«Ensina-me o arrependimento; é semelhante
A selares o meu perdão com o Teu sangue.»
John Donne. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 87
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sexta-feira, 22 de julho de 2011
sábado, 14 de agosto de 2010
Elegia X - Sonho
Imagem da que amo, mais do que ela própria,
Cuja impressão clara no meu fiel coração
Me torna Medalha sua, e a obriga a amar-me,
Como os reis às moedas, a que o seu selo impõe
O valor: vai, e retira daqui o meu coração
Que se tornou grande e bom demais para mim.
As Honras oprimem os espíritos fracos, e aos sentidos
Embotaram-nos coisas fortes: se maiores, menos as vemos.
Quando partires, e a Razão partir contigo,
Então a Fantasia será Rainha e Alma, e tudo;
Ela oferece alegrias mais mesquinhas do que tu,
Mais convenientes e proporcionadas.
Então, se sonhar que te tenho, eu tenho-te,
Pois todas as nossas alegrias são só fantasia.
Assim fujo à dor, porque a dor é verdadeira
E o sono, que fecha os sentidos, exclui tudo o resto.
Depois de tal fruição irei acordar
E, além do acordar, nada mais lamentarei.
Ao amor farei Sonetos ainda mais gratos
Que se mais honras, choros e dores fossem gastos.
Mas querido coração, e mais querida imagem: ficai.
Ah!, as veras alegrias no melhor são sonho só.
Apesar de ficares, esvais-te depressa demais:
Pois até no início o Pavio da vida é um morrão.
Cheio do amor dela, possa eu antes tornar-me
Louco com um grande coração, que idiota sem nenhum.
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.53/4
Cuja impressão clara no meu fiel coração
Me torna Medalha sua, e a obriga a amar-me,
Como os reis às moedas, a que o seu selo impõe
O valor: vai, e retira daqui o meu coração
Que se tornou grande e bom demais para mim.
As Honras oprimem os espíritos fracos, e aos sentidos
Embotaram-nos coisas fortes: se maiores, menos as vemos.
Quando partires, e a Razão partir contigo,
Então a Fantasia será Rainha e Alma, e tudo;
Ela oferece alegrias mais mesquinhas do que tu,
Mais convenientes e proporcionadas.
Então, se sonhar que te tenho, eu tenho-te,
Pois todas as nossas alegrias são só fantasia.
Assim fujo à dor, porque a dor é verdadeira
E o sono, que fecha os sentidos, exclui tudo o resto.
Depois de tal fruição irei acordar
E, além do acordar, nada mais lamentarei.
Ao amor farei Sonetos ainda mais gratos
Que se mais honras, choros e dores fossem gastos.
Mas querido coração, e mais querida imagem: ficai.
Ah!, as veras alegrias no melhor são sonho só.
Apesar de ficares, esvais-te depressa demais:
Pois até no início o Pavio da vida é um morrão.
Cheio do amor dela, possa eu antes tornar-me
Louco com um grande coração, que idiota sem nenhum.
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.53/4
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Elegia VII - Tutela
(...)
Não te havia ensinado ainda o alfabeto
Das flores, como podem, dispostas e atadas
Com imaginação, em segredo e sem palavras
Entregar mutuamente recados mudos.
...
Com tantas dívidas, tu não és mais dele - que
Tendo-te retirado dos baldios do mundo,
Te enclausurou para não seres vista, nem veres -
Do que minha; pois com delícias amorosas
Te refinei tornando-te um Paraíso de bênçãos.
Tuas graças e boas palavras são criaturas minhas;
Do conhecimento e da vida, as árvores plantei em ti,
E delas, Oh, irão estranhos provar? Deverei, então,
Cinzelar e esmaltar Prata para em Vidro beber?
Amolecer a cera para os selos alheios?Domar um potro
E abandoná-lo depois, tornado um cavalo rodado?
