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domingo, 5 de abril de 2020

«Philip Larkin escreveu que a coragem não isenta ninguém da sepultura: a morte não é diferente para os que a temem ou para os que a enfrentam. Certo. Mas a vida é. A vida é mais para quem se ri da morte do que para quem a teme.»


Ricardo Araújo Pereira. Novas Crónicas da Boca do Inferno. Ilustrações de João Fazenda. Lisboa, Tinta-da-China, 2009., p. 200

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

«Dentro do sonho disseste:
Beijemo-nos então,
Neste quarto, nesta cama,
Mas quando tudo terminar
Não voltaremos a ver-nos.

Ao ouvir estas últimas palavras,
Não havia parição nocturna de ovelhas,
Pássaro levado pela ventania
Nem raiz cingida pela geada
Tão frios como o meu coração.»


Philip Larkin
(tradução de Vasco Gato)

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A CASA ESTÁ TÃO TRISTE
A casa está tão triste. Permanece tal como a deixaram,
Feita ao conforto dos últimos que partiram
Como se para os reconquistar. Ao invés, privada
De alguém a quem agradar, definha assim,
Sem ânimo para esquecer o roubo
E voltar-se novamente para o que começou
Como uma jubilosa tentativa de como tudo deveria ser,
Há muito falhada. Pode-se ver como era:
Repare-se nas fotografias e nos talheres
A música no banco do piano. Aquela jarra.


Philip Larkin 
(tradução de Vasco Gato)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

CONVERSAR NA CAMA


Conversar na cama havia de ser facílimo.
Estar deitado com outro vem de tão longe,
Um símbolo da franqueza entre dois seres.
Mas cada vez mais tempo passa em silêncio.
Lá fora a agitação incompleta do vento
Junta e dispersa nuvens à face do céu,
E as vilas escuras apinham-se no horizonte.
Nada disto quer saber de nós. Nada mostra porquê
A esta distância única do isolamento
Se torna ainda mais difícil encontrar
Palavras ao mesmo tempo sinceras e gentis
Ou não insinceras nem menos gentis.


PHILIP LARKIN in 'Uma Antologia', trad. de Maria Teresa Guerreiro e posfácio de Joaquim Manuel Magalhães, Coimbra, Fora do Texto, 1989

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Erva segada

A erva jaz segada e frágil:
É breve o sopro
Que os caules ceifados exalam.
Longa, longa a morte

Que ela morre nas horas em branco
Do Junho de folhas tenras
Com flores de castanheiro,
As sebes como de neve espargidas,

Lírios brancos curvando-se,
Veredas rendilhadas a flores bravas,
E aquela nuvem acastelada
Movendo-se ao ritmo do Verão.


Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 95

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Os velhos tolos

Que pensam eles que aconteceu, os velhos tolos,
Para os pôr assim? Porventura supõem
Que é mais crescido terem a boca aberta e a babar-se
E mijarem-se a toda a hora e não se recordarem
De quem os visitou hoje de manhã? Ou que é só quererem
E volta tudo a ser como quando dançaram toda a noite,
Ou casaram, ou marcharam de arma ao ombro num certo Setembro?
Ou imaginam que não houve mudança alguma
E que sempre se portaram como inválidos ou bêbados
Ou se sentaram o dia inteiro em devaneio contínuo
Vendo a luz mover-se? Se não o crêem (e não podem), é estranho:
                       Porque não estão a gritar?

Na morte, desfazemo-nos: os pedaços do que éramos
Começam a fugir uns dos outros para sempre
Sem ninguém ver. Não é mais que um olvido, é certo:
Já o tivemos antes, mas dessa vez ia acabar,
E combinava-se com um esforço sem igual
Para fazer desabrochar a flor de um milhão de pétalas
Que é estar aqui. Da próxima vez não se pode fingir
Que vai haver algo mais. E estes são os indícios:
Não saber como, não ouvir quem, já não ter
Força para escolher. Pelo ar deles, estão prontos para ir:
Cabelo de palha, mãos de sapo, cara de fruto seco -
                           Como podem não o saber?

Ser velho é talvez ter salas iluminadas
Dentro da cabeça e, lá dentro, gente a representar.
Gente que se conhece, mas cujo nome nos escapa;
Cada vulto responde a uma perda profunda, assomando
A uma porta conhecida, pousando uma vela, sorrindo
Das escadas, tirando um livro da estante; ou por vezes
Se as próprias salas, cadeiras e uma lareira acesa,
O vento no arbusto para lá da janela, ou a débil
Simpatia do sol na parede, num solitário
Fim de tarde de Verão, depois da chuva. É onde eles vivem:
Não aqui e agora, mas onde tudo aconteceu em tempos.
                            Por isso é que eles têm

Um ar de ausência perplexa, tentando estar lá
E contudo estando aqui. É que as salas vão-se afastando,
Deixando para trás um frio inepto e o atrito constante
Do ar respirado, enquanto eles, os velhos tolos,
De cócoras junto ao morro da extinção, não se apercebem
De como está próximo. Deve ser isto que os sossega:
O pico que se observa de onde quer que se vá
Para eles é uma elevação. Será que não adivinham
O que os puxa para trás, e como tudo acabará? Nem à noite?
Nem sequer quando vêm os desconhecidos? Nunca,
Ao longo de toda a horrível infância do avesso? Bom,
                            Havemos de o saber.



Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 49/51

Esquecer o que

Parar o diário
Foi aturdir a memória,
Foi um começo em branco,

Começo que já não cicatriza
Com tais palavras, tais acções,
Que tornaram inóspito o acordar.

Queria-as terminadas,
Despachadas para enterro
E rememoradas

Como as guerras e os invernos
Que faltavam para lá das janelas
De uma infância opaca.

E as páginas vazias?
Se vierem a preencher-se,
Que seja com a observação

De recorrências celestes,
O dia em que vêm as flores,
E quando partem as aves.


Philip Larkin. Janelas Altas. Tradução e introdução de Rui Carvalho Homem. Edições Cotovia, Lisboa, 2004., p. 43
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