domingo, 3 de abril de 2011

« - Dai-lhe uma gamela de sopa! - disse, clemente, Carlos Magno.
    Com caretas, contorções e propósitos incoerentes, Gurdulú retirou-se para comer, debaixo de uma árvore.
    - Mas que faz ele, agora?
     Estava procurando meter a cabeça dentro da gamela, pousada no chão, como se quisesse entrar dentro dela. O bom jardineiro aproximou-se e puxou-o por um ombro: - Quando é que compreenderás, Martinzúl, que és tu que deves comer a sopa, e não a sopa te comer? Não te lembras? Deves levá-la à boca com a colher.
    Gurdulú começou a meter colheradas na boca, com avidez. Utilizava a colher com tanta fúria que, às vezes, errava o alvo. No tronco da árvore, sob a qual estava sentado, abria-se uma cavidade, mesmo à altura da sua cabeça. Gurdulú pôs-se a deitar colheradas de sopa no buraco do tronco.
 -Aquela não é a tua boca! É a árvore - disse o jardineiro.»



Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 40

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