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.42/3
Não te havia ensinado ainda o alfabeto
Das flores, como podem, dispostas e atadas
Com imaginação, em segredo e sem palavras
Entregar mutuamente recados mudos.
...
Com tantas dívidas, tu não és mais dele - que
Tendo-te retirado dos baldios do mundo,
Te enclausurou para não seres vista, nem veres -
Do que minha; pois com delícias amorosas
Te refinei tornando-te um Paraíso de bênçãos.
Tuas graças e boas palavras são criaturas minhas;
Do conhecimento e da vida, as árvores plantei em ti,
E delas, Oh, irão estranhos provar? Deverei, então,
Cinzelar e esmaltar Prata para em Vidro beber?
Amolecer a cera para os selos alheios?Domar um potro
E abandoná-lo depois, tornado um cavalo rodado?
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.42/3
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quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Elegia V - Retrato Dele
Aqui está, toma o meu retrato; embora de ti me despeça
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais.
Quando formos ambos sombras, do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos ramos rudes, ou curtidas pelos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas na pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que nele foi belo e delicado,
Era apenas o leite que no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude.
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.35
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais.
Quando formos ambos sombras, do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos ramos rudes, ou curtidas pelos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas na pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que nele foi belo e delicado,
Era apenas o leite que no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude.
John Donne. Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim., p.35
terça-feira, 30 de março de 2010
Elegia IX - Outonal
Nenhuma beleza de Primavera ou Verão em tal graça
Como a que descobri numa face Outonal.
As jovens Belezas forçam-nos ao amor: isso é Violação;
Esta apenas aconselha, e não lhe podemos escapar.
Se fosse vergonha amar, não seria vergonha aqui
Onde a Afeição toma o nome de Reverência.
Foram-lhe os primeiros anos a Idade de Ouro? É verdade,
Mas ela agora é ouro bem martelado e sempre novo.
Aquele foi o seu tempo tórrido e inflamador,
Este é o seu temperado clima Tropical.
Olhos belos, quem vos pedir mais fogo que o emanado,
É porque, febril, deseja a pestilência.
Não chamem campas a estas rugas; se campas fossem
Seriam as do amor, porque ele não está noutro lugar.
Porém o amor não jaz aqui morto, mas aqui se senta
Consagrado a esta trincheira, como um Anacoreta;
E aqui até que a morte dela, que será a dele, chegue
Não cavará uma Campa, mas erigirá um Túmulo.
Aqui habita; e apesar de viajar por todo o lado
Com Estadão, é ainda aqui a sua residência fixa:
Aqui onde está calma a Tarde, não o meio-dia ou a noite,
Sem voluptuosidades, porém toda deleite.
Todas as palavras dela, próprias a todos os ouvintes
Seja no Folgar, seja em Conselho, podemos seguir.
Este é o madeiro do amor, a juventude os seus arbustos;
Ali ele, como vinho em Junho, faz ferver o sangue,
Que depois se tempera, quando o nosso gosto
E apetite de outras coisas é passado.
O estranho amor Lídio de Xerxes, o Plátano,
Foi amado pela idade, e porque nenhum era maior,
Ou então porque, sendo jovem, a natureza lhe abençoou
A juventude com a glória da idade, a Esterilidade.
Se amamos as coisas há muito procuradas, a Idade é algo
Que levamos cinquenta anos a conquistar.
Se as coisas são transitórias, e cedo se corrompem,
A Idade será mais amável nos seus últimos dias.
Mas não nomeiam Faces Invernais, de pele flácida,
Descarnadas como um saco vazio, antes a bolsa da alma;
Cujos Olhos buscam luz de dentro, pois tudo aqui é sombra;
Cujas bocas são buracos, mais gastos do que feitos;
Em que um a um cada dente partiu para vários lugares
A fim de lhes humilhar as almas na Ressurreição:
Não me nomeiem essas Cabeças mortas viventes,
Porque estas não são Anciãs, mas Antigas.
Odeio extremos; porém antes preferia ficar
Com Tumbas do que Berços;para passar um dia.
