domingo, 3 de abril de 2011

HIPÓLITO

                                                          
                                                    Porém, demais já me adianto.
                Vejo a razão ceder da violência à lei.
                 Mas pois silêncio eu já rompendo comecei,
                Senhora, continuo: e vos devo informar
                de um segredo que assim não posso mais guardar.
                Um príncipe ante vós se mostra deplorável,
                de um temerário orgulho exemplo memorável.
                Eu que, contra o amor me revoltei altivo,
                e em ferros insultei quem dele era cativo;
               que naufrágios chorando em tão fracos mortais,
               pensei sempre de bordo olhar os temporais;
               sob essa comum lei sofrendo o jugo ao fim,
               que turvação me faz longe me ver de mim?
               Um momento venceu a minha audácia imprudente:
                esta alma tão soberba enfim é dependente.
               Mais de seis meses já, em pejo e em desgraça,
               dentro de mim levando um dardo que espedaça,
               contra vós, contra mim, me ponho à prova em vão:
               sois presente e vos fujo; ausente, e estais-me à mão:
               dos confins da floresta eis que a vossa figura
               me segue; e a luz do dia e até a noite escura,
               tudo a meus olhos traça encantos que evito,
              e tudo a mim rebelde a vós leva contrito.
              Eu mesmo, e é fruto só de tanto assim cuidar,
              eu me procuro já, sem nunca me encontrar.
              Arcos, dardos, corcel, tudo me é importuno.
              Já não lembro sequer lições que deu Neptuno.
              Ao som do meu gemer os bosques estremecem
              e meus pagens em ócio a minha voz esquecem.
              Talvez que a narração de amor tão desvairado
              vos traga algum rubor pelo que haveis causado.
              De um peito dado a vós, que duro tratamento!
              E que estranho cativo em tão belo tormento!
              A oferta a vosso olhar maior fora e tamanha.
              Pensai que vos falei nalguma língua estranha,
              sem rejeitar o voto expresso em pouco jeito,
              que Hipólito sem vós jamais teria feito.



Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 73/4

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