This arose out of my observation of the affecting music of these birds hanging in this way in the London streets during the freshness and stillness of the Spring morning. AT the corner of Wood Street, when daylight appears, Hangs a Thrush that sings loud, it has sung for three years: Poor Susan has passed by the spot, and has heard In the silence of morning the song of the Bird. Tis a note of enchantment; what ails her? She sees A mountain ascending, a vision of trees; Bright volumes of vapour through Lothbury glide, And a river flows on through the vale of Cheapside. Green pastures she views in the midst of the dale, Down which she so often has tripped with her pail; And a single small cottage, a nest like a dove's, The one only dwelling on earth that she loves. She looks, and her heart is in heaven: but they fade, The mist and the river, the hill and the shade: The stream will not flow, and the hill will not rise, And the colours have all passed away from her eyes! 1797. William Wordsworth |
domingo, 21 de agosto de 2011
THE REVERIE OF POOR SUSAN
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William Wordsworth
« Decerto que posso esperar por vós - decerto não preciso de ir com um estranho para o que para mim - é o (país) redil desconhecido - Esperei muito tempo - Mestre - mas ainda posso esperar mais - esperar até que o meu cabelo de avelã seja cinzento - e vós useis bengala - então poderei olhar para o meu relógio - e se o Dia estiver muito no fim - poderemos tentar a sorte (do) para o Paraíso - O que me faríeis se eu viesse de ''branco''? Tendes o pequeno cofre para pôr os Vivos - dentro?»
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 165
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(...)
«Embora te veja a deslizar - a deslizar
Para o teu incomunicável Túmulo -
Que pergunta agarrarei -
Que resposta arrancarei de ti
Antes que te dissipes
No mar do esquecimento?»
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 141
«Embora te veja a deslizar - a deslizar
Para o teu incomunicável Túmulo -
Que pergunta agarrarei -
Que resposta arrancarei de ti
Antes que te dissipes
No mar do esquecimento?»
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 141
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1632
Assim devolvam-me à Morte -
A Morte que nunca receei
A não ser que me prive de ti -
E agora, privada pela Vida,
No meu próprio Túmulo respiro
E calculo o seu tamanho -
Um tamanho que é tudo o que o Inferno imagina -
E tudo o que o Paraíso foi -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 139
A Morte que nunca receei
A não ser que me prive de ti -
E agora, privada pela Vida,
No meu próprio Túmulo respiro
E calculo o seu tamanho -
Um tamanho que é tudo o que o Inferno imagina -
E tudo o que o Paraíso foi -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 139
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«Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente - »
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 109
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«A Ternura diminui à medida que a experimentamos - »
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 95
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«Embora possa acontecer que Eu - Lhe sobreviva
Ele terá de viver - mais do que eu -
Pois tenho apenas o poder de matar,
Sem ter - o poder de morrer -»
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 89
Ele terá de viver - mais do que eu -
Pois tenho apenas o poder de matar,
Sem ter - o poder de morrer -»
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 89
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650
A Dor - tem um Elemento de Vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -
Não tem Futuro - para lá de si própria -
O seu Infinito contém
O seu Passado - iluminado para aperceber
Novas Épocas - de Dor.
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 79
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561
Meço cada Pena que encontro
Com um Olhar agudo, perscrutante -
Pergunto se é tão pesada como a que Eu tenho -
Ou se é mais Cómoda de transportar.
Pergunto se a suportam há muito tempo -
Ou se acabam de a ter -
A minha não sei dizer a sua Data -
Tão antiga me parece ser -
Pergunto se lhes dói viver assim -
E se para isso se esforçam -
E se - no caso em que pudessem escolher -
Não lhes seria preferível - morrer -
Vejo que Alguns - que demasiado sofreram -
Enfim recuperam o sorriso -
Imitando o Candeeiro
Que gasta o último Petróleo -
Pergunto-me, com o amontoar dos Anos -
Alguns Milhares - sobre o Mal -
Que tão cedo os atingiu - não poderia
Esse lapso de tempo servir-lhes de Bálsamo -
Ou se continuariam a sofrer mesmo assim
Durante Séculos de Coragem -
Iniciados numa Dor mais ampla -
Em contraste com o Amor -
Os Aflitos - são muitos - dizem-me -
Diversas são as Causas -
A Morte - apenas uma - e só chega uma vez -
E limita-se a fechar os olhos -
Há a Aflição da Carência - a Aflição do Frio -
Aquilo a que chamam ''Desespero'' -
Há um Exílio loge dos Olhos nativos -
À vista do Ar Natal -
E embora não lhe possa adivinhar a natureza -
Com exactidão - é para mim
Uma pungente Consolação
À passagem do Calvário -
Notar os figurinos - da Cruz -
E a maneira como são usados -
Ficando fascinada ao ponto de notar
Que Alguns - são iguais ao Meu -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 69 - 71
Com um Olhar agudo, perscrutante -
Pergunto se é tão pesada como a que Eu tenho -
Ou se é mais Cómoda de transportar.
Pergunto se a suportam há muito tempo -
Ou se acabam de a ter -
A minha não sei dizer a sua Data -
Tão antiga me parece ser -
Pergunto se lhes dói viver assim -
E se para isso se esforçam -
E se - no caso em que pudessem escolher -
Não lhes seria preferível - morrer -
Vejo que Alguns - que demasiado sofreram -
Enfim recuperam o sorriso -
Imitando o Candeeiro
Que gasta o último Petróleo -
Pergunto-me, com o amontoar dos Anos -
Alguns Milhares - sobre o Mal -
Que tão cedo os atingiu - não poderia
Esse lapso de tempo servir-lhes de Bálsamo -
Ou se continuariam a sofrer mesmo assim
Durante Séculos de Coragem -
Iniciados numa Dor mais ampla -
Em contraste com o Amor -
Os Aflitos - são muitos - dizem-me -
Diversas são as Causas -
A Morte - apenas uma - e só chega uma vez -
E limita-se a fechar os olhos -
Há a Aflição da Carência - a Aflição do Frio -
Aquilo a que chamam ''Desespero'' -
Há um Exílio loge dos Olhos nativos -
À vista do Ar Natal -
E embora não lhe possa adivinhar a natureza -
Com exactidão - é para mim
Uma pungente Consolação
À passagem do Calvário -
Notar os figurinos - da Cruz -
E a maneira como são usados -
Ficando fascinada ao ponto de notar
Que Alguns - são iguais ao Meu -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 69 - 71
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547
Vi um Olho Moribundo
A correr à volta de um Quarto -
Em busca de Algo - era o que parecia -
Então ficou mais Enevoado -
E então - obscuro como o Nevoeiro -
E então - soldou-se
Sem revelar o que é que foi
Que o abençoou por o ter visto -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 65
A correr à volta de um Quarto -
Em busca de Algo - era o que parecia -
Então ficou mais Enevoado -
E então - obscuro como o Nevoeiro -
E então - soldou-se
Sem revelar o que é que foi
Que o abençoou por o ter visto -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 65
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sábado, 20 de agosto de 2011
« - Quanto mais tento consertar as coisas, mas elas se afundam.
- Porque não as deixa desmoronar?»
- Porque não as deixa desmoronar?»
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quinta-feira, 18 de agosto de 2011
«Os ventos adormecidos ameaçam-nos com a tempestade; nada de bom pressagiam as nuvens.
As águas silenciosas esperam o vento.
Apresso-me a atravessar o rio antes de me surpreender a noite.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 112
XXXV
Tu brincas comigo com medo de que eu aprenda a conhecer-te com demasiada facilidade.
Para ocultares as tuas lágrimas, deslumbras-me com as tuas risotas.
Conheço os teus artifícios.
Nunca dizes aquilo que quererias dizer.
Escapas-me por mil maneiras com receio de que te não aprecie.
Conservas-te sozinha, afastada de todos, com medo de que confunda com a multidão.
Conheço os teus artifícios.
Nunca tomas o caminho que quererias tomar.
