like ghosts the shadows rise and fall!
Oh, lady dear, hast thou no fear?
Why and what art thou dreaming here?
Sure thou art come o’er far-off seas,
A wonder to these garden trees!
Strange is thy pallor! strange thy dress!
Strange, above all, thy length of tress,
And this all solemn silentness!
The lady sleeps! Oh, may her sleep,
Which is enduring, so be deep!
Heaven have her in its sacred keep!
This chamber changed for one more holy,
This bed for one more melancholy,
I pray to God that she may lie
Forever with unopened eye,
While the pale sheeted ghosts go by!
My love, she sleeps! Oh, may her sleep,
As it is lasting, so be deep!
Soft may the worms about her creep!
Far in the forest, dim and old,
For her may some tall vault unfold—
Some vault that oft hath flung its black
And wingéd pannels fluttering back,
Triumphant, o’er the crested palls
Of her grand family funerals—
Some sepulchre, remote, alone,
Against whose portals she hath thrown,
In childhood, many an idle stone—
Some tomb from out whose sounding door
She ne’er shall force an echo more,
Thrilling to think, poor child of sin!
It was the dead who groaned within.
The Complete Poems and Stories of Edgar Allan Poe (1946)
I stand beneath the mystic moon.
An opiate vapor, dewy, dim,
Exhales from out her golden rim,
And softly dripping, drop by drop,
Upon the quiet mountain top,
Steals drowsily and musically
Into the universal valley.
The rosemary nods upon the grave;
The lily lolls upon the wave;
Wrapping the fog about its breast,
The ruin moulders into rest;
Looking like Lethe, see! the lake
A conscious slumber seems to take,
And would not, for the world, awake.
All Beauty sleeps!—and lo! where lies
Irene, with her Destinies!
Oh, lady bright! can it be right—
This window open to the night?
The wanton airs, from the tree-top,
Laughingly through the lattice drop—
The bodiless airs, a wizard rout,
Flit through thy chamber in and out,
And wave the curtain canopy
So fitfully—so fearfully—
Above the closed and fringéd lid
’Neath which thy slumb’ring soul lies hid,
That, o’er the floor and down the wall,
Like ghosts the shadows rise and fall!
Oh, lady dear, hast thou no fear?
Why and what art thou dreaming here?
Sure thou art come o’er far-off seas,
A wonder to these garden trees!
Strange is thy pallor! strange thy dress!
Strange, above all, thy length of tress,
And this all solemn silentness!
The lady sleeps! Oh, may her sleep,
Which is enduring, so be deep!
Heaven have her in its sacred keep!
This chamber changed for one more holy,
This bed for one more melancholy,
I pray to God that she may lie
Forever with unopened eye,
While the pale sheeted ghosts go by!
My love, she sleeps! Oh, may her sleep,
As it is lasting, so be deep!
Soft may the worms about her creep!
Far in the forest, dim and old,
For her may some tall vault unfold—
Some vault that oft hath flung its black
And wingéd pannels fluttering back,
Triumphant, o’er the crested palls
Of her grand family funerals—
Some sepulchre, remote, alone,
Against whose portals she hath thrown,
In childhood, many an idle stone—
Some tomb from out whose sounding door
She ne’er shall force an echo more,
Thrilling to think, poor child of sin!
It was the dead who groaned within.
The Complete Poems and Stories of Edgar Allan Poe (1946)
Annabel Lee
It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.
I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea,
But we loved with a love that was more than love—
I and my Annabel Lee—
With a love that the wingèd seraphs of Heaven
Coveted her and me.
And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsmen came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.
The angels, not half so happy in Heaven,
Went envying her and me—
Yes!—that was the reason (as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.
But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we—
Of many far wiser than we—
And neither the angels in Heaven above
Nor the demons down under the sea
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee;
For the moon never beams, without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise, but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling—my darling—my life and my bride,
In her sepulchre there by the sea—
In her tomb by the sounding sea.
Edgar Allan Poe
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of Annabel Lee;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.
I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea,
But we loved with a love that was more than love—
I and my Annabel Lee—
With a love that the wingèd seraphs of Heaven
Coveted her and me.
And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsmen came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.
The angels, not half so happy in Heaven,
Went envying her and me—
Yes!—that was the reason (as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.
But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we—
Of many far wiser than we—
And neither the angels in Heaven above
Nor the demons down under the sea
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee;
For the moon never beams, without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise, but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling—my darling—my life and my bride,
In her sepulchre there by the sea—
In her tomb by the sounding sea.
Edgar Allan Poe
William Carlos Williams reviews Wallace Stevens
«The New Republic has posted a review, from 1937, of Wallace Stevens’ The Man with the Blue Guitar and Other Poems, written by William Carlos Williams. Williams begins by praising Stevens’ craft but questioning his politics:
The story is that Stevens has turned of late definitely to the left. I should say not, from anything in this book. He’s merely older and as an artist infinitely more accomplished. Passion he has, too often muted, but not flagrantly for the underdog. No use looking for Stevens there—without qualifications.And continues on to critique the thoughtfulness of Stevens’ quasi-philosophical verse, which Williams sees as dulling the flashes of brilliance in the poems:
Five beats to the line here, and that’s where the trouble is let in. These five beats have a strange effect on a modern poet; they make him think he wants to think. Stevens is no exception. The result is turgidity, dullness and a language, God knows what it is! certainly nothing anybody alive today could ever recognize—lit by flashes, of course, in this case; for whatever else he may be Stevens is always a distinguished artist. The language is constrained by the meter instead of there being—an impossible peak it may be—a meter discovering itself in the language. We are still searching. Much more might be said were there space for it.»
in Poetry Foundation
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Três sonhos
I
Vi-me num sonho de folhas caindo,
De lagos escuros num bosque perdido,
De tristes palavras ecoando -
Mas não sabia entender-lhes o sentido.
Vi-me num sonho de estrelas caindo,
De preces chorosas num olhar ferido,
De um sorriso que vinha ecoando -
Mas não sabia entender-lhe o sentido.
Como estrela caindo, folha tombando,
Assim me via num vai-vem perdido,
Eternamente esse sonho ecoando -
Mas não sabia entender-lhe o sentido.
II
No espelho escuro da minh'alma
Há imagens de mares nunca sentidos,
Terras tristes de trágicas visões,
Esvaindo-se em azuis indefinidos.
Da minh'alma nasceram céus de sangue
E púrpura ardendo em sóis gigantes,
Estranhos jardins povoados de brilhos
E delícias letais e sufocantes.
