« - Oh, não estou a fazer-te um interrogatório. Não tenho nada a ver com isso. Porque estás tão zangada? É claro que podes ter tido os teus problemas. Que tenho eu a ver com isso? Simplesmente tive pena.
-Pena de quem?
-De ti.
- Não é preciso - sussurrou ela de forma quase inaudível, fazendo novamente um leve movimento.
Aquilo enraiveceu-me imediatamente. O quê!? Eu estava a ser tão meigo com ela e ela...
-Ora, pensas que estás no caminho certo?
-Não penso nada.
-Isso é que está mal, não pensares. Compreende isso, enquanto é tempo. Ainda há tempo. Ainda és jovem, bem parecida. Podes amar, casar-te, ser feliz...
- Nem todas as mulheres casadas são felizes - retrucou bruscamente com o mesmo tom rude que usara inicialmente.
- Nem todas, claro, mas de qualquer forma é muito melhor do que a vida aqui. Infinitamente melhor. Para além disso, com amor podemos até viver sem felicidade. Até mesmo na mágoa a vida é doce. A vida é doce independentemente de como vivamos. Mas o que há aqui senão... sujidade? Pff!»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 83
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