Tu pedes mais do que as outras e é por isso que tu és silenciosa.
Com alegre despreocupação evitas as minhas dádivas.
Conheço os teus artifícios.
Nunca tomas o que quererias tomar.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 60
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
«Apertarei contra o meu seio a tua cabeça, e aí na doce solidão, falarei baixinho ao teu coração. Fecharei os olhos e ouvir-te-ei. Não fitarei o teu semblante.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 52
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 52
XXVIII
É triste o teu ansioso olhar. Quer conhecer o meu pensamento.
Também a lua quer penetrar o mar.
Conheces toda a minha vida. Nada te ocultei. Eis porque ignoras tudo a meu respeito.
Se a minha vida fosse uma pérola, parti-la-ia em mil pedaços, e desses pedaços faria um colar que te poria no pescoço.
Se a minha vida apenas fosse uma flor, suave e diminuta, colhê-la-ia da sua haste para a pôr nos teus cabelos.
Mas, oh minha amada, ela é um coração. Quais os seus limites?
Tu não conheces os limites deste reino e, contudo, és a rainha dele.
Se o meu coração só fosse prazer, vê-lo-ias florir num ditoso sorriso e de golpe o penetrarias.
Se ele só fosse sofrimento, derreter-se-ia em límpidas lágrimas, reflectindo silenciosamente o seu segredo.
Mas, minha bem-amada, ele é amor.
São ilimitados o seu prazer e a sua mágoa.
São eternas a sua miséria e a sua riqueza.
Ele está tão perto de ti - com a tua própria vida, mas tu nunca o conhecerás todo.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 50/1
Também a lua quer penetrar o mar.
Conheces toda a minha vida. Nada te ocultei. Eis porque ignoras tudo a meu respeito.
Se a minha vida fosse uma pérola, parti-la-ia em mil pedaços, e desses pedaços faria um colar que te poria no pescoço.
Se a minha vida apenas fosse uma flor, suave e diminuta, colhê-la-ia da sua haste para a pôr nos teus cabelos.
Mas, oh minha amada, ela é um coração. Quais os seus limites?
Tu não conheces os limites deste reino e, contudo, és a rainha dele.
Se o meu coração só fosse prazer, vê-lo-ias florir num ditoso sorriso e de golpe o penetrarias.
Se ele só fosse sofrimento, derreter-se-ia em límpidas lágrimas, reflectindo silenciosamente o seu segredo.
Mas, minha bem-amada, ele é amor.
São ilimitados o seu prazer e a sua mágoa.
São eternas a sua miséria e a sua riqueza.
Ele está tão perto de ti - com a tua própria vida, mas tu nunca o conhecerás todo.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 50/1
XXVII
Crê no amor, mesmo quando ele é uma fonte de dor.
Não feches o teu coração.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
O coração fez-se para ser dado, oh minha amada, com uma lágrima e uma canção.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
A alegria é frágil como uma gota de orvalho. Morre, sorrindo. Mas a angústia é tenaz e forte. Deixa despertar nos teus olhos um doloroso amor.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
Prefere o loto desabrochar e morrer, a viver em botão um perpétuo inverno.
Não, meu amigo, não compreendo as tuas palavras, porque são obscuras.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 49
Não feches o teu coração.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
O coração fez-se para ser dado, oh minha amada, com uma lágrima e uma canção.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
A alegria é frágil como uma gota de orvalho. Morre, sorrindo. Mas a angústia é tenaz e forte. Deixa despertar nos teus olhos um doloroso amor.
Não, meu amigo, não posso compreender as tuas palavras, porque são obscuras.
Prefere o loto desabrochar e morrer, a viver em botão um perpétuo inverno.
Não, meu amigo, não compreendo as tuas palavras, porque são obscuras.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 49
XXVI
Tomo o que tu de bom grado me ofereces: nada mais peço.
Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: queres tudo quanto tenho.
Se puder ter essa flor perdida, trá-la-ei de encontro ao coração.
E se ela tiver espinhos?
Sofrê-los-ei.
Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: tu queres tudo quanto tenho.
Um olhar dos teus olhos amorosos faria doce a minha vida por toda a eternidade.
E se o meu olhar é cruel?
Guardarei, no meu coração, o seu golpe.
Sim, sim, conheço-te, modesto suplicante: tu queres tudo quanto tenho.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 48
XXIV
Não sepultes dentro de ti, minha amiga, o teu segredo. Diz-mo só a mim baixinho.
Murmura-me o teu segredo, tu que tens tão meigo sorriso. Ouvi-lo-á só o meu coração e não os meus ouvidos.
A noite é profunda, a casa silenciosa, os ninhos das aves estão engolfados no sono.
Diz-me o segredo do teu coração, por entre as tuas vacilantes lágrimas e os teus perturbados sorrisos.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 46
435
Demasiada Loucura é o mais divino Juízo -
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 51
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 51
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CONTABILIDADE
Quantas emílias houve na minha vida?
Vou contá-las:
a primeira, é a brontë. Uma emília do
campo, selvagem, solitária, fugindo pela
porta das traseiras sempre que o
heathcliff lhe assobiava aos ouvidos.
(Uma noite, ao fechar a janela do quarto,
na província, a mão dela agarrou-me a tempo - é
que o vento queria entrar em casa: o vento
norte, esse que faz voar reposteiros e folhas,
e fica a bater nos vidros se o
deixarmos lá fora);
a segunda é a dickinson; mas
conheço-a pior do que à outra. É
diferente um amor de adolescência, como o que
tive pela amante de heathcliff, do que paixões
de maturidade, em que a razão e emoção coexistem em pratos
iguais da balança.
(Esta emily vestia-se de
branco, enquanto que a primeira gostava de roupas
escuras. É verdade que ambas tinham relações com
presbíteros; mas admito que fossem de natureza diferente,
e que o freud não se aplique do mesmo modo
a uma ou a outra).
Sento-as, então, à mesma mesa, comigo
em frente. Digo-lhes: «Amo-vos. Tu, a inglesa,
amo-te como esse vento frio
ama os prados por onde corre, à noite, soltando
sombras e fantasmas; e a ti, à americana, amo-te
como o caruncho devora as madeiras das traves
e dos sótãos, com o rumor surdo que percorre
os desvios da eternidade.»
Ouço-as rirem-se de mim. O amor não é
isto, dizem-me. E deixo-as à conversa uma com a
outra, no seu esconderijo
de pântanos e cemitérios.
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 11/12
Vou contá-las:
a primeira, é a brontë. Uma emília do
campo, selvagem, solitária, fugindo pela
porta das traseiras sempre que o
heathcliff lhe assobiava aos ouvidos.
(Uma noite, ao fechar a janela do quarto,
na província, a mão dela agarrou-me a tempo - é
que o vento queria entrar em casa: o vento
norte, esse que faz voar reposteiros e folhas,
e fica a bater nos vidros se o
deixarmos lá fora);
a segunda é a dickinson; mas
conheço-a pior do que à outra. É
diferente um amor de adolescência, como o que
tive pela amante de heathcliff, do que paixões
de maturidade, em que a razão e emoção coexistem em pratos
iguais da balança.
(Esta emily vestia-se de
branco, enquanto que a primeira gostava de roupas
escuras. É verdade que ambas tinham relações com
presbíteros; mas admito que fossem de natureza diferente,
e que o freud não se aplique do mesmo modo
a uma ou a outra).
Sento-as, então, à mesma mesa, comigo
em frente. Digo-lhes: «Amo-vos. Tu, a inglesa,
amo-te como esse vento frio
ama os prados por onde corre, à noite, soltando
sombras e fantasmas; e a ti, à americana, amo-te
como o caruncho devora as madeiras das traves
e dos sótãos, com o rumor surdo que percorre
os desvios da eternidade.»
Ouço-as rirem-se de mim. O amor não é
isto, dizem-me. E deixo-as à conversa uma com a
outra, no seu esconderijo
de pântanos e cemitérios.