E o poço negro que é a minha alma
Gerou imagens de noites tenebrosas,
Animadas por anónimos cantos
E o sopro eterno de forças ominosas.
Treme-me a alma nas trevas da lembrança,
Como se em tudo se revisse enfim -
No insondável mistério de mares e noites
E em fundos cantos sem começo nem fim.
III
Vi cidades pelo fogo consumidas
E o cortejo dos horrores pelo tempo fora,
E muitos povos a pó ser reduzidos,
Perder-se tudo nos fundos da memória.
Vi deuses afundar-se em escuridão,
A mais sagrada harpa destruída
E, levantando-se do meio da podridão,
Crescer para novo dia nova vida.
Crescer para novo dia e logo morrer -
A tragédia que o mundo sempre finde
Compreender no acto de a viver,
A cuja dor nocturnal e demente
A doce glória da beleza cinge
Como universo de espinhos sorridente.
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 21-23
Erva segada
A erva jaz segada e frágil:
É breve o sopro
Que os caules ceifados exalam.
Longa, longa a morte
Que ela morre nas horas em branco
Do Junho de folhas tenras
Com flores de castanheiro,
As sebes como de neve espargidas,
Lírios brancos curvando-se,
Veredas rendilhadas a flores bravas,
E aquela nuvem acastelada
Movendo-se ao ritmo do Verão.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 95
É breve o sopro
Que os caules ceifados exalam.
Longa, longa a morte
Que ela morre nas horas em branco
Do Junho de folhas tenras
Com flores de castanheiro,
As sebes como de neve espargidas,
Lírios brancos curvando-se,
Veredas rendilhadas a flores bravas,
E aquela nuvem acastelada
Movendo-se ao ritmo do Verão.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 95
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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Os velhos tolos
Que pensam eles que aconteceu, os velhos tolos,
Para os pôr assim? Porventura supõem
Que é mais crescido terem a boca aberta e a babar-se
E mijarem-se a toda a hora e não se recordarem
De quem os visitou hoje de manhã? Ou que é só quererem
E volta tudo a ser como quando dançaram toda a noite,
Ou casaram, ou marcharam de arma ao ombro num certo Setembro?
Ou imaginam que não houve mudança alguma
E que sempre se portaram como inválidos ou bêbados
Ou se sentaram o dia inteiro em devaneio contínuo
Vendo a luz mover-se? Se não o crêem (e não podem), é estranho:
Porque não estão a gritar?
Na morte, desfazemo-nos: os pedaços do que éramos
Começam a fugir uns dos outros para sempre
Sem ninguém ver. Não é mais que um olvido, é certo:
Já o tivemos antes, mas dessa vez ia acabar,
E combinava-se com um esforço sem igual
Para fazer desabrochar a flor de um milhão de pétalas
Que é estar aqui. Da próxima vez não se pode fingir
Que vai haver algo mais. E estes são os indícios:
Não saber como, não ouvir quem, já não ter
Força para escolher. Pelo ar deles, estão prontos para ir:
Cabelo de palha, mãos de sapo, cara de fruto seco -
Como podem não o saber?
Ser velho é talvez ter salas iluminadas
Dentro da cabeça e, lá dentro, gente a representar.
Gente que se conhece, mas cujo nome nos escapa;
Cada vulto responde a uma perda profunda, assomando
A uma porta conhecida, pousando uma vela, sorrindo
Das escadas, tirando um livro da estante; ou por vezes
Se as próprias salas, cadeiras e uma lareira acesa,
O vento no arbusto para lá da janela, ou a débil
Simpatia do sol na parede, num solitário
Fim de tarde de Verão, depois da chuva. É onde eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo aconteceu em tempos.
Por isso é que eles têm
Um ar de ausência perplexa, tentando estar lá
E contudo estando aqui. É que as salas vão-se afastando,
Deixando para trás um frio inepto e o atrito constante
Do ar respirado, enquanto eles, os velhos tolos,
De cócoras junto ao morro da extinção, não se apercebem
De como está próximo. Deve ser isto que os sossega:
O pico que se observa de onde quer que se vá
Para eles é uma elevação. Será que não adivinham
O que os puxa para trás, e como tudo acabará? Nem à noite?
Nem sequer quando vêm os desconhecidos? Nunca,
Ao longo de toda a horrível infância do avesso? Bom,
Havemos de o saber.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 49/51
Para os pôr assim? Porventura supõem
Que é mais crescido terem a boca aberta e a babar-se
E mijarem-se a toda a hora e não se recordarem
De quem os visitou hoje de manhã? Ou que é só quererem
E volta tudo a ser como quando dançaram toda a noite,
Ou casaram, ou marcharam de arma ao ombro num certo Setembro?
Ou imaginam que não houve mudança alguma
E que sempre se portaram como inválidos ou bêbados
Ou se sentaram o dia inteiro em devaneio contínuo
Vendo a luz mover-se? Se não o crêem (e não podem), é estranho:
Porque não estão a gritar?
Na morte, desfazemo-nos: os pedaços do que éramos
Começam a fugir uns dos outros para sempre
Sem ninguém ver. Não é mais que um olvido, é certo:
Já o tivemos antes, mas dessa vez ia acabar,
E combinava-se com um esforço sem igual
Para fazer desabrochar a flor de um milhão de pétalas
Que é estar aqui. Da próxima vez não se pode fingir
Que vai haver algo mais. E estes são os indícios:
Não saber como, não ouvir quem, já não ter
Força para escolher. Pelo ar deles, estão prontos para ir:
Cabelo de palha, mãos de sapo, cara de fruto seco -
Como podem não o saber?
Ser velho é talvez ter salas iluminadas
Dentro da cabeça e, lá dentro, gente a representar.
Gente que se conhece, mas cujo nome nos escapa;
Cada vulto responde a uma perda profunda, assomando
A uma porta conhecida, pousando uma vela, sorrindo
Das escadas, tirando um livro da estante; ou por vezes
Se as próprias salas, cadeiras e uma lareira acesa,
O vento no arbusto para lá da janela, ou a débil
Simpatia do sol na parede, num solitário
Fim de tarde de Verão, depois da chuva. É onde eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo aconteceu em tempos.
