(...)
«Eis aqui os nossos pensamentos, pensamentos de viajantes,
Eis que aparece não só a terra, a terra firme (poderão eles então dizer),
Aqui o céu forma um arco, sentimos sob os pés o balançar do convés,
Sentimos a longa pulsação, o fluxo e o refluxo do movimento sem fim,
Os sons do mistério invisível, as vagas e vastas sugestões do mundo marítimo,
as sílabas líquidas e fluentes,
O perfume, o ligeiro ranger do cordame, o ritmo melancólico,
A vista ilimitada e o longínquo e indistinto horizonte estão todos aqui,
E é este o poema do oceano.»
Walt Whitman. Folhas de Erva. Tradução de Maria de Lourdes Guimarães. Círculo de Leitores., p.6
domingo, 17 de abril de 2011
«Sempre pensava no mar como la mar, que é o que o povo lhe chama em espanhol, quando o ama.»
«(...) . Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não as podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres, pensava ele.»
Ernest Hemingway. O Velho e o Mar. Tradução e prefácio de Jorge de Sena. Ilustrações de Bernardo Marques. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1956, p. 34/5
Ernest Hemingway. O Velho e o Mar. Tradução e prefácio de Jorge de Sena. Ilustrações de Bernardo Marques. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1956, p. 34/5
Etiquetas:
Ernest Hemingway,
excerto,
Prémio Nobel da Literatura
«- Quando eu era da tua idade, ia de marujo num navio rumo à África e vi leões nas praias ao anoitecer.»
Ernest Hemingway. O Velho e o Mar. Tradução e prefácio de Jorge de Sena. Ilustrações de Bernardo Marques. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1956, p.26
Ernest Hemingway. O Velho e o Mar. Tradução e prefácio de Jorge de Sena. Ilustrações de Bernardo Marques. Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1956, p.26
Etiquetas:
Ernest Hemingway,
excerto,
Prémio Nobel da Literatura
sábado, 16 de abril de 2011
« - Eh pintainho, tens um belo encher de peito para a nossa paladina. A ela, agora, só lhe agrada uma couraça limpa por dentro e por fora. Não sabias que está apaixonada por Agilulfo?
-Mas como pode ser...Agilulfo...Bradamante...Como é possível?
-É possível quando uma mulher perdeu o desejo por todos os homens existentes, e o único desejo que lhe resta é por um homem que não existe...»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 88
-Mas como pode ser...Agilulfo...Bradamante...Como é possível?
-É possível quando uma mulher perdeu o desejo por todos os homens existentes, e o único desejo que lhe resta é por um homem que não existe...»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 88
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
«No limite do campo, Agilulfo passava lentamente. Sobre a armadura branca pendia um longo manto negro. Caminhava como quem não quer olhar, mas sabe que o olham, e crê dever mostrar que isso não lhe importa, quando, pelo contrário, importa-lhe sim, mas de uma maneira diferente daquela que os outros poderiam compreender.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 88
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
« - Acertas no alvo, mas sempre por acaso.
- Por acaso? Não falho uma flecha.
-Mesmo que atirasses bem cem flechas, era sempre por acaso.
-Então o que é por acaso? Quem consegue acertar sem ser por acaso?»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 88
- Por acaso? Não falho uma flecha.
-Mesmo que atirasses bem cem flechas, era sempre por acaso.
-Então o que é por acaso? Quem consegue acertar sem ser por acaso?»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 88
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
« Assim, desde sempre, o jovem corre para a mulher...
« Assim, desde sempre, o jovem corre para a mulher: mas é bem o amor que ela lhe inspirara? Ou não é antes o amor por ele próprio, a busca de uma certeza de existir que só a mulher lhe pode dar? Corre e enamora-se o jovem, duvidando de si mesmo, feliz e desesperado; para ele a mulher é esta presença incontestável, e só ela pode dar-lhe a prova desejada. Mas também a mulher está e não está ali: ei-la, assim como ele, ansiosa e insegura. Como é que o jovem não se apercebe disso? Que importa qual, entre os dois, é o mais forte ou o mais fraco? Estão à mesma altura. Mas o jovem não sabe porque não quer saber: o que ele deseja, avidamente, é a mulher que existe, a mulher indubitável. Ela, ao contrário, sabe mais coisas; ou menos; de qualquer maneira sabe outras coisas; agora é uma maneira diferente de ser que ela procura; fazem, em conjunto, um concurso de tiro ao arco; ela ri-se dele e não o aprecia; ele não sabe que é para se divertir.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 87
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
sexta-feira, 15 de abril de 2011
«Em definitivo, a guerra é um tanto matadouro, um tanto rotina, e não vale a pena olhá-la de muito perto.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 84
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 84
Etiquetas:
citações,
escritor italiano,
Italo Calvino
Rambaldo arrasta um morto e pensa
Rambaldo arrasta um morto e pensa: «ó morto, eu corro, eu corro para chegar aqui, como tu, para me fazer arrastar pelos calcanhares. O que valem esta fúria que me impele, esta ânsia de batalhas e de amores, vistas de onde as observam os teus olhos fechados, a tua cabeça caída que bamboleia sobre as pedras? Eu o sei, ó morto, és tu que me fazes saber. Mas o que muda? Nada. Não existem outros dias além daqueles nossos dias que nos levam à cova, para nós, vivos, e também para vós, mortos. Que me sejadado a não desperdiça-los, não perder nada do que sou e do que poderei ser.Cumprir acções ilustres para o exército franco. E abraçar, abraçado pelaorgulhosa Bradamante. Espero que tenhas empregado bem os teus dias, ó morto.Para ti, os dados já foram lançados. Para mim, ainda rodopiam no copo. E euamo, ó morto, a minha ansiedade, não a tua paz.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 78
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
terça-feira, 12 de abril de 2011
(...)
«Já vindo ao coração veneno assim bebido,
no coração lançou frio desconhecido;
Já só consigo ver por uma nuvem densa
céu e marido a quem ultraja esta presença;
vem a morte roubar-me aos olhos a clareza
e ao dia, onde eram mancha, outra vez dar pureza.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 167
«Já vindo ao coração veneno assim bebido,
no coração lançou frio desconhecido;
Já só consigo ver por uma nuvem densa
céu e marido a quem ultraja esta presença;
vem a morte roubar-me aos olhos a clareza
e ao dia, onde eram mancha, outra vez dar pureza.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 167
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Jean Racine,
teatro
CENA V: TESEU, PÂNOPE
PÂNOPE
Ignoro o que a rainha a projectar medita,
Senhor. Mas temo bem a exaltação que a agita.
Desespero mortal se pinta em sua tez
e seu rosto já tem da morte a palidez.
Já da presença dela expulsa, e infamada,
Enone ao fundo do mar se atirou, desvairada.
Desígnio tão febril não sei como lhe veio
e a levam para sempre as ondas no seu seio.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 153
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine,
teatro
segunda-feira, 11 de abril de 2011
ARÍCIA
(...)
«Pois do seu coração não tendes consciência?
E tão mal distinguis o crime e a inocência?»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 151
«Pois do seu coração não tendes consciência?
E tão mal distinguis o crime e a inocência?»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 151
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine,
teatro
«Minos julga no inferno os pálidos humanos.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 137
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 137
Etiquetas:
autores franceses,
citações,
Fedra,
Jean Racine,
teatro
«Que fogo mal extinto em meu peito desperta?
Que raio, ó Céu, que aviso em tão funesto brilho!»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 131
Que raio, ó Céu, que aviso em tão funesto brilho!»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 131
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
sexta-feira, 8 de abril de 2011
quinta-feira, 7 de abril de 2011
terça-feira, 5 de abril de 2011
«Combater com um companheiro ao lado é mais belo do que combater sozinho: encoraja e conforta. E o sentimento de ter um inimigo e o de ter um amigo fundem-se no mesmo calor.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 59/60
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 59/60
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
segunda-feira, 4 de abril de 2011
«Antes de um grande crime, alguns crimes há.»
...
Um dia só não faz de um mortal virtuoso
um pérfido assassino e um torpe incestuoso.
Hipólito
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 121
...
Um dia só não faz de um mortal virtuoso
um pérfido assassino e um torpe incestuoso.
Hipólito
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 121
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
(...)
«Tanto golpe imprevisto em mim desaba atroz
que sem palavras fico e se me abafa a voz.»
Hipólito
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 121
«Tanto golpe imprevisto em mim desaba atroz
que sem palavras fico e se me abafa a voz.»
Hipólito
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 121
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
(...)
«Não se devia até, nalguns sinais, enganos
ver logo, e o coração dos pérfidos humanos?»
Teseu
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 117
«Não se devia até, nalguns sinais, enganos
ver logo, e o coração dos pérfidos humanos?»
Teseu
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 117
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
(...)
«Não sei para onde vou, não sei mesmo onde estou.
Ó ternura! Ó bondade a ser paga em tormento!»
Teseu
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 115
«Não sei para onde vou, não sei mesmo onde estou.
Ó ternura! Ó bondade a ser paga em tormento!»
