terça-feira, 25 de janeiro de 2011
«Primeiro falou o velho. Depois a mulher. Em seguida falou de novo o velho. Depois, de novo a mulher. Enquanto ela falava, devo ter adormecido, sem, no entanto, fenómeno realmente singular, perder a sequência da narrativa, como se aquela voz surgisse do mais profundo de mim mesmo. Quando o dia clareou e eu despertei, o velho voltou a falar.»
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Ignazio Silone
Fontamara
«Não haveria nada mais a se dizer sobre Fontamara, se não tivessem ocorrido os estranhos acontecimentos que estou para contar. Lá vivi os primeiros vinte anos da minha vida e não saberia mais o que lhes contar». .
«[...] por vinte anos a mesma terra, as mesmas chuvas, o mesmo vento, a mesma neve, as mesmas festas, as mesmas comidas, as mesmas angústias, as mesmas penas, a mesma miséria: a miséria recebida dos pais que haviam herdado dos avós, e contra o qual o trabalho honesto nunca serviu para nada.»
«[...] por vinte anos a mesma terra, as mesmas chuvas, o mesmo vento, a mesma neve, as mesmas festas, as mesmas comidas, as mesmas angústias, as mesmas penas, a mesma miséria: a miséria recebida dos pais que haviam herdado dos avós, e contra o qual o trabalho honesto nunca serviu para nada.»
Ignazio Silone
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Ignazio Silone
Dias de 1903
Não voltarei a encontrá-los - esses tão depressa perdidos....
esses olhos poéticos, esse pálido
rosto....no anoitecer da rua....
Não os encontrarei mais - aos adquiridos inteiramente por acaso,
que tão facilmente deixei;
e que depois com ansiedade queria.
Esses olhos poéticos, esse pálido rosto,
aqueles lábios não os encontrei mais.
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 71
esses olhos poéticos, esse pálido
rosto....no anoitecer da rua....
Não os encontrarei mais - aos adquiridos inteiramente por acaso,
que tão facilmente deixei;
e que depois com ansiedade queria.
Esses olhos poéticos, esse pálido rosto,
aqueles lábios não os encontrei mais.
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 71
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«O Lanes a quem amaste não está aqui, Marcos,
no túmulo a que vens chorar, e ficas horas e horas.
O Lanes a quem amaste tu o que tens mais perto de ti
quando em tua casa te fechas e vês a imagem,
a qual um tanto conservou do que tinha que valesse,
a qual um tanto conservou do que tinhas amado.»
Túmulo de Lanes
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 61
no túmulo a que vens chorar, e ficas horas e horas.
O Lanes a quem amaste tu o que tens mais perto de ti
quando em tua casa te fechas e vês a imagem,
a qual um tanto conservou do que tinha que valesse,
a qual um tanto conservou do que tinhas amado.»
Túmulo de Lanes
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 61
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As coisas perigosas
Disse Myrtias (estudante sírio
em Alexandria; sendo reis
augustus Constans e augustus Constantius;
em parte gentio, e em parte cristianizante);
«Fortalecido com teoria e estudo,
eu e as minhas paixões não vou temer como cobarde.
O meu corpo aos prazeres vou dar,
aos deleites sonhados,
aos desejos eróticos mais audazes,
aos ímpetos lascivos de meu sangue, sem
medo nenhum, pois sempre que queira -
e terei vontade, fortalecido
como estarei com teoria e estudo -
nos momentos críticos hei-de encontrar
o meu espírito, como dantes, ascético.»
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 43
em Alexandria; sendo reis
augustus Constans e augustus Constantius;
em parte gentio, e em parte cristianizante);
«Fortalecido com teoria e estudo,
eu e as minhas paixões não vou temer como cobarde.
O meu corpo aos prazeres vou dar,
aos deleites sonhados,
aos desejos eróticos mais audazes,
aos ímpetos lascivos de meu sangue, sem
medo nenhum, pois sempre que queira -
e terei vontade, fortalecido
como estarei com teoria e estudo -
nos momentos críticos hei-de encontrar
o meu espírito, como dantes, ascético.»
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 43
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Troianos
São nossos esforços, os dos infortunados;
são nossos esforços como os dos troianos.
Conseguimos um pouco; um pouco
levantamos a cabeça; e começamos
a ter coragem e boas esperanças.
Mas sempre surge alguma coisa que nos pára.
Aquiles junto do fosso à nossa frente
surge e com grandes gritos assusta-nos. -
São nossos esforços como os dos troianos.
Cuidamos que mudaremos com resolução
e valor a contrariedade da sorte,
e estamos cá fora para lutar.
Mas quando vier o momento decisivo,
o nosso valor e a nossa resolução perdem-se;
a nossa alma fica alterada, paralisa;
e em redor das muralhas corremos
à procura de nos salvarmos pela fuga.
Porém a nossa queda é certa. Em cima,
nas muralhas já começou o pranto.
Choram pelas memórias e os sentimentos dos nossos dias.
Amargamente choram por nós Príamo e Hécuba.
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 33
são nossos esforços como os dos troianos.
Conseguimos um pouco; um pouco
levantamos a cabeça; e começamos
a ter coragem e boas esperanças.
Mas sempre surge alguma coisa que nos pára.
Aquiles junto do fosso à nossa frente
surge e com grandes gritos assusta-nos. -
São nossos esforços como os dos troianos.
Cuidamos que mudaremos com resolução
e valor a contrariedade da sorte,
e estamos cá fora para lutar.
Mas quando vier o momento decisivo,
o nosso valor e a nossa resolução perdem-se;
a nossa alma fica alterada, paralisa;
e em redor das muralhas corremos
à procura de nos salvarmos pela fuga.
Porém a nossa queda é certa. Em cima,
nas muralhas já começou o pranto.
Choram pelas memórias e os sentimentos dos nossos dias.
Amargamente choram por nós Príamo e Hécuba.
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 33
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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Ítaca
Tradução de Jorge de Sena
Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Konstantinos Kaváfis
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«O que George Seferis, o primeiro crítico grego de Kaváfis verdadeiramente atento, achava singular nele era que ninguém poderia ter previsto, com base nos seus trabalhos iniciais, que tinha talento suficiente para ser considerado, no devido tempo, um poeta de conteúdo, ou mesmo o mais importante poeta de língua grega do século XX, sendo sua obra mundialmente traduzida.»
