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sábado, 14 de maio de 2011

    «É meia-noite. A chuva fustigava as vidraças. Estou calmo. Tudo dorme. Não obstante levanto-me e sento-me à secretária. Não tenho sono. A luz da lâmpada é firme e suave. Regulei-a para dar até de manhã. Ouço o bufo, ave nocturna. Que terrível grito de guerra! Outrora ouvia-o impassível. O meu filho dorme. Que durma. Virá a noite em que também, não podendo dormir, se sentará à mesa de trabalho. Estarei esquecido.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 133

segunda-feira, 25 de abril de 2011

«O meu primeiro cuidado portanto, ao cabo de algumas milhas na alvorada deserta, foi procurar um sítio onde dormir, porque o sono também é uma espécie de protecção, por mais paradoxal que isso possa parecer. Porque o sono, se é certo que excita o instinto de captura, parece apaziguar o da matança imediata e sangrenta, qualquer caçador vo-lo pode dizer.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 95

domingo, 24 de abril de 2011

«Também a ele, ela havia de enterrar um dia. Dentro da gaiola, provavelmente. Também a mim, se ali tivesse ficado, ela teria enterrado. Se tivesse o endereço dela, escrever-lhe-ia, para que viesse enterrar-me.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 53
«Eis uma das razões por que evito falar sempre que possível. Porque digo sempre ou demais ou de menos, o que me faz sofrer, porque sou um amante da verdade.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 48
«O homem do Egeu, sedento de calor, de luz, matei-o, matou-se ele, muito cedo, em mim.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 41
«Há que rendermo-nos à evidência, não somos nós que estamos mortos, são todos os outros.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 37
«As minhas razões? Tinha-as esquecido.Porém conhecia-as, julgava conhecê-las (...)»

Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 37
«Dentro do fosso a erva era basta e alta, tirei o chapéu e arrumei as compridas folhudas hastes à roda da cara. Cheirei então a terra, o cheiro da terra estava na erva, que as minhas mãos entrançavam sobre o rosto, de tal maneira que fiquei sem ver.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 37

sábado, 23 de abril de 2011

Porém...

«Porém, só depois de deixar de viver é que penso, nestas e noutras coisas. É na tranquilidade da decomposição que me recordo dessa longa emoção confusa que foi a minha vida, e que a julgo, como se diz que Deus nos há-de julgar e com a mesma impertinência.»



Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 34

quinta-feira, 21 de abril de 2011

«Seja como for, quero eu dizer tenha ou não me tenha visto, repito que o via afastar-se, a braços (eu) com a tentação de me levantar e de o seguir, de ir mesmo talvez com ele um dia, para o conhecer melhor, para eu próprio ficar menos sozinho. Mas apesar de este impulso da minha alma para ele, e o elástico da minha alma, por causa da obscuridade e também do terreno, atrás de cujas pregas desaparecia de vez em quando, para tornar a emergir mais adiante, mas sobretudo creio por mor das outras coisas que me chamavam e para as quais igualmente a minha alma devorava uma após outra, sem método e esbaforida. Falo naturalmente dos campos embranquecendo sob o carvalho e dos animais deixando de neles vaguear sem tomar as suas atitudes nocturnas, do mar do qual não direi palavra, do céu onde sem as ver sentia estremecer as primeiras estrelas, da minha mão sobre o meu joelho e ainda sobretudo do outro passeante.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 13/4
«Quanto a mim, gostaria agora de falar das coisas que me restam, de fazer as minhas despedidas, de acabar de morrer. Eles não querem. Sim, são muitos, parece. Mas é sempre o mesmo que vem.»


Samuel Beckett. Molloy. Tradução de Rui Guedes da Silva. Editorial Presença, 1964., p 7
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