quarta-feira, 17 de agosto de 2011

XXIV


    Não sepultes dentro de ti, minha amiga, o teu segredo. Diz-mo só a mim baixinho.
    Murmura-me o teu segredo, tu que tens tão meigo sorriso. Ouvi-lo-á só o meu coração e não os meus ouvidos.
    A noite é profunda, a casa silenciosa, os ninhos das aves estão engolfados no sono.
    Diz-me o segredo do teu coração, por entre as tuas vacilantes lágrimas e os teus perturbados sorrisos.




Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 46
«Ele nada diz do que pensa.
  Apenas vem, mas para logo se ir embora.»


Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 42

435

Demasiada Loucura é o mais divino Juízo -
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -



Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 51

CONTABILIDADE

Quantas emílias houve na minha vida?

Vou contá-las:

a primeira, é a brontë. Uma emília do
campo, selvagem, solitária, fugindo pela
porta das traseiras sempre que o
 heathcliff lhe assobiava aos ouvidos.

(Uma noite, ao fechar a janela do quarto,
na província, a mão dela agarrou-me a tempo - é
que o vento queria entrar em casa: o vento
norte, esse que faz voar reposteiros e folhas,
e fica a bater nos vidros se o
deixarmos lá fora);

a segunda é a dickinson; mas
conheço-a pior do que à outra. É
diferente um amor de adolescência, como o que
tive pela amante de heathcliff, do que paixões
de maturidade, em que a razão e emoção coexistem em pratos
iguais da balança.

(Esta emily vestia-se de
branco, enquanto que a primeira gostava de roupas
escuras. É verdade que ambas tinham relações com
presbíteros; mas admito que fossem de natureza diferente,
e que o freud não se aplique do mesmo modo
a uma ou a outra).

Sento-as, então, à mesma mesa, comigo
em frente. Digo-lhes: «Amo-vos. Tu, a inglesa,
amo-te como esse vento frio
ama os prados por onde corre, à noite, soltando
sombras e fantasmas; e a ti, à americana, amo-te
como o caruncho devora as madeiras das traves
e dos sótãos, com o rumor surdo que percorre
os desvios da eternidade.»

Ouço-as rirem-se de mim. O amor não é
isto, dizem-me. E deixo-as à conversa uma com a
outra, no seu esconderijo
de pântanos e cemitérios.



Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 11/12

Noite eterna

Liz Taylor sunning herself, 1955


ardente juventude


''Que aconteceria se, em vez de apenas construirmos a nossa vida, tivéssemos, a loucura ou a sabedoria de dançá-la?''

(Garaudy, 1980, p. 13)
A loucura e a criação não são de todo incompatíveis; veja-se o caso do poeta Hölderlin, que escreveu poemas de beleza suprema, depois de enlouquecer.

«a natureza é a morte humana»

terça-feira, 16 de agosto de 2011

« É um jogo alternado de dádivas e recusas, de confissões e mistérios; de sorrisos e de timidez e de inúteis e doces lutas.»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 35

Eu não pedia nada

«Eu não pedia nada. Eu ficava de pé, na orla do bosque, detrás da árvore.»



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 30
«Se corres para a morte insensatamente, vem, oh! vem ao meu lago.
 Ele é frio e insondavelmente profundo.
 E sombrio como um sono sem sonhos.
 Lá, nos abismos, não há noites, nem dias e os cantos são silenciosos.
 Vem, oh! vem ao meu lago se te quiseres abismar na morte.»




Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 29
«Em vão acendes a lâmpada que te ilumina ao vestires-te, - ela vacila e apaga-se com
o vento.
 Quem pode saber se as tuas pálpebras não estão enegrecidas pelo fumo? Os teus olhos
são mais sombrios do que as nuvens da chuva.
  Em vão acendes a lâmpada; ela apaga-se.»


Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 27

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

VIII

    Apagara-se a lâmpada ao pé do meu leito.
Pela manhã despertei com as aves.



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 20
«Os seus cabellos teem flores pallidas e murchas; as notas das suas flautas são dolentes.»


Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 13

Le feuillage. 1991

'O homem só ensina bem o que para ele tem poesia.'
Rabindranath Tagore
O SERVO

   Servir-te-hei quando descansas.
   Conservarei fresca a relva da vereda, por onde caminhas de manhã, onde a cada um dos teus passos as flores que desejam morrer abençoam o pé que as pisa. Embalar-te-hei nos ramos da septaparna, emquanto a lua, despertando cedo ao fim da tarde, se esforçará por te beijar o vestido, através das folhagens.
   Eu encherei de oleo odorifero a lampada que arde ao pé do teu leito e adornarei o teu tamborete com maravilhosos ornatos de sandalo e de pasta de açafrão.


A RAINHA

E que desejas tu para tua recompensa?

O SERVO

  Apenas a liçença de apertar nas minhas mãos, os teus punhos delicados, semelhantes a tenros botões de loto; de tingir a planta dos teus pés, com o succo encarnado das petalas do Ashoka e de colher n'ellas, n'um beijo, o grão de pó que por acaso lá se tenha perdido.



Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 6/7
«Eu sabia que ela iria provavelmente ficar muito confusa e que não iria assimilar tudo de uma vez, mas também sabia que iria captar, e muito bem, o essencial. E foi exactamente isso que aconteceu. Ficou branca como um lenço branco, tentou dizer qualquer coisa, mas os lábios moviam-se penosamente; afundou-se na cadeira como se lhe tivesse caído um machado em cima. E durante todo o tempo que se seguiu, ela ouviu-se com a boca aberta e os olhos esbugalhados, estremecendo de puro terror. O cinismo, o cinismo das minhas palavras era demasiado avassalador para ela...»




Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 108
«Havia algo que não estava morto dentro de mim, algo que nas profundezas do meu coração e da minha consciência não morria e que se revelava numa depressão profunda.»




Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 97

Heini le taipier, Ins. 1970.

Quando morreres

«Quando morreres, serão mãos estranhas que te levarão, com impaciência e resmungos; ninguém te abençoará, ninguém suspirará por ti, apenas quererão livrar-se de ti o quanto antes; comprarão um caixão, sepultar-te-ão como fizeram àquela pobre mulher hoje e brindarão à tua memória na taberna.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 92
    « - Porque é que tu... - começou ela e depois parou. Mas eu compreendi: havia na sua voz algo diferente, já não saía abrupta, ríspida e inabalável como antes, agora era suave e acabrunhada, tão acabrunhada que, de repente, me senti envergonhado e culpado.
     - O quê? - perguntei, com enternecida curiosidade.
     - Porque é que tu...
     - O quê?
     - Porque é que tu...falas como uma espécie de livro? - perguntou ela, e havia novamente uma nota de ironia na sua voz.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 88/9

muita coisa se constrói com base no respeito

«O amor é um mistério sagrado e deve ser escondido de todos os outros olhos, aconteça o que acontecer. Isso faz com que seja mais sagrado e melhor. Respeitam-se mais um ao outro e muita coisa se constrói com base no respeito.»


Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 87

"Albert Camus: The Stranger"- No Excuses: Existentialism And The Meaning To Life

the Cambridge ladies who live in furnished souls

the Cambridge ladies who live in furnished souls are unbeautiful and have comfortable minds
(also, with the church's protestant blessings
daughters,unscented shapeless spirited)
they believe in Christ and Longfellow, both dead,
are invariably interested in so many things—
at the present writing one still finds
delighted fingers knitting for the is it Poles?
perhaps. While permanent faces coyly bandy
scandal of Mrs. N and Professor D
.... the Cambridge ladies do not care, above
Cambridge if sometimes in its box of
sky lavender and cornerless, the
moon rattles like a fragment of angry candy


E. E. Cummings 1894–1962

[raise the shade]

raise the shade will youse dearie?
rain
wouldn’t that


get yer goat but
we don’t care do
we dearie we should
worry about the rain


huh
dearie?
yknow
i’m


sorry for awl the
poor girls that
gets up god
knows when every



day of their
lives
aint you,
oo-oo. dearie


not so
hard dear


you’re killing me



E. E. Cummings, “raise the shade” from Complete Poems 1904-1962, edited by George J. Firmage. Source: Poetry Foundation Complete Poems 1904-1962 (Liveright Publishing Corporation, 1991)

Reunion

This is my past where no one knows me.
These are my friends whom I can’t name—
 Here in a field where no one chose me,
 The faces older, the voices the same.

 Why does this stranger rise to greet me?
 What is the joke that makes him smile,
 As he calls the children together to meet me,
 Bringing them forward in single file?

 I nod pretending to recognize them,
 Not knowing exactly what I should say.
 Why does my presence seem to surprise them?
 Who is the woman who turns away?

 Is this my home or an illusion?
 The bread on the table smells achingly real.
 Must I at last solve my confusion,
 Or is confusion all I can feel?



Poem copyright ©2010 by Dana Gioia, whose most recent book of poetry is Interrogations at Noon, Graywolf Press, 2001. Source: Poetry Foundation

domingo, 14 de agosto de 2011

Céline à Meudon. 1959


« - Oh, não estou a fazer-te um interrogatório. Não tenho nada a ver com isso. Porque estás tão zangada? É claro que podes ter tido os teus problemas. Que tenho eu a ver com isso? Simplesmente tive pena.
   -Pena de quem?
   -De ti.
   - Não é preciso - sussurrou ela de forma quase inaudível, fazendo novamente um leve movimento.
    Aquilo enraiveceu-me imediatamente. O quê!? Eu estava a ser tão meigo com ela e ela...
    -Ora, pensas que estás no caminho certo?
    -Não penso nada.
    -Isso é que está mal, não pensares. Compreende isso, enquanto é tempo. Ainda há tempo. Ainda és jovem, bem parecida. Podes amar, casar-te, ser feliz...
    - Nem todas as mulheres casadas são felizes - retrucou bruscamente com o mesmo tom rude que usara inicialmente.
    - Nem todas, claro, mas de qualquer forma é muito melhor do que a vida aqui. Infinitamente melhor. Para além disso, com amor podemos até viver sem felicidade. Até mesmo na mágoa a vida é doce. A vida é doce independentemente de como  vivamos. Mas o que há aqui senão... sujidade? Pff!»




Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 83

Fico contente por parecer repulsivo aos olhos dela. Isso agrada-me.

«Olhei mecanicamente para a rapariga que entrara e vislumbrei uma face fresca, jovem, algo pálida, com sobrancelhas direitas e escuras e com olhos sérios, interrogativos, que me atraíram de imediato; tê-la-ia odiado se estivesse a sorrir. Comecei a olhar para ela com mais atenção e, por assim dizer, esforçadamente. Ainda não tinha conseguido pôr ordem nos meus pensamentos. Havia algo de simples e de boa índole nas feições dela, mas também algo estranhamente sério. Tenho a certeza que isso a prejudicava naquele lugar e que nenhum dos outros tolos havia reparado nela. Contudo, não se podia dizer que era uma beldade, embora fosse alta, aparentemente forte e com boa estatura. Estava vestida de forma simples. Alguma coisa detestável se agitou dentro de mim. Fui logo ter com ela.
     Por acaso olhei para o espelho. Achei que o meu rosto perturbado era extremamente repugnante, pálido, irado, abjecto, com o cabelo desalinhado.
    «Não importa, fico contente», pensei. «Fico contente por parecer repulsivo aos olhos dela. Isso agrada-me.»



 Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 78/9
«A luz dos candeeiros das ruas desertas brilhava mortiça na escuridão nevada, como a das tochas num funeral. A neve esgueirava-se para dentro do meu sobretudo, do meu casaco, para baixo da minha gravata e derretia-se. Não me agasalhei. De qualquer forma, estava tudo perdido.»


 
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 77

sábado, 13 de agosto de 2011

Beatrice: altiva como um raio de sol que atravessa os diamantes

«Um pouco afastado, numa loggia, estava Palla degli Albizzi com o seu amigo Tomaso, o pintor. Pareciam estar a discurtir qualquer coisa com uma animação crescente, até que Tomaso exclamou de súbito: 'Isso não fazes tu! Aposto que não o fazes!' Nesta altura os outros ficaram atentos. 'Que tens?', perguntou Gaetano Strozzi, que se aproximou com amigos. Tomaso explicou: 'Palla quer ajoelhar-se na festa diante Beatrice Altichieri, essa arrogante, e perdir-lhe que o deixe beijar-lhe a bainha empoeirada do vestido.' Todos riram, e Leonardo, da estirpe dos Riccardi, disse: 'Palla cairá em si, sabe bem que as mulheres mais belas têm um sorriso para ele que noutras ocasiões jamais se lhes vê.' E outro acrescentou: 'E Beatrice é tão jovem ainda! Os seus lábios têm ainda bastante rigidez infantil para sorrirem. Por isso parece tão altiva.' 'Não!', respondeu Palla degli Albizzi com impetuosidade. 'Ela é tão altiva, mas não por causa da sua juventude. É altiva como uma pedra nas mãos de Miguel Ângelo; altiva como uma flor na imagem de Madona; altiva como um raio de sol que atravessa os diamantes.'



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 88
'Que mania rude de criar um efeito...'



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 78

Mas agora que estou a envelhecer

«Mas agora que estou a envelhecer, tenho por vezes ideias, ideias estranhas como aquela sobre o Céu, e outras mais. A Morte.»


Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 61

modesta roupagem

nuvens do crepúsculo

'Quero concluir-te, tu és a minha obra.'



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 61

humidade


«Com esta nova sensação no seu jovem corpo, ficava de pé dias inteiros no telhado, procurando o mar.»
 
