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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A leste das montanhas, recordando meus irmãos

Solitário, estranho em terra estranha,
      em dia de festa, mais viva a saudade dos meus.
Eu sei, lá longe, meus irmãos subindo ao alto,
      levando, cada um, um ramo de abrunheiro.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 34

sábado, 20 de novembro de 2010

IV Tortura e indústria

Não, isto não é uma prisão. Deve ser uma oficina. Aqui trabalha-se. Não podes deixar de ver grandes ferramentas, guinchos, plataformas elevatórias e potros. Há guindastes em movimento nestes pavilhões, correntes rangem, giram sarilhos e rodas. Ao fundo arde ainda o fogo, o fumo sobe. Parece mesmo que estamos numa forja. Só os pregos além são difíceis de explicar, e as estacas; e aquelas construções de madeira - não sabemos se são andaimes, se patíbulos.
 
As semelhanças entre os instrumentos de tortura de uma época e os seus
instrumentos técnicos.
Primeiro grau, esmagamento dos polegares em tornos com ranhuras ou pon-
tas rombas: a tortura de Bamberg.
Segundo grau, torniquete violento nos braços, feito com cordões de pêlo, e
torção das pernas: o instrumento de Mecklemburgo.
Terceiro grau, alongamento do corpo no potro ou sobre uma escada de mão,
acompanhado de queimaduras nos flancos, nos braços e nas unhas; a lebre
lardeada.
E assim a tortura se manteve nos tribunais alemães até ao fim do século
XVIII, e mesmo depois.
 
 
Hans Magnus Enzensberger. Mausoléu. Trad. e prefácio de João Barrento. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 93

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Tanque de Bashô

O tanque junto a que o crepúsculo mo traz é o de
Bashô.
A água maravilha-se.

Inquinam-se as imagens, a pequena rotação do outono,
o dia decompõe-se, o sangue explode contra a claridade.

Um nó de leite a nudez cresce pela água.


Luís Miguel Nava. Poesia Completa 1979-1994. Prefácio de Fernando Pinto do Amaral e Org. e Posfácio de Gastão Cruz. Publicações Dom Quixote, Porto, 1ª ed. 2002., p. 40

sábado, 26 de junho de 2010

Minotauro

Conhecemos os sulcos abertos pelas searas, a curva
do estio nos seus flancos, quando desceram levemente
sobre a mesma dor as folhas ligeiras da manhã,
o rumor que nasce pela cicatriz das palavras.

As mãos quase esquecidas ergueram um rosto
e começaram a procurar a fresca imagem da alegria,
o pão ácido e levíssimo que se derrama pelos lábios,
o fogo, as delgadas volutas que se fecham no peito.

Assim reunimos os pulsos, abandonamos na água
o clima pressentido, os círculos de um corpo
ferido pela vigília submersa do minotauro,

enquanto sete jovens gregos e sete donzelas
vinham ao seu encontro e ele alimentava-se
de uma calma, recente adolescência.


Fernando Guimarães. Poesia (1952-1980)., p.103

quinta-feira, 20 de maio de 2010

«aproximo-me de falar, mas ambiciono/
guardar silêncio.»


António Franco Alexandre. Poemas. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Florbela Espanca

Ontem, em conversa com um residente de Matosinhos, e admirador profundo da poetisa, ouvi falar pela primeira vez do seu poema último. Fica aqui um breve resumo, dessa descoberta.

«Faleceu no dia 8 de Dezembro de 1930, em Matosinhos, onde foi sepultada. Na sua mesa de cabeceira estava um copo de leite e debaixo do colchão da sua cama foram encontrados dois frascos vazios de Veronal.
Em 1949, João Maria Espanca perfilha Florbela. Em 1964, um grupo de admiradores de Florbela e o Grupo de Amigos de Vila Viçosa procedem à trasladação dos restos mortais de Florbela para o cemitério de Vila Viçosa, julgando assim cumprir uma vontade da poetisa. No entanto, alguns anos depois, surge manuscrito um poema seu que manifesta:

“Eu quero, quando morrer, ser enterrada
Ao pé do Oceano ingénuo e manso,
Que reze à meia-noite em voz magoada,
As orações finais em meu descanso…” »

Daqui

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Talvez só se possa ser realista lendo activamente o aforismo de Novalis: «a poesia é o real absoluto». E insistindo depois disso que o real resiste à poesia, insiste e subsiste como um não-dito de que a poesia parece infindamente acercar-se, fazendo dele o seu motor e o seu alvo. Como no amor: «o/movimento infindável do corpo em torno/do amor» (de outro modo: não diria como Barthes, na Lição, que o real não é representável, ou o impossível, como em Lacan; mas aceitaria, entre Barthes e Jameson que a obstinação representativa da poesia a torna de algum modo utópica, ou que o real é a utopia, mas ele insiste, existe também nisso.)

Manuel Gusmão
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