Por isso é que eles têm
Um ar de ausência perplexa, tentando estar lá
E contudo estando aqui. É que as salas vão-se afastando,
Deixando para trás um frio inepto e o atrito constante
Do ar respirado, enquanto eles, os velhos tolos,
De cócoras junto ao morro da extinção, não se apercebem
De como está próximo. Deve ser isto que os sossega:
O pico que se observa de onde quer que se vá
Para eles é uma elevação. Será que não adivinham
O que os puxa para trás, e como tudo acabará? Nem à noite?
Nem sequer quando vêm os desconhecidos? Nunca,
Ao longo de toda a horrível infância do avesso? Bom,
Havemos de o saber.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 49/51
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Esquecer o que
Parar o diário
Foi aturdir a memória,
Foi um começo em branco,
Começo que já não cicatriza
Com tais palavras, tais acções,
Que tornaram inóspito o acordar.
Queria-as terminadas,
Despachadas para enterro
E rememoradas
Como as guerras e os invernos
Que faltavam para lá das janelas
De uma infância opaca.
E as páginas vazias?
Se vierem a preencher-se,
Que seja com a observação
De recorrências celestes,
O dia em que vêm as flores,
E quando partem as aves.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 43
Foi aturdir a memória,
Foi um começo em branco,
Começo que já não cicatriza
Com tais palavras, tais acções,
Que tornaram inóspito o acordar.
Queria-as terminadas,
Despachadas para enterro
E rememoradas
Como as guerras e os invernos
Que faltavam para lá das janelas
De uma infância opaca.
E as páginas vazias?
Se vierem a preencher-se,
Que seja com a observação
De recorrências celestes,
O dia em que vêm as flores,
E quando partem as aves.
Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 43
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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
«Ao comunicar-se (o que, nos finais da vida, lhe parece impossível), Trakl fá-lo, nos poemas mais maduros, por um processo de reverbação: o seu corpo «empestado» é o corpo do século, do Império, do mundo, a sua melancolia embebe tudo, dos mitos das origens à epifania escatológica.»
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p.14
« A poesia de Trakl parece assumir-se como uma segunda natureza que, diria o Walter Benjamin dos primeiros ensaios sobre a linguagem, por ser melancólica, é muda, e que, se lhe fosse dada linguagem, começaria invariavelmente a lamentar-se: a forma natural desta poesia é, por isso, a elegia.»
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p.12
«Quando o galho da amendoeira dá a sua chama,
Quando os rebentos novos são trazidos ao altar,»
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 49
Quando os rebentos novos são trazidos ao altar,»
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 49
Primeiro terás de seguir o caminho
do inferno
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 41
do inferno
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 41
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
«Que apesar de morto tem ainda a mente intacta!»
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 41
Ezra Pound. Do caos à ordem (Visões de sociedade dos cantares de Ezra Pound). Tradução e Prefácio de Daniel Pearlman e Luísa Campos. Edição Bilingue. Assírio&Alvim, Lisboa, 1983, p. 41
«E, ao regressar, obsediado por essa visão, eu procurava analisar a minha dor súbita, e disse comigo: «Acabo de ver a imagem do velho homem de letras que sobreviveu à geração de que foi brilhante animador; do velho poeta sem amigos, sem família, abatido pela miséria e pela ingratidão pública, e em cuja barraca o mundo ingrato não mais quer entrar!»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.43
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excerto
«Um olhar experimentado nunca se engana ali. Nesses traços, rígidos ou abatidos; nesses olhos profundos e ternos, ou brilhantes dos últimos relâmpagos da luta, nessas rugas fundas e numerosas, nesses passos tão lentos ou tão sacudidos, ele decifra imediatamente as inúmeras legendas do amor enganado, da devoção mal correspondida, dos esforços recompensados, da fome e do frio humildemente, silenciosamente suportados.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.37/8
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excerto
«Aquilo a que chamam amor é bem pequeno, bem restrito, e bem fraco, comparado à inefável orgia, à santa prostituição da alma que se dá toda inteira, em poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.
É bom ensinar por vezes aos felizes deste mundo, nem que seja só para os humilhar um instante no seu estúpido orgulho, que há felicidades superiores às deles, mais vastas e mais delicadas. Os fundadores das colónias, os pastores de povos, os padres missionários exilados no fim do mundo, conhecem sem dúvida qualquer coisa destas misteriosas ebriedades; e, no seio da vasta família que o seu génio constituiu, devem rir-se algumas vezes daqueles que os lamentam pela sina tão revolta e pela vida tão casta.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.36
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excerto
«O poeta goza do incomparável privilégio de poder à sua vontade ser ele próprio ou outra pessoa. Como as almas errantes que procuram um corpo, insere-se, quando lhe apraz, na personagem de cada um. Para ele só, tudo está de vago; e se certos lugares parecem estar-lhe vedados, é que a seus olhos não valem a pena visitar-se.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.35
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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Vênus
«Todos os predicados inerentes a Vênus, quer à sua condição de mãe ou genitora (conceito que incorpora várias qualidades: o da dedicação, do desvelo, do cuidado, da ternura, da afeição, do mimo, do velar pelo destino de seu amado filho), quer a de musa (inspiradora do canto, da palavra e da poesia), quer de cupido (de provocadora da atracção e do desejo, móvel das paixões e dos enlaces), quer de vulgívaga (de amante e de concubina), quer de femina (da mulher que quer amar e ser amada, acompanhar e ter companhia, receber e dar prazer, fertilizar e ser fertilizada)... todos esses predicados qualificam, de Vênus, os atributos de sua representação inquestionável: a do amor. Tanto do amor calmo, terno, afável e altruísta, quanto do amor efervescente, ou seja, do amor-paixão, que, ao mesmo tempo, é sábio e desajuizado.»
Miguel Spinelli. Lucretius and Virgil the Many Faces of Venus: muse, mother and prostitute. in Hypnos, São Paulo, Número 23, 2º Semestre 2009, p. 273
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
«Decididamente, minha amiga, maças-me sem dó nem piedade; dir-se-ia, ao ouvir-te suspirar, que sofres mais que as sexagenárias que respingam o restolho das searas e do que as velhas mendigas que apanham migalhas de pão à porta das tabernas.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 32
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 32
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Sou o último e o mais solitário dos homens
«(...), todo encolhido contra o pedestal, levanta os olhos cheios de lágrimas para a imortal Divindade.
E os seus olhos dizem: - «Sou o último e o mais solitário dos homens, privado do amor e da amizade, e nisto bem inferior ao mais imperfeito dos animais. E todavia sei-me capaz, eu também, de compreender e sentir a Beleza imortal! Ah! Deusa! tende piedade da minha tristeza e do meu delírio!»