 

Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 56

The Idea of North

«No fundo do meu coração nunca fui cobarde, mas sempre o fui pelos actos. Não riam já - asseguro-vos que posso explicar tudo.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 47

«Em primeiro lugar, passava a maior parte do meu tempo em casa, a ler. Tentei abafar tudo o que lhe fervilhava constantemente dentro de mim por via de impressões externas. E a única forma externa a meu dispor era ler. Ler, claro, era uma grande ajuda: excitava-me, dava-me prazer e dor. Mas por vezes entediava-me terrivelmente. Apesar de tudo, ansiamos sempre por algum movimento e eu mergulhava de cabeça nos vícios da pior espécie, nos mais sombrios, clandestinos e detestáveis vícios. As minhas malditas paixões eram agudas e dolorosas devido à minha contínua e doentia irritabilidade. Tinha impulsos histéricos, com lágrimas e convulsões. Não tinha outro recurso senão a leitura, quero dizer, nada daquilo que me rodeava merecia o meu respeito ou me atraía. Também estava esmagado pela depressão. Sentia ânsia pela incongruência e pelo contraste, por isso recorri ao vício. Não disse tudo isto para me justificar...Não!»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 46
«A sua capacidade de ter muitas facetas é notável! E que susceptibilidade têm às sensações mais contraditórias!»


Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 45

Trafalgar Square Pigeons, London, 1949

«(...), esse vogar suave e silencioso à beira de passados.»

Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 52

relâmpago

«A maior parte da sua vida passou-a em completa solidão, nunca se intrometendo na agitação resultante da sua mulher Akulina lhe dar filhos ou de estes morrerem ou se casarem. »



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 46
(...)

«E a luz de uma lamparina corre pela moldura, como uma criança perdida numa noite estrelada.»


Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 45

«Aqueles Kurgans são sarcófagos de gerações passadas, que atravessam a estepe inteira com um marulhar entorpecido e dormente. E, nessa terra, em que os jazigos são as montanhas, os homens são os abismos. Grave, sombria, taciturna é a população, e as suas palavras servem apenas de pontes frágeis e vacilantes sobre o seu verdadeiro ser. Por vezes, avez negras levantam voo dos kurgans. Por vezes, canções ferozes lançam-se contra esses homens sonhadores e perdem-se neles profundamente, enquanto as aves vão desaparecendo no céu.»




Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 45

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

«Será que se estão novamente a rir? Riam à vontade; prefiro tolerar qualquer tipo de escárnio a ter de fingir que estou satisfeito quando estou esfomeado.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 35

Boy with Bird, 1999

«Não gostará talvez o homem de outra coisa para além do bem-estar? Não poderá talvez o sofrimento ser-lhe igualmente querido? Não será talvez o sofrimento um benefício tão grande para ele como o bem-estar? Às vezes, o homem está estraordinária e apaixonadamente enamorado pelo sofrimento; é um facto. Não há necessidade de recorrer à história universal para o provar; basta que se pergunte se são homens e se viveram realmente. No que toca à minha opinião pessoal, preocuparmo-nos somente com o bem-estar parece-me verdadeiramente má educação. Seja bom ou mau, às vezes também é muito agradável em destruir coisas. Não advogo o sofrimento, assim como não advogo o bem-estar. Estou a favor do meu...capricho e de que este me esteja assegurado quando necessário.



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 34

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Isto faz-me pensar numa certa rapariga jovem.

«Isto faz-me pensar numa certa rapariga jovem. Pode dizer-se que nos primeiros dezassete anos da sua severa vida apenas olhou. Os seus olhos eram tão grandes e tão autónomos, que eles próprios consumiam o que percepcionavam, e a vida prosseguia por todo o corpo do jovem ser, independente deles, sustida por simples ruídos interiores. Porém, passado esse tempo, um acontecimento demasiado violento transformou aquelas duas vidas que mal se tocavam; os olhos como que irromperam pelo interior dentro, e, através deles, todo o peso do exterior caiu no coração obscurecido; e, a cada dia, esse peso se despenhava com tal ímpeto naqueles  olhos abruptos e profundos, que no peito estreito o coração se quebrava como um vidro. Então a jovem rapariga empalideceu, começou a adoecer, a isolar-se para reflectir e por fim, por si própria, procurou aquela tranquilidade em que provavelmente os pensamentos já não são perturbados.
    «Como é que ela morreu?», perguntou baixinho o meu amigo, com voz algo rouca. «Afogou-se. Num lago profundo e silencioso e à superfície do mesmo, formaram-se muitos círculos que lentamente cresceram e se alargaram sob os brancos nenúfares, de forma que todas estas flores aquáticas se agitaram.
   «Isto também é uma história?» disse Ewald, não deixando o silêncio prevalecer depois das palavras.
   «Não» respondi eu, « isto é um sentimento».




Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 43/4

A Morte

«Nem sequer posso ir ao encontro da Morte. Muitos tropeçam nela a caminhar. A Morte tem medo de lhes entrar em casa e chama-os para fora, para outras terras, para a guerra, para o cimo de uma torre altaneira, para cima duma ponte vacilante, para o deserto, para a loucura. A maioria vai buscá-la à rua, e sem dar por isso leva-a para casa, às costas. Porque a Morte é preguiçosa; se os homens não a importunassem a toda a hora, quem sabe? Talvez se deixasse cair no sono.»



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 42
«Estava para ali deitado, de testa franzida num longo e cansativo meditar, e os lábios a tremer de expectativa.»


Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 38

In Poverty Gap, West 28th Street: An English Coal-heaver's Home

Dizem que Cleópatra

«Dizem que Cleópatra (permitam-me dar um exemplo da história romana) gostava de espetar alfinetes dourados nos seios das suas escravas e que os gritos e contorções destas lhe proporcionavam alguma satisfação. Dir-me-ão que isso se passou em tempos comparativamente bárbaros; que os tempos que vivemos actualmente também são bárbaros, porque, falando comparativamente, também se espetam alfinetes; que embora o homem tenha aprendido a ver mais claramente do que nas eras bárbaras, ainda está longe de ter aprendido a agir como a razão e a ciência ditam.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 25
«Mas o homem tem uma predilecção por sistemas e deduções abstractas que está pronto a distorcer a verdade intencionalmente, está pronto a negar as evidências que advém dos sentidos, somente para justificar a sua lógica. Escolhi este exemplo porque é o caso mais flagrante do que acabei de dizer. Basta olharmos à nossa volta: o sangue é derramado aos litros e com o mais leve dos ânimos, como se fosse champanhe. Veja-se o exemplo de todo o século XIX no qual Buckle viveu. Veja-se Napoleão, o Grande, e também o actual. Veja-se a América do Norte - a eterna união. Veja-se a farsa de Schleswig-Holstein...E afinal o que é que a civilização torna mais brando em nós? A única mais-valia da civilização para a humanidade é possibilitar uma maior variedade de sensações...e absolutamente mais nada. E com o desenvolvimento da capacidade de ser multifacetado, o homem pode chegar a ponto de encontrar prazer no derramamento de sangue. De facto, isto já lhe aconteceu. Já repararam que os homens mais civilizados foram os sanguinários mais subtis, aos calcanhares de quem os Átilas e os Stenka Razins não conseguem chegar?»





Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 24/5

(A Outra)

Estranha, estéril, escura e execrável

Poeta

caminhante solitário

Canções da Experiência

No Reino em cada rua vaguei
Rondei o Tâmisa fluente
E em cada face notei
Sinais da dor contundente

Em cada homem um grito atroz
Em cada criança um silvo arrepiante

Em cada negação, em cada voz
Os grilhões que forjou nossa mente

O lamento do mísero criado
Consterna as igrejas sombrias
E as lágrimas do infeliz soldado
Como sangue escorrem pelas lajes frias

Mas à meia-noite escuto na praça
As ameaças da Jovem Meretriz
Que o destino da criança desgraça
E o Cortejo Nupcial maldiz.


William Blake. O Casamente do Céu e do Inferno e outros escritos. Tradução e notas de
Alberto Marsicano, L&PM Editores, Porto Alegre., pg. 119.

imaginação

faculdade criadora


 As portas do teu céu são os portões do meu inferno.


William Blake.
The Everlasting Gospel.
«Estás a exagerar, como faz sempre a juventude, vês as coisas mais insignificantes como se fossem grandes excepções.»


Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 54
«Entre mim e ti não chegou a haver propriamente luta, eu fiquei fora de combate em pouco tempo, e o que restou foi a fuga, a amargura, a tristeza, o debate interior.»



Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 47

Ottla

«Tu próprio me confessaste que ela só te traz sofrimentos e desgostos, e que o faz de propósito; e enquanto tu sofres por causa dela, ela não se ressente e até se alegra. Uma espécie de diabo, em suma. Um desconhecimento tão grande só pode resultar de um afastamento ainda maior do que existe entre ti e mim. Ela está tão distante de ti que tu quase já não a vês e colocas um fantasma no lugar onde julgas vê-la. Reconheço que a relação com ela foi mais difícil do que qualquer outra.»



Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 46/7

Chamavas aos empregados «inimigos assalariados»

«Chavamas aos empregados «inimigos assalariados», e eles eram isso mesmo, mas antes de chegarem a sê-lo já tu me parecias ser o inimigo que lhes pagava o salário. Foi aí que aprendi a grande lição, a de que também eras capaz de ser injusto; por mim, não teria reparado nisso tão cedo, havia demasiado sentimento de culpa acumulado e a dar-te razão; mas ali, achava eu, na minha opinião infantil - que mais tarde corrigi, mas não muito -, ali havia gente estranha que trabalhava para nós e vivia num permanente medo de ti. É claro que também nisto exagerava um pouco, porque partia do princípio de que a tua acção sobre essas pessoas era tão terrível como sobre mim próprio.»
 
 
 

Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 40/1 

insultavas sem pensar no que dizias

Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.27

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

«A tua simples presença física já me esmagava. Lembro-me, por exemplo, de quando nos despíamos juntos numa cabine. Eu, magro, fraco, esguio; tu, forte, alto, largo. Logo na cabine, já me sentia uma figura lamentável, não apenas perante ti, mas perante o mundo inteiro, porque tu eras para mim a medida de todas as coisas. E ao sairmos da cabine e enfrentarmos as pessoas, eu pela tua mão, um pequeno esqueleto inseguro e descalço sobre as tábuas, com medo da água, incapaz de imitar os teus movimentos a nadar, que repetias, com as melhor das intenções, mas na verdade para minha profunda humilhação - nessas alturas eu entrava em desespero e todas as minhas piores experiências, em todos os campos, se encontravam em grandiosa convergência. Sentia-me sempre muito melhor quando tu mudavas de roupa em primeiro lugar e eu ficava sozinho na cabine, adiando quanto podia a vergonha de sair, até tu voltares para me arrancares dali. E ficava-te grato por não pareceres dar pela minha aflição, e tinha orgulho do corpo do meu pai. Aliás, estas diferenças entre nós continuam a existir ainda hoje.
    A isto juntava-se ainda a tua supremacia intelectual. Chegaras tão longe à tua própria custa, e por isso tinhas essa confiança sem limites nas tuas opiniões. Em criança não ficava tão fascinado com isso como quando comecei a entrar na adolescência. Tu governavas o mundo a partir da tua poltrona. A tua opinião era a única correcta, todas as outras eram absurdas, exageradas, bizarras, anormais. E a confiança que tinhas em ti era tão grande que nem sequer precisavas de ser coerente, mas nunca deixavas de ter razão. Acontecia até não teres opinião sobre um assunto, e consequentemente consideravas liminarmente falsas todas as opiniões possíveis sobre ele.»





Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.16/7

«Eu era uma criança assustadiça, e apesar disso também teimosa, como são em geral as crianças.»


Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.12
«É bem possível que, se eu tivesse crescido à margem da tua influência, acabasse também por não ser uma pessoa que o teu coração aprovasse.»



Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.10

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Susana y la Muerte, 1944

« - O que quero dizer é que não sei onde estou. Não sei mesmo - prosseguiu com muita sinceridade. - C'os diabos! Devo ter-me afastado do rumo. O nevoeiro anda atrás de mim há uma semana. Há mais de uma semana!»



Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 82
«A curiosidade é o grande motor do ódio e do amor.»


Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 81
«No amor e na guerra tudo deve ser claro.»


Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 75

A noite cega-nos...

«A noite cega-nos... e existem situações com o raiar do Sol que para alguns são tão odiosas como a própria falsidade. A noite é sempre boa.»


Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 72

Self-portrait in Water, 1991

«O tempo não lhe apaziguou o sofrimento - este tornava-se insuportável. Decidiu morrer.»


Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 87

Parricídio

«Procurou as solidões. O vento, porém, trazia-lhe aos ouvidos como que gemidos de agonia, as lágrimas do orvalho que caíam no chão lembravam-lhe outras gotas bem mais pesadas. Todos os dias à tardinha, o Sol derramava sangue pelas nuvens; e, todas as noites, em sonhos, recomeçava o seu parricídio.»




Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 87

A necessidade de se envolver com a vida de outras pessoas fazia-o descer à cidade

«A necessidade de se envolver com a vida de outras pessoas fazia-o descer à cidade. Porém, o aspecto bestial das caras, a barulheira dos ofícios, a indiferença gelavam-lhe o coração. Nos dias de festa, quando o sino grande das catedrais enchia, logo ao nascer o Sol, todo o povo de alegria, observava os habitantes a sair das suas casas, e depois as danças nas praças, as bicas de cerveja nos cruzamentos, as tapeçarias de damasco na fachada dos palácios dos príncipes e, ao cair da noite, pelas vidraças dos rés-do-chão, as compridas mesas das famílias, onde os avós tinham os netos sentados ao colo. Os soluços sufocavam-no e regressava ao campo.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 86/7
«(...) o seu rosto era tão triste que nunca lhe recusavam esmola.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 86

Ele nada respondia, ou desatava em soluços - até que um dia, finalmente, confessou o seu terrível pensamento.