Edmund Keeley. O essencial de Kaváfis (fragmentos)
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“Da árvore encarnada, meio dentro da memória, apenas a folhagem salta pelos olhos e se espalha pelo rosto [...]. As raízes entram-lhe no sangue [...], não tarda que penetrem pela terra a cujos intestinos vão buscar com que saciar-lhes os olhos – as visões ascendem tumultuosamente, como seiva a ferver”
Luís Miguel Nava
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domingo, 23 de janeiro de 2011
A eleição do 'compadre' Cavaco Silva, bem que poderia resumir-se a isto...
«Multidões de camponeses que anseiam por democracia, e supostamente estariam a celebrar a morte de um tirano, estão, na realidade, a carregar esse mesmo tirano às costas, declarando-o o salvador do povo.»
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 51
O FOGO NÃO É UM CONVIDADO AMÁVEL
Eu era encarregado de um manicómio, pois estava louco.
Chegou um fogo, que ficou esfomeado; por isso eu disse podes comer um toro, mas não subas as escadas e não comas uma dementia praecox.
Eu disse, doidos, ide para o sótão enquanto um fogo come uma cadeira de cozinha ao pequeno-almoço.
Mas o fogo queria uma cortina da cozinha, que comeu e trepou ao mesmo tempo, e depois foi para o tecto comer um caibro.
Eu disse, se tens tanta fome come um caibro, mas não comas um maníaco.
Entretanto, um maníaco no sótão, com um machado, começou a atacar o céu.
Vais provocar chuva, é o que vais fazer, disse eu, feri-lo até que chova.
O fogo, estava a comer uma senhora idosa. Eu disse, uma senhora idosa, vá lá, e uma criança para sobremesa.
Eu disse ao fogo que podia dormir a sesta na cama do maníaco. Mas o fogo queria comer a cama. Estás muito esfomeado, fogo, disse eu.
Mas, por essa altura toda a família do fogo já tinha entrado e estava a comer os cantos do manicómio - Eh, é aí onde os mortos construíram as suas cidades.
Mas os fogos não queriam ouvir porque não gostam de passar fome.
Por isso pedi aos lunáticos que saíssem do sótão e disse-lhes que era uma guerra de nutrição, e que deviam comer o fogo senão ele os comeria.
Mas eles disseram, nós não somos comedores de fogo, somos engolidores de espadas...
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 19-21
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Russell Edson
«Todas as mulheres da casa observam pelas janelas, esperando para ver o que farei.
Pai, observa o orvalho nas suas rodas, não te recorda lágrimas?
Irás destroçar o meu coração enquanto as mulheres vigiam, quase esperando que eu ceda? pois elas anseiam pela vítima que me seria amável entregar.»
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 13-15
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Russell Edson
The Posture
Of like importance is the posture too,
In which the genial feat of Love we do:
For as the females of the four foot kind,
Receive the leapings of their Males behind;
So the good Wives, with loins uplifted high,
And leaning on their hands the fruitful stroke may try:
For in that posture will they best conceive:
Not when supinely laid they frisk and heave;
For active motions only break the blow,
And more of Strumpets than of Wives they show;
When answering stroke with stroke, the mingled liquors flow.
Endearments eager, and too brisk a bound,
Throws off the Plow-share from the furrow’d ground.
But common Harlots in conjunction heave,
Because ’tis less their business to conceive
Than to delight, and to provoke the deed;
A trick which honest Wives but little need.
Translated by John Dryden
Lucretius
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Titus Lucretius Carus
Address to Venus
Delight of Human kind, and Gods above;
Parent of Rome; Propitious Queen of Love;
Whose vital pow’r, Air, Earth, and Sea supplies;
And breeds what e’r is born beneath the rowling Skies:
For every kind, by thy prolifique might,
Springs, and beholds the Regions of the light:
Thee, Goddess thee, the clouds and tempests fear,
And at thy pleasing presence disappear:
For thee the Land in fragrant Flow’rs is drest,
For thee the Ocean smiles, and smooths her wavy breast;
And Heav’n it self with more serene, and purer light is blest.
For when the rising Spring adorns the Mead,
And a new Scene of Nature stands display’d,
When teeming Budds, and chearful greens appear,
And Western gales unlock the lazy year,
The joyous Birds thy welcome first express,
Whose native Songs thy genial fire confess:
Then savage Beasts bound o’re their slighted food,
Strook with thy darts, and tempt the raging floud:
All Nature is thy Gift; Earth, Air, and Sea:
Of all that breathes, the various progeny,
Stung with delight, is goaded on by thee.
O’er barren Mountains, o’er the flow’ry Plain,
The leavy Forest, and the liquid Main
Extends thy uncontroul’d and boundless reign.
Through all the living Regions dost thou move,
And scattr’st, where thou goest, the kindly seeds of Love:
Since then the race of every living thing,
Obeys thy pow’r; since nothing new can spring
Without thy warmth, without thy influence bear,
Or beautiful, or lovesome can appear,
Be thou my ayd: My tuneful Song inspire,
And kindle with thy own productive fire;
While all thy Province Nature, I survey,
And sing to Memmius an immortal lay
Of Heav’n, and Earth, and every where thy wond’rous pow’r display.
To Memmius, under thy sweet influence born,
Whom thou with all thy gifts and graces dost adorn.
The rather, then assist my Muse and me,
Infusing Verses worthy him and thee.
Mean time on Land and Sea let barb’rous discord cease,
And lull the listening world in universal peace.
To thee, Mankind their soft repose must owe,
For thou alone that blessing canst bestow;
Because the brutal business of the War
Is manag’d by thy dreadful Servant’s care:
Who oft retires from fighting fields, to prove
The pleasing pains of thy eternal Love:
And panting on thy breast, supinely lies,
While with thy heavenly form he feeds his famish’d eyes:
Sucks in with open lips, thy balmy breath,
By turns restor’d to life, and plung’d in pleasing death.