Teseu
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 115
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
domingo, 3 de abril de 2011
«(...) O vale abria-se, estriado pelos férteis campos de aveio e sebes dos medronheiros, onde o vento corria em grandes rajadas, carregadas de pólen e de borboletas. No céu flutuava a espuma das nuvens brancas.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 41
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
« - Dai-lhe uma gamela de sopa! - disse, clemente, Carlos Magno.
Com caretas, contorções e propósitos incoerentes, Gurdulú retirou-se para comer, debaixo de uma árvore.
- Mas que faz ele, agora?
Estava procurando meter a cabeça dentro da gamela, pousada no chão, como se quisesse entrar dentro dela. O bom jardineiro aproximou-se e puxou-o por um ombro: - Quando é que compreenderás, Martinzúl, que és tu que deves comer a sopa, e não a sopa te comer? Não te lembras? Deves levá-la à boca com a colher.
Gurdulú começou a meter colheradas na boca, com avidez. Utilizava a colher com tanta fúria que, às vezes, errava o alvo. No tronco da árvore, sob a qual estava sentado, abria-se uma cavidade, mesmo à altura da sua cabeça. Gurdulú pôs-se a deitar colheradas de sopa no buraco do tronco.
-Aquela não é a tua boca! É a árvore - disse o jardineiro.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 40
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
HIPÓLITO
Porém, demais já me adianto.
Vejo a razão ceder da violência à lei.
Mas pois silêncio eu já rompendo comecei,
Senhora, continuo: e vos devo informar
de um segredo que assim não posso mais guardar.
Um príncipe ante vós se mostra deplorável,
de um temerário orgulho exemplo memorável.
Eu que, contra o amor me revoltei altivo,
e em ferros insultei quem dele era cativo;
que naufrágios chorando em tão fracos mortais,
pensei sempre de bordo olhar os temporais;
sob essa comum lei sofrendo o jugo ao fim,
que turvação me faz longe me ver de mim?
Um momento venceu a minha audácia imprudente:
esta alma tão soberba enfim é dependente.
Mais de seis meses já, em pejo e em desgraça,
dentro de mim levando um dardo que espedaça,
contra vós, contra mim, me ponho à prova em vão:
sois presente e vos fujo; ausente, e estais-me à mão:
dos confins da floresta eis que a vossa figura
me segue; e a luz do dia e até a noite escura,
tudo a meus olhos traça encantos que evito,
e tudo a mim rebelde a vós leva contrito.
Eu mesmo, e é fruto só de tanto assim cuidar,
eu me procuro já, sem nunca me encontrar.
Arcos, dardos, corcel, tudo me é importuno.
Já não lembro sequer lições que deu Neptuno.
Ao som do meu gemer os bosques estremecem
e meus pagens em ócio a minha voz esquecem.
Talvez que a narração de amor tão desvairado
vos traga algum rubor pelo que haveis causado.
De um peito dado a vós, que duro tratamento!
E que estranho cativo em tão belo tormento!
A oferta a vosso olhar maior fora e tamanha.
Pensai que vos falei nalguma língua estranha,
sem rejeitar o voto expresso em pouco jeito,
que Hipólito sem vós jamais teria feito.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 73/4
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Jean Racine
ARÍCIA
Bondades moderai, o excesso me embaraça.
Tão generoso sois, honrando-me a desgraça,
Senhor, que me ides pôr, e mais do que pensais,
sob as austeras leis de que me libertais.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 69
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Jean Racine
«Uma esperança adoça esta mortal tristeza.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 69
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 69
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Hipólito,
Jean Racine
sábado, 2 de abril de 2011
Tenho notado que, por todo o lado, os seus nomes mudam conforme as estações. Dir-se-ia que todos estes nomes passam por ele, sem nunca conseguirem fixar-se. É-lhe indiferente o nome que lhe dêem. Chamaste-lo e ele julgou que chamaste uma cabra: direi «queijo» ou «torrente» e ele responderá: «Estou aqui!»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 38
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
«Ele, Agilulfo, tinha sempre necessidade de sentir perante si as coisas como um espesso muro, ao qual contrapunha a força da sua vontade. Só assim conseguia manter uma segura consciência de si mesmo. Se, pelo contrário, o mundo que o envolvia se espumava, se tornava incerto, ambíguo, então também ele se sentia imergir na doce penumbra, e não conseguia mais fazer brotar, deste vazio, um pensamento distinto, um movimento voluntário, uma ideia fixa. Sentia-se mal: eram aqueles os momentos que tinha a sensação de que ia desaparecer. Só às custas de um supremo esforço conseguia não se dissolver. Então punha-se a contar: folhas, pedras, lanças, pinhas, qualquer coisa que estivesse à sua frente; ou a pô-las em fila, a ordená-las em quadrados ou em pirâmides. Aplicar-se a estas observações meticulosas permitia-lhe vencer o mal-estar, dominar a insatisfação, o marasmo, e encontrar a lucidez e a compostura habituais.
Assim o viu Rambaldo: com gestos medidos e rápidos, dispunha as pinhas em triângulo e somava com obstinação as pinhas dos quadrados dos catetos, confrontando-as com as do quadrado da hipotenusa. Rambaldo compreendia que tudo se processava segundo rituais, convenções, protocolos, e, debaixo disto, o que é que havia, afinal de contas? Sentia-se tomado por uma angústia indefinida, sabendo-se fora de todas estas regras do jogo...Mas então, também o querer vingar a morte de seu pai, o ardor de combater, de se alistar, entre os guerreiros de Carlos Magno, não seriam mais do que um ritual, para não desaparecer no nada? Um pouco como o tirar-e-pôr das pinhas do cavaleiro Agilulfo? Oprimido pela perturbação de tão inesperadas perguntas, o jovem Rambaldo deitou-se no chão e começou a chorar.
Sentiu qualquer coisa pousar-lhe nos cabelos, uma mão, uma mão de ferro mas leve. Agilulfo estava de joelhos diante dele.
-Que tens, rapaz? Porque choras?
Os estados de depressão, de desespero ou de furor nos outros seres humanos davam imediatamente a Agilulfo uma calma e uma segurança perfeita. O sentir-se imune à depressão e à angústia, a que estavam sujeitas as pessoas existentes, levaram-no a tomar uma atitude superior e protectora.
-Perdoai-me - disse Rambaldo -, é sem dúvida fadiga. Em toda a noite não consegui fechar os olhos e agora encontro-me desorientado. Pudesse ao menos dormir um pouco...Mas agora é dia. E vós que tendes velado, como fazeis?
-Eu ficaria perdido se adormecesse, nem que fosse por um momento - disse docemente Agilulfo -, não estaria mais em lado nenhum, perder-me-ia para sempre. Por isso eu passo bem acordado cada minuto do dia e da noite.
-Deve ser mau...
-Não! - A voz tornou-se seca e dura.
-E a vossa armadura? Nunca a tirais de cima de vós?
Tornou a murmurar:
-Não tem nada dentro. Tirar ou pôr, para mim, não tem sentido.
Rambaldo levantara a cabeça e olhava pela abertura da viseira, como se procurasse, naquela escuridão, a centelha de um olhar.
- E como pode ser?
- E como pode ser de outra maneira?
A mão de ferro da armadura branca estava pousada ainda sobre os cabelos do jovem. Rambaldo sentia-a sobre a sua cabeça, apenas como uma coisa, sem lhe comunicar qualquer calor humano, consolador ou importuno que fosse. No entanto, sentia como se lhe propagasse uma tensa obstinação.»
Assim o viu Rambaldo: com gestos medidos e rápidos, dispunha as pinhas em triângulo e somava com obstinação as pinhas dos quadrados dos catetos, confrontando-as com as do quadrado da hipotenusa. Rambaldo compreendia que tudo se processava segundo rituais, convenções, protocolos, e, debaixo disto, o que é que havia, afinal de contas? Sentia-se tomado por uma angústia indefinida, sabendo-se fora de todas estas regras do jogo...Mas então, também o querer vingar a morte de seu pai, o ardor de combater, de se alistar, entre os guerreiros de Carlos Magno, não seriam mais do que um ritual, para não desaparecer no nada? Um pouco como o tirar-e-pôr das pinhas do cavaleiro Agilulfo? Oprimido pela perturbação de tão inesperadas perguntas, o jovem Rambaldo deitou-se no chão e começou a chorar.
Sentiu qualquer coisa pousar-lhe nos cabelos, uma mão, uma mão de ferro mas leve. Agilulfo estava de joelhos diante dele.
-Que tens, rapaz? Porque choras?
Os estados de depressão, de desespero ou de furor nos outros seres humanos davam imediatamente a Agilulfo uma calma e uma segurança perfeita. O sentir-se imune à depressão e à angústia, a que estavam sujeitas as pessoas existentes, levaram-no a tomar uma atitude superior e protectora.
-Perdoai-me - disse Rambaldo -, é sem dúvida fadiga. Em toda a noite não consegui fechar os olhos e agora encontro-me desorientado. Pudesse ao menos dormir um pouco...Mas agora é dia. E vós que tendes velado, como fazeis?
