HIPÓLITO
Porém, demais já me adianto.
Vejo a razão ceder da violência à lei.
Mas pois silêncio eu já rompendo comecei,
Senhora, continuo: e vos devo informar
de um segredo que assim não posso mais guardar.
Um príncipe ante vós se mostra deplorável,
de um temerário orgulho exemplo memorável.
Eu que, contra o amor me revoltei altivo,
e em ferros insultei quem dele era cativo;
que naufrágios chorando em tão fracos mortais,
pensei sempre de bordo olhar os temporais;
sob essa comum lei sofrendo o jugo ao fim,
que turvação me faz longe me ver de mim?
Um momento venceu a minha audácia imprudente:
esta alma tão soberba enfim é dependente.
Mais de seis meses já, em pejo e em desgraça,
dentro de mim levando um dardo que espedaça,
contra vós, contra mim, me ponho à prova em vão:
sois presente e vos fujo; ausente, e estais-me à mão:
dos confins da floresta eis que a vossa figura
me segue; e a luz do dia e até a noite escura,
tudo a meus olhos traça encantos que evito,
e tudo a mim rebelde a vós leva contrito.
Eu mesmo, e é fruto só de tanto assim cuidar,
eu me procuro já, sem nunca me encontrar.
Arcos, dardos, corcel, tudo me é importuno.
Já não lembro sequer lições que deu Neptuno.
Ao som do meu gemer os bosques estremecem
e meus pagens em ócio a minha voz esquecem.
Talvez que a narração de amor tão desvairado
vos traga algum rubor pelo que haveis causado.
De um peito dado a vós, que duro tratamento!
E que estranho cativo em tão belo tormento!
A oferta a vosso olhar maior fora e tamanha.
Pensai que vos falei nalguma língua estranha,
sem rejeitar o voto expresso em pouco jeito,
que Hipólito sem vós jamais teria feito.
Jean Racine. Fedra. Trad. Vasco Graça Moura. Bertrand Editora, Chiado, 2005, p. 73/4