Emily Dickinson. Poemas e Cartas. Uma antologia organizada por Nuno Vieira de Almeida. Tradução de Nuno Júdice. Edições Cotovia, Lisboa, 2000., p. 11/12
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A loucura e a criação não são de todo incompatíveis; veja-se o caso do poeta Hölderlin, que escreveu poemas de beleza suprema, depois de enlouquecer.
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terça-feira, 16 de agosto de 2011
Eu não pedia nada
«Eu não pedia nada. Eu ficava de pé, na orla do bosque, detrás da árvore.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 30
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 30
«Se corres para a morte insensatamente, vem, oh! vem ao meu lago.
Ele é frio e insondavelmente profundo.
E sombrio como um sono sem sonhos.
Lá, nos abismos, não há noites, nem dias e os cantos são silenciosos.
Vem, oh! vem ao meu lago se te quiseres abismar na morte.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 29
Ele é frio e insondavelmente profundo.
E sombrio como um sono sem sonhos.
Lá, nos abismos, não há noites, nem dias e os cantos são silenciosos.
Vem, oh! vem ao meu lago se te quiseres abismar na morte.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 29
«Em vão acendes a lâmpada que te ilumina ao vestires-te, - ela vacila e apaga-se com
o vento.
Quem pode saber se as tuas pálpebras não estão enegrecidas pelo fumo? Os teus olhos
são mais sombrios do que as nuvens da chuva.
Em vão acendes a lâmpada; ela apaga-se.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 27
o vento.
Quem pode saber se as tuas pálpebras não estão enegrecidas pelo fumo? Os teus olhos
são mais sombrios do que as nuvens da chuva.
Em vão acendes a lâmpada; ela apaga-se.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 27
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segunda-feira, 15 de agosto de 2011
VIII
Apagara-se a lâmpada ao pé do meu leito.
Pela manhã despertei com as aves.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 20
Pela manhã despertei com as aves.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 20
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Tagore
«Os seus cabellos teem flores pallidas e murchas; as notas das suas flautas são dolentes.»
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 13
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 13
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Tagore
O SERVO
Servir-te-hei quando descansas.
Servir-te-hei quando descansas.
Conservarei fresca a relva da vereda, por onde caminhas de manhã, onde a cada um dos teus passos as flores que desejam morrer abençoam o pé que as pisa. Embalar-te-hei nos ramos da septaparna, emquanto a lua, despertando cedo ao fim da tarde, se esforçará por te beijar o vestido, através das folhagens.
Eu encherei de oleo odorifero a lampada que arde ao pé do teu leito e adornarei o teu tamborete com maravilhosos ornatos de sandalo e de pasta de açafrão.
A RAINHA
E que desejas tu para tua recompensa?
O SERVO
Apenas a liçença de apertar nas minhas mãos, os teus punhos delicados, semelhantes a tenros botões de loto; de tingir a planta dos teus pés, com o succo encarnado das petalas do Ashoka e de colher n'ellas, n'um beijo, o grão de pó que por acaso lá se tenha perdido.
Rabindranhath Tagore. O Jardineiro d' Amor. Tradução de António Figueirinhas. Livraria Nacional e Estrangeira de Eduardo Tavares Martins. Porto, 1922., p. 6/7
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Nobel da literatura 1913,
poeta,
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Tagore
«Eu sabia que ela iria provavelmente ficar muito confusa e que não iria assimilar tudo de uma vez, mas também sabia que iria captar, e muito bem, o essencial. E foi exactamente isso que aconteceu. Ficou branca como um lenço branco, tentou dizer qualquer coisa, mas os lábios moviam-se penosamente; afundou-se na cadeira como se lhe tivesse caído um machado em cima. E durante todo o tempo que se seguiu, ela ouviu-se com a boca aberta e os olhos esbugalhados, estremecendo de puro terror. O cinismo, o cinismo das minhas palavras era demasiado avassalador para ela...»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 108
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Notas do submundo
«Havia algo que não estava morto dentro de mim, algo que nas profundezas do meu coração e da minha consciência não morria e que se revelava numa depressão profunda.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 97
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Notas do submundo
Quando morreres
«Quando morreres, serão mãos estranhas que te levarão, com impaciência e resmungos; ninguém te abençoará, ninguém suspirará por ti, apenas quererão livrar-se de ti o quanto antes; comprarão um caixão, sepultar-te-ão como fizeram àquela pobre mulher hoje e brindarão à tua memória na taberna.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 92
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Fiódor Mikhailovich Dostoiévski,
Notas do submundo
« - Porque é que tu... - começou ela e depois parou. Mas eu compreendi: havia na sua voz algo diferente, já não saía abrupta, ríspida e inabalável como antes, agora era suave e acabrunhada, tão acabrunhada que, de repente, me senti envergonhado e culpado.
- O quê? - perguntei, com enternecida curiosidade.
- Porque é que tu...
- O quê?
- Porque é que tu...falas como uma espécie de livro? - perguntou ela, e havia novamente uma nota de ironia na sua voz.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 88/9
- O quê? - perguntei, com enternecida curiosidade.
- Porque é que tu...
- O quê?
- Porque é que tu...falas como uma espécie de livro? - perguntou ela, e havia novamente uma nota de ironia na sua voz.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 88/9
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muita coisa se constrói com base no respeito
«O amor é um mistério sagrado e deve ser escondido de todos os outros olhos, aconteça o que acontecer. Isso faz com que seja mais sagrado e melhor. Respeitam-se mais um ao outro e muita coisa se constrói com base no respeito.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 87
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 87
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the Cambridge ladies who live in furnished souls
the Cambridge ladies who live in furnished souls are unbeautiful and have comfortable minds
(also, with the church's protestant blessings
daughters,unscented shapeless spirited)
they believe in Christ and Longfellow, both dead,
are invariably interested in so many things—
at the present writing one still finds
delighted fingers knitting for the is it Poles?
perhaps. While permanent faces coyly bandy
scandal of Mrs. N and Professor D
.... the Cambridge ladies do not care, above
Cambridge if sometimes in its box of
sky lavender and cornerless, the
moon rattles like a fragment of angry candy
E. E. Cummings 1894–1962
(also, with the church's protestant blessings
daughters,unscented shapeless spirited)
they believe in Christ and Longfellow, both dead,
are invariably interested in so many things—
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delighted fingers knitting for the is it Poles?
perhaps. While permanent faces coyly bandy
scandal of Mrs. N and Professor D
.... the Cambridge ladies do not care, above
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moon rattles like a fragment of angry candy
E. E. Cummings 1894–1962
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[raise the shade]
raise the shade will youse dearie?
rain
wouldn’t that
get yer goat but
we don’t care do
we dearie we should
worry about the rain
huh
dearie?
yknow
i’m
sorry for awl the
poor girls that
gets up god
knows when every
day of their
lives
aint you,
oo-oo. dearie
not so
hard dear
you’re killing me
E. E. Cummings, “raise the shade” from Complete Poems 1904-1962, edited by George J. Firmage. Source: Poetry Foundation Complete Poems 1904-1962 (Liveright Publishing Corporation, 1991)
rain
wouldn’t that
get yer goat but
we don’t care do
we dearie we should
worry about the rain
huh
dearie?
yknow
i’m
sorry for awl the
poor girls that
gets up god
knows when every
day of their
lives
aint you,
oo-oo. dearie
not so
hard dear
you’re killing me
E. E. Cummings, “raise the shade” from Complete Poems 1904-1962, edited by George J. Firmage. Source: Poetry Foundation Complete Poems 1904-1962 (Liveright Publishing Corporation, 1991)
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Reunion
This is my past where no one knows me.
These are my friends whom I can’t name—
Here in a field where no one chose me,
The faces older, the voices the same.
Why does this stranger rise to greet me?
What is the joke that makes him smile,
As he calls the children together to meet me,
Bringing them forward in single file?
I nod pretending to recognize them,
Not knowing exactly what I should say.