-Eu ficaria perdido se adormecesse, nem que fosse por um momento - disse docemente Agilulfo -, não estaria mais em lado nenhum, perder-me-ia para sempre. Por isso eu passo bem acordado cada minuto do dia e da noite.
-Deve ser mau...
-Não! - A voz tornou-se seca e dura.
-E a vossa armadura? Nunca a tirais de cima de vós?
Tornou a murmurar:
-Não tem nada dentro. Tirar ou pôr, para mim, não tem sentido.
Rambaldo levantara a cabeça e olhava pela abertura da viseira, como se procurasse, naquela escuridão, a centelha de um olhar.
- E como pode ser?
- E como pode ser de outra maneira?
A mão de ferro da armadura branca estava pousada ainda sobre os cabelos do jovem. Rambaldo sentia-a sobre a sua cabeça, apenas como uma coisa, sem lhe comunicar qualquer calor humano, consolador ou importuno que fosse. No entanto, sentia como se lhe propagasse uma tensa obstinação.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 27-30
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
«Aquele é um cavaleiro que não existe.»
« - Mas como não existe? Eu ouvio-o. Existia.
- O que é que viste? Ferragens...É alguém que existe sem existir, compreendes miúdo?»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 24
- O que é que viste? Ferragens...É alguém que existe sem existir, compreendes miúdo?»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 24
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino
« - Houve uma altura em que ouvi durante muitas noites...
« - Houve uma altura em que ouvi durante muitas noites o barulho de uma festa. Os sons chegavam até à Meia-Lua. Aproximei-me para ver aquilo e o que vi foi isto: o que estamos agora a ver. Nada. Ninguém. As ruas tão desertas como agora.
Depois, deixei de ouvir. É que a alegria cansa. Por isso não estranhei que aquilo acabasse.
-Sim - voltou a dizer Damiana Cisneros. - Esta aldeia está cheia de ecos. Eu já não me assusto. Ouço os uivos dos cães e deixo-os uivar. E em dias de corrente de ar vê-se o vento a arrastar folhas de árvores quando aqui, como vês, não há árvores. Já houve, noutros tempos, porque se assim não fosse de onde viriam estas folhas?
E o pior de tudo é que quando ouves pessoas a conversar, como se as vozes saíssem de alguma fenda e, no entanto, tão claras que as reconheces. Nem mais nem menos, agora quando vinha a caminho, passei por um velório. Parei para rezar um pai-nosso. Estava a rezar quando uma mulher se afastou das outras e veio dizer-me:
«-Daminana! Roga a Deus por mim, Damiana!»
Afastou o manto e reconheci a cara da minha irmã Sixtina.
«-Que estás tu a fazer aqui?» - perguntei-lhe.
Nessa altura, ela correu na direcção de outras mulheres e escondeu-se.
A minha irmã Sixtina, caso não saibas, morreu quando eu tinha doze anos. Era a mais velha. E na minha casa éramos dezasseis, agora calcula há quanto tempo está morta. E olha para ela agora, ainda a vaguear por este mundo. Por isso não te assustes se ouvires ecos mais recentes, Juan Preciado.
- A minha mãe também a avisou da minha chegada? - perguntei-lhe.
- Não. E a propósito, o que é feito da tua mãe?
-Morreu - disse.
-Já morreu? E de quê?
-Não cheguei a saber. Talvez de tristeza. Suspirava muito.
-Isso é mau. Cada suspiro é como um sorvo de vida de que uma pessoa se desfaz. Então morreu?
-Sim. Pensei que talvez a senhora soubesse.
-E por que razão saberia? Há muitos anos que não sei de nada.
-Então como é que deu comigo?
- ...
-A senhora está viva, Damiana? Diga-me, Damiana!
E de repente fiquei só naquelas ruas vazias. As janelas das casas abertas de par em par, deixando entrar os ramos flexíveis das trepadeiras. Silvas esguias subiam pelos tijolos nus das paredes.
-Damiana! - gritei. - Damiana Cisneros!
Respondeu-me o eco: « ... ana ...neros...!...ana...neros...!»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 58/9
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
«Um cavalo passou a galope no cruzamento da rua principal com o caminho de Contla. Ninguém o viu. Todavia, uma mulher que estava à espera nas imediações da aldeia contou que tinha visto o cavalo a correr com as pernas dobradas como se estivesse prestes a cair de bruços. Reconheceu o alazão de Miguel Páramo. E até pensou: «Este animal vai partir o pescoço.» Depois, viu-o endireitar o corpo e, sem abrandar a corrida, caminhar com o pescoço atirado para trás como se viesse assustado por algo que deixara para trás.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 44
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
ARÍCIA
(...)
Tudo o ferro ceifou e húmido chão pranteia
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 65
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Jean Racine
ISMÉNIA
De tal frieza sei o que se diz bastante;
mas vi perto de vós Hipólito arrogante;
E mesmo, ao vê-lo, o seu renome de vaidade
por ele redobrou-me a curiosidade.
Em nada a fama assim ele correspondia;
pois mal o olháveis vós, logo se confundia.
Os seus olhos que em vão tentavam evitar-vos,
já cheios de langor, não podem, não, deixar-vos.
Nome de amante pode ofender-lhe a coragem,
mas disso ele olhos tem, se não tem a linguagem.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 65
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
seu choro não terá mais mãos a que enxugar-se;
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 59
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 59
Etiquetas:
autores franceses,
Fedra,
Jean Racine
GMB Akash
Bastou ouvi-lo dizer, que prefere viver no seu inferno, o seu país, Bangladesh, do que viver no conforto da Europa, para querer intensamente descobri-lo. Tem um trabalho, que é uma viagem 'à privacidade' dos homens esquecidos. Esses, que vivem, com pouco mais de 2 euros, e, com as dores que só no Inferno, se conhecem.
aqui a sua página.
ENONE
Gela-me o sangue, ó Céus!, nas veias já não passa.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 51
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
ENONE
O quê? De que remorso estais despedaçada?
Que crime produziu em vós dor tão premente?
Tereis sujado as mãos nalgum sangue inocente?
FEDRA
Ah, Céus!, as minhas mãos livres de crime são.
Pudesse assim eu ter sem culpa o coração!
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 45
Etiquetas:
autores portugueses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
«(...)
Recobrai sem tardar vosso perdido alento,
tanto que em vossa vida a chama não é finda
e em vez de se apagar pode acender-se ainda.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 45
Recobrai sem tardar vosso perdido alento,
tanto que em vossa vida a chama não é finda
e em vez de se apagar pode acender-se ainda.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 45
Etiquetas:
autores franceses,
excerto,
Fedra,
Jean Racine
sexta-feira, 1 de abril de 2011
«...De vez em quando, Agilulfo parava perplexo sem saber se devia comportar-se como quem, só pela sua presença, sabe impor o respeito pela disciplina, ou como quem, encontrando-se onde nada tem a fazer, recua, discreto, e toma um ar ausente. Nesta incerteza detinha-se pensativo e não conseguia tomar nem um nem outro partido. Só sentia que se tornava fastidioso e teria feito qualquer coisa para estabelecer relações com os seus próximos, como por exemplo, pôr-se a gritar ordens; injúrias dignas de um cabo, ou então dizer palavrões e zombar como à mesa de uma taberna. Em vez disso murmurava palavras de saudação ininteligíveis, com uma timidez mascarada de soberba, ou um orgulho moderado pela timidez, e passava adiante. Mas sempre que lhe parecia que os outros lhe dirigiam a palavra, voltava-se e dizia apenas; «Eh?», mas depois convencia-se logo que não era com ele que estavam a falar e ia-se embora como se fugisse.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 17/8
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino,
século xx
''Porque eu não existo, Sire.''
«Agilulfo deu alguns passos para se juntar a um dos grupos, depois, sem qualquer motivo, passou a outro, mas sem tentar misturar-se, e ninguém lhe prestou atenção. Parou, um pouco indeciso, atrás de uns ou de outros, sem participar nos seus diálogos; por fim, afastou-se. Caía o crepúsculo. No elmo, a pluma irisada parecia de uma única e indistinta cor; mas a armadura branca destacava-se, nítida, ali no prado. Agilulfo, como se de súbito se sentisse nu, cruzou os braços e contraiu os ombros. Depois recompôs-se e, em largos passos, dirigiu-se para as cavalariças.»
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 11
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino,
século xx
questiúncula
(a) - questão fútil
(a') - discussão sem importância
(a') - discussão sem importância
Etiquetas:
(apontamentos),
significados
«Cada palavra, cada gesto eram previsíveis...
«Cada palavra, cada gesto eram previsíveis, assim como tudo naquela guerra, que durava há tantos anos; cada encontro, cada duelo, conduzidos sempre segundo aquele cerimonial, sabendo-se hoje quem é o vencedor de amanhã, quem é o vencido, quem será o herói, quem será o cobarde, quem se fará estripar e quem conseguirá salvar-se depois de ter sido lançado por terra, para fora do arção. Nas couraças, à noite, à luz das tochas, os martelos batiam sempre as mesmas amolgaduras.
Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 8
Etiquetas:
escritor italiano,
excerto,
Italo Calvino,
século xx
quinta-feira, 31 de março de 2011
Som do cavalo
Na vila implanto o som,
o sibilino trote segue os silvos
no ocaso. Vê-se o amor eclode
em casas onde emergem
os fumos
que o outono exuma.
Os alimentos fervem
o seu escasso paladar sobre os feixes.
E são excessivos os óleos e os panos
de envolver os mortos deste dia. O ocaso
que é na vila, e nós
a percorrer no som que a percorria
o amor, tersos lajedos
onde o cavalo freme, os fumos
se degradam,
e lhe desfaz o homem o freio tenso
e ali recolhe
o seu repouso o medo.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 82
o sibilino trote segue os silvos
no ocaso. Vê-se o amor eclode
em casas onde emergem
os fumos
que o outono exuma.
Os alimentos fervem
o seu escasso paladar sobre os feixes.
E são excessivos os óleos e os panos
de envolver os mortos deste dia. O ocaso
que é na vila, e nós
a percorrer no som que a percorria
o amor, tersos lajedos
onde o cavalo freme, os fumos
se degradam,
e lhe desfaz o homem o freio tenso
e ali recolhe
o seu repouso o medo.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 82
Etiquetas:
Fiama Hasse Pais Brandão,
poesia
Sesta IV
Perdura a imagem
do mar
visto dúctil
o senso suave
de a profunda
água ser mutável.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 66
do mar
visto dúctil
o senso suave
de a profunda
água ser mutável.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 66
Etiquetas:
Fiama Hasse Pais Brandão,
poesia
Ante - Sesta
Dos tempos e os fios
de águas naturais
só restam os mais
doridos deleites
duradouros
Como se fossem só
dias transitórios
e o homem
não pudesse ao ódio
o ar acrescentar-lhes.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 65
de águas naturais
só restam os mais
doridos deleites
duradouros
Como se fossem só
dias transitórios
e o homem
não pudesse ao ódio
o ar acrescentar-lhes.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p. 65
Etiquetas:
autores portugueses,
Fiama Hasse Pais Brandão,
poesia
quarta-feira, 30 de março de 2011
«Foi Ele quem te conduziu através deste imenso e temível deserto,
repleto de serpentes venenosas, e de escorpiões, terra estéril e sem
água, onde fez jorrar, para ti, água da pedra dos rochedos.»
(Deuteronómio, pg. 236)
repleto de serpentes venenosas, e de escorpiões, terra estéril e sem
água, onde fez jorrar, para ti, água da pedra dos rochedos.»
(Deuteronómio, pg. 236)
Etiquetas:
Biblía sagrada,
Deuteronómio,
excerto
FEDRA
Que insensatez! Que disse eu? Onde estou?
Meus votos, minha mente, o que é que os transtornou?
Perdi-a: os Deuses já não deixam que funcione.
E o meu rosto a corar desta vergonha, Enone:
demais te deixo ver a minha dor enquanto
meus olhos, sem querer, assim se enchem de pranto.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 41
Nossos gritos já mal ressoam no arvoredo.
Sob um secreto fogo o vosso olhar é quedo.
Não há que duvidar: vós ardeis, vós amais;
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 35
Sob um secreto fogo o vosso olhar é quedo.
Não há que duvidar: vós ardeis, vós amais;
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 35
Etiquetas:
excerto,
Fedra,
Jean Racine
« a mais madura idade eu mesmo tendo vindo,
ao ir-me conhecendo eu me ia aplaudindo.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 33
ao ir-me conhecendo eu me ia aplaudindo.»
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 33
Etiquetas:
excerto,
Fedra,
Jean Racine
HIPÓLITO
Esse tempo morreu. Tudo mudou de rosto
quando dos Deuses foi mandada a estes destinos
a filha de Pasífaa e do rei Minos...
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 29
Esse tempo morreu. Tudo mudou de rosto
quando dos Deuses foi mandada a estes destinos
a filha de Pasífaa e do rei Minos...
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 29
Etiquetas:
excerto,
Fedra,
Jean Racine
terça-feira, 29 de março de 2011
Poema para a padeira que estava a fazer pão enquanto se tratava a batalha de Aljubarrota
Está sobre a mesa e repousa
o pão
com uma arma de amor
em repouso
As armas guardam no campo
todo o campo
Já os mortos não aguardam
e repousam
Dentro de casa ela aguarda
abrir o forno
Ela tem mão que prepara
o amor
Pelos campos todos armas
não repousam
nem aguardam mais os mortos
ter amor
Sobre a mesa põe as mãos
pôs o pão
Fora de casa o rumor
sem repouso
Ela agora abre o fogo
pão
sem repouso ouve os mortos
lá de fora
Lá de fora entram armas
os homens
As mãos dela não repousam
acolhem
Sobre a mesa pôs o pão
arma de paz
Contra as armas da batalha
arma de mão
Contra a batalha das armas
não repousa
Caem contra a mesa os mortos
contra o forno
Outra paz não defende ela
que a do pão
Defende a paz que é da casa
e das mãos.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.26/7
o pão
com uma arma de amor
em repouso
As armas guardam no campo
todo o campo
Já os mortos não aguardam
e repousam
Dentro de casa ela aguarda
abrir o forno
Ela tem mão que prepara
o amor
Pelos campos todos armas
não repousam
nem aguardam mais os mortos
ter amor
Sobre a mesa põe as mãos
pôs o pão
Fora de casa o rumor
sem repouso
Ela agora abre o fogo
pão
sem repouso ouve os mortos
lá de fora
Lá de fora entram armas
os homens
As mãos dela não repousam
acolhem
Sobre a mesa pôs o pão
arma de paz
Contra as armas da batalha
arma de mão
Contra a batalha das armas
não repousa
Caem contra a mesa os mortos
contra o forno
Outra paz não defende ela
que a do pão
Defende a paz que é da casa
e das mãos.
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.26/7
Etiquetas:
Fiama Hasse Pais Brandão,
poesia
Onda
Pois as coisas cedem e eu me peço
ao tamanho da onda por medida
Pois a causa do amor é a maior
figura que se aumenta por palavras
Também assim a ordem e o sentimento
designem a figura de uma onda
E pois a onda encurva enche solta
no exercício em si fechando a orla
Liberta se exorbita construída
no vidro cai a sua queda
Pois a vejo a ela e ela cedo
no movimento peço tamanho
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.22
ao tamanho da onda por medida
Pois a causa do amor é a maior
figura que se aumenta por palavras
Também assim a ordem e o sentimento
designem a figura de uma onda
E pois a onda encurva enche solta
no exercício em si fechando a orla
Liberta se exorbita construída
no vidro cai a sua queda
Pois a vejo a ela e ela cedo
no movimento peço tamanho
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.22
Etiquetas:
Fiama Hasse Pais Brandão,
poesia
«Aprendo o sangue e seu calor o fundo
a linha necessária e o sigilo»
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.21
a linha necessária e o sigilo»
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.21
Etiquetas:
autores portugueses,
excerto,
Fiama Hasse Pais Brandão
Verosímel
um rio se inclina
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.13
um rio se inclina
Fiama Hasse Pais Brandão. Obra Breve. Editorial Teorema, Lisboa, 1991, p.13
Etiquetas:
excerto,
Fiama Hasse Pais Brandão,
poetas portugueses
«Aproximastes-vos, então e paraste junto ao monte; e o monte estava abrasado em fogo, que se erguia até ao céu, coberto de nuvens e de nevoeiro. O senhor falou-vos, do meio do fogo; ouvistes o som das palavras, mas não vistes figura alguma. Era uma voz apenas. O Senhor deu-vos a conhecer a Sua aliança, ordenando-vos que cumprísseis os dez mandamentos que Ele escreveu em duas tábuas de pedra.»
(Deuteronómio, pg. 230)
Etiquetas:
Biblía sagrada,
citações,
Deuteronómio
segunda-feira, 28 de março de 2011
«Como poderia, eu só, encarregar-me, de vós
e suportar o peso e as vossas questões?»
(Deuteronómio, pg. 225)
e suportar o peso e as vossas questões?»
(Deuteronómio, pg. 225)
Etiquetas:
Biblía sagrada,
citações,
Deuteronómio
«Porque o sangue mancha a terra; e a terra só pode ser lavada dessa mancha
com o sangue daquele que o tiver derramado.»
(p: 222)
com o sangue daquele que o tiver derramado.»
(p: 222)
Etiquetas:
Bíblia Sagrada,
citações,
sang
« - Esta aldeia está cheia de ecos. Parece que estão fechados no interior das paredes ou por baixo das pedras. Quando andas, sentes que vão pisando os teus passos. Ouves estalidos. Gargalhadas. Umas gargalhadas já muito velhas, como se estivessem cansadas de rir. E vozes já gastas pelo uso. Ouves tudo isso. Penso que chegará o dia em que estes sons se apagarão.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 57
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
domingo, 27 de março de 2011
68.
