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domingo, 23 de março de 2025
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Não esqueças sobretudo a armadura
da noite,
a aspereza das estrelas
quando os olhos são recentes
e a gravitação é um poder
sucinto nas mãos.
da noite,
a aspereza das estrelas
quando os olhos são recentes
e a gravitação é um poder
sucinto nas mãos.
Não esqueças sobretudo como os cereais
lavram os campos estafados, destilam
prodígio pelos sulcos da memória,
oferecem-te uma vida maior
em troca do sal
das pálpebras.
Não esqueças sobretudo de olhar devagar.
Vasco Gato, ''IMO'' no livro ''Contra Mim Falo''/Poesia Reunida (ed.Imprensa Nacional - Casa da Moeda).
domingo, 5 de junho de 2016
OS MORTOS
Os mortos vão, dentro do carro preto
incrustado a fúnebre ouro, no passo
lento dos cavalos: e muitas vezes
toca para eles a banda.
Ao passarem, as mulheres apressam-se
a fechar as janelas de casa,
as lojas fecham-se: apenas uma fresta
para observar a dor dos familiares,
o número dos amigos que vão atrás,
a categoria do carro, as coroas.
Os mortos vão-se assim, na minha terra;
janelas e portas fechadas, a implorar-lhes
que sigam caminho, que esqueçam
as mulheres atarefadas nas casas,
o comerciante que pesa e rouba,
a criança que brinca e odeia,
os olhos vivos que fervilham
por trás do logro das portadas fechadas.
incrustado a fúnebre ouro, no passo
lento dos cavalos: e muitas vezes
toca para eles a banda.
Ao passarem, as mulheres apressam-se
a fechar as janelas de casa,
as lojas fecham-se: apenas uma fresta
para observar a dor dos familiares,
o número dos amigos que vão atrás,
a categoria do carro, as coroas.
Os mortos vão-se assim, na minha terra;
janelas e portas fechadas, a implorar-lhes
que sigam caminho, que esqueçam
as mulheres atarefadas nas casas,
o comerciante que pesa e rouba,
a criança que brinca e odeia,
os olhos vivos que fervilham
por trás do logro das portadas fechadas.
Leonardo Sciascia
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
SE QUISER UM TONTO SABER
Há um ar transparente, com remoto odor a pólvora e mansões de vidro e ferro e uma foto parada à porta;
E há uma viela por onde se desemboca na manhã do primeiro domingo da cidade perdida,
E um parque de árvores altas, com assentos à sombra e uma enorme fonte
Onde os miúdos deitam barcos esperançosos sem saberem que os olha de longe a tristeza;
E há uma ilha frente ao mar, com um hotel e um leito e dois jovens nus ao meio-dia azul que banha os mármores antigos;
E há um bosque vermelho, roxo, dourado,
Que daqui a nada vai ser completamente coberto pela neve
(A neve vista pela primeira vez através dos vidros da janela naquela noite de Outubro),
Onde também está o meu coração.
E há uma viela por onde se desemboca na manhã do primeiro domingo da cidade perdida,
E um parque de árvores altas, com assentos à sombra e uma enorme fonte
Onde os miúdos deitam barcos esperançosos sem saberem que os olha de longe a tristeza;
E há uma ilha frente ao mar, com um hotel e um leito e dois jovens nus ao meio-dia azul que banha os mármores antigos;
E há um bosque vermelho, roxo, dourado,
Que daqui a nada vai ser completamente coberto pela neve
(A neve vista pela primeira vez através dos vidros da janela naquela noite de Outubro),
Onde também está o meu coração.
Roberto Fernández Retamar
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
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domingo, 6 de setembro de 2015
"Sobre o teu corpo nu deixo cair agora, cuidadosamente, uma rosa de pólvora- Suplico-te em surdina, não te mexas, como para te esculpir na pedra do eterno. Porém um braço teu me alcança, censurando-me o gesto, soltando no espaço a lindíssima flor expansiva."
-"A Prisão e Paixão de Egon Schiele"
- Vasco Gato
-"A Prisão e Paixão de Egon Schiele"
- Vasco Gato
quarta-feira, 12 de agosto de 2015
A JANELA
tu és o meu pão
e o ruído
imperceptível
dos meus ossos
és quase
o mar
e o ruído
imperceptível
dos meus ossos
és quase
o mar
não és pedra
nem som fundido
julgo
que não tens mãos
nem som fundido
julgo
que não tens mãos
esta espécie de ave voa para trás
e este amor
parte-se numa vidraça
onde nenhuma luz fala
e este amor
parte-se numa vidraça
onde nenhuma luz fala
não é altura
de cruzar línguas
(a areia aqui
nunca se altera)
de cruzar línguas
(a areia aqui
nunca se altera)
acho que
o amanhã
te virou com
a ponta do pé
e que irás
ficar
a brilhar
inexaurível e clandestino
o amanhã
te virou com
a ponta do pé
e que irás
ficar
a brilhar
inexaurível e clandestino
Diane di Prima
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
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segunda-feira, 10 de agosto de 2015
«Dentro do sonho disseste:
Beijemo-nos então,
Neste quarto, nesta cama,
Mas quando tudo terminar
Não voltaremos a ver-nos.