There while thy curling limbs about him move,
Involv’d and fetter’d in the links of Love,
When wishing all, he nothing can deny,
Thy charms in that auspicious moment try;
With winning eloquence our peace implore,
And quiet to the weary World restore.
Lucretius
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The Difficulty with a Tree
A woman was fighting a tree. The tree had come to rage at the woman’s attack, breaking free from its earth it waddled at her with its great root feet.
Goddamn these sentiencies, roared the tree with birds shrieking in its branches.
Look out, you’ll fall on me, you bastard, screamed the woman as she hit at the tree.
The tree whisked and whisked with its leafy branches.
The woman kicked and bit screaming, kill me kill me or I’ll kill you!
Her husband seeing the commotion came running crying, what tree has lost patience?
The ax the ax, damnfool, the ax, she screamed.
Oh no, roared the tree dragging its long roots rhythmically limping like a sea lion towards her husband.
But oughtn’t we to talk about this? cried her husband.
But oughtn’t we to talk about this, mimicked his wife.
But what is this all about? he cried.
When you see me killing something you should reason that it will want to kill me back, she screamed.
But before her husband could decide what next action to perform the tree had killed both the wife and her husband.
Before the woman died she screamed, now do you see?
He said, what...? And then he died.
Russell Edson, “The Difficulty with a Tree”© Source: The Clam Theater (Wesleyan University Press, 1973)
Goddamn these sentiencies, roared the tree with birds shrieking in its branches.
Look out, you’ll fall on me, you bastard, screamed the woman as she hit at the tree.
The tree whisked and whisked with its leafy branches.
The woman kicked and bit screaming, kill me kill me or I’ll kill you!
Her husband seeing the commotion came running crying, what tree has lost patience?
The ax the ax, damnfool, the ax, she screamed.
Oh no, roared the tree dragging its long roots rhythmically limping like a sea lion towards her husband.
But oughtn’t we to talk about this? cried her husband.
But oughtn’t we to talk about this, mimicked his wife.
But what is this all about? he cried.
When you see me killing something you should reason that it will want to kill me back, she screamed.
But before her husband could decide what next action to perform the tree had killed both the wife and her husband.
Before the woman died she screamed, now do you see?
He said, what...? And then he died.
Russell Edson, “The Difficulty with a Tree”© Source: The Clam Theater (Wesleyan University Press, 1973)
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The Unforgiven
After a series of indiscretions a man stumbled homeward, thinking, now that I am going down from my misbehavior I am to be forgiven, because how I acted was not the true self, which I am now returning to. And I am not to be blamed for the past, because I’m to be seen as one redeemed in the present...
But when he got to the threshold of his house his house said, go away, I am not at home.
Not at home? A house is always at home; where else can it be? said the man.
I am not at home to you, said his house.
And so the man stumbled away into another series of indiscretions...
But when he got to the threshold of his house his house said, go away, I am not at home.
Not at home? A house is always at home; where else can it be? said the man.
I am not at home to you, said his house.
And so the man stumbled away into another series of indiscretions...
Russell Edson, “The Unforgiven,” in The Wounded Breakfast © 1985 by Russell Edson and reprinted by permission of Wesleyan University Press.
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''O riso foi sempre próprio dos deuses, porque se supõe que eles conhecem não só o nosso desamparo, como o desamparo que lhes é próprio - ou como, noutra ocasião, escreveu Edson «o sentido de humor é o verdadeiro sentido do trágico».''
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 7
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¿Por qué esos lirios que los hielos matan?
¿Por qué esos lirios que los hielos matan?
¿Por qué esas rosas a que agosta el sol?
¿Por qué esos pajarillos que sin vuelo
se mueren en plumón?
¿Por qué derrocha el cielo tantas vidas
que no son de otras nuevas eslabón?
¿Por qué fue dique de tu sangre pura
tu pobre corazón?
¿Por qué no se mezclaron nuestras sangres
del amor en la santa comunión?
¿Por qué tú y yo, Teresa de mi alma
no dimos granazón?
¿Por qué, Teresa, y para qué nacimos?
¿Por qué y para qué fuimos los dos?
¿Por qué y para qué es todo nada?
¿Por qué nos hizo Dios?
Miguel de Unamuno
¿Por qué esas rosas a que agosta el sol?
¿Por qué esos pajarillos que sin vuelo
se mueren en plumón?
¿Por qué derrocha el cielo tantas vidas
que no son de otras nuevas eslabón?
¿Por qué fue dique de tu sangre pura
tu pobre corazón?
¿Por qué no se mezclaron nuestras sangres
del amor en la santa comunión?
¿Por qué tú y yo, Teresa de mi alma
no dimos granazón?
¿Por qué, Teresa, y para qué nacimos?
¿Por qué y para qué fuimos los dos?
¿Por qué y para qué es todo nada?
¿Por qué nos hizo Dios?
Miguel de Unamuno
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¡Dime qué dices, mar!
Dime qué dices, mar, qué dices, dime!
Pero no me lo digas; tus cantares
son, con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.
Ese mero gemido nos redime
de la letra fatal, y sus pesares,
bajo el oleaje de nuestros azares,
el secreto secreto nos oprime.
La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;
de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona,
y no me digas lo que no te digo.
Miguel de Unamuno
Pero no me lo digas; tus cantares
son, con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.
Ese mero gemido nos redime
de la letra fatal, y sus pesares,
bajo el oleaje de nuestros azares,
el secreto secreto nos oprime.
La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;
de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona,
y no me digas lo que no te digo.
Miguel de Unamuno
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En horas de insomnio
Me voy de aquí, no quiero más oírme;
de mi voz toda voz suéname a eco,
ya falta así de confesor, si peco
se me escapa el poder arrepentirme.
No hallo fuera de mí en que me afirme
nada de humano y me resulto hueco;
si esta cárcel por otra al fin no trueco
en mi vacío acabaré de hundirme.
Oh triste soledad, la del engaño
de creerse en humana compañía
moviéndose entre espejos, ermitaño.
He ido muriendo hasta llegar al día
en que espejo de espejos, soy me extraño
a mí mismo y descubro no vivía.
Miguel de Unamuno
de mi voz toda voz suéname a eco,
ya falta así de confesor, si peco
se me escapa el poder arrepentirme.