Como o coral alastra a sua morte
a arder em árvore púrpura no seio
do mar com a temente alma no meio
dos braços rubros presa do mais forte
Com beijo amargo de ruína veio
a ameaça Ela faz voto de sorte
que acre tormento a tal mando suporte
e é-lhe paga final final receio
Medida no festim desesperado
na turvação lembra a doçura amena
bebe o Lethes do tempo perturbado
qual dando eternidade em mão serena
dota a alma e a herança distribui
O ser simples de quem recusa flui.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.153
a arder em árvore púrpura no seio
do mar com a temente alma no meio
dos braços rubros presa do mais forte
Com beijo amargo de ruína veio
a ameaça Ela faz voto de sorte
que acre tormento a tal mando suporte
e é-lhe paga final final receio
Medida no festim desesperado
na turvação lembra a doçura amena
bebe o Lethes do tempo perturbado
qual dando eternidade em mão serena
dota a alma e a herança distribui
O ser simples de quem recusa flui.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.153
(...)
«protege com seus lírios a grinalda
Só almas na memória que persistem
altas e leves té ao fim subsistem.»
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.151
«protege com seus lírios a grinalda
Só almas na memória que persistem
altas e leves té ao fim subsistem.»
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.151
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
Walter Benjamin
reflexos do passado vão e vêm
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.139
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.139
Etiquetas:
sonetos,
verso solto,
Walter Benjamin
57.
Se as ébrias singraduras não toleras
- quem cantará teus anos de odisseia
teu vento é dor teu mar te desnorteia -
e em entrar nesta casa perseveras
que tu ó dor antes que as mais veneras
bem que hoje ou nunca lá não estanceia
a aguardar-te Penélope ou Erikleia
mas se algum dia a mim voltar quiseras
penso quão fortes troarão teus passos
se subires os belos degraus lassos
de que é meu velho corpo atravessado
e de novo: inaudível e calado
tacteias planos deste íntimo foro
para aceder-me à câmara do choro.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.129
- quem cantará teus anos de odisseia
teu vento é dor teu mar te desnorteia -
e em entrar nesta casa perseveras
que tu ó dor antes que as mais veneras
bem que hoje ou nunca lá não estanceia
a aguardar-te Penélope ou Erikleia
mas se algum dia a mim voltar quiseras
penso quão fortes troarão teus passos
se subires os belos degraus lassos
de que é meu velho corpo atravessado
e de novo: inaudível e calado
tacteias planos deste íntimo foro
para aceder-me à câmara do choro.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.129
50.
Era a memória ardente a inclinar-se
à giesta do tempo por frescura
mas o que em seu espelho se figura
vê que está só e a mesma dor foi dar-se
noite e dia e silente de amargura
uma saudade em febre o viu queimar-se
até vir por um ''sim'' a consolar-se
e do perdão mudo hino lhe assegura
levando imagens e sinais de vez
O olhar liberto penetrou no assento
do alto luto onde da palidez
dos invernos se erguia outro rebento
de cálices que embalam as sementes
dando ao nome louvando descendentes.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.113
à giesta do tempo por frescura
mas o que em seu espelho se figura
vê que está só e a mesma dor foi dar-se
noite e dia e silente de amargura
uma saudade em febre o viu queimar-se
até vir por um ''sim'' a consolar-se
e do perdão mudo hino lhe assegura
levando imagens e sinais de vez
O olhar liberto penetrou no assento
do alto luto onde da palidez
dos invernos se erguia outro rebento
de cálices que embalam as sementes
dando ao nome louvando descendentes.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.113
58.
Proíbe o deus que a ti me escravizou
que controle os teus tempos de prazer
e das horas te peça contas. Sou
teu vassalo sujeito ao teu querer.
Oh, deixa-me sofrer, sendo a teu mando,
cativa ausência em tua liberdade,
cada revés paciente aguentando,
sem acusar maus tratos ou maldade.
Como te apetecer. Teu foro vence.
Tens sobre o tempo tal prerrogativa
que faças o que queres, pois te pertence,
a perdoar-te acção a ti lesiva.
E eu que espere, embora inferno doa;
nem te censuro acção, ou má, ou boa.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.127
que controle os teus tempos de prazer
e das horas te peça contas. Sou
teu vassalo sujeito ao teu querer.
Oh, deixa-me sofrer, sendo a teu mando,
cativa ausência em tua liberdade,
cada revés paciente aguentando,
sem acusar maus tratos ou maldade.
Como te apetecer. Teu foro vence.
Tens sobre o tempo tal prerrogativa
que faças o que queres, pois te pertence,
a perdoar-te acção a ti lesiva.
E eu que espere, embora inferno doa;
nem te censuro acção, ou má, ou boa.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.127
Etiquetas:
sonetos,
William Shakespeare
«E até que em julgamento ressuscites,
vivas aqui e olhos de amante habites.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.121
vivas aqui e olhos de amante habites.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.121
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
William Shakespeare
«Adónis se descreva, a imitação,
imitada de ti, como sê-lo é pobre;
Dê-se às faces de Helena a cor e então
eis-te em grego atavio novo e nobre.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.117
imitada de ti, como sê-lo é pobre;
Dê-se às faces de Helena a cor e então
eis-te em grego atavio novo e nobre.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.117
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
William Shakespeare
35.
Do que fizeste a dor não te possua:
rosas têm picos, fontes de prata lama,
nuvens e eclipses turvam sol e lua,
no mais doce botão vil verme acama.
Os homens todos erram e eu segui-os
abandonando-te a falta com perdão;
corrompo-me remindo os teus desvios,
mais erro é desculpá-los do que o são.
Se à falta dos sentidos dou sentido,
a parte a ti adversa é o defensor
e contra mim o pleito é dirigido,
eis em guerra civil meu ódio e amor
e tal que a ser um cúmplice me impele
de quem me é ladrão doce e cruel.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.81
rosas têm picos, fontes de prata lama,
nuvens e eclipses turvam sol e lua,
no mais doce botão vil verme acama.
Os homens todos erram e eu segui-os
abandonando-te a falta com perdão;
corrompo-me remindo os teus desvios,
mais erro é desculpá-los do que o são.
Se à falta dos sentidos dou sentido,
a parte a ti adversa é o defensor
e contra mim o pleito é dirigido,
eis em guerra civil meu ódio e amor
e tal que a ser um cúmplice me impele
de quem me é ladrão doce e cruel.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.81
sábado, 26 de março de 2011
«Não diga o meu espelho que envelheço,»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.55
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.55
Etiquetas:
verso solto,
William Shakespeare
«-Mataram o teu pai.
-E a ti, mãe, quem te matou?»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 40
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te.
«No dia em que partiste percebi que não voltaria a ver-te. Ias tingida de vermelho pelo sol da tarde, pelo crepúsculo ensanguentado do céu. Sorrias. Deixavas para trás uma aldeia da qual muitas vezes me disseste: ''Amo-a por tua causa; mas odeio-a por todas as outras coisas, até por ter cá nascido.'' Pensei: ''Jamais regressará; nunca voltará.''
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 36
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
«..Não sentir outro sabor para além da flor das laranjeiras na calidez do tempo.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 35
Etiquetas:
citações,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
«...Planícies verdes. Ver subir e descer o horizonte com o vento que agita as espigas, o eriçar da tarde com uma chuva de triplas ondulações. A cor da terra, o cheiro da alfafa e do pão. Uma aldeia que cheira a mel derramado...»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 34
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
«-...O sujeito de que estou a falar trabalhava como «amansador» na Meia-Lua; dizia chamar-se Inocencio Osorio. Embora todos o conhecêssemos pela alcunha de Saltarico por ser muito leve e ágil a saltar. O meu compadre Pedro dizia que estava talhado para amansar potros; mas a verdade é que ele tinha outro ofício: o de «provocador». Era provocador de sonhos. Era isso que ele era verdadeiramente. E enredou a tua mãe tal como fazia com muitas. Entre outras, eu. Uma vez, senti-me doente e ele apresentou-se e disse-me: «Venho tomar-te o pulso para que te sintas melhor.» E tudo consistia nisto: começava a massajar-te, primeiro nas pontas dos dedos, depois esfregando as mãos; a seguir os braços, e acabava por meter-se entre as nossas pernas, a frio, pelo que aquilo, ao fim de algum tempo, começava a produzir calor. E, enquanto manobrava, falava-te do teu futuro. Entrava em transe, revirava os olhos fazendo invocações e amaldiçoando; enchendo-te de gafanhotos tal como os ciganos. Por vezes, ficava em pelota porque dizia ser esse o nosso desejo. E às vezes acertava; picava em tantos sítios que a algum tinha de ir dar.
«A verdade é que o tal Osorio prognosticou à tua mãe, quando ela o foi ver, que ''nessa noite não devia deitar-se com nenhum homem porque a Lua estava bravia.''»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 33
Etiquetas:
excerto,
Juan Rulfo,
Pedro Páramo
13.
Oh, se fosses tu mesmo! Mas assim
só te pertences quanto a vida avança.
Devias preparar-te para o fim
e dar a alguém tão doce semelhança.