Ao ouvir estas últimas palavras,
Não havia parição nocturna de ovelhas,
Pássaro levado pela ventania
Nem raiz cingida pela geada
Tão frios como o meu coração.»
Philip Larkin
(tradução de Vasco Gato)
Beijemo-nos então,
Neste quarto, nesta cama,
Mas quando tudo terminar
Não voltaremos a ver-nos.
Ao ouvir estas últimas palavras,
Não havia parição nocturna de ovelhas,
Pássaro levado pela ventania
Nem raiz cingida pela geada
Tão frios como o meu coração.»
Philip Larkin
(tradução de Vasco Gato)
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quarta-feira, 8 de julho de 2015
A CASA ESTÁ TÃO TRISTE
A casa está tão triste. Permanece tal como a deixaram,
Feita ao conforto dos últimos que partiram
Como se para os reconquistar. Ao invés, privada
De alguém a quem agradar, definha assim,
Sem ânimo para esquecer o roubo
Feita ao conforto dos últimos que partiram
Como se para os reconquistar. Ao invés, privada
De alguém a quem agradar, definha assim,
Sem ânimo para esquecer o roubo
E voltar-se novamente para o que começou
Como uma jubilosa tentativa de como tudo deveria ser,
Há muito falhada. Pode-se ver como era:
Repare-se nas fotografias e nos talheres
A música no banco do piano. Aquela jarra.
Como uma jubilosa tentativa de como tudo deveria ser,
Há muito falhada. Pode-se ver como era:
Repare-se nas fotografias e nos talheres
A música no banco do piano. Aquela jarra.
Philip Larkin
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
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segunda-feira, 6 de julho de 2015
«Não brinquemos. O coração humano tem dois grandes machados: um é capaz de desbastar a ignorância e os equívocos do ódio; o outro é capaz de mutilar e aniquilar os seus semelhantes por um altar de si mesmo. Cabe às comunidades elegerem os seus símbolos, a sua ética. Que machado empunhar?»
Vasco Gato
quarta-feira, 18 de março de 2015
IMENSIDÃO DA NOITE
A meio da noite surge por vezes
uma pergunta, e a noite agiganta-se,
e é imensa a noite até à angústia.
Como um barco sem luzes, silencioso,
assim sulca o nosso quarto tanta sombra
que parece sem limites o mundo.
Rodeia-nos o vazio, é água escura
mais densa ainda do que o sangue. Nada se ouve,
apenas um chapinhar de fundo lodo
lá no mais profundo dessa água:
é o nosso coração. Mas a noite
não cessa de crescer e é já um olho
de insuportável nudez que fita
o nosso terror. E essa é a pergunta,
e a noite sabe-o e olha então
(só às vezes) o desamparado ser
que somos, com ternura, e o sono regressa.
E a infinita gruta que é o universo
novamente resplandece.
uma pergunta, e a noite agiganta-se,
e é imensa a noite até à angústia.
Como um barco sem luzes, silencioso,
assim sulca o nosso quarto tanta sombra
que parece sem limites o mundo.
Rodeia-nos o vazio, é água escura
mais densa ainda do que o sangue. Nada se ouve,
apenas um chapinhar de fundo lodo
lá no mais profundo dessa água:
é o nosso coração. Mas a noite
não cessa de crescer e é já um olho
de insuportável nudez que fita
o nosso terror. E essa é a pergunta,
e a noite sabe-o e olha então
(só às vezes) o desamparado ser
que somos, com ternura, e o sono regressa.
E a infinita gruta que é o universo
novamente resplandece.
Abelardo Linares
(tradução de Vasco Gato)
segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
HÃO-DE DIZER
Da minha cidade o pior que os homens hão-de dizer é o seguinte:
Afastaste as criancinhas do sol e do orvalho,
E dos reflexos que sob o vasto céu se insinuavam na erva,
E da chuva temerária; puseste-as entre paredes
A trabalhar, abatidas e asfixiadas, em troca de pão e salários,
A comer pó pela garganta e a morrer de coração vazio
Por uns trocos de ordenado nalgumas, poucas, noites de sábado.
Afastaste as criancinhas do sol e do orvalho,
E dos reflexos que sob o vasto céu se insinuavam na erva,
E da chuva temerária; puseste-as entre paredes
A trabalhar, abatidas e asfixiadas, em troca de pão e salários,
A comer pó pela garganta e a morrer de coração vazio
Por uns trocos de ordenado nalgumas, poucas, noites de sábado.
