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segunda-feira, 25 de abril de 2011

«Mas eu sou humano, acho, e a minha progressão ressentia-se disso, desse estado de coisas, e de lenta e penosa que tinha sido até ali, tenha eu dito o que tiver, transformava-se, salvo o vosso respeito, em verdadeiro calvário, sem limite de estações nem esperança de crucificação.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 112

Porque o caçador...

«Porque o caçador no fundo não passa de um fraco e de um sentimental, com reservas de ternura e de compaixão, que não pedem outra coisa senão transbordar.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 96
«O meu primeiro cuidado portanto, ao cabo de algumas milhas na alvorada deserta, foi procurar um sítio onde dormir, porque o sono também é uma espécie de protecção, por mais paradoxal que isso possa parecer. Porque o sono, se é certo que excita o instinto de captura, parece apaziguar o da matança imediata e sangrenta, qualquer caçador vo-lo pode dizer.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 95

domingo, 24 de abril de 2011

«Também a ele, ela havia de enterrar um dia. Dentro da gaiola, provavelmente. Também a mim, se ali tivesse ficado, ela teria enterrado. Se tivesse o endereço dela, escrever-lhe-ia, para que viesse enterrar-me.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 53
«Eis uma das razões por que evito falar sempre que possível. Porque digo sempre ou demais ou de menos, o que me faz sofrer, porque sou um amante da verdade.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 48
«O homem do Egeu, sedento de calor, de luz, matei-o, matou-se ele, muito cedo, em mim.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 41

sábado, 23 de abril de 2011

Porém...

«Porém, só depois de deixar de viver é que penso, nestas e noutras coisas. É na tranquilidade da decomposição que me recordo dessa longa emoção confusa que foi a minha vida, e que a julgo, como se diz que Deus nos há-de julgar e com a mesma impertinência.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 34

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ESTRAGON     Há quanto tempo é que estamos juntos? 
VLADIMIR       Não sei. Talvez há cinquenta anos.
ESTRAGON     Lembras-te do dia em que me atirei ao rio
                          Ródano?
VLADIMIR       Andávamos nas vindimas.
ESTRAGON     Foste tu que me tiraste lá de dentro.
VLADIMIR       Isso já está morto e enterrado.
ESTRAGON     As minhas roupas secaram ao sol.
VLADIMIR       Não penses mais nisso. Anda.
                          Arrasta-o consigo. Como antes.
ESTRAGON     Espera.
VLADIMIR       Estou com frio!
ESTRAGON     Espera! (Afasta-se de Vladimir.) Não sei se
                          não estaríamos melhor sozinhos, cada um
                          para o seu lado. (Atravessa o palco e senta-se
                          no monte de terra.) Não fomos feitos para o
                          mesmo caminho.
VLADIMIR       (sem se ofender) Vai-se lá saber.
ESTRAGON      Pois é, nunca se sabe.
                           Vladimir atravessa o palco lentamente e
                            senta-se ao lado de Estragon.
VLADIMIR         Se achas que é melhor, podemos sempre se-
                            parar-nos.
ESTRAGON       Agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
VLADIMIR         Pois, agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
ESTRAGON       Então, vamos embora?
VLADIMIR         Vamos.
                             Não se mexem.
 

Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.73

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

POZZO   (...) « O ar esta noite tem qualquer coisa de outono. (Pozzo acaba de vestir o casaco, dobra-se, verifica se está bem, endireita-se.) Chicote! (Luckey avança, dobra-se, Pozzo arranca-lhe o chicote da boca, Luckey volta ao seu lugar.) Pois é, meus senhores, não posso passar muito tempo sem conviver com os meus semelhantes (põe os óculos e olha para os dois semelhantes) mesmo quando a semelhança é imperfeita.»



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 34/5

domingo, 30 de janeiro de 2011

ESTRAGON    Olha para isto. (Observa o que resta da cenoura segurando-a pela rama.) É engraçado
                         que quanto mais como pior me sabe.
VLADIMIR      Comigo é exactamente o contrário.
ESTRAGON     Ou seja?
VLADIMIR      À medida que como vou-me habituando ao gosto.
ESTRAGON     (após prolongada reflexão)   E isso é o con-
                          trário?
VLADIMIR       Uma questão de temperamento.
ESTRAGON      De personalidade.
VLADIMIR       Não podes fazer nada.
ESTRAGON     É inútil resistir.
VLADIMIR       Cada um é o que é.
ESTRAGON     É inútil fugir.
VLADIMIR       O essencial nunca se altera.




Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 30/1

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ESTRAGON    E se nos enforcássemos?
VLADIMIR      Mmm. Depois ficávamos com tesão!
ESTRAGON    (muito excitado) Tesão?
VLADIMIR      Com todas as suas consequências. Crescem
                         mandrágoras onde ele cai. É por isso que
                         elas gritam quando as arrancamos. Não sa-
                         bias?
ESTRAGON    Vamos enforcar-nos agora mesmo!
VLADIMIR      Num ramo? (Aproximam-se da árvore.) Não
                         me parece de confiança.
ESTRAGON    Não se perde nada em experimentar.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.25/6

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

ESTRAGON   (frio) Há alturas em que não sei se não seria
                         melhor separarmo-nos.
VLADIMIR      Não ias longe.
ESTRAGON    Isso seria muito mau, muito mau mesmo.
                         (Pausa.)Não é verdade, Didi, muito mau
                          mesmo? (Pausa.) Tendo em conta a beleza
                          do caminho. (Pausa.) E a bondade dos ca-
                          minhantes. (Pausa. Carinhoso.) Não é verda-
                          de, Didi?


Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.24
ESTRAGON     Tens a certeza que era esta noite?
VLADIMIR       O quê?
ESTRAGON     Que tínhamos de esperar.


Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.23
VLADIMIR       Fico contente por te voltar a ver. Pensava
                          que te tinhas ido embora para sempre.
ESTRAGON      Também eu.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006

Acto I

Uma estrada no campo. Uma árvore.
                      Anoitecer.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006
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