E da beleza que deténs a prazo
no vencimento, então também serias
outra vez tu depois do próprio ocaso
e a branda forma em brando alguém verias.
Quem deixa arruinar tão bela casa
se tem honra viril com que a mantenha,
na borrasca invernal que tudo arrasa,
contra o gelo da morte, a estéril sanha?
Bem sabes, caro amor, gastar a esmo...
Tiveste um pai, teu filho diga o mesmo.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.37
só te pertences quanto a vida avança.
Devias preparar-te para o fim
e dar a alguém tão doce semelhança.
E da beleza que deténs a prazo
no vencimento, então também serias
outra vez tu depois do próprio ocaso
e a branda forma em brando alguém verias.
Quem deixa arruinar tão bela casa
se tem honra viril com que a mantenha,
na borrasca invernal que tudo arrasa,
contra o gelo da morte, a estéril sanha?
Bem sabes, caro amor, gastar a esmo...
Tiveste um pai, teu filho diga o mesmo.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.37
Etiquetas:
sonetos,
William Shakespeare
8.
És música e a música ouves triste?
Doçura atrai doçura e alegria:
porque amas o que a teu prazer resiste,
ou tens prazer só na melancolia?
Se a concórdia dos sons bem afinados,
por casados, ofende o teu ouvido,
são-te branda censura, em ti calcados,
porque de ti deviam ter nascido.
Vê que uma corda a outra casa bem
e ambas se fazem mútuo ordenamento,
como marido e filho e feliz mãe
que, todos num, cantam de encantamento:
É canção sem palavras, vária e em
uníssono: ''só não serás ninguém''.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.27
Doçura atrai doçura e alegria:
porque amas o que a teu prazer resiste,
ou tens prazer só na melancolia?
Se a concórdia dos sons bem afinados,
por casados, ofende o teu ouvido,
são-te branda censura, em ti calcados,
porque de ti deviam ter nascido.
Vê que uma corda a outra casa bem
e ambas se fazem mútuo ordenamento,
como marido e filho e feliz mãe
que, todos num, cantam de encantamento:
É canção sem palavras, vária e em
uníssono: ''só não serás ninguém''.
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.27
Etiquetas:
sonetos,
William Shakespeare
«Se sais de ti do zénite no brilho,
morrerás ignorado sem um filho.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.25
morrerás ignorado sem um filho.»
Os Sonetos de Shakespeare. Versão Integral, 2ª edição. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2002, p.25
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
William Shakespeare
*
O método estrito é apenas estudo,
não devia ser impresso.
Devia escrever-se para o público
num estilo livre, sem peias,
juntando-lhe apenas a demonstração rigorosa,
o desenvolvimento sistemático.
A escrita não devia ser insegura,
feita a medo, confusa, sem fim,
mas determinada, clara, sólida,
com pressupostos apodícticos, tácitos.
Uma pessoa de carácter bem definido
causa também uma impressão
benéfica e decidida e estável.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 77
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Só saberemos aquilo a que dermos expressão,
isto é, aquilo que soubermos fazer.
Quanto mais completa e diversamente
produzirmos uma coisa, a executarmos,
tanto melhor a conheceremos.
Teremos dela um conhecimento completo
se soubermos comunicá-la e suscitá-la
em toda a parte e de todas as maneiras -
se soubermos produzir, em cada um dos seus órgãos,
uma expressão individual.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 63
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Só saberemos se fizermos.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 63
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
sexta-feira, 25 de março de 2011
« e em mar de névoa o sono foi pesado
ao coração a desmedir o peito »
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.109
ao coração a desmedir o peito »
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.109
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
Walter Benjamin
47.
Enquanto a noite alarga a escuridão
que os animais e os homens adormece
fogo do sonho e o lar nos humedece
e à amiga morta rasga o coração
Chama na vasta fronde se amanhece
ave tímida ao dia dando a mão
e pelas longas ervas sombras vão
coroando o negro túmulo a luz cresce
A alba faz-se outra vez neste lugar
noite que ventos frios descarregava
vai-se a tarde nas relvas ocultar
perante o raio que inimigo cega
e com as horas dando meio-dia
na cova dela toda a luz se unia.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.107
que os animais e os homens adormece
fogo do sonho e o lar nos humedece
e à amiga morta rasga o coração
Chama na vasta fronde se amanhece
ave tímida ao dia dando a mão
e pelas longas ervas sombras vão
coroando o negro túmulo a luz cresce
A alba faz-se outra vez neste lugar
noite que ventos frios descarregava
vai-se a tarde nas relvas ocultar
perante o raio que inimigo cega
e com as horas dando meio-dia
na cova dela toda a luz se unia.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.107
45.
Porque é minha alma que o belo só procuras?
de há muito tempo que morreu e o mundo às voltas foi
atrás do seu girar e ninguém falta herói
Porque é minha alma que o belo só procuras?
Senhor porque me acordas em choro e amarguras?
ah bem busquei o sono desfigura-se e dói-
-me abandono que em mim com o teu se constrói
Senhor porque me acordas em choro e amarguras?
Falava eu uma a noite a sós no coração
e emudeci confuso decidido a calar
e tanta turvação da minha alma ocultar
nem despertá-la a dar às dores consolação
mas vê da boca em sono quais círios fez brotar
em lágrimas a arder tanta triste canção.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.103
de há muito tempo que morreu e o mundo às voltas foi
atrás do seu girar e ninguém falta herói
Porque é minha alma que o belo só procuras?
Senhor porque me acordas em choro e amarguras?
ah bem busquei o sono desfigura-se e dói-
-me abandono que em mim com o teu se constrói
Senhor porque me acordas em choro e amarguras?
Falava eu uma a noite a sós no coração
e emudeci confuso decidido a calar
e tanta turvação da minha alma ocultar
nem despertá-la a dar às dores consolação
mas vê da boca em sono quais círios fez brotar
em lágrimas a arder tanta triste canção.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.103
quinta-feira, 24 de março de 2011
*
O carácter é uma vontade
perfeitamente formada.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 60
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Não se perde a autêntica inocência,
tal como não se perde a vida autêntica.
A inocência que conhecemos
só tem uma vida, como o homem,
e, como ele, não tem regresso.
Quem, como os deuses, ama seres virgens,
nunca poderá desfrutar
da segunda inocência como da primeira -
esta é mais do que aquela.
Certas coisas
só uma vez se manifestam,
porque da sua essência
faz parte o único.
a nossa vida é, a um tempo,
absoluto e dependente.
Só morremos até certo ponto,
A nossa vida é, em parte,
parte de uma vida maior
entre outros seres.
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
A necessidade do amor
expõe a cisão que existe em nós.
Toda a necessidade
trai uma fraqueza.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 57
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Estamos sós
com tudo o que amamos.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 57
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
quarta-feira, 23 de março de 2011
22.
Vós lábios meus quereis cicatrizar
sem cura e ficar mudos? rubras feridas
como de espadas já não são tingidas
Deixai me lance à espada E de brotar
hão-de cessar as queixas desmedidas
da boca que há-de o amigo apropriar
desesperou na morte o silenciar
aliei a seu ser dores incontidas
Não sem que tardo alvor maduro a breve
juventude dos anos lhe transborde
e da hora mortal fadiga leve
se dela sangra o mundo em rubro acorde
A golfada das dores já me sossega
e é mar liso que espelha a alba que chega
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.37
sem cura e ficar mudos? rubras feridas
como de espadas já não são tingidas
Deixai me lance à espada E de brotar
hão-de cessar as queixas desmedidas
da boca que há-de o amigo apropriar
desesperou na morte o silenciar
aliei a seu ser dores incontidas
Não sem que tardo alvor maduro a breve
juventude dos anos lhe transborde
e da hora mortal fadiga leve
se dela sangra o mundo em rubro acorde
A golfada das dores já me sossega
e é mar liso que espelha a alba que chega
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.37
*
(Toda a cinza é pólen.
O cálice é o céu.)
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 50
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
O destino que nos esmaga
é a indolência do espírito.
Alargando e educando o nosso agir,
transformamo-nos nós próprios em destino.
Tudo parece afluir sobre nós vindo de fora,
porque não há corrente que saia de nós.
Somos negativos porque queremos -
quanto mais positivos formos,
tanto mais negativo será o mundo à nossa volta,
até que, no fim, não haverá negação,
porque nós seremos tudo em tudo.
Deus quer deuses.
Se o nosso corpo mais não é
do que o centro da acção comum dos sentidos,
se dominamos os nossos sentidos,
se temos o poder de os transformar em acção,
de os orientar para a comunidade -
então só depende de nós dar a nós próprios
o corpo que desejamos ter.
Se os nossos sentidos mais não são
do que modificações de um órgão pensante -
do elemento absoluto -
poderemos também, dominando esse elemento,
modificar e dirigir à vontade
os nossos sentidos.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 47/8
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Quando se lê como se deve ler,
desabrocha dentro de nós
um mundo real e verdadeiro
feito à imagem das palavras.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 47
Etiquetas:
excerto,
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
A arte de nos tornarmos todo-poderosos:
arte de realizar totalmente a nossa vontade.