Carl Sandburg
(tradução de Vasco Gato)
(tradução de Vasco Gato)
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
A CULPA É NOSSA
Talvez tenha sido uma hecatombe de esperanças
um desabamento de certa forma previsto
ah mas a minha tristeza só teve um sentido
um desabamento de certa forma previsto
ah mas a minha tristeza só teve um sentido
todas as minhas intuições acorreram
para me ver sofrer
e viram-me aliás
para me ver sofrer
e viram-me aliás
até aqui tinha feito e refeito
os meus trajectos contigo
até aqui tinha apostado
em inventar a verdade
mas tu arranjaste maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de frustrar o meu amor
os meus trajectos contigo
até aqui tinha apostado
em inventar a verdade
mas tu arranjaste maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de frustrar o meu amor
com um simples prognóstico eliminaste-o
dos subúrbios da tua vida possível
envolveste-o em nostalgias
levaste-o por quarteirões e quarteirões
e devagar
sem que o ar nocturno reparasse nisso
deixaste-o para aí
a sós com a sua sorte
que não é muita
dos subúrbios da tua vida possível
envolveste-o em nostalgias
levaste-o por quarteirões e quarteirões
e devagar
sem que o ar nocturno reparasse nisso
deixaste-o para aí
a sós com a sua sorte
que não é muita
acho que tens razão
a culpa é nossa quando não nos apaixonamos
e não dos pretextos
nem do tempo
a culpa é nossa quando não nos apaixonamos
e não dos pretextos
nem do tempo
há muito muitíssimo tempo
que eu não me enfrentava
como esta noite ao espelho
e foi implacável como tu
mas não foi terno
que eu não me enfrentava
como esta noite ao espelho
e foi implacável como tu
mas não foi terno
agora estou só
francamente
só
francamente
só
custa sempre um bocadinho
começarmos a sentir-nos desgraçados
começarmos a sentir-nos desgraçados
antes de regressar
ao meu acampamento de inverno
ao meu acampamento de inverno
com os olhos bem secos
por via das dúvidas
por via das dúvidas
observo como te vais embrenhando na névoa
e começo a recordar-te.
e começo a recordar-te.
Mario Benedetti
(tradução de Vasco Gato)
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
O SUSPIRO
Estás deitado na tua cama e suspiras,
e as molas enterradas no colchão
bradam na mesma nota grave,
escarnecendo da tua tristeza. É duro –
não o colchão, mas viver.
Viver é duro. Sempre
achaste que podias confiar na
tua própria cama, na tua própria dor.
Achavas que dormias sozinho.
e as molas enterradas no colchão
bradam na mesma nota grave,
escarnecendo da tua tristeza. É duro –
não o colchão, mas viver.
Viver é duro. Sempre
achaste que podias confiar na
tua própria cama, na tua própria dor.
Achavas que dormias sozinho.
Ted Kooser
(tradução de Vasco Gato)
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
PORMENOR
A casa de pedra em ruínas
tem uma velha macieira
lá deixada pelo agricultor
que levou tudo o mais
Dá fruto todos os anos
frenética e bichenta
com maçãzinhas amargas
que ninguém come
até as crianças já sabem
Durante todo o Inverno
passei por ali a caminho de
Trenton duas vezes por mês
reparando nas maçãs penduradas
apesar dos ventos tempestuosos
por vezes com barretes de neve
pequenas campânulas douradas
É possível que nenhum dos outros
viajantes tenha olhado nessa direcção
mas não vou fazer nenhuma parábola com eles
estiveram lá e nada mais
Inexplicavelmente dou por mim a recordar
e a pensar nessa árvore sem folhas
e nos seus frutos fermentados
numa semana para os finais de Janeiro
em que o vento derrubava o sol
e a terra tremia como um quarto frio
onde ninguém seria capaz de viver
entre temperaturas negativas
mudas campânulas douradas
sozinhas na tempestade
tem uma velha macieira
lá deixada pelo agricultor
que levou tudo o mais
Dá fruto todos os anos
frenética e bichenta
com maçãzinhas amargas
que ninguém come
até as crianças já sabem
Durante todo o Inverno
passei por ali a caminho de
Trenton duas vezes por mês
reparando nas maçãs penduradas
apesar dos ventos tempestuosos
por vezes com barretes de neve
pequenas campânulas douradas
É possível que nenhum dos outros
viajantes tenha olhado nessa direcção
mas não vou fazer nenhuma parábola com eles
estiveram lá e nada mais
Inexplicavelmente dou por mim a recordar
e a pensar nessa árvore sem folhas
e nos seus frutos fermentados
numa semana para os finais de Janeiro
em que o vento derrubava o sol
e a terra tremia como um quarto frio
onde ninguém seria capaz de viver
entre temperaturas negativas
mudas campânulas douradas
sozinhas na tempestade
Al Purdy
(tradução de Vasco Gato)
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