Mas a Vénus implacável olha não sei para quê de longínquo com os seus olhos de mármore.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.24
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excerto
Imagens evasivas da leitura
Vivo a minha vida em círculos cada vez maiores
que sobre as coisas se entendem.
Rainer Maria Rilke, Sonetos a Orpheu
op.cit, Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 147
que sobre as coisas se entendem.
Rainer Maria Rilke, Sonetos a Orpheu
op.cit, Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 147
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Gérard de Cortanze,
Rainer Maria Rilke
«O grande pássaro materno é um cadáver,»
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 116
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 116
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Gérard de Cortanze,
Prémio Charles Vidrac,
verso solto
Ela ilude-se
na delícia dos rostos, entre
trincheiras guarnecidas com celusas. Todo
este calor superficial nos seus olhos
de sombra demasiado pura de metáforas,
estas desculpáveis indiscrições.
Ela curva-se, ondula. A calma medida da tempestade
atinge-a na forma mais viva do seu equilíbrio. Prisioneira
de um erudito desejo de agradar,
assemelha-se a essas águias enredadas
nas suas próprias lembranças: finge ignorar
os cavalos, o mar assombrado. Bruscamente,
compõe aos pés deliciosos do animal
um caniço cercado de silêncios
e de compridas tapeçarias.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 95
na delícia dos rostos, entre
trincheiras guarnecidas com celusas. Todo
este calor superficial nos seus olhos
de sombra demasiado pura de metáforas,
estas desculpáveis indiscrições.
Ela curva-se, ondula. A calma medida da tempestade
atinge-a na forma mais viva do seu equilíbrio. Prisioneira
de um erudito desejo de agradar,
assemelha-se a essas águias enredadas
nas suas próprias lembranças: finge ignorar
os cavalos, o mar assombrado. Bruscamente,
compõe aos pés deliciosos do animal
um caniço cercado de silêncios
e de compridas tapeçarias.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 95
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Prémio Charles Vidrac
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
nem a espada
nem o touro
nem o medo:
a fonte está lá e
segreda-lhe ao ouvido
que ela é eterna,
que o seu ser possui
a nascente,
a sua sede, a sua perenidade,
um busto de alabastro,
uma memória de gaio.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 79
nem o touro
nem o medo:
a fonte está lá e
segreda-lhe ao ouvido
que ela é eterna,
que o seu ser possui
a nascente,
a sua sede, a sua perenidade,
um busto de alabastro,
uma memória de gaio.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 79
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Fragmento de algum oceano imaginário
Ele falava de coisas que estão num lugar qualquer
onde os nossos deuses não habitam - coisas que
faltavam mas que estavam já no coração.
Os nossos deuses são velhos. Esqueceram-se de nós
como de muitos filhos (bastardos).
Fernando Pessoa, O privilégio dos caminhos
op. cit Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 64
onde os nossos deuses não habitam - coisas que
faltavam mas que estavam já no coração.
Os nossos deuses são velhos. Esqueceram-se de nós
como de muitos filhos (bastardos).
Fernando Pessoa, O privilégio dos caminhos
op. cit Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 64
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Fernando Pessoa / heterónimos,
Gérard de Cortanze
Em ti desejava captar
a águia e os seus instintos.
Poder pintar o nevoeiro
da claridade solar.
Sinto que em ti palpita
o meu pensamento.
Depois do silêncio
virá uma fuga húmida.
Depois da tua natureza: uma curva
que respira. Os teus lábios
livres - purificados.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 47
a águia e os seus instintos.
Poder pintar o nevoeiro
da claridade solar.
Sinto que em ti palpita
o meu pensamento.
Depois do silêncio
virá uma fuga húmida.
Depois da tua natureza: uma curva
que respira. Os teus lábios
livres - purificados.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 47
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Gérard de Cortanze,
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Prémio Charles Vidrac
«Dormias, entre
lençóis de tesouras entrançadas.
Dormias.
Não me atrevi a tocar-te.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 17
lençóis de tesouras entrançadas.
Dormias.
Não me atrevi a tocar-te.
Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 17
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Gérard de Cortanze,
Prémio Charles Vidrac
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
«E agora a profundeza do céu consterna-me; a sua limpidez exaspera-me. A insensibilidade do mar, a imutabilidade do espectáculo, revoltam-me...Ah! será preciso sofrer eternamente, ou fugir eternamente do belo?
Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, deixa-me! Cessa de provocar os meus desejos e o meu orgulho! O estudo da beleza é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.14
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«(...) todas estas coisas pensam através de mim, ou eu através delas (pois na grandeza do sonho, o eu perde-se depressa!);»
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.13
Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.13
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
domingo, 13 de fevereiro de 2011
«O que não é luz, é Pedra.»
Octavio Paz
Octavio Paz
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«O império da beleza inspira respeito e até o celerado mais corrompido lhe presta, apesar de tudo, uma espécie de culto que não infringe sem sentir remorsos.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 93
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 93
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Marquês de Sade
Mia vita, a te non chiedo lineamenti
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.
Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.
Eugenio Montale in Ossi di seppia
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.
Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.
Eugenio Montale in Ossi di seppia
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Portami il girasole ch'io lo trapianti
nel mio terreno bruciato dal salino,
e mostri tutto il giorno agli azzurri specchianti
del cielo l'ansietà del suo volto giallino.
Tendono alla chiarità le cose oscure,
si esauriscono i corpi in un fluire
di tinte: queste in musiche.
Svanire è dunque la ventura delle venture.
Eugenio Montale in Ossi di seppia
nel mio terreno bruciato dal salino,
e mostri tutto il giorno agli azzurri specchianti
del cielo l'ansietà del suo volto giallino.
Tendono alla chiarità le cose oscure,
si esauriscono i corpi in un fluire
di tinte: queste in musiche.
Svanire è dunque la ventura delle venture.
Eugenio Montale in Ossi di seppia
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sábado, 12 de fevereiro de 2011
«Mas eu não conhecia o coração que procurava enternecer.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 44
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 44
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The Kiss of Peace, by Julia Margaret Cameron (c.1869)
"A picture instinct with delicate observation, sweetness and refinement. One of the noblest works ever produced by photography."
