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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

IV
 
Tu és o vinho que embriaga o mundo,
E eu esvaio-me em sangue em danças de amor,
Coroando de flores a minha dor!
É a tua vontade, oh noite sem fundo!
 
 
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 27

Três sonhos

I
 
Vi-me num sonho de folhas caindo,
De lagos escuros num bosque perdido,
De tristes palavras ecoando -
Mas não sabia entender-lhes o sentido.
 
Vi-me num sonho de estrelas caindo,
De preces chorosas num olhar ferido,
De um sorriso que vinha ecoando -
Mas não sabia entender-lhe o sentido.
 
Como estrela caindo, folha tombando,
Assim me via num vai-vem perdido,
Eternamente esse sonho ecoando -
Mas não sabia entender-lhe o sentido.
 
II
 
No espelho escuro da minh'alma
Há imagens de mares nunca sentidos,
Terras tristes de trágicas visões,
Esvaindo-se em azuis indefinidos.
 
Da minh'alma nasceram céus de sangue
E púrpura ardendo em sóis gigantes,
Estranhos jardins povoados de brilhos
E delícias letais e sufocantes.
 
E o poço negro que é a minha alma
Gerou imagens de noites tenebrosas,
Animadas por anónimos cantos
E o sopro eterno de forças ominosas.
 
Treme-me a alma nas trevas da lembrança,
Como se em tudo se revisse enfim -
No insondável mistério de mares e noites
E em fundos cantos sem começo nem fim.
 
III
 
Vi cidades pelo fogo consumidas
E o cortejo dos horrores pelo tempo fora,
E muitos povos a pó ser reduzidos,
Perder-se tudo nos fundos da memória.
 
Vi deuses afundar-se em escuridão,
A mais sagrada harpa destruída
E, levantando-se do meio da podridão,
Crescer para novo dia nova vida.
 
Crescer para novo dia e logo morrer -
A tragédia que o mundo sempre finde
Compreender no acto de a viver,
 
A cuja dor nocturnal e demente
A doce glória da beleza cinge
Como universo de espinhos sorridente.
 
 
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 21-23

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

«Ao comunicar-se (o que, nos finais da vida, lhe parece impossível), Trakl fá-lo, nos poemas mais maduros, por um processo de reverbação: o seu corpo «empestado» é o corpo do século, do Império, do mundo, a sua melancolia embebe tudo, dos mitos das origens à epifania escatológica.»
 
 
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p.14
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