No hallo fuera de mí en que me afirme
nada de humano y me resulto hueco;
si esta cárcel por otra al fin no trueco
en mi vacío acabaré de hundirme.
Oh triste soledad, la del engaño
de creerse en humana compañía
moviéndose entre espejos, ermitaño.
He ido muriendo hasta llegar al día
en que espejo de espejos, soy me extraño
a mí mismo y descubro no vivía.
Miguel de Unamuno
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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
o semi-heterónimo: Bernardo Soares
Ou pelo menos, assim Pessoa o definiu numa carta enviada a Adolfo Casais Monteiro, a Janeiro, de 1935: “É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela.”
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
O envelhecimento não é a velhice
«O envelhecimento não é a velhice, como uma imagem não se reduz a uma etapa. O envelhecimento é um processo irreversível, que se inscreve no tempo. Começa com o nascimento e acaba na destruição do indivíduo. (...) Se o envelhecimento é o tempo da idade que avança, a velhice é o da idade avançada, entende-se, em direção à morte”
Jack Messy. A pessoa idosa não existe: uma abordagem psicanalítica da velhice. 2ªed. São Paulo: ALEPH, 1999.
Jack Messy. A pessoa idosa não existe: uma abordagem psicanalítica da velhice. 2ªed. São Paulo: ALEPH, 1999.
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A relação humana com o mundo físico
“Não tenho absolutamente um mundo físico, não vivo somente no meio da terra, do ar e da água, tenho em volta de mim estradas, plantações, cidades, ruas, igrejas, utensílios, uma campainha, uma colher, um cachimbo. Cada um desses objectos tem no fundo a marca da acção humana à qual serve. Cada um emite uma atmosfera de humanidade que pode ser muito pouco determinada, se só se trata de alguns traços de passos na areia, ou, pelo contrário, muito determinada, se visito a cabo e rabo uma casa recentemente esvaziada”
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção, 1971.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
No pinhal
No pinhal, uma criança corre a tirar a caruma dos púcaros de resina, mergulhando os dedos (e, depois as formigas) nas baças sombras da água.
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A Juan Ramón Jiménez
¿Tienes, joven amigo, ceñida la coraza
para empezar, valiente, la divina pelea?
¿Has visto si resiste el metal de tu idea
la furia del mandoble y el peso de la maza?
¿Te sientes con la sangre de la celeste raza
que vida con los números pitagóricos crea?
¿Y, como el fuerte Herakles al león de Nemea,
a los sangrientos tigres del mal darías caza?
¿Te enternece el azul de una noche tranquila?
¿Escuchas pensativo el sonar de la esquila
cuando el Angelus dice el alma de la tarde?...
¿Tu corazón las voces ocultas interpreta?
Sigue, entonces, tu rumbo de amor. Eres poeta.
La belleza te cubra de luz y Dios te guarde.
Rubén Darío
para empezar, valiente, la divina pelea?
¿Has visto si resiste el metal de tu idea
la furia del mandoble y el peso de la maza?
¿Te sientes con la sangre de la celeste raza
que vida con los números pitagóricos crea?
¿Y, como el fuerte Herakles al león de Nemea,
a los sangrientos tigres del mal darías caza?
¿Te enternece el azul de una noche tranquila?
¿Escuchas pensativo el sonar de la esquila
cuando el Angelus dice el alma de la tarde?...
¿Tu corazón las voces ocultas interpreta?
Sigue, entonces, tu rumbo de amor. Eres poeta.
La belleza te cubra de luz y Dios te guarde.
Rubén Darío
«Platero é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro.Deixo-o solto, e vai para o prado, e acaricia levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas... Chamo-o docemente: «Platero», e ele vem até mim com um trote curto e alegre que parece rir em não sei que guizalhar ideal...Come o que lhe dou. Gosta das tangerinas, das uvas moscatéis, todas de âmbar, dos figos roxos, com sua cristalina gotita de mel...E terno e mimoso como um menino, como uma menina...; mas forte e seco como de pedra. Quando nele passo, aos domingos, pelas últimas ruelas da aldeia, os camponeses, vestidos de lavado e vagarosos, param a olhá-lo:— Tem aço...Tem aço. Aço e prata de luar, ao mesmo tempo.»
Juan Ramón Jiménez, Platero e Eu.
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Juan Ramón Jimenez,
poema em prosa,
Prémio Nobel da Literatura
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Amargura, nudez de seios castos
Camilo Pessanha
Camilo Pessanha
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Camilo Pessanha,
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verso solto
« (...) O poeta não sabe se ama, mas sabe que tem prazer em estar com a mulher invocada no poema.»
João Camilo, A Clepsidra de Camilo Pessanha, in Persona, 10, 1984, p. 25
João Camilo, A Clepsidra de Camilo Pessanha, in Persona, 10, 1984, p. 25
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Camilo Pessanha,
poetas portugueses
«Desejo, nuns transportes de gigante, / Estreitá-la de rijo
entre meus braços, / Até quase esmagar nestes abraços/ A sua carne
branca e palpitante; »
Camilo Pessanha
entre meus braços, / Até quase esmagar nestes abraços/ A sua carne
branca e palpitante; »
Camilo Pessanha
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poetas portugueses
«Eu quisera também, adormecido, / Dos fantasmas da febre ver o mar,/ Mas
sempre sob o azul do seu olhar,/ Envolto no calor do seu vestido;»
Camilo Pessanha
sempre sob o azul do seu olhar,/ Envolto no calor do seu vestido;»
Camilo Pessanha
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«morre‑me a boca por beijar a tua.»
Camilo Pessanha
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«Assim, quando chegou a manhã, o Ulisses e eu éramos realmente amigos, como prometera que seríamos. Ou, deixe-me contar isto doutra forma: eu nutria afeição por ele - mais até: amor e paixão - e ele comportava-se como se sentisse o mesmo. O que não é a mesma coisa.»
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 57
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«Um pouco mais tarde, descobri que Ulisses não era um daqueles homens que, terminado o acto, se deixam rolar, simplesmente, e desatam a ressonar. Não que eu soubesse deste hábito masculino vulgar por experiência própria, mas, como já disse, escutara montes de coisas das servas. Não, o Ulisses queria conversa, e era um excelente narrador que eu adorava escutar. Penso que isso foi o que ele mais apreciou em mim: a capacidade para gostar das suas histórias. É um talento que se subestima nas mulheres.»
