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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Não me falem mais sobre a justiça, porque ela já não se encontra nos homens.

É a minha convicção, de quem tudo fez e, colheu os amargos frutos.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Deverei concordar sempre contigo, Pai, e dizer-te sempre o mesmo: hoje são as minhas cinzas espalhadas, amanhã serão as tuas. O que vos posso dizer, vós do meu sangue? Que vos amei sempre, embora, tenhais, colocado em cima dos meus ombros pesados fardos, e, uma pedra no lugar daquilo a que chamam coração. Não espero que a vida me contemple, porque talvez não tenha sido essa a semente que me trouxe a árida terra. Não espero que me possam compreender, pois, a raiva muito me consumiu, muito me fez alguém, eu, que tantos anos vivi como se não fosse ninguém. Contemplo a espera, o céu, e a estrela lá no alto. Dou por mim, silente, melancólica, pensando-te, a ti, o único do meu sangue, que, tanto me fez verter lágrimas. A minha memória era-me um fardo. Fui fechando as gavetas com o tempo, e hão-de permanecer fechadas;delas já não há nada a conhecer . Lembro-me do punhado de terra na mão fechada, que nunca pude verter sobre o túmulo, sem nada entender. E continuo sem entender, as coisas daquele tempo. Porém, reservaram-me a passagem dolorosa pelas brasas, e, delas colhi, a ternura da endurecida caminhada. Desde que te perdi, ó sangue, sou eu mesma, a que espezinhada e amedrontada, se ergueu do adormecimento, para ser, e apenas isso: ser e existir no vento que atravessa os desertos.


[e, com o tempo, vai terminando o patético e odioso labor dos umbigos.]

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Tardiamente

Alguém me disse que estava velha. Tardiamente compreendo. E a única chama que me fez envelhecer foi a dor. A dor de perder alguém. No calendário uma mancha de sangue assinala os dias já convertidos em mais de um ano passado. Batalho com os meus pensamentos, nas longas noites, nas madrugadas frias e silenciosas. Estamos sós, sim, de facto, sós. Não há ninguém para além da nossa vigília. A lanterna alimenta o desassossego. Deito-me e relembro. Relembro a náusea das paredes excessivamente brancas. Ninguém compreenderá. Já não o esperas. Lês à luz da cabeceira, tentando em vão que a viagem saceie o travo amargo. Tê-lo-ás sempre e, terás de viver com isso. Terás de viver, sabendo que, algures nesse dia morreram as tuas ingénuas esperanças. O céu é o teu rosto que as forças que guiam o alto, afastaram das minhas mãos. Já não há lágrimas, elas, tornaram-se o teu Outro, que observa, indiferente, as ruínas, o berço inumano. Dos ramos da amendoeira, bebo a primeva e longínqua presença. A taça erguida ao alto, chama pela minha sede. No sonho vagueio e escureço. Se me ouves o pranto ferido, acolhe-me no teu leito, que perdi as forças para viver nesta ilha, onde tudo é vago rumor.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

E há quem nos fira, por bem, embora teimemos em recusá-lo. A ferida que depois de amadurecida, revela as prismáticas iluminações. Iluminações, que, em retrospectiva, estiveram sempre tão próximas, mas eu tão cansada para  pensá-las, tão orgulhosamente entregue ao passado.

domingo, 8 de agosto de 2010

Aqui na mina, esta cavidade aberta, exposta à erosão do tempo, onde os pássaros acordam o dia e o silêncio, abri um livro: De Profundis, Valsa Lenta. Li-o em comunhão com o ar quente e húmido da tarde. Fui descobrindo a nascente de água, esse caminho subterrâneo que se abre para a condução, de uma espécie de escuridão branca. Uma comoção - uma viva dor de borboletas nocturnas com duras asas cobertas de escamas finas de cristais férreos -, atingiu-me na queda de todos os espelhos, todos os voos calcinados.

Num cubículo alto, com uma fenda em V, entre dois pilares de rochedos róseos com rugas acastanhadas pelo enclausuramento das rigorosas sombras, os meus olhos lançam-se pelas rasuras da água. A pele queima (é sombrio o Alentejo). Deito-me sobre a rocha, que arde sobre o meu corpo cavernoso. As nuvens em desordem, no céu, parecem tochas acesas de memórias.

Reanimo o clarão e o palácio desfeito num conta-gotas de soro, que lentamente me acordava, naquele destino de forcas, na arena. Lembro-me das paredes, ironicamente brancas quando os meus olhos apenas viam e sentiam le sang des fleurs morts. Noite profunda na hora despida de luz. No vidro polido, diante de ti, Outro que me olhas: representas o engano. A ferida, que na borda do bacio, reluz, sanguínea, a vulnerável timidez, essa sempre mascarada do arrogante orgulho, e no fundo alguém que viveu dentro de ti, embora morto, acompanha-te os passos. Não vem aterrorizar-te na hora dos sonhos, vem, acalmar-te: dar-te a mão para subires a montanha. «Vê como é vasta!» . Só sentimos falta do vento que nos tocou, quando na aridez seca da tarde, já não o sentimos leve na pele. Descem as pálpebras de seda frágil. Sinto os que não desistem de me lançar a mão, para que saia desta escuridão, que tanto tem procurado pelos meus limites, pela minha atordoada e desistente luta.