«Para o animar, a mulher mandou chamar malabaristas e dançarinas. Passeava com ele pelo campo numa liteira aberta - ou então, estendidos na extremidade de uma chalupa, viam os peixes a vaguear na água, clara como o céu. Outras vezes, ela gostava de lhe lançar flores ao rosto. Acocorada a seus pés, tirava melodias de um bandolim de três cordas. Depois, pousando-lhe no ombro ambas as mãos juntas, perguntava-lhe com uma voz tímida:
   «Que tendes vós, meu amado senhor?»
   Ele nada respondia, ou desatava em soluços - até que um dia, finalmente, confessou o seu terrível pensamento.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 76

The Death Of Youth

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Waterwheel and Colossi, Gurna, Egypt, 1959

«(...) a solidão que o envolvia pareceu-lhe uma ameça de perigos indefinidos.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 69

Com a cabeça entre as mãos, chorou durante muito tempo.

   «A noite aproximava-se. Por detrás dos bosques, entre os ramos, o céu mostrava-se vermelho como um lençol de sangue.
     Julião encostou-se a uma árvore. Estupefacto, contemplava a enormidade da matança, sem compreender como pudera tê-la cometido.
    Do outro lado do vale, na orla da floresta, avistou um veado, uma corça e a sua cria.
    O veado, que era negro e de tamanho monstruoso, tinha dezasseis galhos e barba branca. A corça, dourada como folhas secas, andava a pastar; e a cria, malhada, ia mamando na teta da mãe, sem lhe interromper o pasto.
    A besta soou uma vez mais. De imediato, a cria tombou morta. Então a mãe, pregando os olhos no céu, soltou um bramido profundo, angustiante, humano. Julião, exasperado, deitou-a por terra com um tiro no peito.
    O grande veado tinha-o visto e deu um salto. Julião atirou a sua última seta, que o atingiu na testa, e aí ficou cravada.
   O grande veado pareceu não a sentir e, saltando por cima dos mortos, avançava sempre e ia investir contra ele, esventrá-lo; Julião recuava num pavor indescritível. Porém, o prodigioso animal parou; e, de olhos flamejantes, solene como um patriarca ou um justiceiro, enquanto ao longe repicava um sino, repetiu três vezes:
   «Maldito! Maldito! Maldito! Um dia, ó coração feroz, matarás o teu pai e a tua mãe!»
    Dobrou os joelhos, fechou lentamente os olhos e morreu.
    Julião ficou atónito e, sentindo-se tomado por um súbito cansaço, foi invadido por um desgosto, por uma tristeza imensa. Com a cabeça entre as mãos, chorou durante muito tempo.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 68/9

VI

  «Oh, se ao menos nada tivesse feito por simples preguiça! Céus, como me teria respeitado. Teria conseguido respeitar-me porque, pelo menos, havia sido capaz de ser preguiçoso; teria havido em mim pelo menos uma qualidade que quase poderíamos dizer positiva e que serviria para eu acreditar em mim mesmo. Pergunta: o que é ele? Resposta: um mandrião. Que agradável teria sido ouvir tal coisa sobre a minha pessoa! Quereria dizer que eu estava absolutamente definido, quereria dizer que havia algo a dizer sobre mim. «Mandrião»: vejam bem, é um chamamento e uma vocação, é uma carreira. Não gracejem, é isso mesmo.»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 17
«Ha, ha, ha! A seguir vais encontrar prazer numa dor de dentes» irão dizer-me às gargalhadas.
 «Bem, mesmo numa dor de dentes há prazer», respondo eu.



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 17

Elderly Man in Woods Carrying Newspaper, 1929–33



«(...) os nossos olhos exaustos que continuavam à espera, permanentemente à espera, ansiosamente à espera de algo da vida, que se esvai enquanto se espera - passa desapercebida, como um suspiro, como um lampejo - a par da juventude, da pujança, do romance das ilusões.»



Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 61/2
«Recordo os rostos exaustos, as figuras abatidas dos meus dois homens, e recordo a minha juventude e uma sensação que nunca mais tive - a sensação de que viveria para sempre, que sobreviveria ao mar, à terra e a todos os homens; a sensação enganosa que nos conduz a alegrias, a perigos, ao amor, ao esforço inútil - à morte; a triunfante convicção da pujança, o calor da vida numa mão cheia de pó, a chama do coração que ano após ano se esvai, esfria, encolhe e se extingue - e extingue-se demasiado cedo, tão cedo - antes da própria vida.»



Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 38/9
«Só o mar justifica tal génio - a vastidão, a solidão que cerca as suas almas tolas e sombrias.»


Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 38/9

The Wreck (of the Arden Craig), 1911

«Não se via uma nesga de céu a descoberto - nem do tamanho da mão de um homem - , nadinha, nem por dez míseros segundos. Para nós não havia céu, para nós não havia estrelas, sol, universo - nada além de nuvens iradas e mar enraivecido. Bombeámos quarto após quarto para salvar as nossas vidas. E tudo aquilo pareceu durar meses, anos, toda a eternidade, como se estivéssemos morrido e ido para o inferno dos marinheiros. Já não sabíamos em que dia da semana estávamos, o nome do mês, qual o ano, e se alguma vez estivéramos em terra firme. As velas foram pelos ares, o navio seguia de través apenas com a sanefa da ponte, o oceano jorrava-lhe em cima, e nós, impávidos. Rodávamos aqueles manípulos com olhos vidrados. E quando, rastejando, lá chegávamos ao convés, eu agarrava num tomadouro e, dando-lhe volta redonda, passava-o pelos homens, pelas bombas e pelo mastro grande, e rodávamos, rodávamos continuamente, com água pela cintura, pelo pescoço, com água a cobrir-nos a cabeça. Tanto se nos fazia. Tinhamo-nos esquecido como era estarmos secos.»




Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 20/1

A senhora Beard

«A senhora Beard era uma velhota com ares de menina que tinha um rosto engelhado e rubro que nem uma maçã de Inverno. Certo dia, viu-me a pregar um botão e insistiu em tratar-me das camisas, atitude bem diferente da que conhecia às mulheres de capitão dos clíperes de luxo. »



Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 14/5

Desconfiava da minha juventude, do meu bom senso....

«Desconfiava da minha juventude, do meu bom senso e dos meus talentos de marinharia, fazendo questão de manifestar as suas reticências de todas as formas e feitios. Talvez tivesse razão. Pouco ou nada sabia eu naquela altura e mesmo agora não sei grande coisa. Seja como for, certo é que ainda hoje alimento um ódio de estimação por esse tal Jermyn.



Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 13
«Os camaradas decerto concordarão que há viagens que parecem destinadas a ilustrar a vida e podem apregoar-se como símbolos da existência. Lutamos, trabalhamos, suamos as estopinhas, quase nos matamos - e às vezes até morremos - para singrar nesta vida, mas não passamos da cepa torta.»


Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 10

domingo, 7 de agosto de 2011

Minding the Baby. Scene in Gotham Court, 1889

Quando a mãe o beijava, aceitava friamente o seu abraço, parecendo meditar em coisas profundas.