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 54/55
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A água não resiste. A água corre. Quando mergulhas nela a mão, só sentes uma carícia
A água não é uma muralha sólida, não te deterá. Mas a água vai sempre para onde quer ir,
e nada, no fim, pode nada contra ela. A água é paciente. A água a pingar desgasta uma pedra.
e nada, no fim, pode nada contra ela. A água é paciente. A água a pingar desgasta uma pedra.
Lembra-te de que és metade água. Se não puderes passar através dum obstáculo, contorna-o.
A água fá-lo.
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 53
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«Uma vez por outra, o nevoeiro aparta-se e temos um vislumbre do mundo dos vivos. É como esfregar o vidro duma janela suja, abrindo um espaço para espreitar.»
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 29
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 29
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V
Asfódelos
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 27
«Aqui está escuro, como muitos têm notado. A «Escura Morte», como costumavam dizer. «As sombrias salas do Hades», e por aí adiante. Bom, sim, é escuro, mas tem vantagens - por exemplo, se se vê alguém a quem preferíamos não falar, pode-se fingir sempre que não o reconhecemos.»
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 27
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domingo, 16 de janeiro de 2011
ELOGIO E PRANTO POR UMA MULHER
És e renasces como a pura linha do amanhecer
e como o sol primeiro és incandescente
rosado de repente e logo a pouco
e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
até à amarela gema de ovo que é o sol a pôr-se
Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
riso tão fresco como tilintar de loiça
Não confies em mim mulher mas desconfio haver de
amar-te
até ao fim do mundo frase conhecida que me surge
no poster ilustrado com esse poema do
palhaço morto do miguel macedo
miúdo que por certo e muito bem desconhecia
a inscrição de pedra inscrita aos pés do túmulo de pedro
esse maldito infante embêbedo de amores
pela açafata a nova isolda do novo tristão
pedro possivelmente pederasta misturados nesses
concúbitos danados que geravam lobisomens
homem que nasce e morre sem amparo de árvores
Seis são os anjos reparei depois tal como foram seis
os beijos que te dei e depois respirei e descansei
que o sétimo seria fosse beijo ou dia
um tempo de repouso e não de guerra
Suspeito ter em ti essa mulher que se requer e que
se nos arrima mais que amor nos dá a rima
Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar
sob o recente sol do dia de ano novo
que em noites de tormenta canta tanto
que para ele caminho até quase cair
depois de tropeçar no escuro nalgum tufo de verdura
quisera para ti o cheiro que me chega
agreste dessa planta sumarenta há bem pouco pisada
quisera para ti a cúpula de tudo essa
perene cúpula que sempre se procura e sempre foge
no desencanto mesmo da menos fugitiva cópula
Sonho contigo e vejo-te valsar
de branco a valsa vienense de johann strauss
elegantemente embebida num vestido branco que embebias
do requinte distante do elegante porte
que sem misericórdia porém sem acinte
opunhas garça de pescoço alto e fino
à mole escura da igreja da atouguia da baleia
inaugurando o ano inaugurando a vida
a causa sem remédio já por mim perdida
E se durante o sono contigo sonhei
ter-te perdido para sempre agora sei
Um dia por exemplo deixarei de ver-te
um dia deixarei de vez de ver-te
dissolvidos os ombros confundidos os cabelos
entre inúmeros ombros e cabelos de distinta gente
nas salas populosas de um museu
Mas surgisses de súbito ó aparição
do solo da cidade onde estiveste há tantos anos
onde por ter um dia estado jamais estiveste
surgisses tu aqui e tudo mudaria
Porém eu sei sem dúvida que um dia após
uma colher de olhar em água dissolvida
além do nome voltarás a ter pra mim um apelido
Na prematura primavera de sevilha
o poeta na musa se assevera
e a palavra em seus olhos mais uma vez brilha
E o vento que te envia a primitiva primavera
com que na raiz dos teus cabelos principia
a construir esse edifício de alegria
visível para quem em ver-te como eu há muito persevera
Hás-de cair da vida um dia como agora este cinzeiro
esta recordação de inolvidável refeição no restaurante
anselmo
de madrid se quebra nos ladrilhos do meu quarto
Onde sem ser no verão sem ser em mim
terá enfim ficado o teu sorriso?
É digna esta cabeça de mulher do espaço desta tarde
que me explode nos olhos mal eu saio do metro
Não sei não sei donde é que venho não importa vindo eu
do metro ou tarde é para ti que na verdade vou
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 130/1
e como o sol primeiro és incandescente
rosado de repente e logo a pouco
e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
até à amarela gema de ovo que é o sol a pôr-se
Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
riso tão fresco como tilintar de loiça
Não confies em mim mulher mas desconfio haver de
amar-te
até ao fim do mundo frase conhecida que me surge
no poster ilustrado com esse poema do
palhaço morto do miguel macedo
miúdo que por certo e muito bem desconhecia
a inscrição de pedra inscrita aos pés do túmulo de pedro
esse maldito infante embêbedo de amores
pela açafata a nova isolda do novo tristão
pedro possivelmente pederasta misturados nesses
concúbitos danados que geravam lobisomens
homem que nasce e morre sem amparo de árvores
Seis são os anjos reparei depois tal como foram seis
os beijos que te dei e depois respirei e descansei
que o sétimo seria fosse beijo ou dia
um tempo de repouso e não de guerra
Suspeito ter em ti essa mulher que se requer e que
se nos arrima mais que amor nos dá a rima
Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar
sob o recente sol do dia de ano novo
que em noites de tormenta canta tanto
que para ele caminho até quase cair
depois de tropeçar no escuro nalgum tufo de verdura
quisera para ti o cheiro que me chega
agreste dessa planta sumarenta há bem pouco pisada
quisera para ti a cúpula de tudo essa
perene cúpula que sempre se procura e sempre foge
no desencanto mesmo da menos fugitiva cópula
Sonho contigo e vejo-te valsar
de branco a valsa vienense de johann strauss
elegantemente embebida num vestido branco que embebias
do requinte distante do elegante porte
que sem misericórdia porém sem acinte
opunhas garça de pescoço alto e fino
à mole escura da igreja da atouguia da baleia
inaugurando o ano inaugurando a vida
a causa sem remédio já por mim perdida
E se durante o sono contigo sonhei
ter-te perdido para sempre agora sei
Um dia por exemplo deixarei de ver-te
um dia deixarei de vez de ver-te
dissolvidos os ombros confundidos os cabelos
entre inúmeros ombros e cabelos de distinta gente
nas salas populosas de um museu
Mas surgisses de súbito ó aparição
do solo da cidade onde estiveste há tantos anos
onde por ter um dia estado jamais estiveste
surgisses tu aqui e tudo mudaria
Porém eu sei sem dúvida que um dia após
uma colher de olhar em água dissolvida
além do nome voltarás a ter pra mim um apelido
Na prematura primavera de sevilha
o poeta na musa se assevera
e a palavra em seus olhos mais uma vez brilha
E o vento que te envia a primitiva primavera
com que na raiz dos teus cabelos principia
a construir esse edifício de alegria
visível para quem em ver-te como eu há muito persevera
Hás-de cair da vida um dia como agora este cinzeiro
esta recordação de inolvidável refeição no restaurante
anselmo
de madrid se quebra nos ladrilhos do meu quarto
Onde sem ser no verão sem ser em mim
terá enfim ficado o teu sorriso?