Não é a Beleza que dorme, é o sangue que se apaga, como que cansado da viagem. Não luto pelos secos ressentimentos. A harmonia...que engano Senhor!, Interessam-me poucos os nados vivos deste mundo velho. Fui-me apagando lentamente como a chama que na campânula sorri no frio nevoeiro. Quem pensa ao «contrário», tem defeito, é um triste de um louco (e o que eu sempre gostei de loucos!).
Caí de joelhos em memória. Ouvi aquela voz... e, da frágil boca de orvalho um leve «Vive, que eu sou sombra». Sonhei mais tarde com a desordem. A minha alma tornou-se viajante como essas borboletas muito ‘’atreitas às flores do cemitério’’ , e, o que hoje guardo, são os olhos desse Outro que refulgem contra o vidro da névoa; e a mão pequenina guardada no meu coração aponta o pássaro que no abismo, transporta no bico, um dente-de-leão que leva entre a canção e a penumbra, a dor da lembrança. Na flor da água sobre este fundo negro, eis-me defronte o espelho: a outra face contaminada.

A insónia, trouxe-me os dias doentes. As fissuras pálidas desse luto cansado. A luz à espera do amanhecer das horas. O pesar da alma que arrasta o corpo. Vivi muitos dias com o teu pensamento na minha almofada. Era teu e meu. Mergulhava no sal das estátuas, que no jardim, me afastavam do teu existir. Doíam-me todas as palavras, que pudesse usar para te nomear. O tempo...o tempo cura-nos a desistência e obriga-nos a edificar. Olhei para o princípio e apaguei o fim. Mergulhei no profundo abismo. A memória atraiçoa-nos. Virei-a do avesso. Ó psicoanálisis! Vi-te sobre o dorso da pedra. O destino mostrou-me o engano. O teu corpo, naquele pássaro, que poisou sobre a pedra salpicada de erosão negra, com olhos de ternura nívea, trouxe-me a verdade. Vi e compreendi a forma. Abracei o livro contra o peito. A memória de Outro. Valsa lenta. As minhas lágrimas últimas; a nuvem no céu pareceu-me forma surrealista , sentida pela tua ausência.


Quando no sonho contra as janelas baças, no nevoeiro adensado de copas verdes de grandes árvores, um homem transportava uma menina de vestido branco com as formigas que lhe subiam até aos joelhos dobrados, descendo depois, caindo pelo chão, como códeas, marcando um carreiro infindo, encontrei o demarcado vaguear das imagens. Os teus limites: suados abismos circulares, como essas peças articuláveis de movimento que nunca cessa.


A tua morte foi sentida no Éden. A criança de olhos meigos, com as pernas entre os silvados, veio arranhada, aconchegar-se ao pé da tua mão. Pegou-a, talvez como se nunca a tivesse esquecido, e num rasgão forte, puxou-te pelo movimento. Olhas-te-a confusa. Confiaste no desconhecido inquietar doce. Transportaste as imagens que ela te deu. Andaram sobre um campo cheio de flores de espécies inomeáveis. Jogaste o velho jogo do mundo Rayuela, na terra vermelha e férrea. Cansaram as pernas e o coração. Num sopro, caíram cheios de ar e exaustos no pó do chão. Os Rostos colaram-se de lado e os seus olhos sorriam como as estrelas escondidas no céu diurno. Apagou-se a luz. Veio a nocturna passagem. Uma floresta, um jogo de escondidas, que em anseio, corremos de olhos vendados à procura de um rosto atrás duma árvore. Suspirei, vi-o ao longe, continuou a sorrir: acenou com a mão um adeus...e, nunca mais o vi. Procuraste entre as flores e nada, nem semente! Mas imagine-se, um sussurro na tua pele, guarda a sua existência. Entraste no lugar dum Outro, que és tu mesma: um Outro que vive a tua arborescência. O fogo de todos os arrozais. A escuridão de todos os nevoeiros. A neve no deserto presa ao ar rarefeito.

A dourada linha reveste a moldura. Rostos cínzeos fixam os teus olhos. Uma chama escorrega do isqueiro; a chama é como uma chaga, que consome as máscaras. As do teu rosto? Queimas a memória dos mortos, e guarda-las apenas no aguaceiro da escuridão branca. Regressas, com cinzas verdes nas mãos. Levantas-te do túmulo: na mina inteira, há olhos cegos, a queda do alto dos pássaros encolhidos na hora do inferno contra os rochosos escombros, que saúdam os teus perdidos passos, por breve momentos encontrados.

Sobes o caminho, os pássaros com corpo de corvos astutos, vigiam-te os passos perdidos. Continuas a subir. A cada escalada, as brasas fervem em lava. Os olhos procuram o fim desse caminho que te afasta deste lugar. Promessas!, ó ironia das promessas vãs. Uma lágrima quente, suave, despede-se desta ruína. O ar queima ...a garganta encolhe-se. Que caiam as máscaras...

Lento o teu regresso, mais lenta a partida daqueles que te sangraram. Viaja e vive! Os teus pés são as coordenadas da desordem. Desfruta das mãos que te suavizam a tensão dos ombros nus. Que o teu coração aprenda a desaprender do orgulho e raiva em que consomes as amarras dos teus espectros. Vive a mutação do teu Ser, que a suave forma da protecção te preencha em amor. Que os teus cansados desapontamentos sejam apenas breves passagens entre as rochas, desse lugar, onde encontras a solidão e o subtil acompanhar.
O céu traz a adensada forma: no lugar onde abandonaste o sonho encontrarás o princípio.

7 de Agosto de 2010
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