Why does my presence seem to surprise them?
Who is the woman who turns away?
Is this my home or an illusion?
The bread on the table smells achingly real.
Must I at last solve my confusion,
Or is confusion all I can feel?
Poem copyright ©2010 by Dana Gioia, whose most recent book of poetry is Interrogations at Noon, Graywolf Press, 2001. Source: Poetry Foundation
These are my friends whom I can’t name—
Here in a field where no one chose me,
The faces older, the voices the same.
Why does this stranger rise to greet me?
What is the joke that makes him smile,
As he calls the children together to meet me,
Bringing them forward in single file?
I nod pretending to recognize them,
Not knowing exactly what I should say.
Why does my presence seem to surprise them?
Who is the woman who turns away?
Is this my home or an illusion?
The bread on the table smells achingly real.
Must I at last solve my confusion,
Or is confusion all I can feel?
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domingo, 14 de agosto de 2011
« - Oh, não estou a fazer-te um interrogatório. Não tenho nada a ver com isso. Porque estás tão zangada? É claro que podes ter tido os teus problemas. Que tenho eu a ver com isso? Simplesmente tive pena.
-Pena de quem?
-De ti.
- Não é preciso - sussurrou ela de forma quase inaudível, fazendo novamente um leve movimento.
Aquilo enraiveceu-me imediatamente. O quê!? Eu estava a ser tão meigo com ela e ela...
-Ora, pensas que estás no caminho certo?
-Não penso nada.
-Isso é que está mal, não pensares. Compreende isso, enquanto é tempo. Ainda há tempo. Ainda és jovem, bem parecida. Podes amar, casar-te, ser feliz...
- Nem todas as mulheres casadas são felizes - retrucou bruscamente com o mesmo tom rude que usara inicialmente.
- Nem todas, claro, mas de qualquer forma é muito melhor do que a vida aqui. Infinitamente melhor. Para além disso, com amor podemos até viver sem felicidade. Até mesmo na mágoa a vida é doce. A vida é doce independentemente de como vivamos. Mas o que há aqui senão... sujidade? Pff!»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 83
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Fico contente por parecer repulsivo aos olhos dela. Isso agrada-me.
«Olhei mecanicamente para a rapariga que entrara e vislumbrei uma face fresca, jovem, algo pálida, com sobrancelhas direitas e escuras e com olhos sérios, interrogativos, que me atraíram de imediato; tê-la-ia odiado se estivesse a sorrir. Comecei a olhar para ela com mais atenção e, por assim dizer, esforçadamente. Ainda não tinha conseguido pôr ordem nos meus pensamentos. Havia algo de simples e de boa índole nas feições dela, mas também algo estranhamente sério. Tenho a certeza que isso a prejudicava naquele lugar e que nenhum dos outros tolos havia reparado nela. Contudo, não se podia dizer que era uma beldade, embora fosse alta, aparentemente forte e com boa estatura. Estava vestida de forma simples. Alguma coisa detestável se agitou dentro de mim. Fui logo ter com ela.
Por acaso olhei para o espelho. Achei que o meu rosto perturbado era extremamente repugnante, pálido, irado, abjecto, com o cabelo desalinhado.
«Não importa, fico contente», pensei. «Fico contente por parecer repulsivo aos olhos dela. Isso agrada-me.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 78/9
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«A luz dos candeeiros das ruas desertas brilhava mortiça na escuridão nevada, como a das tochas num funeral. A neve esgueirava-se para dentro do meu sobretudo, do meu casaco, para baixo da minha gravata e derretia-se. Não me agasalhei. De qualquer forma, estava tudo perdido.»
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sábado, 13 de agosto de 2011
Beatrice: altiva como um raio de sol que atravessa os diamantes
«Um pouco afastado, numa loggia, estava Palla degli Albizzi com o seu amigo Tomaso, o pintor. Pareciam estar a discurtir qualquer coisa com uma animação crescente, até que Tomaso exclamou de súbito: 'Isso não fazes tu! Aposto que não o fazes!' Nesta altura os outros ficaram atentos. 'Que tens?', perguntou Gaetano Strozzi, que se aproximou com amigos. Tomaso explicou: 'Palla quer ajoelhar-se na festa diante Beatrice Altichieri, essa arrogante, e perdir-lhe que o deixe beijar-lhe a bainha empoeirada do vestido.' Todos riram, e Leonardo, da estirpe dos Riccardi, disse: 'Palla cairá em si, sabe bem que as mulheres mais belas têm um sorriso para ele que noutras ocasiões jamais se lhes vê.' E outro acrescentou: 'E Beatrice é tão jovem ainda! Os seus lábios têm ainda bastante rigidez infantil para sorrirem. Por isso parece tão altiva.' 'Não!', respondeu Palla degli Albizzi com impetuosidade. 'Ela é tão altiva, mas não por causa da sua juventude. É altiva como uma pedra nas mãos de Miguel Ângelo; altiva como uma flor na imagem de Madona; altiva como um raio de sol que atravessa os diamantes.'
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 88
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'Que mania rude de criar um efeito...'
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 78
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 78
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Mas agora que estou a envelhecer
«Mas agora que estou a envelhecer, tenho por vezes ideias, ideias estranhas como aquela sobre o Céu, e outras mais. A Morte.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 61
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 61
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'Quero concluir-te, tu és a minha obra.'
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 61
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«Com esta nova sensação no seu jovem corpo, ficava de pé dias inteiros no telhado, procurando o mar.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 56
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«No fundo do meu coração nunca fui cobarde, mas sempre o fui pelos actos. Não riam já - asseguro-vos que posso explicar tudo.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 47
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 47
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«Em primeiro lugar, passava a maior parte do meu tempo em casa, a ler. Tentei abafar tudo o que lhe fervilhava constantemente dentro de mim por via de impressões externas. E a única forma externa a meu dispor era ler. Ler, claro, era uma grande ajuda: excitava-me, dava-me prazer e dor. Mas por vezes entediava-me terrivelmente. Apesar de tudo, ansiamos sempre por algum movimento e eu mergulhava de cabeça nos vícios da pior espécie, nos mais sombrios, clandestinos e detestáveis vícios. As minhas malditas paixões eram agudas e dolorosas devido à minha contínua e doentia irritabilidade. Tinha impulsos histéricos, com lágrimas e convulsões. Não tinha outro recurso senão a leitura, quero dizer, nada daquilo que me rodeava merecia o meu respeito ou me atraía. Também estava esmagado pela depressão. Sentia ânsia pela incongruência e pelo contraste, por isso recorri ao vício. Não disse tudo isto para me justificar...Não!»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 46
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«A sua capacidade de ter muitas facetas é notável! E que susceptibilidade têm às sensações mais contraditórias!»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 45
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 45
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«(...), esse vogar suave e silencioso à beira de passados.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 52
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«A maior parte da sua vida passou-a em completa solidão, nunca se intrometendo na agitação resultante da sua mulher Akulina lhe dar filhos ou de estes morrerem ou se casarem. »
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 46
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 46
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(...)
«E a luz de uma lamparina corre pela moldura, como uma criança perdida numa noite estrelada.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 45
«E a luz de uma lamparina corre pela moldura, como uma criança perdida numa noite estrelada.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 45
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«Aqueles Kurgans são sarcófagos de gerações passadas, que atravessam a estepe inteira com um marulhar entorpecido e dormente. E, nessa terra, em que os jazigos são as montanhas, os homens são os abismos. Grave, sombria, taciturna é a população, e as suas palavras servem apenas de pontes frágeis e vacilantes sobre o seu verdadeiro ser. Por vezes, avez negras levantam voo dos kurgans. Por vezes, canções ferozes lançam-se contra esses homens sonhadores e perdem-se neles profundamente, enquanto as aves vão desaparecendo no céu.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 45
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sexta-feira, 12 de agosto de 2011
«Será que se estão novamente a rir? Riam à vontade; prefiro tolerar qualquer tipo de escárnio a ter de fingir que estou satisfeito quando estou esfomeado.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 35
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 35
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«Não gostará talvez o homem de outra coisa para além do bem-estar? Não poderá talvez o sofrimento ser-lhe igualmente querido? Não será talvez o sofrimento um benefício tão grande para ele como o bem-estar? Às vezes, o homem está estraordinária e apaixonadamente enamorado pelo sofrimento; é um facto. Não há necessidade de recorrer à história universal para o provar; basta que se pergunte se são homens e se viveram realmente. No que toca à minha opinião pessoal, preocuparmo-nos somente com o bem-estar parece-me verdadeiramente má educação. Seja bom ou mau, às vezes também é muito agradável em destruir coisas. Não advogo o sofrimento, assim como não advogo o bem-estar. Estou a favor do meu...capricho e de que este me esteja assegurado quando necessário.