De dominar corpo e alma.
O corpo é o instrumento
de formação e modificação do mundo,
Temos de ensinar o corpo
a ser um órgão capaz de tudo.
Modificar o nosso instrumento
é modificar o mundo.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p. 45
Etiquetas:
excerto,
Novalis,
poeta e romancista alemão
*
Estamos próximos do despertar
quando sonhamos que sonhamos.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.40
Etiquetas:
excerto,
Novalis,
poeta e romancista alemão
A vida existe para servir a morte.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.29
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.29
Etiquetas:
Novalis,
poeta e romancista alemão,
verso solto
*
Nunca chegaremos
ao pleno entendimento de nós.
Mas saberemos e poderemos
conhecer-nos para lá do entendimento.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.27
I
GRÃOS DE PÓLEN
Amigos, o solo é pobre. Precisamos de lançar
muitas sementes para obter uma modesta colheita.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.27
Amigos, o solo é pobre. Precisamos de lançar
muitas sementes para obter uma modesta colheita.
Novalis. Fragmentos são Sementes. Selecção, tradução e ensaio de João Barrento. Roma Editora, Lisboa, 2006, p.27
terça-feira, 22 de março de 2011
14.
Aliei-me à velha noite de maneira
que envelheci com ela e a tristeza
no coração sem paz meteu acesa
a presença das sombras na lareira
O que assim faz ser una essa pobreza
distante sem ter sol na terra inteira
com meu obscurecer quando o não queira
o amigo Na vigília muita vez a
ideia me sacudiu O sonho é raro
em noite assim dá ao insone a sua
claridade impotente para amparo
do homem mas nos seus mundos estua
não lhe brota outra luz no limiar
a lembrança é-lhe lua e faz-lhe par.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.41
que envelheci com ela e a tristeza
no coração sem paz meteu acesa
a presença das sombras na lareira
O que assim faz ser una essa pobreza
distante sem ter sol na terra inteira
com meu obscurecer quando o não queira
o amigo Na vigília muita vez a
ideia me sacudiu O sonho é raro
em noite assim dá ao insone a sua
claridade impotente para amparo
do homem mas nos seus mundos estua
não lhe brota outra luz no limiar
a lembrança é-lhe lua e faz-lhe par.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.41
«Fora dela consolo algum se gera
longe dela tristezas não existem
contém como um tecido estrela e fera»
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.37
longe dela tristezas não existem
contém como um tecido estrela e fera»
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.37
Etiquetas:
excerto,
sonetos,
Walter Benjamin
3.
Parto feliz quanto o silêncio o sele
de que ao nascer fui logo destinado
a ser brilho da noite no olhar dado
a quem silente ao vasto céu se impele
a ser raio que toca os olhos dele
e em que feliz está quem não é nado
e junto à face a ser mais afagado
que no azul voga em nuvem que revele
a luz. Estava escrito nunca havia
de me vibrar a boca sem o canto
e a minha fronte o extremo arco seria
do berço em prece ardente a orlá-lo enquanto
aconteceu que me escapou então
com minha jovem morte em sua mão.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.19
de que ao nascer fui logo destinado
a ser brilho da noite no olhar dado
a quem silente ao vasto céu se impele
a ser raio que toca os olhos dele
e em que feliz está quem não é nado
e junto à face a ser mais afagado
que no azul voga em nuvem que revele
a luz. Estava escrito nunca havia
de me vibrar a boca sem o canto
e a minha fronte o extremo arco seria
do berço em prece ardente a orlá-lo enquanto
aconteceu que me escapou então
com minha jovem morte em sua mão.
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.19
Dá-me de dentro o que o teu perto estende
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.15
Os Sonetos de Walter Benjamin. Tradução de Vasco Graça Moura. Campo das Letras, 1999, p.15
Etiquetas:
sonetos,
verso solto,
Walter Benjamin
____________________________________________
Mas então quando morre,
esse a quem a beleza
mais tocava, de modo que na forma
era um milagre e os seres celestes o tinham
marcado, e quando, por recíproco enigma eterno,
não podem compreender-se um
ao outro os que viveram juntos
na memória, e não afasta só a areia
ou os prados e comove
os templos, quando a honra
do semideus e dos seus
se esvai e mesmo a sua face
o Altíssimo desvia, assim que em parte alguma um
imortal seja de ver no céu ou
na terra verde, o que se passa?
Friedrich Hölderlin
Mas então quando morre,
esse a quem a beleza
mais tocava, de modo que na forma
era um milagre e os seres celestes o tinham
marcado, e quando, por recíproco enigma eterno,
ou os prados e comove
os templos, quando a honra
do semideus e dos seus
se esvai e mesmo a sua face
o Altíssimo desvia, assim que em parte alguma um
imortal seja de ver no céu ou
na terra verde, o que se passa?
Friedrich Hölderlin
Etiquetas:
Friedrich Hölderlin,
poesia,
poetas alemães
segunda-feira, 21 de março de 2011
MASHA (Com amargura e desapontamento, entre-den-
tes) Que Deus não me tivesse nunca deixado
pôr os olhos em ti!»
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 86
tes) Que Deus não me tivesse nunca deixado
pôr os olhos em ti!»
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 86
Etiquetas:
A Gaivota,
Anton Tchekov,
excerto,
teatro
POLINA (Para TREPLEV) Ela é um amor. (Pausa) As
mulheres querem apenas uma única coisa,
Kostya: um olhar de adoração. Sei-o por
mim.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 84
mulheres querem apenas uma única coisa,
Kostya: um olhar de adoração. Sei-o por
mim.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 84
Etiquetas:
A Gaivota,
Anton Tchekov,
excerto,
mulheres,
teatro
domingo, 20 de março de 2011
POLINA (Suspirando) As pessoas de idade são iguais
às crianças pequenas.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 83
às crianças pequenas.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 83
Etiquetas:
A Gaivota,
Anton Tchekov,
citações,
teatro
MASHA (Levanta a luz do candeeiro) O lago está co-
berto de ondas. Ondas gigantescas.
MEDVEDENKO Está uma escuridão total, no jardim. Deviam
ter mandado desarmar o palco. Para ali ficou,
no meio do jardim, desguarnecido e desarti-
culado, como um esqueleto, e com a cortina a
espanejar ao vento. Ontem à noitinha, passei
lá ao pé e pareceu-me ouvir alguém a chorar,
lá dentro.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 82
berto de ondas. Ondas gigantescas.
MEDVEDENKO Está uma escuridão total, no jardim. Deviam
ter mandado desarmar o palco. Para ali ficou,
no meio do jardim, desguarnecido e desarti-
culado, como um esqueleto, e com a cortina a
espanejar ao vento. Ontem à noitinha, passei
lá ao pé e pareceu-me ouvir alguém a chorar,
lá dentro.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 82
Etiquetas:
A Gaivota,
Anton Tchekov,
excerto,
teatro
TREPLEV (...) Perdoa-me, não sei men-
tir - os livros dele dão-me vómitos.
(...)
TREPLEV (Com ironia) ''Realmente dotados de ta-
lento'', ora vejamos! (Furioso) Quanto a
isso, eu tenho muito mais talento do que vo-
cês todos juntos. (Arranca a ligadura da ca-
beça) Vocês e as vossas convençõezinhas ta-
canhas são quem manda na arte, hoje em dia.
Considerem que só o que é feito por vocês é
genuíno, autêntico - suprimem e destroem
tudo o mais. Recuso-me a reconhecer-vos, e
à vossa supremacia! Não admito a tua, nem a
dele!
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 70
tir - os livros dele dão-me vómitos.
(...)
TREPLEV (Com ironia) ''Realmente dotados de ta-
lento'', ora vejamos! (Furioso) Quanto a
isso, eu tenho muito mais talento do que vo-
cês todos juntos. (Arranca a ligadura da ca-
beça) Vocês e as vossas convençõezinhas ta-
canhas são quem manda na arte, hoje em dia.
Considerem que só o que é feito por vocês é
genuíno, autêntico - suprimem e destroem
tudo o mais. Recuso-me a reconhecer-vos, e
à vossa supremacia! Não admito a tua, nem a
dele!
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 70
Etiquetas:
A Gaivota,
Anton Tchekov,
excerto,
teatro
Directive
Back out of all this now too much for us,
Back in a time made simple by the loss
Of detail, burned, dissolved, and broken off
Like graveyard marble sculpture in the weather,
There is a house that is no more a house
Upon a farm that is no more a farm
And in a town that is no more a town.
The road there, if you’ll let a guide direct you
Who only has at heart your getting lost,
May seem as if it should have been a quarry—
Great monolithic knees the former town
Long since gave up pretense of keeping covered.
And there’s a story in a book about it:
Besides the wear of iron wagon wheels
The ledges show lines ruled southeast-northwest,
The chisel work of an enormous Glacier
That braced his feet against the Arctic Pole.
You must not mind a certain coolness from him
Still said to haunt this side of Panther Mountain.
Nor need you mind the serial ordeal
Of being watched from forty cellar holes
As if by eye pairs out of forty firkins.
