sexta-feira, 15 de abril de 2011

Rambaldo arrasta um morto e pensa

Rambaldo arrasta um morto e pensa: «ó morto, eu corro, eu corro para chegar aqui, como tu, para me fazer arrastar pelos calcanhares. O que valem esta fúria que me impele, esta ânsia de batalhas e de amores, vistas de onde as observam os teus olhos fechados, a tua cabeça caída que bamboleia sobre as pedras? Eu o sei, ó morto, és tu que me fazes saber. Mas o que muda? Nada. Não existem outros dias além daqueles nossos dias que nos levam à cova, para nós, vivos, e também para vós, mortos. Que me sejadado a não desperdiça-los, não perder nada do que sou e do que poderei ser.Cumprir acções ilustres para o exército franco. E abraçar, abraçado pelaorgulhosa Bradamante. Espero que tenhas empregado bem os teus dias, ó morto.Para ti, os dados já foram lançados. Para mim, ainda rodopiam no copo. E euamo, ó morto, a minha ansiedade, não a tua paz.»


Italo Calvino. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Fernanda Ribeiro. Editorial Teorema, Lisboa, 1998. p. 78

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