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 34
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quinta-feira, 11 de agosto de 2011
Isto faz-me pensar numa certa rapariga jovem.
«Isto faz-me pensar numa certa rapariga jovem. Pode dizer-se que nos primeiros dezassete anos da sua severa vida apenas olhou. Os seus olhos eram tão grandes e tão autónomos, que eles próprios consumiam o que percepcionavam, e a vida prosseguia por todo o corpo do jovem ser, independente deles, sustida por simples ruídos interiores. Porém, passado esse tempo, um acontecimento demasiado violento transformou aquelas duas vidas que mal se tocavam; os olhos como que irromperam pelo interior dentro, e, através deles, todo o peso do exterior caiu no coração obscurecido; e, a cada dia, esse peso se despenhava com tal ímpeto naqueles olhos abruptos e profundos, que no peito estreito o coração se quebrava como um vidro. Então a jovem rapariga empalideceu, começou a adoecer, a isolar-se para reflectir e por fim, por si própria, procurou aquela tranquilidade em que provavelmente os pensamentos já não são perturbados.
«Como é que ela morreu?», perguntou baixinho o meu amigo, com voz algo rouca. «Afogou-se. Num lago profundo e silencioso e à superfície do mesmo, formaram-se muitos círculos que lentamente cresceram e se alargaram sob os brancos nenúfares, de forma que todas estas flores aquáticas se agitaram.
«Isto também é uma história?» disse Ewald, não deixando o silêncio prevalecer depois das palavras.
«Não» respondi eu, « isto é um sentimento».
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 43/4
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A Morte
«Nem sequer posso ir ao encontro da Morte. Muitos tropeçam nela a caminhar. A Morte tem medo de lhes entrar em casa e chama-os para fora, para outras terras, para a guerra, para o cimo de uma torre altaneira, para cima duma ponte vacilante, para o deserto, para a loucura. A maioria vai buscá-la à rua, e sem dar por isso leva-a para casa, às costas. Porque a Morte é preguiçosa; se os homens não a importunassem a toda a hora, quem sabe? Talvez se deixasse cair no sono.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 42
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«Estava para ali deitado, de testa franzida num longo e cansativo meditar, e os lábios a tremer de expectativa.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 38
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 38
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Dizem que Cleópatra
«Dizem que Cleópatra (permitam-me dar um exemplo da história romana) gostava de espetar alfinetes dourados nos seios das suas escravas e que os gritos e contorções destas lhe proporcionavam alguma satisfação. Dir-me-ão que isso se passou em tempos comparativamente bárbaros; que os tempos que vivemos actualmente também são bárbaros, porque, falando comparativamente, também se espetam alfinetes; que embora o homem tenha aprendido a ver mais claramente do que nas eras bárbaras, ainda está longe de ter aprendido a agir como a razão e a ciência ditam.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 25
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«Mas o homem tem uma predilecção por sistemas e deduções abstractas que está pronto a distorcer a verdade intencionalmente, está pronto a negar as evidências que advém dos sentidos, somente para justificar a sua lógica. Escolhi este exemplo porque é o caso mais flagrante do que acabei de dizer. Basta olharmos à nossa volta: o sangue é derramado aos litros e com o mais leve dos ânimos, como se fosse champanhe. Veja-se o exemplo de todo o século XIX no qual Buckle viveu. Veja-se Napoleão, o Grande, e também o actual. Veja-se a América do Norte - a eterna união. Veja-se a farsa de Schleswig-Holstein...E afinal o que é que a civilização torna mais brando em nós? A única mais-valia da civilização para a humanidade é possibilitar uma maior variedade de sensações...e absolutamente mais nada. E com o desenvolvimento da capacidade de ser multifacetado, o homem pode chegar a ponto de encontrar prazer no derramamento de sangue. De facto, isto já lhe aconteceu. Já repararam que os homens mais civilizados foram os sanguinários mais subtis, aos calcanhares de quem os Átilas e os Stenka Razins não conseguem chegar?»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 24/5
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Canções da Experiência
No Reino em cada rua vaguei
Rondei o Tâmisa fluente
E em cada face notei
Sinais da dor contundente
Em cada homem um grito atroz
Em cada criança um silvo arrepiante
Em cada negação, em cada voz
Os grilhões que forjou nossa mente
O lamento do mísero criado
Consterna as igrejas sombrias
E as lágrimas do infeliz soldado
Como sangue escorrem pelas lajes frias
Mas à meia-noite escuto na praça
As ameaças da Jovem Meretriz
Que o destino da criança desgraça
E o Cortejo Nupcial maldiz.
William Blake. O Casamente do Céu e do Inferno e outros escritos. Tradução e notas de
Alberto Marsicano, L&PM Editores, Porto Alegre., pg. 119.
Rondei o Tâmisa fluente
E em cada face notei
Sinais da dor contundente
Em cada homem um grito atroz
Em cada criança um silvo arrepiante
Em cada negação, em cada voz
Os grilhões que forjou nossa mente
O lamento do mísero criado
Consterna as igrejas sombrias
E as lágrimas do infeliz soldado
Como sangue escorrem pelas lajes frias
Mas à meia-noite escuto na praça
As ameaças da Jovem Meretriz
Que o destino da criança desgraça
E o Cortejo Nupcial maldiz.
William Blake. O Casamente do Céu e do Inferno e outros escritos. Tradução e notas de
Alberto Marsicano, L&PM Editores, Porto Alegre., pg. 119.
Ottla
«Tu próprio me confessaste que ela só te traz sofrimentos e desgostos, e que o faz de propósito; e enquanto tu sofres por causa dela, ela não se ressente e até se alegra. Uma espécie de diabo, em suma. Um desconhecimento tão grande só pode resultar de um afastamento ainda maior do que existe entre ti e mim. Ela está tão distante de ti que tu quase já não a vês e colocas um fantasma no lugar onde julgas vê-la. Reconheço que a relação com ela foi mais difícil do que qualquer outra.»
Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 46/7
Chamavas aos empregados «inimigos assalariados»
«Chavamas aos empregados «inimigos assalariados», e eles eram isso mesmo, mas antes de chegarem a sê-lo já tu me parecias ser o inimigo que lhes pagava o salário. Foi aí que aprendi a grande lição, a de que também eras capaz de ser injusto; por mim, não teria reparado nisso tão cedo, havia demasiado sentimento de culpa acumulado e a dar-te razão; mas ali, achava eu, na minha opinião infantil - que mais tarde corrigi, mas não muito -, ali havia gente estranha que trabalhava para nós e vivia num permanente medo de ti. É claro que também nisto exagerava um pouco, porque partia do princípio de que a tua acção sobre essas pessoas era tão terrível como sobre mim próprio.»
Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 40/1
insultavas sem pensar no que dizias
Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.27
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
«A tua simples presença física já me esmagava. Lembro-me, por exemplo, de quando nos despíamos juntos numa cabine. Eu, magro, fraco, esguio; tu, forte, alto, largo. Logo na cabine, já me sentia uma figura lamentável, não apenas perante ti, mas perante o mundo inteiro, porque tu eras para mim a medida de todas as coisas. E ao sairmos da cabine e enfrentarmos as pessoas, eu pela tua mão, um pequeno esqueleto inseguro e descalço sobre as tábuas, com medo da água, incapaz de imitar os teus movimentos a nadar, que repetias, com as melhor das intenções, mas na verdade para minha profunda humilhação - nessas alturas eu entrava em desespero e todas as minhas piores experiências, em todos os campos, se encontravam em grandiosa convergência. Sentia-me sempre muito melhor quando tu mudavas de roupa em primeiro lugar e eu ficava sozinho na cabine, adiando quanto podia a vergonha de sair, até tu voltares para me arrancares dali. E ficava-te grato por não pareceres dar pela minha aflição, e tinha orgulho do corpo do meu pai. Aliás, estas diferenças entre nós continuam a existir ainda hoje.
A isto juntava-se ainda a tua supremacia intelectual. Chegaras tão longe à tua própria custa, e por isso tinhas essa confiança sem limites nas tuas opiniões. Em criança não ficava tão fascinado com isso como quando comecei a entrar na adolescência. Tu governavas o mundo a partir da tua poltrona. A tua opinião era a única correcta, todas as outras eram absurdas, exageradas, bizarras, anormais. E a confiança que tinhas em ti era tão grande que nem sequer precisavas de ser coerente, mas nunca deixavas de ter razão. Acontecia até não teres opinião sobre um assunto, e consequentemente consideravas liminarmente falsas todas as opiniões possíveis sobre ele.»
Franz Kafka. Carta ao Pai. Trad. João Barrento. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.16/7
terça-feira, 9 de agosto de 2011
« - O que quero dizer é que não sei onde estou. Não sei mesmo - prosseguiu com muita sinceridade. - C'os diabos! Devo ter-me afastado do rumo. O nevoeiro anda atrás de mim há uma semana. Há mais de uma semana!»
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 82
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contos,
escritor inglês de origem polaca,
Joseph Conrad
«A curiosidade é o grande motor do ódio e do amor.»
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 81
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 81
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escritor inglês de origem polaca,
Joseph Conrad
«No amor e na guerra tudo deve ser claro.»
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 75
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 75
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escritor inglês de origem polaca,
Joseph Conrad
A noite cega-nos...
«A noite cega-nos... e existem situações com o raiar do Sol que para alguns são tão odiosas como a própria falsidade. A noite é sempre boa.»
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 72
Joseph Conrad. O Conto. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 72
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escritor inglês de origem polaca,
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Parricídio
«Procurou as solidões. O vento, porém, trazia-lhe aos ouvidos como que gemidos de agonia, as lágrimas do orvalho que caíam no chão lembravam-lhe outras gotas bem mais pesadas. Todos os dias à tardinha, o Sol derramava sangue pelas nuvens; e, todas as noites, em sonhos, recomeçava o seu parricídio.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 87
A necessidade de se envolver com a vida de outras pessoas fazia-o descer à cidade
«A necessidade de se envolver com a vida de outras pessoas fazia-o descer à cidade. Porém, o aspecto bestial das caras, a barulheira dos ofícios, a indiferença gelavam-lhe o coração. Nos dias de festa, quando o sino grande das catedrais enchia, logo ao nascer o Sol, todo o povo de alegria, observava os habitantes a sair das suas casas, e depois as danças nas praças, as bicas de cerveja nos cruzamentos, as tapeçarias de damasco na fachada dos palácios dos príncipes e, ao cair da noite, pelas vidraças dos rés-do-chão, as compridas mesas das famílias, onde os avós tinham os netos sentados ao colo. Os soluços sufocavam-no e regressava ao campo.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 86/7
Ele nada respondia, ou desatava em soluços - até que um dia, finalmente, confessou o seu terrível pensamento.
«Para o animar, a mulher mandou chamar malabaristas e dançarinas. Passeava com ele pelo campo numa liteira aberta - ou então, estendidos na extremidade de uma chalupa, viam os peixes a vaguear na água, clara como o céu. Outras vezes, ela gostava de lhe lançar flores ao rosto. Acocorada a seus pés, tirava melodias de um bandolim de três cordas. Depois, pousando-lhe no ombro ambas as mãos juntas, perguntava-lhe com uma voz tímida:
«Que tendes vós, meu amado senhor?»
Ele nada respondia, ou desatava em soluços - até que um dia, finalmente, confessou o seu terrível pensamento.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 76
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Com a cabeça entre as mãos, chorou durante muito tempo.
«A noite aproximava-se. Por detrás dos bosques, entre os ramos, o céu mostrava-se vermelho como um lençol de sangue.
Julião encostou-se a uma árvore. Estupefacto, contemplava a enormidade da matança, sem compreender como pudera tê-la cometido.
Do outro lado do vale, na orla da floresta, avistou um veado, uma corça e a sua cria.
O veado, que era negro e de tamanho monstruoso, tinha dezasseis galhos e barba branca. A corça, dourada como folhas secas, andava a pastar; e a cria, malhada, ia mamando na teta da mãe, sem lhe interromper o pasto.
A besta soou uma vez mais. De imediato, a cria tombou morta. Então a mãe, pregando os olhos no céu, soltou um bramido profundo, angustiante, humano. Julião, exasperado, deitou-a por terra com um tiro no peito.
O grande veado tinha-o visto e deu um salto. Julião atirou a sua última seta, que o atingiu na testa, e aí ficou cravada.
O grande veado pareceu não a sentir e, saltando por cima dos mortos, avançava sempre e ia investir contra ele, esventrá-lo; Julião recuava num pavor indescritível. Porém, o prodigioso animal parou; e, de olhos flamejantes, solene como um patriarca ou um justiceiro, enquanto ao longe repicava um sino, repetiu três vezes:
«Maldito! Maldito! Maldito! Um dia, ó coração feroz, matarás o teu pai e a tua mãe!»
Dobrou os joelhos, fechou lentamente os olhos e morreu.
Julião ficou atónito e, sentindo-se tomado por um súbito cansaço, foi invadido por um desgosto, por uma tristeza imensa. Com a cabeça entre as mãos, chorou durante muito tempo.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 68/9
Julião encostou-se a uma árvore. Estupefacto, contemplava a enormidade da matança, sem compreender como pudera tê-la cometido.
Do outro lado do vale, na orla da floresta, avistou um veado, uma corça e a sua cria.
O veado, que era negro e de tamanho monstruoso, tinha dezasseis galhos e barba branca. A corça, dourada como folhas secas, andava a pastar; e a cria, malhada, ia mamando na teta da mãe, sem lhe interromper o pasto.
A besta soou uma vez mais. De imediato, a cria tombou morta. Então a mãe, pregando os olhos no céu, soltou um bramido profundo, angustiante, humano. Julião, exasperado, deitou-a por terra com um tiro no peito.
O grande veado tinha-o visto e deu um salto. Julião atirou a sua última seta, que o atingiu na testa, e aí ficou cravada.
O grande veado pareceu não a sentir e, saltando por cima dos mortos, avançava sempre e ia investir contra ele, esventrá-lo; Julião recuava num pavor indescritível. Porém, o prodigioso animal parou; e, de olhos flamejantes, solene como um patriarca ou um justiceiro, enquanto ao longe repicava um sino, repetiu três vezes:
«Maldito! Maldito! Maldito! Um dia, ó coração feroz, matarás o teu pai e a tua mãe!»
Dobrou os joelhos, fechou lentamente os olhos e morreu.