P. H. Emerson
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«Todos os dias, a todos os minutos, tereis diante dos olhos essa mãe terna a que a vossa mão bárbara terá lançado no túmulo, ouvireis a sua voz queixosa pronunciar mais uma vez o doce nome que foi o encanto da vossa infância...Ela aparecer-vos-á nas nossas vigílias, perseguir-vos-á nos vossos sonhos, abrirá com as suas mãos ensanguentadas todas as feridas que lhe tiverdes causado. Deste então, nunca mais tereis um momento de sossego na Terra, todos os vossos prazeres serão envenenados, todas as vossas ideias se perturbarão, e a mão celeste, cujo poder ignorais, vingará os dias que tiverdes destruído, deteriorará todos os vossos, e sem que tenhais fruído o resultado da vossa malvadez perecereis do remorso mortal de terdes ousado pô-la em prática.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 44
«Todas as vezes que cortava pão, punha-se um cestinho por baixo para recolher o que caía e a que se juntava cuidadosamente as migalhas das refeições. Aos domingos tudo isso era frito com um pouco de manteiga rançosa e constituía o banquete desse dia de descanso.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 22
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 22
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«(...) A virtude que tanto alardeais não serve para nada deste mundo e por muito que a exibais ninguém vos dará um copo de água por ela. As pessoas que como nós se prestam a dar esmola, uma das coisas que fazemos menos e que mais nos repugna, querem ser recompensadas pelo dinheiro que tiram do bolso.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 16
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«Quanto mais empobrecia mais me desprezavam; quanto mais precisava de auxílio menos esperança tinha de o obter ou mais propostas indignas e ingnominiosas me faziam.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 16
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 16
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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
«Tu sabes, basta um pouco de chuva
para reverdecer a erva dos caminhos.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 170
para reverdecer a erva dos caminhos.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 170
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Na montanha
Das águas do Jing emergem rochas brancas,
num céu gélido revolteiam folhas púrpura.
Não choveu nos caminhos da montanha,
mas minha cabaia humedecida pelo azul do vazio.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 167
num céu gélido revolteiam folhas púrpura.
Não choveu nos caminhos da montanha,
mas minha cabaia humedecida pelo azul do vazio.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 167
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Adeus à Primavera
Os dias cada vez mais vazios, eu envelhecendo,
mas todos os anos trazem de volta a Primavera.
Meus pequenos prazeres numa taça de vinho,
para quê lamentar o esvoaçar das flores.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 153
mas todos os anos trazem de volta a Primavera.
Meus pequenos prazeres numa taça de vinho,
para quê lamentar o esvoaçar das flores.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 153
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Adeus
Desces do cavalo, encho-te a taça de vinho,
peço-te notícias, não pareces feliz.
''Estou de regresso, vou descansar nos montes do Sul.''
Podes partir, não faço mais perguntas.
Nas montanhas, nuvens brancas ao encontro do céu.
_________________
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 137
peço-te notícias, não pareces feliz.
''Estou de regresso, vou descansar nos montes do Sul.''
Podes partir, não faço mais perguntas.
Nas montanhas, nuvens brancas ao encontro do céu.
_________________
O interlocutor do poeta é, segundo alguns comentadores chineses,
o também poeta e mandarim Meng Haoran (690-740) que, caído em
desgraça, procura a paz, a liberdade, nas montanhas, entre nuvens e céu.
Wang Wei sabe. Quem depende dos homens está sujeito a mil mudanças,
quem depende da Natureza é eterno.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 137
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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Crepúsculo outonal na montanha
Depois da chuva, na montanha vazia,
a frescura do entardecer anunciando o Outono.
Os pinheiros filtrando raios de luar,
um arroio de cristal brincando sobre as pedras.
Os bambus sussurrando, as lavadeiras regressando,
os lótus ondulando, a barca do pescador oscilando.
Pouco a pouco esvai-se o perfume da Primavera.
Sim, como conservá-lo?
__________________________
Os pinheiros, verdes todo o ano, as pedras, imutáveis, evocam a permanência,
a longevidade, enquanto o luar e as águas a correr simbolizam a imaterialidade
das coisas. Em Wang Wei tudo se entrelaça.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 135
a frescura do entardecer anunciando o Outono.
Os pinheiros filtrando raios de luar,
um arroio de cristal brincando sobre as pedras.
Os bambus sussurrando, as lavadeiras regressando,
os lótus ondulando, a barca do pescador oscilando.
Pouco a pouco esvai-se o perfume da Primavera.
Sim, como conservá-lo?
__________________________
Os pinheiros, verdes todo o ano, as pedras, imutáveis, evocam a permanência,
a longevidade, enquanto o luar e as águas a correr simbolizam a imaterialidade
das coisas. Em Wang Wei tudo se entrelaça.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 135
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Como pesa, no corpo, a mais leve de todas as sedas!
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 125
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 125
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Alma ausente
No te conoce el toro ni la higuera,
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.
No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.
El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y montes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.
Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.
No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.
Frederico García Lorca
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.
No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.
El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y montes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.
Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.
No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.
La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.
Frederico García Lorca
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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
A natureza do mal
«Serão uma mesma coisa [o bem e o mal], pela qual testemunhamos com raiva
nossa impotência, e a paixão de alcançar o infinito, mesmo pelos meios mais
insensatos? Ou então, serão duas coisas diferentes? Sim... que sejam antes a
mesma coisa... pois senão, o que será de mim no dia do juízo?»
Lautréamont. Os cantos de Maldoror, Poesias, Cartas., p. 78
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POETA URUGAIO
Ode II
Igual dos deuses esse homem
me parece: diante de ti
sentado, e tão próximo, ouve
a doçura da tua voz,
e o teu riso claro e solto. Pobre
de mim: o coração me bate
de assustado. Num ápice te vejo
e a voz me vai;
a língua paralisa; um arrepio
de fogo, fugaz e fino,
corre-me a carne; enevoados
os olhos; tontos os ouvidos.
O suor me toma, um tremor
me prende. Mais verde sou
do que uma erva – e de mim
não me parece a morte longe…
Alvim, P. tr. Safo de Lesbos. São Paulo: Ars Poética, 1992.
me parece: diante de ti
sentado, e tão próximo, ouve
a doçura da tua voz,
e o teu riso claro e solto. Pobre
de mim: o coração me bate
de assustado. Num ápice te vejo
e a voz me vai;
a língua paralisa; um arrepio
de fogo, fugaz e fino,
corre-me a carne; enevoados
os olhos; tontos os ouvidos.
O suor me toma, um tremor
me prende. Mais verde sou
do que uma erva – e de mim
não me parece a morte longe…
Alvim, P. tr. Safo de Lesbos. São Paulo: Ars Poética, 1992.