«E partia sob o ardor do Sol, debaixo de chuva ou no meio de um temporal; bebia água das nascentes com a concha da mão; comia, a galope, maçãs bravas, e se estava cansado descansava debaixo de um carvalho. Regressava a casa a meio da noite, coberto de sangue e de lodo, com espinhos no cabelo e fedendo a animais selvagens. Tornou-se igual a eles. Quando a mãe o beijava, aceitava friamente o seu abraço, parecendo meditar em coisas profundas.»




Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 65
          «Mas Julião desprezava estes cómodos artifícios; preferia ir para longe das pessoas caçar com o seu cavalo e o seu falcão. Quase sempre levava consigo um enorme falcão tártaro da Cítia, branco como a neve. No alto do seu capuz de couro, sobressaía um penacho, tremelicavam-lhe guizos de ouro nas patas azuis, e mantinha-se firme nos braços do seu dono enquanto o cavalo galopava e as planícies se sucediam. Então, Julião desamarrava-lhe as correias e largava-o: o destemido animal subia ao pique pelo ar, como uma seta; e viam-se rodopiar duas manchas desiguais, juntar-se e depois desaparecer nas alturas do céu azul. O falcão não tardava a descer, despedaçando um pássaro qualquer, e, com as suas asas trémulas, vinha pousar na manopla.»



Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 65
     «Um vapor azul subiu ao quarto de Félicité. Ela estendeu as narinas, inalando-o com uma sensualidade mística; depois fechou os olhos. Os lábios sorriam. Os movimentos do coração diminuíram um a um, cada vez mais vagos, mais brandos, como uma fonte que se esgota, como um eco que desaparece; e, quando exalou o seu último suspiro, julgou ver, nos céus entreabertos, um papagaio gigantesco, planando-lhe sobre a cabeça.»




Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 47
« Estas depravações afligiram-na muito. No mês de Março de 1853, foi tomada por uma dor no peito; a língua parecia coberta de fumo e as sanguessugas não acalmaram a opressão; e à nona noite ela expirou, tendo precisamente setenta e dois anos.
    Julgavam-na mais jovem, por causa dos seus cabelos castanhos, cujos bandós lhe contornavam o rosto pálido com pequenas marcas de varíola. Poucos amigos a lamentaram, as suas maneiras eram de uma altivez que afastava os outros.»



Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 47

sábado, 6 de agosto de 2011

o mar, ao longe, estendia-se confusamente.

«(...) o mar, ao longe, estendia-se confusamente. Então sentiu uma fraqueza que a fez parar; e a miséria da sua infância, a decepção do primeiro amor, a partida do sobrinho, a morte de Virginie, como as ondas de uma maré, voltaram de uma só vez e, subindo-lhe à garganta, asfixiavam-na.»




Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 45

Ninguém sabia do que falava.

«Ninguém sabia do que falava. Por fim, regressou, esgotada, com os velhos sapatos em frangalhos e a morte na alma.»



Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 42
«Mas de que pode um homem decente falar com grande prazer?
   Resposta: de si próprio.
   Pois bem, falarei de mim.»





Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 10
   «A questão não era apenas não saber como tornar-se malévolo, a questão era não saber como tornar-me no que quer que fosse; nem malévolo nem bondoso, nem numa víbora nem num homem honesto, nem num herói nem num insecto. Agora, vivo a vida no meu canto, martirizando-me com a odiosa e inútil consolação de que um homem inteligente não pode séria e verdadeiramente tornar-se no que quer que seja, só os tolos se tornam nalguma coisa.  Sim, no século XIX, um homem deveria ser, e moralmente tinha de ser, preeminentemente uma criatura desprovida de carácter; um homem de carácter, um homem activo é preeminentemente uma criatura limitada. É esta a minha convicção de quarenta anos. Tenho agora quarenta anos e, a mais completa velhice. Viver mais do que quarenta anos é má educação, é vulgar, é imoral. »





Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 9

Study for Lucid Dream, 2004

«Saí da casa dele [Bielínski] em estado de êxtase. Parei por um instante na esquina de sua casa, olhei para o céu, para o sol luminoso, para as pessoas que passavam, e compreendi, no mais fundo do meu ser, que aquele tinha sido um momento solene na minha vida, um marco decisivo, que alguma coisa inteiramente nova havia começado.»
 


 Dostoiévski sobre as palavras de Bielínski, em, 'Diário de um Escritor'
«Atormentavam-me até eu ficar envergonhado: levavam-me a ter convulsões e, por fim, fizeram com que ficasse doente, e bem doente me fizeram ficar! Agora, digam-me senhores, não estão por acaso a pensar que estou a exprimir remorsos por alguma coisa, que estou a pedir perdão por alguma coisa? Asseguro-vos que isso me é indiferente...»



Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 9

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

«Mas só uma coisa era capaz de a comover, as cartas do filho.»



Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 36
 «Os prados estavam desertos, o vento agitava o rio; ao fundo, havia grandes plantas sobre ele inclinadas, como cabeleiras de cadáveres a flutuar na água. Ela retinha a sua dor, e até à noite foi muito corajosa; mas assim que chegou ao quarto abandonou-se-lhe, de barriga para baixo no colchão, a cara no travesseiro, e os dois punhos segurando as têmporas.»



Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 31
    «Por causa dos charutos, ela imaginava Havana como uma terra onde não se fazia outra coisa a não ser fumar, e Victor circulava por entre os pretos numa nuvem de tabaco.»



Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 30

Portrait of a Young Girl, Eaton Place, London, 1955

uma toalha de espuma

« Já não se via ninguém; e, no mar prateado pela Lua, havia uma mancha negra que ia empalidecendo, afundando-se, até desaparecer.»


Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.28
« (...), lia um pouco, e desta forma preenchia o vazio das horas.»


Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.26
      «Em qualquer estação do ano usava um lenço de chita preso nas costas por um alfinete, uma touca que lhe escondia o cabelo, meias cinzentas, saia vermelha e, por cima da sua grande camisa, um avental de peitilho, como as enfermeiras de hospital.
        O seu rosto era magro e a sua voz aguda. Aos vinte e cinco anos, davam-lhe quarenta; a partir dos cinquenta, parecia que a idade não passava mais por ela; e, sempre silenciosa, de porte rectilíneo e gestos comedidos, parecia uma mulher de madeira, a funcionar de forma automática.»


Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.11

sábado, 30 de julho de 2011

MARTÍRIO

Não fales assim, que me irritas. Sinto no coração um ódio que me sufoca.



ADELA

E ensinam-nos a gostar das irmãs! Porque é que Deus me deixou sozinha no meio desta escuridão?! Estou a olhar para ti como se nunca te tivesse visto!

                                                                               




Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 147
BERNARDA

Os antigos sabiam muitas coisas que nós esquecemos.

AMÉLIA

Pois eu prefiro fechar os olhos para não ver as estrelas.

ADELA

Eu não. Gosto de ver palpitar cheio de lume o que está quieto e quieto anos e anos!





Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 128

“Four figures at water edge,” c.1914

LA PONCIA

A filha solteira da Librada teve um filho não se sabe de quem.

ADELA

Um filho?

LA PONCIA

E para ocultar a vergolha matou-o e escondeu-o debaixo de umas pedras; mas os cães, com mais coração do que muitas pessoas, deram com ele e, como levados pela mão de Deus, foram-no pôr na soleira da porta. Agora querem-na matar. Trazem-na de rastos pela rua abaixo, e os homens vêm a correr pelos atalhos do olival, dando gritos que fazem estremercer os campos!

BERNARDA

Sim, venham todos com varas das oliveiras e os cabos das enxadas! Venham todos matá-la!

ADELA

Não, não. Matá-la, não!

MARTÍRIO

Sim, e vamos todas ver!

BERNARDA

Que morra a que espezinhou a honra!

(Fora ouve-se um grito de mulher e um grande rumor.)

ADELA

Deixem-na fugir. Não saiam daqui!

MARTÍRO
(olhando para Adela)

Tem de pagar o que fez!

BERNARDA
(debaixo do arco)

Acabem com ela antes que cheguem os guardas! Ponham-lhe carvões a arder no sítio do seu pecado!

ADELA
(deitando as mãos ao ventre)

Não!Não!

BERNARDA

Matem-na! Matem-na!

                                                                                                                           (Cai o pano.)




Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 108/9
BERNARDA
Lá estás tu outra vez!...Sempre com insinuações para me envenenares o sono. Não quero entender-te, porque, se chegasse a alcançar tudo o que me dizes, teria de te arranhar!


LA PONCIA

O sangue não havia de chegar ao rio!



Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 101
MARTÍRIO

Estou desejosa de que chegue Novembro, os dias de chuva, a geadaa, tudo que não seja este Verão interminável.




Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 83
ADELA

  Gostaria de ser ceifeira só para poder andar de um lado para o outro. Talvez assim esquecesse o que me dói.

MARTÍRIO

Que tens tu que esquecer?

ADELA

Cada um sabe da sua vida.



Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 80/1
LA PONCIA

Hei-de ser a tua sombra.



Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 72

Cheio de um mau pressentimento

« Cheio de um mau pressentimento, chamou as mãos. Elas vieram, todas sujas de barro, quentes e trémulas. 'Onde está o homem?', gritou-lhes. Então a direita culpou a esquerda: 'Tu é que o deixaste cair!' 'Ora', disse a esquerda irritada, ' quiseste ser tu sozinha a fazer tudo, não me deixaste intervir'. 'Tu devias era tê-lo segurado!' E a direita levantou-se. Mas depois caiu em si, e ambas as mãos disseram, superando-se: 'O homem estava tão impaciente! Queria era viver. Não conseguimos fazer nada dele e, naturalmente, estamos inocentes.'»


Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 14
«Tinha diante de Si os olhos dos Anjos que lhe serviam de espelho e neles media as suas próprias feições, e criou lenta e cuidadosamente, numa esfera que tinha no colo, o primeiro rosto



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008.
Minha amiga,


Um dia depositei este livro nas suas mãos, e a senhora
prezou-o como ninguém antes o prezara.
A costumei-me assim a pensar que ele lhe pertencia.
Permita-me então que eu escreva o seu nome, não só
no seu exemplar mas em todos os exemplares desta
nova edição; que eu escreva:
«As histórias do Bom Deus pertencem a Ellen Key»


                                                      Rainer Maria Rilke
                                                          Roma, Abril 1904



Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008.
BERNARDA

Achas decente que uma mulher da tua posição ande com um
anzol atrás de um homem, no dia do enterro do pai? Responde!
Quem foste tu ver?



Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 29
ADELA

Tome, mãe. (Dá-lhe um leque redondo com flores vermelhas
e verdes)

BERNARDA
(atirando o leque para o chão)

É isto leque que se dê a uma viúva!? Vai buscar-me um leque
negro e aprende a respeitar o luto de teu pai.




Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 24
BERNARDA

É assim que se tem de falar neste maldito povo sem rio, terra de poços,
onde se bebe sempre a água com medo que esteja envenenada.



Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 23

domingo, 24 de julho de 2011


7

(...)


«Lembra-se do focinho de homens e mulheres que espiou
em orgias, e do mundo santo como aqueles vários dedos
cumprimentavam, no dia seguinte,
e se cruzavam em rezas sinceras e públicas.



Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 169

4

E Bloom tem uma memória e não a perdeu.
Teve familiares desonestos, amigos antigos
que lhe provocam agora repulsa,
inimigos de que se lembra com prazer.
Teve amigos e inimigos. Lembra-se de adultérios
escabrosos em casais perfeitos.
E lembra-se de Mary.




Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 168

138

A vida, é certo, não será um sítio excepcional para as paixões.
Nos países humanos, o amor mistura-se muito
com palavras equívocas.
O fogo que existe numa lareira, por exemplo,
é um fogo servil, cultural, educado.
Uma coisa vermelha, mas mansa,
que nos obedece.
Só é natureza, o fogo na lareira,
quando, vingando-se, provoca um incêndio.
E o amor assim funciona. Mas é preferível o contrário.




Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 163

133

E não há vinganças subtis. A vingança
é uma coisa imensa, ou não é.
O rancor não tem meio,
se estás nele estás sempre no limite,
no ponto extremo que te obriga a não conhecer
outras acções que não as da maldade.



Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161

132

Mary morreu e Bloom amava-a,
caro Jean M.
O mundo é isto: combate-se. Atacamos, defendemos.
Há milénios atrás, em certos locais,
as flores foram indícios da futura fábrica.
Vejo e percebo: do jardim
vem um fumo que já não cheira a delicadezas.



Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161

Andrei Tarkovsky’s Mirror viewed through Gilles Deleuze’s ‘time-image’

109

A boa imagem do coração, deve-se, em grande parte,
ao seu eficaz esconderijo. Sabe melhor isso
do que eu, Jean M. Os outros
são apenas alguém que nos olha.
Vigiar ou seduzir. Tudo o resto é cegueira.



Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 153
74

Mas o meu pai aprendeu a lição. Pagou juros altíssimos
por um mau investimento, mas regressou
à cadeira ainda com vontade de se levantar.
As derrotas devem surgir
enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos
fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.
Uma derrota no tempo certo é aquilo que
te fará vencer no tempo certo. E estes
podem ser dois tempos ou um. Parece-me.



75

A intensidade com que se é esmagado não importa,
de facto o que importa é a intensidade que nos resta
depois de sermos esmagados.
A realidade não é coisa física,
mas pressentimento que nos cerca,
nojo - ou por vezes, raramente,
um certo assombro feliz.





Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 143
27

As mulheres sempre foram mais
minuciosas na vingança - disse Bloom. Folheiam-na
sem saltar uma página. E tratam das unhas
antes de pagar no machado.
Pelo contrário, o homem com raiva
e ressentimento é atabalhoado, desastrado,
incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência.

