«Em primeiro lugar, passava a maior parte do meu tempo em casa, a ler. Tentei abafar tudo o que lhe fervilhava constantemente dentro de mim por via de impressões externas. E a única forma externa a meu dispor era ler. Ler, claro, era uma grande ajuda: excitava-me, dava-me prazer e dor. Mas por vezes entediava-me terrivelmente. Apesar de tudo, ansiamos sempre por algum movimento e eu mergulhava de cabeça nos vícios da pior espécie, nos mais sombrios, clandestinos e detestáveis vícios. As minhas malditas paixões eram agudas e dolorosas devido à minha contínua e doentia irritabilidade. Tinha impulsos histéricos, com lágrimas e convulsões. Não tinha outro recurso senão a leitura, quero dizer, nada daquilo que me rodeava merecia o meu respeito ou me atraía. Também estava esmagado pela depressão. Sentia ânsia pela incongruência e pelo contraste, por isso recorri ao vício. Não disse tudo isto para me justificar...Não!»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 46
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