Presumível retrato da poeta grega Safo.
Pintura proveniente de Pompeia. Colecção Roger-Viollet
Pintura proveniente de Pompeia. Colecção Roger-Viollet
Semelhante aos deuses me parece
o homem que diante de ti se senta
e, tão doce, a tua voz escuta,
ou amoroso riso – que tanto agita
meu coração de súbito, pois basta ver-te
para que nem atine com o que diga,
ou a língua se me torne inerte.
Um subtil fogo me arrepia a pele,
deixam de ver meus olhos, zunem meus ouvidos,
o suor inunda-me o corpo de frio,
e tremendo toda, mais verde que as ervas,
julgo que a morte não pode já tardar.
Eugénio de Andrade. Poemas e Fragmentos de Safo. Porto, Limiar, 1974
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Na primavera, pensamentos da mulher sozinha
Dói muito olhar a chuva, caindo como rolos de seda,
a saudade cresce quando o vento da Primavera rasga o
[céu.
Caem flores sobre a terra coberta de musgo,
dia após dia, ninguém me vem visitar.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 117
a saudade cresce quando o vento da Primavera rasga o
[céu.
Caem flores sobre a terra coberta de musgo,
dia após dia, ninguém me vem visitar.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 117
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Partindo de madrugada para o desfiladeiro de Ba
De madrugada, com restos de Primavera,
deixo a capital, rumo ao desfiladeiro de Ba.
Uma mulher lava roupa nas águas limpas do rio,
os pássaros chilreiam ao sol da manhã.
Sobre as águas, faz-se o comércio nos barcos,
há pontes suspensas do topo das árvores.
Subo a um monte, emergem cem aldeias,
lá longe, dois rios brilham como prata.
As pessoas falam estranhos dialectos,
mas os pintassilgos cantam, como na minha terra.
Sou capaz de reconhecer a paisagem,
minha tristeza se atenua.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 107
deixo a capital, rumo ao desfiladeiro de Ba.
Uma mulher lava roupa nas águas limpas do rio,
os pássaros chilreiam ao sol da manhã.
Sobre as águas, faz-se o comércio nos barcos,
há pontes suspensas do topo das árvores.
Subo a um monte, emergem cem aldeias,
lá longe, dois rios brilham como prata.
As pessoas falam estranhos dialectos,
mas os pintassilgos cantam, como na minha terra.
Sou capaz de reconhecer a paisagem,
minha tristeza se atenua.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 107
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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
«Sinto saudades do meu amigo, em viagem,
ergo a taça, não sou capaz de beber.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 91
ergo a taça, não sou capaz de beber.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 91
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«Não, não sou ainda um velho,
ao meu coração compraz a vida de ermita.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 90
ao meu coração compraz a vida de ermita.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 90
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VI
Após a chuva da noite, os botões da flor de pessegueiro
aveludadamente rosa,
com a névoa da manhã, os rebentos de salgueiro
intensamente verdes.
Os criados não varreram o tapete de pétalas caídas,
os rouxinóis cantam, o homem da montanha dorme ain-
[da.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 71
aveludadamente rosa,
com a névoa da manhã, os rebentos de salgueiro
intensamente verdes.
Os criados não varreram o tapete de pétalas caídas,
os rouxinóis cantam, o homem da montanha dorme ain-
[da.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 71
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«O caminho foi espinhoso, ninguém duvida com certeza, pois é através da mais humilhante e dura aprendizagem que tais raparigas triunfam na vida. A que hoje se deita no leito de um príncipe talvez ainda tenha no corpo as marcas humilhantes da brutalidade dos libertinos depravados em cujas mãos a lançaram a sua estreia, a sua juventude e a sua inexperiência.»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.9/10
« (...) Vim pedir-vos os conselhos de que a minha juventude e a minha infelicidade necessitam e vós quereis que os pague com um crime...»
Justine
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.9
Justine
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.9
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« (...), acontece infelizmente que devido à perversidade alheia só se nos deparam espinhos, enquanto os maus só colhem rodas, que admira que pessoas privadas de um fundo de virtude tão grande que lhes permite colocarem-se acima das reflexões resultantes de tão tristes circunstâncias pensem que mais vale abandonarem-se à torrente do que resistir-lhe e digam que a virtude, por muito bela que seja, quando infelizmente é demasiado fraca para lutar contra o vício se transforma no pior partido que se pode tomar e que num século inteiramente corrompido o mais seguro é proceder como os outros? Um pouco mais instruídos, se quisermos, e abusando das luzes adquiridas, não dirão como o anjo Jesrad, de Zadig, que não há mal donde não provenha bem?»
Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.5
A lua sobre o rio do Leste
A lua sai de dentro da montanha,
eleva-se, devagar, sobre o portão da casa.
Mil árvores perfuram a humidade do céu,
nuvens negras voam no espaço.
De súbito, o luar embranquece a floresta,
a terra respira no orvalho frio.
Águas de Outono cantam nas cascatas,
uma névoa azul paira sobre as rochas,
sombras partidas abraçam cumes vazios.
Como num sonho, tudo é transparente, puro.
De pé, à janela, diante do rio.
de madrugada, sonolento, sem pensar.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 63
eleva-se, devagar, sobre o portão da casa.
Mil árvores perfuram a humidade do céu,
nuvens negras voam no espaço.
De súbito, o luar embranquece a floresta,
a terra respira no orvalho frio.
Águas de Outono cantam nas cascatas,
uma névoa azul paira sobre as rochas,
sombras partidas abraçam cumes vazios.
Como num sonho, tudo é transparente, puro.
De pé, à janela, diante do rio.
de madrugada, sonolento, sem pensar.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 63
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«Invisíveis as gentes do lugar,
a névoa principia aos pés da minha cama.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 62
a névoa principia aos pés da minha cama.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 62
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Em Qizhou, adeus a Zu, o Terceiro
No reencontro, apenas o tempo de um sorriso,
logo depois, na despedida, lágrimas nos olhos.
As salas tristes, amarga, deserta a cidade,
frio o céu, distantes, puras, as montanhas.
Cai a tarde, correm as águas do grande rio.
A tua barca parte, de velas enfunadas,
eu, de pé, na margem, os meus olhos em ti,
um longo momento.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 59
logo depois, na despedida, lágrimas nos olhos.
As salas tristes, amarga, deserta a cidade,
frio o céu, distantes, puras, as montanhas.
Cai a tarde, correm as águas do grande rio.