É digna esta cabeça de mulher do espaço desta tarde
que me explode nos olhos mal eu saio do metro
Não sei não sei donde é que venho não importa vindo eu
do metro ou tarde é para ti que na verdade vou
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 130/1
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Quero dormir não ter esta doença de pensar
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 114
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 114
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verso solto
(...)
inesperados os primeiros acordes do concerto imperador
Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente
sobre quem recaiu o peso do meu nome
só então saberei o peso do meu nome
só então saberei quanto valias verdadeiramente
Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres
além de ti além de minha mãe
Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste
a tua alegre vida irrequieta
no único infeliz dos teus negócios
por um poeta pobre e feio como eu
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia-a-dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de um homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Bons-dias maria teresa até depois
preciso de tomar o pequeno-almoço
a cerveja era boa mas é bom comer
como come qualquer homem normal
e me poupa ao perigo de até pela idade
me converter subitamente num sentimental
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 104
inesperados os primeiros acordes do concerto imperador
Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente
sobre quem recaiu o peso do meu nome
só então saberei o peso do meu nome
só então saberei quanto valias verdadeiramente
Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres
além de ti além de minha mãe
Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste
a tua alegre vida irrequieta
no único infeliz dos teus negócios
por um poeta pobre e feio como eu
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia-a-dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de um homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Bons-dias maria teresa até depois
preciso de tomar o pequeno-almoço
a cerveja era boa mas é bom comer
como come qualquer homem normal
e me poupa ao perigo de até pela idade
me converter subitamente num sentimental
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 104
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Solene saudação a uma fotografia
E de novo de súbito a helena viva aqui numa fotografia
helena que ficou nesse país onde nasci e sempre fico
e fico mesmo mais sempre que ausente
helena tão discreta no recorte dos gestos
na forma de vestir no corte de cabelo
que tenta mas em vão dissimular que é bela
ou o consegue só junto de quem jamais conseguiria vê-la
ao nível exigente onde ela na verdade se situa
helena recortada contra a pedra contra o mar redondo
tempo colaborámos por exemplo na exaltação do verão
e afrontámos a morte implícita no tempo
helena vertical dúctil porém em tão frágil figura
helena sorridente e inocente como uma criança
mas no fundo talvez superiormente maliciosa
milagre de mulher deus que talvez procure
por detrás de tantos rostos que se os dias me os trouxeram
vindo afinal do fundo das mais várias verdades
mulher coisa mudável num momento como um mar
objecto de beleza só visível no conjunto
irredutível a uns olhos aos cabelos ao nariz
tão frágil flor que a mim há pouco forte apenas vista me
tínhamos gente
helena como que translúcida e não menos transparente
do que se fosse alma esse corpo que ela totalmente é
helena natural portanto provocante
ignorante das praxes do exército
talvez por se encontrar isenta do serviço militar
helena inflecte o braço esquerdo e faz-me a continência
sem nada ó insolência na cabeça
helena que perdi e tanto mais perdi
por ter desde o início consciência de perdê-la
mulher que vi envolta pelas dobras do verão
ficar no mar sob o dossel de tule do céu azul
helena que deixei e quase nunca saudei
quando como uma folha o tempo me a levou
e me a matou à vista numa esquina ou curva
helena já definitivamente ausente quando se me apresentou
helena inacessível tanto mais se mais visível
helena inexpugnável como funda fortaleza
(lutar por encontrar imagem menos gasta em futura versão)
não só por não ter armas e ter só o mínimo de mãos
mas por ser o sorriso a sua única defesa
helena deste verão helena todo o ano
em virtude talvez de um expediente técnico por mim
à força de nem mesmo - ingenuidade minha? - dar
lhe permite sair do labirinto desse verão onde a deixei
helena assistemática e imprevisível como coisa viva
que quanto mais conheço desconheço
e nunca mais conheci melhor que quando a conheci
há anos nos distantes trás-os-montes
mais branca mesmo do que a camisola e do que a flor
da árvore (e não me lembrar eu ó diabo ou do nome
ou da forma da flor dissimulada pela cor)
plantada junto à casa onde camilo quando jovem habitou
helena que comove um homem que se isola
mais sozinho na vida que num quarto
ao fundo do comprido corredor de um casarão
onde talvez procure a protecção de muita gente nova
pois até aprendeu com thomas mann há pouco que a
helena luminosa mais que a própria luz
helena que distante se me impõe
e sobressai do meio das múltiplas coisas
dispersas pelo espaço limitado por quatro paredes
helena talvez nada talvez tudo ou quase tudo
(melhor é não falar de percentagens
depois daquela viva discussão no verão)
helena ergue o braço e mais do que evitar a luz
do sol dessa intensa estação onde sei só agora que me
E eu ao descobri-la ali perdida na fotografia
entre diapositivos e agendas caixas de comprimidos
botões de punho livros algodão sobre a mesa-de-cabeceira
aó consigo cumprimentá-la atrapalhadamente
com a proverbial solenidade portuguesa
tão rígida mas menos militar - bem o sabes ó salvador
tu que em mafra já és a esperança miliciana do exército
a até dispões de um pronto - do que a continência:
helena passou bem vossa excelência?