Julião ficou atónito e, sentindo-se tomado por um súbito cansaço, foi invadido por um desgosto, por uma tristeza imensa. Com a cabeça entre as mãos, chorou durante muito tempo.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 68/9
VI
«Oh, se ao menos nada tivesse feito por simples preguiça! Céus, como me teria respeitado. Teria conseguido respeitar-me porque, pelo menos, havia sido capaz de ser preguiçoso; teria havido em mim pelo menos uma qualidade que quase poderíamos dizer positiva e que serviria para eu acreditar em mim mesmo. Pergunta: o que é ele? Resposta: um mandrião. Que agradável teria sido ouvir tal coisa sobre a minha pessoa! Quereria dizer que eu estava absolutamente definido, quereria dizer que havia algo a dizer sobre mim. «Mandrião»: vejam bem, é um chamamento e uma vocação, é uma carreira. Não gracejem, é isso mesmo.»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 17
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Fiódor Mikhailovich Dostoiévski
«(...) os nossos olhos exaustos que continuavam à espera, permanentemente à espera, ansiosamente à espera de algo da vida, que se esvai enquanto se espera - passa desapercebida, como um suspiro, como um lampejo - a par da juventude, da pujança, do romance das ilusões.»
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 61/2
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Joseph Conrad
«Recordo os rostos exaustos, as figuras abatidas dos meus dois homens, e recordo a minha juventude e uma sensação que nunca mais tive - a sensação de que viveria para sempre, que sobreviveria ao mar, à terra e a todos os homens; a sensação enganosa que nos conduz a alegrias, a perigos, ao amor, ao esforço inútil - à morte; a triunfante convicção da pujança, o calor da vida numa mão cheia de pó, a chama do coração que ano após ano se esvai, esfria, encolhe e se extingue - e extingue-se demasiado cedo, tão cedo - antes da própria vida.»
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 38/9
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Joseph Conrad
«Só o mar justifica tal génio - a vastidão, a solidão que cerca as suas almas tolas e sombrias.»
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 38/9
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 38/9
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Joseph Conrad
«Não se via uma nesga de céu a descoberto - nem do tamanho da mão de um homem - , nadinha, nem por dez míseros segundos. Para nós não havia céu, para nós não havia estrelas, sol, universo - nada além de nuvens iradas e mar enraivecido. Bombeámos quarto após quarto para salvar as nossas vidas. E tudo aquilo pareceu durar meses, anos, toda a eternidade, como se estivéssemos morrido e ido para o inferno dos marinheiros. Já não sabíamos em que dia da semana estávamos, o nome do mês, qual o ano, e se alguma vez estivéramos em terra firme. As velas foram pelos ares, o navio seguia de través apenas com a sanefa da ponte, o oceano jorrava-lhe em cima, e nós, impávidos. Rodávamos aqueles manípulos com olhos vidrados. E quando, rastejando, lá chegávamos ao convés, eu agarrava num tomadouro e, dando-lhe volta redonda, passava-o pelos homens, pelas bombas e pelo mastro grande, e rodávamos, rodávamos continuamente, com água pela cintura, pelo pescoço, com água a cobrir-nos a cabeça. Tanto se nos fazia. Tinhamo-nos esquecido como era estarmos secos.»
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 20/1
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Joseph Conrad
A senhora Beard
«A senhora Beard era uma velhota com ares de menina que tinha um rosto engelhado e rubro que nem uma maçã de Inverno. Certo dia, viu-me a pregar um botão e insistiu em tratar-me das camisas, atitude bem diferente da que conhecia às mulheres de capitão dos clíperes de luxo. »
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 14/5
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Joseph Conrad
Desconfiava da minha juventude, do meu bom senso....
«Desconfiava da minha juventude, do meu bom senso e dos meus talentos de marinharia, fazendo questão de manifestar as suas reticências de todas as formas e feitios. Talvez tivesse razão. Pouco ou nada sabia eu naquela altura e mesmo agora não sei grande coisa. Seja como for, certo é que ainda hoje alimento um ódio de estimação por esse tal Jermyn.
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 13
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Joseph Conrad
«Os camaradas decerto concordarão que há viagens que parecem destinadas a ilustrar a vida e podem apregoar-se como símbolos da existência. Lutamos, trabalhamos, suamos as estopinhas, quase nos matamos - e às vezes até morremos - para singrar nesta vida, mas não passamos da cepa torta.»
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 10
Joseph Conrad. Juventude. Trad. Bárbara Pinto Coelho, 1ª edição, Edições Quasi, 2008., p. 10
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Joseph Conrad
domingo, 7 de agosto de 2011
Quando a mãe o beijava, aceitava friamente o seu abraço, parecendo meditar em coisas profundas.
«E partia sob o ardor do Sol, debaixo de chuva ou no meio de um temporal; bebia água das nascentes com a concha da mão; comia, a galope, maçãs bravas, e se estava cansado descansava debaixo de um carvalho. Regressava a casa a meio da noite, coberto de sangue e de lodo, com espinhos no cabelo e fedendo a animais selvagens. Tornou-se igual a eles. Quando a mãe o beijava, aceitava friamente o seu abraço, parecendo meditar em coisas profundas.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 65
«Mas Julião desprezava estes cómodos artifícios; preferia ir para longe das pessoas caçar com o seu cavalo e o seu falcão. Quase sempre levava consigo um enorme falcão tártaro da Cítia, branco como a neve. No alto do seu capuz de couro, sobressaía um penacho, tremelicavam-lhe guizos de ouro nas patas azuis, e mantinha-se firme nos braços do seu dono enquanto o cavalo galopava e as planícies se sucediam. Então, Julião desamarrava-lhe as correias e largava-o: o destemido animal subia ao pique pelo ar, como uma seta; e viam-se rodopiar duas manchas desiguais, juntar-se e depois desaparecer nas alturas do céu azul. O falcão não tardava a descer, despedaçando um pássaro qualquer, e, com as suas asas trémulas, vinha pousar na manopla.»
Gustave Flaubert. A Lenda de São Julião Hospitaleiro. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 65
«Um vapor azul subiu ao quarto de Félicité. Ela estendeu as narinas, inalando-o com uma sensualidade mística; depois fechou os olhos. Os lábios sorriam. Os movimentos do coração diminuíram um a um, cada vez mais vagos, mais brandos, como uma fonte que se esgota, como um eco que desaparece; e, quando exalou o seu último suspiro, julgou ver, nos céus entreabertos, um papagaio gigantesco, planando-lhe sobre a cabeça.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 47
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Um coração simples
« Estas depravações afligiram-na muito. No mês de Março de 1853, foi tomada por uma dor no peito; a língua parecia coberta de fumo e as sanguessugas não acalmaram a opressão; e à nona noite ela expirou, tendo precisamente setenta e dois anos.
Julgavam-na mais jovem, por causa dos seus cabelos castanhos, cujos bandós lhe contornavam o rosto pálido com pequenas marcas de varíola. Poucos amigos a lamentaram, as suas maneiras eram de uma altivez que afastava os outros.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 47
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Um coração simples
sábado, 6 de agosto de 2011
o mar, ao longe, estendia-se confusamente.
«(...) o mar, ao longe, estendia-se confusamente. Então sentiu uma fraqueza que a fez parar; e a miséria da sua infância, a decepção do primeiro amor, a partida do sobrinho, a morte de Virginie, como as ondas de uma maré, voltaram de uma só vez e, subindo-lhe à garganta, asfixiavam-na.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 45
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Um coração simples
Ninguém sabia do que falava.
«Ninguém sabia do que falava. Por fim, regressou, esgotada, com os velhos sapatos em frangalhos e a morte na alma.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 42
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 42
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Gustave Flaubert,
Um coração simples
«A questão não era apenas não saber como tornar-se malévolo, a questão era não saber como tornar-me no que quer que fosse; nem malévolo nem bondoso, nem numa víbora nem num homem honesto, nem num herói nem num insecto. Agora, vivo a vida no meu canto, martirizando-me com a odiosa e inútil consolação de que um homem inteligente não pode séria e verdadeiramente tornar-se no que quer que seja, só os tolos se tornam nalguma coisa. Sim, no século XIX, um homem deveria ser, e moralmente tinha de ser, preeminentemente uma criatura desprovida de carácter; um homem de carácter, um homem activo é preeminentemente uma criatura limitada. É esta a minha convicção de quarenta anos. Tenho agora quarenta anos e, a mais completa velhice. Viver mais do que quarenta anos é má educação, é vulgar, é imoral. »
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 9
«Saí da casa dele [Bielínski] em estado de êxtase. Parei por um instante na esquina de sua casa, olhei para o céu, para o sol luminoso, para as pessoas que passavam, e compreendi, no mais fundo do meu ser, que aquele tinha sido um momento solene na minha vida, um marco decisivo, que alguma coisa inteiramente nova havia começado.»
