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domingo, 19 de fevereiro de 2023

CARNAVAL


A vida é uma tremenda bebedeira.

Eu nunca tiro dela outra impressão.

Passo nas ruas, tenho a sensação

De um carnaval cheio de cor e poeira...

A cada hora tenho a dolorosa

Sensação, agradável todavia,

De ir aos encontrões atrás da alegria

Duma plebe farsante e copiosa...

Cada momento é um carnaval imenso

Em que ando misturado sem querer.

Se penso nisto maça-me viver

E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso

De mais... Balbúrdia que entra pela cabeça

Dentro a quem quer parar um só momento

Em ver onde é que tem o pensamento

Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça...

Automóveis, veículos, (...)

As ruas cheias, (...)

Fitas de cinema correndo sempre

E nunca tendo um sentido preciso.

Julgo-me bêbado, sinto-me confuso,

Cambaleio nas minhas sensações,

Sinto uma súbita falta de corrimões

No pleno dia da cidade (...)

Uma pândega esta existência toda...

Que embrulhada se mete por mim dentro

E sempre em mim desloca o crente centro

Do meu psiquismo, que anda sempre à roda...

E contudo eu estou como ninguém

De amoroso acordo com isto tudo...

Não encontro em mim, quando me estudo,

Diferença entre mim e isto que tem

Esta balbúrdia de carnaval tolo,

Esta mistura de europeu e zulu

Este batuque tremendo e chulo

E elegantemente em desconsolo...

Que tipos! Que agradáveis e antipáticos!

Como eu sou deles com um nojo a eles!

O mesmo tom europeu em nossas peles

E o mesmo ar conjuga-nos

Tenho às vezes o tédio de ser eu

Com esta forma de hoje e estas maneiras...

Gasto inúteis horas inteiras

A descobrir quem sou; e nunca deu

Resultado a pesquisa... Se há um plano

Que eu forme, na vida que talho para mim

Antes que eu chegue desse plano ao fim

Já estou como antes fora dele. É engano

A gente ter confiança em quem tem ser...

(...)

Olho p'ró tipo como eu que ai vem...

(...)

Como se veste (...) bem

Porque é uma necessidade que ele tem

Sem que ele tenha essa necessidade.

Ah, tudo isto é para dizer apenas

Que não estou bem na vida, e quero ir

Para um lugar mais sossegado, ouvir

Correr os rios e não ter mais penas.

Sim, estou farto do corpo e da alma

Que esse corpo contém, ou é, ou faz-se...

Cada momento é um corpo no que nasce...

Mas o que importa é que não tenho calma.

Não tenciono escrever outro poema

Tenciono só dizer que me aborreço.

A hora a hora minha vida meço

E acho-a um lamentável estratagema

De Deus para com o bocado de matéria

Que resolveu tomar para meu corpo...

Todo o conteúdo de mim é porco

E de uma chatíssima miséria.

Só é decente ser outra pessoa

Mas isso é porque a gente a vê por fora...

Qualquer coisa em mim parece agora

s.d.

“Carnaval” Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. 

 - 7a.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Aniversário, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Ninguém sabe que coisa quer
Ninguém conhece que alma tem
Nem o que é o mal nem o que é o bem.

''Sem Rei nem lei nem paz nem guerra''

sábado, 17 de julho de 2021

 « Só há duas coisas com interesse em Portugal, a paisagem e Orpheu. Tudo o que há no intervalo é palha trilhada e podre que serviu já na Europa e morre entre estas duas atracções de Portugal. Por vezes estraga-se a paisagem pondo lá portugueses. Mas não se pode estragar Orpheu que resiste à prova de Portugal.»

Álvaro de Campos

domingo, 13 de junho de 2021

«O grande sonho requer certas circunstâncias sociais.»

 Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 45

                                             


Bernardo Soares. 
Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 43

 «Prefiro a derrota como o conhecimento da beleza das flores, que a vitória no meio dos desertos, cheia de cegueira da alma a sós com a sua nulidade esperada.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 33

«A vulgaridade é um lar.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 32

 

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 28

«Reina quem não está entre os vulgares.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 22

«(...), repare que, para o esteta, as tragédias são coisas interessantes de observar, mas incómodas de sofrer.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 22

«Se tivesse as paisagens impossíveis, que me restaria de impossível?»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 19

 « Vivemos pela acção, isto é, pela vontade. Aos que não sabemos querer - sejamos génios ou mendigos - imana-nos a impotência. De que me serve citar-me génio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que usam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.»

Bernardo Soares. Livro do Desassossego. O Sonho - O Tédio. Editora Alma Azul. Coimbra, 2007., p. 14

domingo, 9 de maio de 2021

 ''Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. 

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. 

Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive. ''


 Ricardo Reis

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

 “Bernardo Soares é, por excelência, o homem sem qualidades, reduzido ao denominador comum da condição humana. (…) o Livro é, por conseguinte, a confissão de um homem imaturo que nunca chegou a ser ‘alguém’”

Robert Bréchon


domingo, 5 de julho de 2020

“Porque eu amo infinitamente o finito”

“Porque eu desejo impossivelmente o possível”

“Essas coisas todas — / — Essas e o que falta nelas eternamente”
“No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, 
Eu era feliz e ninguém estava morto. 
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, 
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
 […]” 

Fernando Pessoa
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