«Não se via uma nesga de céu a descoberto - nem do tamanho da mão de um homem - , nadinha, nem por dez míseros segundos. Para nós não havia céu, para nós não havia estrelas, sol, universo - nada além de nuvens iradas e mar enraivecido. Bombeámos quarto após quarto para salvar as nossas vidas. E tudo aquilo pareceu durar meses, anos, toda a eternidade, como se estivéssemos morrido e ido para o inferno dos marinheiros. Já não sabíamos em que dia da semana estávamos, o nome do mês, qual o ano, e se alguma vez estivéramos em terra firme. As velas foram pelos ares, o navio seguia de través apenas com a sanefa da ponte, o oceano jorrava-lhe em cima, e nós, impávidos. Rodávamos aqueles manípulos com olhos vidrados. E quando, rastejando, lá chegávamos ao convés, eu agarrava num tomadouro e, dando-lhe volta redonda, passava-o pelos homens, pelas bombas e pelo mastro grande, e rodávamos, rodávamos continuamente, com água pela cintura, pelo pescoço, com água a cobrir-nos a cabeça. Tanto se nos fazia. Tinhamo-nos esquecido como era estarmos secos.»
Joseph Conrad.
Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 20/1