Dostoiévski sobre as palavras de Bielínski, em, 'Diário de um Escritor'
«Atormentavam-me até eu ficar envergonhado: levavam-me a ter convulsões e, por fim, fizeram com que ficasse doente, e bem doente me fizeram ficar! Agora, digam-me senhores, não estão por acaso a pensar que estou a exprimir remorsos por alguma coisa, que estou a pedir perdão por alguma coisa? Asseguro-vos que isso me é indiferente...»
Fiódor Dostoiévski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 9
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Fiódor Mikhailovich Dostoiévski
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
«Mas só uma coisa era capaz de a comover, as cartas do filho.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 36
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 36
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Gustave Flaubert,
Um coração simples
«Os prados estavam desertos, o vento agitava o rio; ao fundo, havia grandes plantas sobre ele inclinadas, como cabeleiras de cadáveres a flutuar na água. Ela retinha a sua dor, e até à noite foi muito corajosa; mas assim que chegou ao quarto abandonou-se-lhe, de barriga para baixo no colchão, a cara no travesseiro, e os dois punhos segurando as têmporas.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 31
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Gustave Flaubert,
Um coração simples
«Por causa dos charutos, ela imaginava Havana como uma terra onde não se fazia outra coisa a não ser fumar, e Victor circulava por entre os pretos numa nuvem de tabaco.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 30
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p. 30
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Gustave Flaubert,
Havana,
Um coração simples
« Já não se via ninguém; e, no mar prateado pela Lua, havia uma mancha negra que ia empalidecendo, afundando-se, até desaparecer.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.28
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.28
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Gustave Flaubert,
Um coração simples
« (...), lia um pouco, e desta forma preenchia o vazio das horas.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.26
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.26
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Um coração simples
«Em qualquer estação do ano usava um lenço de chita preso nas costas por um alfinete, uma touca que lhe escondia o cabelo, meias cinzentas, saia vermelha e, por cima da sua grande camisa, um avental de peitilho, como as enfermeiras de hospital.
O seu rosto era magro e a sua voz aguda. Aos vinte e cinco anos, davam-lhe quarenta; a partir dos cinquenta, parecia que a idade não passava mais por ela; e, sempre silenciosa, de porte rectilíneo e gestos comedidos, parecia uma mulher de madeira, a funcionar de forma automática.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.11
O seu rosto era magro e a sua voz aguda. Aos vinte e cinco anos, davam-lhe quarenta; a partir dos cinquenta, parecia que a idade não passava mais por ela; e, sempre silenciosa, de porte rectilíneo e gestos comedidos, parecia uma mulher de madeira, a funcionar de forma automática.»
Gustave Flaubert. Um Coração Simples. Tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado. 1ª edição. Edições Quasi, 2008., p.11
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Um coração simples
sábado, 30 de julho de 2011
MARTÍRIO
Não fales assim, que me irritas. Sinto no coração um ódio que me sufoca.
ADELA
E ensinam-nos a gostar das irmãs! Porque é que Deus me deixou sozinha no meio desta escuridão?! Estou a olhar para ti como se nunca te tivesse visto!
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 147
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BERNARDA
Os antigos sabiam muitas coisas que nós esquecemos.
AMÉLIA
Pois eu prefiro fechar os olhos para não ver as estrelas.
ADELA
Eu não. Gosto de ver palpitar cheio de lume o que está quieto e quieto anos e anos!
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 128
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LA PONCIA
A filha solteira da Librada teve um filho não se sabe de quem.
ADELA
Um filho?
LA PONCIA
E para ocultar a vergolha matou-o e escondeu-o debaixo de umas pedras; mas os cães, com mais coração do que muitas pessoas, deram com ele e, como levados pela mão de Deus, foram-no pôr na soleira da porta. Agora querem-na matar. Trazem-na de rastos pela rua abaixo, e os homens vêm a correr pelos atalhos do olival, dando gritos que fazem estremercer os campos!
BERNARDA
Sim, venham todos com varas das oliveiras e os cabos das enxadas! Venham todos matá-la!
ADELA
Não, não. Matá-la, não!
MARTÍRIO
Sim, e vamos todas ver!
BERNARDA
Que morra a que espezinhou a honra!
(Fora ouve-se um grito de mulher e um grande rumor.)
ADELA
Deixem-na fugir. Não saiam daqui!
MARTÍRO
(olhando para Adela)
Tem de pagar o que fez!
BERNARDA
(debaixo do arco)
Acabem com ela antes que cheguem os guardas! Ponham-lhe carvões a arder no sítio do seu pecado!
ADELA
(deitando as mãos ao ventre)
Não!Não!
BERNARDA
Matem-na! Matem-na!
(Cai o pano.)
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 108/9
A filha solteira da Librada teve um filho não se sabe de quem.
ADELA
Um filho?
LA PONCIA
E para ocultar a vergolha matou-o e escondeu-o debaixo de umas pedras; mas os cães, com mais coração do que muitas pessoas, deram com ele e, como levados pela mão de Deus, foram-no pôr na soleira da porta. Agora querem-na matar. Trazem-na de rastos pela rua abaixo, e os homens vêm a correr pelos atalhos do olival, dando gritos que fazem estremercer os campos!
BERNARDA
Sim, venham todos com varas das oliveiras e os cabos das enxadas! Venham todos matá-la!
ADELA
Não, não. Matá-la, não!
MARTÍRIO
Sim, e vamos todas ver!
BERNARDA
Que morra a que espezinhou a honra!
(Fora ouve-se um grito de mulher e um grande rumor.)
ADELA
Deixem-na fugir. Não saiam daqui!
MARTÍRO
(olhando para Adela)
Tem de pagar o que fez!
BERNARDA
(debaixo do arco)
Acabem com ela antes que cheguem os guardas! Ponham-lhe carvões a arder no sítio do seu pecado!
ADELA
(deitando as mãos ao ventre)
Não!Não!
BERNARDA
Matem-na! Matem-na!
(Cai o pano.)
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 108/9
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BERNARDA
Lá estás tu outra vez!...Sempre com insinuações para me envenenares o sono. Não quero entender-te, porque, se chegasse a alcançar tudo o que me dizes, teria de te arranhar!
LA PONCIA
O sangue não havia de chegar ao rio!
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 101
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MARTÍRIO
Estou desejosa de que chegue Novembro, os dias de chuva, a geadaa, tudo que não seja este Verão interminável.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 83
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ADELA
Gostaria de ser ceifeira só para poder andar de um lado para o outro. Talvez assim esquecesse o que me dói.
MARTÍRIO
Que tens tu que esquecer?
ADELA
Cada um sabe da sua vida.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 80/1
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LA PONCIA
Hei-de ser a tua sombra.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 72
Hei-de ser a tua sombra.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 72
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Cheio de um mau pressentimento
« Cheio de um mau pressentimento, chamou as mãos. Elas vieram, todas sujas de barro, quentes e trémulas. 'Onde está o homem?', gritou-lhes. Então a direita culpou a esquerda: 'Tu é que o deixaste cair!' 'Ora', disse a esquerda irritada, ' quiseste ser tu sozinha a fazer tudo, não me deixaste intervir'. 'Tu devias era tê-lo segurado!' E a direita levantou-se. Mas depois caiu em si, e ambas as mãos disseram, superando-se: 'O homem estava tão impaciente! Queria era viver. Não conseguimos fazer nada dele e, naturalmente, estamos inocentes.'»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008., p. 14
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