28

como se pegasse em ferramentas
despropositadas: a charrua
para arrancar uma flor,
o martelo para ver mais perto.





Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 128

26

No erotismo o que importa é no corpo da amada
não existir saída.
Uma boa luta - amorosa -
é pois aquela onde os dois corpos estão,
um no outro,
como se no meio do famoso labirinto
de onde ninguém consegue sair.



Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 127

perversões

(...)

«Não sou indiferente às repetições, suporto melhor o tédio
que certas aventuras desnecessárias.
Não estou, pois, obcecado por novidades.
Porém, não suporto que, em mim,
a não surpresa já não me surpreenda.»




Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 104

Amansar

OS PRIMEIROS ENCONTROS

Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo,
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através dos húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho


Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genuflectia. E ao acordar
Eu diria «Abençoada sejas!»
Sabendo como pretenciosa era a bênção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.

Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
E tu com a bola de cristal nas mãos,
Sentada num trono enquanto dormes,
 - Deus do céu! - tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra «tu»
O seu novo sentido: significa «rei».
Simples objectos transfigurados,
Tudo - a bacia, o jarro -, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.

Íamos, sem saber por onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta a nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes à procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.

Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.



Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assíro&Alvim, Lisboa, 1987., p.15-19
TIVE EM  miúdo uma doença
E fome e medo. Grossas escamas soltando-se
Dos lábios, que eu humedecia. Nunca esqueci
Esse sabor, salgado e frio.
Mas não parava de andar, andar, andar.
Sentava-me nos degraus do alpendre ao sol,
Caminhava no meu modo leve como se dançasse
A melodia do caçador de ratos, no rio. Sentava-me
Ao sol nos degraus, a tiritar.
E a mãe vinha ali, acenando, parecia
Tão perto, e eu sem poder tocar-lhe:
Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.


                                  Sentia-me quente,
Desapertei o colarinho e adormeci,
As trombetas soaram, cavalos a galope, a luz
Batia suave minhas pálpebras, a mãe,
Que voava sobre o caminho, acenando,
Partiu...


Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assírio & Alvim, Lisboa, 1987., p.11/2

sábado, 23 de julho de 2011

in pas de deux from the Roland Petit Ballet Company production of "Ballet du Loup.", 1954

70

Procuro uma mulher, disse Bloom, ou então
a sabedoria. Se em Paris não as encontrares juntas,
responderam-lhe, pelo menos com uma delas
te cruzarás. E uma pode levar-te à outra.
Claro que é menos provável
uma mulher levar-te à sabedoria
que ao seu quarto, disseram a Bloom,
mas se por um extraordinário acaso tal acontecer,
não te esqueças de a relembrar: o quarto, primeiro
o quarto. E Bloom sorriu.




Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 99/100

Puta de vida!

sexta-feira, 22 de julho de 2011

«Ensina-me o arrependimento; é semelhante
A selares o meu perdão com o Teu sangue.»


John Donne. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 87

Game of Madness, 1861–67

«O adiar só nos irá trazer enganos,»



William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 77

Soneto XXX PARA AS SESSÕES NO SILÊNCIO DA MENTE

Para as sessões no silêncio da mente
Convoco as recordações d'outrora.
Muitas não vêm: plo tempo inutilmente
Gasto, pla antiga dor mais se chora.
Desacostumado de chorar, então,
Choro amigos que a grande noite esconde,
A reprimida dor de uma paixão,
Visões perdidas sabe-se lá onde.
Tanto sofrimento a quanto monta? -
De antigos pesares o rol não finda!
De dor em dor, pago a triste conta,
Como se o não tivesse feito ainda!
            Mas se pensar em ti, querido amigo,
            Adeus às perdas e às penas digo.



William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 71

tristes as estações

desprezo pelas convenções

«Inocência fecha-lhe os olhos finalmente.»



 Michael Drayton. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 59

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Aí tem a enfermidade de seu marido.

« - Sabe qual é o mal que corrói Ricardo?...Hem, não sabe?...Sabe, sabe, que eu já lho dei a entender. Hem?...Eu repito: amar Mónica em demasia. Garanto-lho. Julga-se no ocaso, o pateta, e para ele a esposa - não veja cumprimento que me limito a reproduzir palavras dele - é a madrugada. Gosta de si perdidamente e assim não é para admirar que o amor venha enlodado de ciúme. Ciúme de fera que não olha ao passado nem ao presente, mas apenas ao futuro, para lá dos anos, para lá, porventura, da morte, tão tirânico e absurdo é esse sentimento. Pode compreender semelhante aberração, se assim se lhe deve chamar?...Há-de poder...Eu posso. Aí tem a enfermidade de seu marido.»




Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 244
UMA FOLHA, sem árvore,
para Bertolt Brecht:

Que tempos são estes
em que uma conversa
é quase um crime,
porque contém
tanta coisa dita?




Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 171
«ONDE EU me esqueci de ti,
tornaste-te pensamento,»



Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 153
«A morte
que me ficaste a dever, eu
carrego-a
até ao fim.»



Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 151
«É como se pudesse ouvir,
como se eu ainda te amasse»

«TU ERAS  a minha morte:
a ti podia agarrar-te
enquanto tudo me fugia.»



Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 141
QUANDO O BRANCO NOS AGREDIU, de noite;
quando do cântaro das dádivas saiu
mais do que água;
quando o joelho esfolado
avisou o sino do sacrifício:
Voa! -

Então
eu era
ainda inteiro.





Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 127
DIANTE O TEU ROSTO TARDIO,
so-
litário entre
noites que também me transformaram,
algo se imobilizou
que já outrora estivera connosco, in-
tocado por pensamentos.




Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 121
«Ainda e sempre
a escrita duma nídtida asa.»


Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 111
« eu sei,
eu sei e tu sabes, nós sabíamos,
nós sabíamos, nós
afinal estávamos aqui e não lá
e às vezes, quando
entre nós só havia o Nada, o nosso
encontro era perfeito.»




Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 101

On the Baltic Sea, 1970

a caminho do passado que não volta

      «Ali sentado na areia a meditar nesse outro mundo antigo e desconhecido, imaginei o espanto de Gatsbt, quando, pela primeira vez, identificou a luz verde que brilhava na ponta do molhe da Daisy. Tinha vindo de longe para chegar a este relvado azul, e o sonho deve-lhe ter parecido tão próximo que só dificilmente poderia escapar ao seu abraço. Não sabia que o sonho era já uma coisa do passado, atrás dele, perdido algures na vasta obscuridade para além do clarão da cidade, onde os vastos planos da República se desenrolavam sem fim sob o céu estrelado.
      O Gatsby acreditara na luz verde, no orgíaco futuro, que, ano após ano, foge e recua diante de nós, Se hoje nos iludiu, pouco importa: amanhã correremos mais depressa, alongaremos mais os braços...Até que uma bela manhã...
        Assim vamos teimando, proas contra a corrente, incessantemente cortando as águas, a caminho do passado que não volta.»
    




F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 171/2
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