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 87-89
helena que ficou nesse país onde nasci e sempre fico
e fico mesmo mais sempre que ausente
helena tão discreta no recorte dos gestos
na forma de vestir no corte de cabelo
que tenta mas em vão dissimular que é bela
ou o consegue só junto de quem jamais conseguiria vê-la
ao nível exigente onde ela na verdade se situa
helena recortada contra a pedra contra o mar redondo
da baía
onde há não muito ainda e no entanto há tantotempo colaborámos por exemplo na exaltação do verão
e afrontámos a morte implícita no tempo
helena vertical dúctil porém em tão frágil figura
helena sorridente e inocente como uma criança
mas no fundo talvez superiormente maliciosa
milagre de mulher deus que talvez procure
por detrás de tantos rostos que se os dias me os trouxeram
me os levaram
única metafísica possível para quem volta em verdade hojeda vida
com a concha das mãos acumulados do vaziovindo afinal do fundo das mais várias verdades
mulher coisa mudável num momento como um mar
objecto de beleza só visível no conjunto
irredutível a uns olhos aos cabelos ao nariz
tão frágil flor que a mim há pouco forte apenas vista me
faz frágil
num tempo detergente que nos lava que nos leva quantotínhamos gente
helena como que translúcida e não menos transparente
do que se fosse alma esse corpo que ela totalmente é
helena natural portanto provocante
ignorante das praxes do exército
talvez por se encontrar isenta do serviço militar
helena inflecte o braço esquerdo e faz-me a continência
sem nada ó insolência na cabeça
helena que perdi e tanto mais perdi
por ter desde o início consciência de perdê-la
mulher que vi envolta pelas dobras do verão
ficar no mar sob o dossel de tule do céu azul
helena que deixei e quase nunca saudei
quando como uma folha o tempo me a levou
e me a matou à vista numa esquina ou curva
helena já definitivamente ausente quando se me apresentou
helena inacessível tanto mais se mais visível
helena inexpugnável como funda fortaleza
(lutar por encontrar imagem menos gasta em futura versão)
não só por não ter armas e ter só o mínimo de mãos
mas por ser o sorriso a sua única defesa
helena deste verão helena todo o ano
em virtude talvez de um expediente técnico por mim
desconhecido
helena perturbante e mais desconcertanteà força de nem mesmo - ingenuidade minha? - dar
por isso
helena deste outono madrileno só porque a fotografialhe permite sair do labirinto desse verão onde a deixei
helena assistemática e imprevisível como coisa viva
que quanto mais conheço desconheço
e nunca mais conheci melhor que quando a conheci
há anos nos distantes trás-os-montes
mais branca mesmo do que a camisola e do que a flor
da árvore (e não me lembrar eu ó diabo ou do nome
ou da forma da flor dissimulada pela cor)
plantada junto à casa onde camilo quando jovem habitou
helena que comove um homem que se isola
mais sozinho na vida que num quarto
ao fundo do comprido corredor de um casarão
onde talvez procure a protecção de muita gente nova
pois até aprendeu com thomas mann há pouco que a
velhice
é afinal a única impureza verdadeirahelena luminosa mais que a própria luz
helena que distante se me impõe
e sobressai do meio das múltiplas coisas
dispersas pelo espaço limitado por quatro paredes
helena talvez nada talvez tudo ou quase tudo
(melhor é não falar de percentagens
depois daquela viva discussão no verão)
helena ergue o braço e mais do que evitar a luz
do sol dessa intensa estação onde sei só agora que me
senti bem
helena em desafio faz-me a continênciaE eu ao descobri-la ali perdida na fotografia
entre diapositivos e agendas caixas de comprimidos
botões de punho livros algodão sobre a mesa-de-cabeceira
aó consigo cumprimentá-la atrapalhadamente
com a proverbial solenidade portuguesa
tão rígida mas menos militar - bem o sabes ó salvador
tu que em mafra já és a esperança miliciana do exército
a até dispões de um pronto - do que a continência:
helena passou bem vossa excelência?
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 87-89
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« E pus-me a pensar se uma recordação seria algo que se tem ou se perdeu.»
Gene Rowlands - Marion
Woody Allen. Filme 'Another Woman', 1988
Gene Rowlands - Marion
Woody Allen. Filme 'Another Woman', 1988
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Woody Allen
«Andou tanto tempo a fingir que está tudo bem, mas percebe-se claramente que anda perdida.
(...)
E é uma mulher muito inteligente, realizada. Como eu, ela...Como sabe, as emoções sempre me causaram embaraço. Fugi de homens que senti que me ameaçavam, porque a intensidade da paixão deles faz-me medo. Mas não se consegue reprimir para sempre os sentimentos profundos. Não quero é perceber, quando chegar à idade dela, que a minha vida é vazia. »
(Falas de uma mulher perturbada que perspectiva uma breve mas acutilante visão do vazio interior de uma professora de filosofia, no limiar da compreensão de si própria)
Woody Allen. Filme 'Another Woman', 1988
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Woody Allen
Agora que estou morta, sei tudo. Isto era o que eu desejava que acontecesse, mas tal como muitos dos meus desejos não se revelou verdadeiro.
Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006
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Margaret Atwood
sábado, 15 de janeiro de 2011
«Alexandre era também o nome que Homero deu a Páris, filho de Príamo, que raptou Helena de Tróia. Páris tinha-se enamorado de Enon, uma ninfa, antes de conhecer Helena; ferido durante o cerco de Tróia, foi conduzido a Enon, a única que podia curar-lhe as feridas, mas que, por despeito e ciúme, o deixou morrer, suicidando-se de seguida sobre o cadáver do amado.»
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Enon,
Helena de Tróia,
Homero,
Mitologia Grega,
Páris
2º EST. - Todo o nosso prazer se tornou melancolia?