A tua barca parte, de velas enfunadas,
eu, de pé, na margem, os meus olhos em ti,
um longo momento.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 59
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«Se um dia me sorrir a ventura do regresso,
ficará a tristeza, os cabelos embranquecidos pelos anos.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 57
ficará a tristeza, os cabelos embranquecidos pelos anos.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 57
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Meditando no Outono
No alpendre, um vento gelado
atravessa a minha roupa fina.
É noite, ressoam os últimos tambores,
goteja a água na clepsidra de jade.
A lua atravessa a Via Láctea,
embebeda-a de luz.
Uma pega salta de uma árvore de Outono,
uma chuva de folhas cai.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 56
atravessa a minha roupa fina.
É noite, ressoam os últimos tambores,
goteja a água na clepsidra de jade.
A lua atravessa a Via Láctea,
embebeda-a de luz.
Uma pega salta de uma árvore de Outono,
uma chuva de folhas cai.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 56
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«Não me vou perder quando um dia aqui voltar,
acordarei ao nascer da aurora, subirei a montanha.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 53
acordarei ao nascer da aurora, subirei a montanha.»
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 53
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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
A senhora Xi
As boas graças do presente
não fazem esquecer os anos do passado.
Os olhos cheios de lágrimas,
jamais disse uma palavra ao príncipe de Chu.
___________________
Este jueju, apenas vinte caracteres, necessita, ao bom modo dos comentado-
res chineses, de uma longa explicação.
Terá sido composto em circunstâncias muito particulares, por ordem do príncipe
Ning, irmão do imperador Xuanzong.
O príncipe, apesar de possuir já dez mulheres no seu serralho, cobiçou a esposa
bonita de um pasteleiro da cidade e acabou por fazer dela sua concubina, recom-
pensando o homem com umas tantas moedas de prata. Um ano mais tarde,
perguntou à agora sua concubina favorita se ela ainda recordava o antigo marido.
Como sempre, a mulher não falou e o príncipe deu ordens para trazerem o padei-
ro à presença de ambos. A concubina, ao olhar o marido, começou a chorar.
O príncipe Ning pediu então aos poetas presentes na corte que compusessem
um poema sobre o sucedido. Wang Wei tinha 20 anos e improvisou este jueju.
No entanto, ao referir o príncipe de Chu, recordava uma outra história.
Em 680 a.c., o príncipe de Chu derrotou o príncipe de Xi e ficou com a esposa
deste último. A mulher deu-lhe dois filhos, mas jamais pronunciou uma só palavra
na presença do novo senhor. Um dia explicou porquê: ' Eu, pobre de mim, fui
condenada a servir dois amos. Incapaz de encontrar a morte, que posso então
dizer?''
Com este poema, ao recordar uma história esquecida, Wang Wei impressionou
de tal modo o príncipe Ning, e a corte, que a mulher do pasteleiro foi entregue
ao seu primeiro marido.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 48
não fazem esquecer os anos do passado.
Os olhos cheios de lágrimas,
jamais disse uma palavra ao príncipe de Chu.
___________________
Este jueju, apenas vinte caracteres, necessita, ao bom modo dos comentado-
res chineses, de uma longa explicação.
Terá sido composto em circunstâncias muito particulares, por ordem do príncipe
Ning, irmão do imperador Xuanzong.
O príncipe, apesar de possuir já dez mulheres no seu serralho, cobiçou a esposa
bonita de um pasteleiro da cidade e acabou por fazer dela sua concubina, recom-
pensando o homem com umas tantas moedas de prata. Um ano mais tarde,
perguntou à agora sua concubina favorita se ela ainda recordava o antigo marido.
Como sempre, a mulher não falou e o príncipe deu ordens para trazerem o padei-
ro à presença de ambos. A concubina, ao olhar o marido, começou a chorar.
O príncipe Ning pediu então aos poetas presentes na corte que compusessem
um poema sobre o sucedido. Wang Wei tinha 20 anos e improvisou este jueju.
No entanto, ao referir o príncipe de Chu, recordava uma outra história.
Em 680 a.c., o príncipe de Chu derrotou o príncipe de Xi e ficou com a esposa
deste último. A mulher deu-lhe dois filhos, mas jamais pronunciou uma só palavra
na presença do novo senhor. Um dia explicou porquê: ' Eu, pobre de mim, fui
condenada a servir dois amos. Incapaz de encontrar a morte, que posso então
dizer?''
Com este poema, ao recordar uma história esquecida, Wang Wei impressionou
de tal modo o príncipe Ning, e a corte, que a mulher do pasteleiro foi entregue
ao seu primeiro marido.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 48
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Subindo à torre da muralha de Hebei
Na aldeia, sobre a falésia de Fu,
o pavilhão dos viajantes, entre bruma e nuvens.
Do alto da muralha, contemplo o sol poente,
o rio distante espelha as montanhas verdes.
Nas águas, uma luz brilha em barca solitária,
anoitece, pescadores e aves, de regresso.
Adormecem os espaços do céu e da terra
e meu coração em paz, como o grande rio.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 47
o pavilhão dos viajantes, entre bruma e nuvens.
Do alto da muralha, contemplo o sol poente,
o rio distante espelha as montanhas verdes.
Nas águas, uma luz brilha em barca solitária,
anoitece, pescadores e aves, de regresso.
Adormecem os espaços do céu e da terra
e meu coração em paz, como o grande rio.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 47
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Canções de uma noite de Outono
I
Na longa noite, gota a gota, cai a água na clepsidra,
as nuvens finas, dispersas, deixam passar o luar.
Escondidos, os insectos de Outono inundam de canções o ar.
Não chegou ainda a roupa de Inverno, oxalá a geada não
[comece a cair.
II
Brilhante a acácia na lua, suave o orvalho de Outono,
ela não despiu a túnica de seda leve.
Rasga a noite, dedilhando a lira de prata,
perturbada, não deseja o regresso ao quarto vazio.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 37
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A leste das montanhas, recordando meus irmãos
Solitário, estranho em terra estranha,
em dia de festa, mais viva a saudade dos meus.
Eu sei, lá longe, meus irmãos subindo ao alto,
levando, cada um, um ramo de abrunheiro.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 34
em dia de festa, mais viva a saudade dos meus.
Eu sei, lá longe, meus irmãos subindo ao alto,
levando, cada um, um ramo de abrunheiro.
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 34
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Inscrição jovial numa pedra
Os seixos bonitos na nascente cristalina,
um ramo de salgueiro pincelando,
ao de leve, a minha taça de vinho.