Dado que tal é o movimento natural do amor, possa ainda
O meu amor abrandar, e viajar monte abaixo
Nunca a suspirar atrás de belezas em crescimento. Assim,
Irei definhando no fluxo dos que se dirigem para casa.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim, 1997.,pp49/51
Como a que descobri numa face Outonal.
As jovens Belezas forçam-nos ao amor: isso é Violação;
Esta apenas aconselha, e não lhe podemos escapar.
Se fosse vergonha amar, não seria vergonha aqui
Onde a Afeição toma o nome de Reverência.
Foram-lhe os primeiros anos a Idade de Ouro? É verdade,
Mas ela agora é ouro bem martelado e sempre novo.
Aquele foi o seu tempo tórrido e inflamador,
Este é o seu temperado clima Tropical.
Olhos belos, quem vos pedir mais fogo que o emanado,
É porque, febril, deseja a pestilência.
Não chamem campas a estas rugas; se campas fossem
Seriam as do amor, porque ele não está noutro lugar.
Porém o amor não jaz aqui morto, mas aqui se senta
Consagrado a esta trincheira, como um Anacoreta;
E aqui até que a morte dela, que será a dele, chegue
Não cavará uma Campa, mas erigirá um Túmulo.
Aqui habita; e apesar de viajar por todo o lado
Com Estadão, é ainda aqui a sua residência fixa:
Aqui onde está calma a Tarde, não o meio-dia ou a noite,
Sem voluptuosidades, porém toda deleite.
Todas as palavras dela, próprias a todos os ouvintes
Seja no Folgar, seja em Conselho, podemos seguir.
Este é o madeiro do amor, a juventude os seus arbustos;
Ali ele, como vinho em Junho, faz ferver o sangue,
Que depois se tempera, quando o nosso gosto
E apetite de outras coisas é passado.
O estranho amor Lídio de Xerxes, o Plátano,
Foi amado pela idade, e porque nenhum era maior,
Ou então porque, sendo jovem, a natureza lhe abençoou
A juventude com a glória da idade, a Esterilidade.
Se amamos as coisas há muito procuradas, a Idade é algo
Que levamos cinquenta anos a conquistar.
Se as coisas são transitórias, e cedo se corrompem,
A Idade será mais amável nos seus últimos dias.
Mas não nomeiam Faces Invernais, de pele flácida,
Descarnadas como um saco vazio, antes a bolsa da alma;
Cujos Olhos buscam luz de dentro, pois tudo aqui é sombra;
Cujas bocas são buracos, mais gastos do que feitos;
Em que um a um cada dente partiu para vários lugares
A fim de lhes humilhar as almas na Ressurreição:
Não me nomeiem essas Cabeças mortas viventes,
Porque estas não são Anciãs, mas Antigas.
Odeio extremos; porém antes preferia ficar
Com Tumbas do que Berços;para passar um dia.
Dado que tal é o movimento natural do amor, possa ainda
O meu amor abrandar, e viajar monte abaixo
Nunca a suspirar atrás de belezas em crescimento. Assim,
Irei definhando no fluxo dos que se dirigem para casa.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição bilingue. Trad. Helena Barbas. Assírio & Alvim, 1997.,pp49/51
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sábado, 6 de março de 2010
Elegia V - Retrato Dele
Aqui está, toma o meu retrato; embora de ti me despeça
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais,
Quando formos ambos sombras,do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos remos rudes, ou curtidas dos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas na pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que foi nele belo e delicado,
Era apenas o leite no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição Bilingue. Trad. Helena Barbas, Assírio & Alvim, 1997
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais,
Quando formos ambos sombras,do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos remos rudes, ou curtidas dos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas na pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que foi nele belo e delicado,
Era apenas o leite no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição Bilingue. Trad. Helena Barbas, Assírio & Alvim, 1997
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Elegia I - CIÚME
Mulher carinhosa, que verteu marido morto desejas
E de seus grandes ciúmes ainda te queixas.
