«Um pouco afastado, numa loggia, estava Palla degli Albizzi com o seu amigo Tomaso, o pintor. Pareciam estar a discurtir qualquer coisa com uma animação crescente, até que Tomaso exclamou de súbito: 'Isso não fazes tu! Aposto que não o fazes!' Nesta altura os outros ficaram atentos. 'Que tens?', perguntou Gaetano Strozzi, que se aproximou com amigos. Tomaso explicou: 'Palla quer ajoelhar-se na festa diante Beatrice Altichieri, essa arrogante, e perdir-lhe que o deixe beijar-lhe a bainha empoeirada do vestido.' Todos riram, e Leonardo, da estirpe dos Riccardi, disse: 'Palla cairá em si, sabe bem que as mulheres mais belas têm um sorriso para ele que noutras ocasiões jamais se lhes vê.' E outro acrescentou: 'E Beatrice é tão jovem ainda! Os seus lábios têm ainda bastante rigidez infantil para sorrirem. Por isso parece tão altiva.' 'Não!', respondeu Palla degli Albizzi com impetuosidade. 'Ela é tão altiva, mas não por causa da sua juventude. É altiva como uma pedra nas mãos de Miguel Ângelo; altiva como uma flor na imagem de Madona; altiva como um raio de sol que atravessa os diamantes.'
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 88