As for the woods’ excitement over you
That sends light rustle rushes to their leaves,
Charge that to upstart inexperience.
Where were they all not twenty years ago?
They think too much of having shaded out
A few old pecker-fretted apple trees.
Make yourself up a cheering song of how
Someone’s road home from work this once was,
Who may be just ahead of you on foot
Or creaking with a buggy load of grain.
The height of the adventure is the height
Of country where two village cultures faded
Into each other. Both of them are lost.
And if you’re lost enough to find yourself
By now, pull in your ladder road behind you
And put a sign up CLOSED to all but me.
Then make yourself at home. The only field
Now left’s no bigger than a harness gall.
First there’s the children’s house of make-believe,
Some shattered dishes underneath a pine,
The playthings in the playhouse of the children.
Weep for what little things could make them glad.
Then for the house that is no more a house,
But only a belilaced cellar hole,
Now slowly closing like a dent in dough.
This was no playhouse but a house in earnest.
Your destination and your destiny’s
A brook that was the water of the house,
Cold as a spring as yet so near its source,
Too lofty and original to rage.
(We know the valley streams that when aroused
Will leave their tatters hung on barb and thorn.)
I have kept hidden in the instep arch
Of an old cedar at the waterside
A broken drinking goblet like the Grail
Under a spell so the wrong ones can’t find it,
So can’t get saved, as Saint Mark says they mustn’t.
(I stole the goblet from the children’s playhouse.)
Here are your waters and your watering place.
Drink and be whole again beyond confusion.
Robert Frost. From Steeple Bush | Holt, 1947
Back in a time made simple by the loss
Of detail, burned, dissolved, and broken off
Like graveyard marble sculpture in the weather,
There is a house that is no more a house
Upon a farm that is no more a farm
And in a town that is no more a town.
The road there, if you’ll let a guide direct you
Who only has at heart your getting lost,
May seem as if it should have been a quarry—
Great monolithic knees the former town
Long since gave up pretense of keeping covered.
And there’s a story in a book about it:
Besides the wear of iron wagon wheels
The ledges show lines ruled southeast-northwest,
The chisel work of an enormous Glacier
That braced his feet against the Arctic Pole.
You must not mind a certain coolness from him
Still said to haunt this side of Panther Mountain.
Nor need you mind the serial ordeal
Of being watched from forty cellar holes
As if by eye pairs out of forty firkins.
As for the woods’ excitement over you
That sends light rustle rushes to their leaves,
Charge that to upstart inexperience.
Where were they all not twenty years ago?
They think too much of having shaded out
A few old pecker-fretted apple trees.
Make yourself up a cheering song of how
Someone’s road home from work this once was,
Who may be just ahead of you on foot
Or creaking with a buggy load of grain.
The height of the adventure is the height
Of country where two village cultures faded
Into each other. Both of them are lost.
And if you’re lost enough to find yourself
By now, pull in your ladder road behind you
And put a sign up CLOSED to all but me.
Then make yourself at home. The only field
Now left’s no bigger than a harness gall.
First there’s the children’s house of make-believe,
Some shattered dishes underneath a pine,
The playthings in the playhouse of the children.
Weep for what little things could make them glad.
Then for the house that is no more a house,
But only a belilaced cellar hole,
Now slowly closing like a dent in dough.
This was no playhouse but a house in earnest.
Your destination and your destiny’s
A brook that was the water of the house,
Cold as a spring as yet so near its source,
Too lofty and original to rage.
(We know the valley streams that when aroused
Will leave their tatters hung on barb and thorn.)
I have kept hidden in the instep arch
Of an old cedar at the waterside
A broken drinking goblet like the Grail
Under a spell so the wrong ones can’t find it,
So can’t get saved, as Saint Mark says they mustn’t.
(I stole the goblet from the children’s playhouse.)
Here are your waters and your watering place.
Drink and be whole again beyond confusion.
Robert Frost. From Steeple Bush | Holt, 1947
Etiquetas:
poesia,
poetas americanos,
Robert Frost (1874-1963)
The Idea of Order at Key West
She sang beyond the genius of the sea.
The water never formed to mind or voice,
Like a body wholly body, fluttering
Its empty sleeves; and yet its mimic motion
Made constant cry, caused constantly a cry,
That was not ours although we understood,
Inhuman, of the veritable ocean.
The sea was not a mask. No more was she.
The song and water were not medleyed sound
Even if what she sang was what she heard,
Since what she sang was uttered word by word.
It may be that in all her phrases stirred
The grinding water and the gasping wind;
But it was she and not the sea we heard.
For she was the maker of the song she sang.
The ever-hooded, tragic-gestured sea
Was merely a place by which she walked to sing.
Whose spirit is this? we said, because we knew
It was the spirit that we sought and knew
That we should ask this often as she sang.
If it was only the dark voice of the sea
That rose, or even colored by many waves;
If it was only the outer voice of sky
And cloud, of the sunken coral water-walled,
However clear, it would have been deep air,
The heaving speech of air, a summer sound
Repeated in a summer without end
And sound alone. But it was more than that,
More even than her voice, and ours, among
The meaningless plungings of water and the wind,
Theatrical distances, bronze shadows heaped
On high horizons, mountainous atmospheres
Of sky and sea.
It was her voice that made
The sky acutest at its vanishing.
She measured to the hour its solitude.
She was the single artificer of the world
In which she sang. And when she sang, the sea,
Whatever self it had, became the self
That was her song, for she was the maker. Then we,
As we beheld her striding there alone,
Knew that there never was a world for her
Except the one she sang and, singing, made.
Ramon Fernandez, tell me, if you know,
Why, when the singing ended and we turned
Toward the town, tell why the glassy lights,
The lights in the fishing boats at anchor there,
As the night descended, tilting in the air,
Mastered the night and portioned out the sea,
Fixing emblazoned zones and fiery poles,
Arranging, deepening, enchanting night.
Oh! Blessed rage for order, pale Ramon,
The maker's rage to order words of the sea,
Words of the fragrant portals, dimly-starred,
And of ourselves and of our origins,
In ghostlier demarcations, keener sounds.
Wallace Stevens
The water never formed to mind or voice,
Like a body wholly body, fluttering
Its empty sleeves; and yet its mimic motion
Made constant cry, caused constantly a cry,
That was not ours although we understood,
Inhuman, of the veritable ocean.
The sea was not a mask. No more was she.
The song and water were not medleyed sound
Even if what she sang was what she heard,
Since what she sang was uttered word by word.
It may be that in all her phrases stirred
The grinding water and the gasping wind;
But it was she and not the sea we heard.
For she was the maker of the song she sang.
The ever-hooded, tragic-gestured sea
Was merely a place by which she walked to sing.
Whose spirit is this? we said, because we knew
It was the spirit that we sought and knew
That we should ask this often as she sang.
If it was only the dark voice of the sea
That rose, or even colored by many waves;
If it was only the outer voice of sky
And cloud, of the sunken coral water-walled,
However clear, it would have been deep air,
The heaving speech of air, a summer sound
Repeated in a summer without end
And sound alone. But it was more than that,
More even than her voice, and ours, among
The meaningless plungings of water and the wind,
Theatrical distances, bronze shadows heaped
On high horizons, mountainous atmospheres
Of sky and sea.
It was her voice that made
The sky acutest at its vanishing.
She measured to the hour its solitude.
She was the single artificer of the world
In which she sang. And when she sang, the sea,
Whatever self it had, became the self
That was her song, for she was the maker. Then we,
As we beheld her striding there alone,
Knew that there never was a world for her
Except the one she sang and, singing, made.
Ramon Fernandez, tell me, if you know,
Why, when the singing ended and we turned
Toward the town, tell why the glassy lights,
The lights in the fishing boats at anchor there,
As the night descended, tilting in the air,
Mastered the night and portioned out the sea,
Fixing emblazoned zones and fiery poles,
Arranging, deepening, enchanting night.
Oh! Blessed rage for order, pale Ramon,
The maker's rage to order words of the sea,
Words of the fragrant portals, dimly-starred,
And of ourselves and of our origins,
In ghostlier demarcations, keener sounds.
Wallace Stevens
sexta-feira, 18 de março de 2011
Já lá vai o tempo em que se semeava...
Com os zunzuns em torno da comemoração do Dia Mundial da Poesia, noto em mim, ó Álvaro, por aquela sensação de azedume do estômago. Como é que as putas chegam a papel impresso? Dinheiro. Tendo dinheiro. É decadente, só lhe posso chamar a fase da decadência. Com Camões e Pessoa nesta bandeira, lembram-se de putas menores que ainda nem largaram as fraldas (como eu já as tive) e, Deus Pai, como é que é possível? Só um 'pseudo-povo', hastearia fagulhas, quando tem a chama na pátria para aleitar as crias, o suficiente. Este rebanho não tem memória da mão que o varejou, porque nunca foi varejado, nem sequer, colhe das sementeiras ao alcance da mão, a verdadeira palavra. Haja neste país quem possa ficar para semente...
Subscrever:
Mensagens (Atom)