Se inchado de veneno jazesse no seu último leito,
O corpo coberto por uma crosta cauterizada,
Aspirando o ar, tão rouco e rápido, como pode
Cravejar o mais ágil músico;
Com repugnante vomitado, pronto a expelir
A alma para fora de um Inferno, adentro de novo,
Feito surdo pelos urros uivantes dos parentes pobres
A implorar, com poucas e falsas lágrimas, grandes legados,
Não chorarias, mas alegre e prazenteira estarias
Como um escravo, que amanhã fosse libertado.
Porém tu choras, quando o vês engolir avidamente
A sua própria morte, o ciúme que envenena o coração.
Oh, agradece-lhe muito, ele é bem-educado,
Pois suspeitando, amavelmente nos avisou
Que não devemos, como usávamos, troçar abertamente
Da sua deformidade com enigmas de escárnio;
Nem estando juntos à sua mesa sentados,
Com palavras, toques, ou olhares de viés, adulterar;
Nem quando ele, inchado e satisfeito pela comezaina
Se senta, e ressona, enjaulando-se na cadeira de verga,
Deveremos nós outra vez usurpar-lhe a cama,
Nem beijarmo-nos e brincar na casa dele, como dantes.
Agora vejo grandes perigos; porque aquele é
O seu reino, o seu castelo, a sua diocese.
Mas - como os homens invejosos que insultariam
O seu Príncipe, ou lhe cunhariam o ouro, para outro país
A si próprios se exilam, e aí o fazem - ,
Se brincarmos noutra casa, que teremos a temer?
Ali zombaremos dos comportamentos caseiros,
Das suas intrigas cegas, e espiões a soldo,
Como o fazem os habitantes da margem direita do Tamisa
Ao Mayor de Londres, ou os alemães ao orgulho do Papa.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição Bilingue. Trad. Helena Barbas, Assírio & Alvim, 1997
E de seus grandes ciúmes ainda te queixas.
Se inchado de veneno jazesse no seu último leito,
O corpo coberto por uma crosta cauterizada,
Aspirando o ar, tão rouco e rápido, como pode
Cravejar o mais ágil músico;
Com repugnante vomitado, pronto a expelir
A alma para fora de um Inferno, adentro de novo,
Feito surdo pelos urros uivantes dos parentes pobres
A implorar, com poucas e falsas lágrimas, grandes legados,
Não chorarias, mas alegre e prazenteira estarias
Como um escravo, que amanhã fosse libertado.
Porém tu choras, quando o vês engolir avidamente
A sua própria morte, o ciúme que envenena o coração.
Oh, agradece-lhe muito, ele é bem-educado,
Pois suspeitando, amavelmente nos avisou
Que não devemos, como usávamos, troçar abertamente
Da sua deformidade com enigmas de escárnio;
Nem estando juntos à sua mesa sentados,
Com palavras, toques, ou olhares de viés, adulterar;
Nem quando ele, inchado e satisfeito pela comezaina
Se senta, e ressona, enjaulando-se na cadeira de verga,
Deveremos nós outra vez usurpar-lhe a cama,
Nem beijarmo-nos e brincar na casa dele, como dantes.
Agora vejo grandes perigos; porque aquele é
O seu reino, o seu castelo, a sua diocese.
Mas - como os homens invejosos que insultariam
O seu Príncipe, ou lhe cunhariam o ouro, para outro país
A si próprios se exilam, e aí o fazem - ,
Se brincarmos noutra casa, que teremos a temer?
Ali zombaremos dos comportamentos caseiros,
Das suas intrigas cegas, e espiões a soldo,
Como o fazem os habitantes da margem direita do Tamisa
Ao Mayor de Londres, ou os alemães ao orgulho do Papa.
John Donne in Elegias Amorosas. Edição Bilingue. Trad. Helena Barbas, Assírio & Alvim, 1997
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