Se o vento da Primavera
ignora o sentir de um coração
porque sopra para mim as pétalas da flor?
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 31
um ramo de salgueiro pincelando,
ao de leve, a minha taça de vinho.
Se o vento da Primavera
ignora o sentir de um coração
porque sopra para mim as pétalas da flor?
Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 31
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' (...) após contemplar um quadro de Wang Wei, Su Dongbo escreve:'
'' Ele ultrapassou todos os limites, tem as asas de um imortal que paira por cima da gaiola.[...] Olhei um dos quadros, longamente. Retirei-me em silêncio, incapaz de pronunciar uma palavra.''
Su Dongbo in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 23
Su Dongbo in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 23
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(...)
Eis aqui o lago Longting,
mais além a trança prateada de um ribeiro.
O vento suspira na copa das árvores,
as nuvens amontoam-se num tropel.
Será que o pescador, remando solitário,
Vai encontrar abrigo, antes de anoitecer?
Du Fu in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 22
Eis aqui o lago Longting,
mais além a trança prateada de um ribeiro.
O vento suspira na copa das árvores,
as nuvens amontoam-se num tropel.
Será que o pescador, remando solitário,
Vai encontrar abrigo, antes de anoitecer?
Du Fu in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 22
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Ervas sobre a planície antiga: uma canção de despedida
Aqui e ali, surgem ervas na planície,
Em cada ano morrem e renascem.
Fogos selvagens queimam-nas, não as matam,
Com o vento primaveril, ei-las outra vez!
A fragrância, longínqua, perfuma a via antiga:
Um feixe de esmeraldas nas velhas ruínas.
É tempo, outra vez, de dizermos adeus,
E do senhor que parte se despedem elas.
Bai Juyi
Em cada ano morrem e renascem.
Fogos selvagens queimam-nas, não as matam,
Com o vento primaveril, ei-las outra vez!
A fragrância, longínqua, perfuma a via antiga:
Um feixe de esmeraldas nas velhas ruínas.
É tempo, outra vez, de dizermos adeus,
E do senhor que parte se despedem elas.
Bai Juyi
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
ESTRAGON Há quanto tempo é que estamos juntos?
VLADIMIR Não sei. Talvez há cinquenta anos.
ESTRAGON Lembras-te do dia em que me atirei ao rio
Ródano?
VLADIMIR Andávamos nas vindimas.
ESTRAGON Foste tu que me tiraste lá de dentro.
VLADIMIR Isso já está morto e enterrado.
ESTRAGON As minhas roupas secaram ao sol.
VLADIMIR Não penses mais nisso. Anda.
Arrasta-o consigo. Como antes.
ESTRAGON Espera.
VLADIMIR Estou com frio!
ESTRAGON Espera! (Afasta-se de Vladimir.) Não sei se
não estaríamos melhor sozinhos, cada um
para o seu lado. (Atravessa o palco e senta-se
no monte de terra.) Não fomos feitos para o
mesmo caminho.
VLADIMIR (sem se ofender) Vai-se lá saber.
ESTRAGON Pois é, nunca se sabe.
Vladimir atravessa o palco lentamente e
senta-se ao lado de Estragon.
VLADIMIR Se achas que é melhor, podemos sempre se-
parar-nos.
ESTRAGON Agora já não vale a pena.
Silêncio.
VLADIMIR Pois, agora já não vale a pena.
Silêncio.
ESTRAGON Então, vamos embora?
VLADIMIR Vamos.
Não se mexem.
Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.73
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Ternura deslocada
Plutarco na sua vida de Sólon, nota que a grande maioria das pessoas cujos corações estão quer por natureza quer por artifício fechados aos sentimentos ternos inspirados por afectos de qualquer espécie foi observada a conceder os seus sentimentos a objectos absolutamente indignos e desprezíveis. Esta teoria pode ser adequadamente ilustrada e confirmada pelos que amam apaixonadamente animais e raramente ganharam reputação de filantropos; e embora este não passe de um leve assunto de especulação, ainda assim oferece tantos exemplos que não deveria passar despercebido num trabalho que professe tratar não tanto de questões sérias quanto de questões leves de um modo sério.
Lord Lytton, citando M. Georges Duval, diz-nos que a afeição por animais era um traço distintivo dos heróis sangrentos da Revolução Francesa. Couthon, ouvimos, estava grandemente preso a um spaniel que invariavelmente levava ao colo para a Convenção; Chaunette devotava as suas horas vagas a um aviário; Founier levava aos ombros um esquilo preso por uma cadeia de prata; «Panis mostrava a maior ternura por dois faisões dourados; e Marat, que não descontaria uma das três mil cabeças que pedia, criava pombas.» Billaud, diz Lord Macaulay, entretinha as horas solitárias dos seus últimos dias ensinando papagaios a falar.
«A propósito do spaniel de Couthon, Duval dá-nos uma anedota divertida de Sergent, um dos não menos implacáveis agentes do massacre de Setembro. Uma senhora veio implorar a sua protecção para um dos parentes dele encarcerado na Abbaye. Quase não condescendeu em falar à senhora. Quando em desespero ela se retirava, pisou por acidente a pata do favorito spaniel. Sergent, voltando-se, enraivecido e furioso exclamou, 'Senhora, não tendes humanidade?'»
Desumanidade com os humanos e humanidade com os animais num coração feminino (em que estes sentimentos contraditórios muitas vezes se encontram) é descrita no seguinte estilo por Mme Rieux: «Há certas mulheres que têm coração apenas para as bestas. O macaco da marquesa de ...mordeu tão perigosamente o braço de uma das suas criadas que se teve receio mesmo pela sua vida. Embora a marquesa ralhasse com o macaco e o proibisse de morder tanto outra vez, tiveram, contudo, de cortar o braço à criada. Alguns dias depois da sua cura, vendo a marquesa que não podia prestar os mesmos serviços que dantes, despediu-a prometendo que tomaria conta dela. Sendo censurada pela desumanidade deste acto, respondeu mal-humorada 'Mas que queriam que fizesse com aquela criada? Ela só tinha um braço.'»
Umas linhas de juvenal podem servir de pendant a esta história:
«Um animal ocupa invariavelmente o primeiro lugar no coração de uma mulher que não ama nem o seu amante nem o seu marido. E a vida destes valeria muito pouco se o sacrifício dela salvasse a existência do seu cão, do seu gato ou da sua ave.»
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 157/8
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