3º EST. - O mal vem-lhe de ser por demais solitário.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.137
3º EST. - O mal vem-lhe de ser por demais solitário.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.137
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autores ingleses,
Christopher Marlowe,
citações,
Doutor Fausto
MEFIST. - (...) Pobre homem do mundo, seca-lhe de dor o sangue,
O remorso mata-o e as convulsões da mente
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.135
O remorso mata-o e as convulsões da mente
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.135
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autores ingleses,
Christopher Marlowe,
citações,
Doutor Fausto
FAUSTO - Foi este o rosto que lançou ao mar mil barcos
E às imensas torres de Tróia lançou fogo?
Faz-me imortal com um beijo, doce Helena.
Sugam-me a alma os lábios dela: vede onde voa.
Aqui quero viver, que o Céu está nestes lábios,
E tudo é impuro o que não é Helena.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.133
E às imensas torres de Tróia lançou fogo?
Faz-me imortal com um beijo, doce Helena.
Sugam-me a alma os lábios dela: vede onde voa.
Aqui quero viver, que o Céu está nestes lábios,
E tudo é impuro o que não é Helena.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.133
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autores ingleses,
Christopher Marlowe,
excerto,
Helena de Tróia
«(...) O que eu disse, filho meu, não veio da ira,
Nem da inveja, mas sim de um terno amor
E compaixão pela tua futura desdita.
Confia, pois, que a minha afável censura
Te mortifique o corpo e, assim, corrija a alma.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.131
Nem da inveja, mas sim de um terno amor
E compaixão pela tua futura desdita.
Confia, pois, que a minha afável censura
Te mortifique o corpo e, assim, corrija a alma.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.131
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autores ingleses,
Christopher Marlowe,
Doutor Fausto,
excerto
ANCIÃO - (...)
E, contudo, é digna de amor a tua alma,
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.129
E, contudo, é digna de amor a tua alma,
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.129
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autores ingleses,
Christopher Marlowe,
citações,
Doutor Fausto
Entram Fausto, Mefistófeles
e dois ou três estudantes
1º EST. - Senhor Doutor Fausto, depois de termos falado de mulheres formosas e de qual seria a mais bela do mundo, chegámos à conclusão de que Helena da Grécia foi a mais digna de admiração que jamais existiu; por isso, Mestre, se quisésseis fazer o favor de nos deixar contemplar essa inigualável dama grega, que todo o mundo admira pela majestade, ficaríamos muito obrigados para convosco.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.129
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Christopher Marlowe,
Doutor Fausto,
excerto
''(...), pude atravessar as trevas primitivas que se estendiam sob o meu espírito, abrir o alçapão e ver.»
«E a partir do momento em que vi, a minha alma começou a consolidar-se: já não se escoava numa perpétua renovação como a água; ao redor de um núcleo iluminado, condensava-se e fixava-se agora um rosto, o rosto da terra. Deixei de avançar por caminhos inconstantes, ora à direita ora à esquerda, tentando descobrir o animal de que descendia; avançava com segurança, porque conhecia o meu verdadeiro rosto e o meu único dever: trabalhar esse rosto com toda a paciência, amor e habilidade que pudesse. Transformá-lo em fogo e, se tiver tempo, antes que a Morte venha, fazer desse fogo uma luz para que a Morte nada mais encontre em mim, para levar consigo. Porque foi esta a minha maior ambição: nada deixar de mim que a Morte possa levar - alguns ossos apenas.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 22
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autores gregos,
citações,
Nikos Kazantzakis
«Sempre que, ao ouvir as vozes secretas que em mim residem, pude seguir não o meu espírito que não tarda a perder o fôlego e a parar, mas o meu sangue, cheguei, com uma secreta certeza, à mais longínqua origem dos meus antepassados.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 21
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Nikos Kazantzakis
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Luís Vaz de Camões,
Os Lusíadas,
poetas portugueses
«Matavam e matavam-se, sem respeitar a sua vida nem a dos outros. Amavam e desprezavam, com a mesma prodigalidade desdenhosa, a vida e a morte.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20
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Nikos Kazantzakis
«Diz-se que o Sol por vezes pára no caminho para ouvir cantar uma rapariga.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20
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Nikos Kazantzakis
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
«Perguntamo-nos se a criança tem necessidade de evasão como as criaturas de idade e batidas pelo uniforme pesadume das coisas. Por minha parte quero crer que o mundo gravita em sonho e em mistério. Cada partícula da vida encerra um conto de fadas. Não é preciso inventá-las. Os brinquedos de Nuremberga são de resto tanto mais apreciados pelos meninos quanto melhor reproduzem o real; ursos de feltro, cavalos de pau, pintainhos de lata que andam e vão bicando um imaginável grão de painço.»
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 174/5
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Sobre o sector da vida literária
« - Estou pouco ao corrente do que se passa neste sector da vida literária. Mas a avaliar pelas montras dos livreiros e pelos anúncios, temos messe grada. Suponho que há duas ilusões a considerar às espaldas desta actividade: que seja rendosa e que seja tarefa fácil.»
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171
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sobre a literatura
«Os contos de fadas, a meu ver, representam um perigo, neste nosso mundo de hoje, tão realista. Prefiro predispor as crianças para a vida da luta que para o sonho e a idealidade abstracta, sem ramo em que a ave azul ponha o pé.»
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171
*Acho que uma mulher deve acalentar ser mãe, tomando para si, primeiro, estes ensinamentos da vida. Conhecer o seu sangue, antes de o fazer germinar em corpo que não se torna árvore, ou sequer, animal consciente.
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Quando escreve para crianças, tem a preocupação da idade delas?
« (...) Se escrevêssemos apenas as palavras que a criança emprega e de que sabe o significado, medíocre seria o nosso modo de expressão. A leitura duma página é um aprendizado. A criança vai-se recreando e aprendendo. Uma palavra que ignora, desde que pertença, bem entendido, ao nosso glossário quotidiano, é um obstáculo que vence penetrando-lhe o sentido por intuição natural.»
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 169
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« (...) O podre sendeiro estava escondido num giestal, a arfar, coberto de sangue, dizendo cobras e lagartos da sua má sorte.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 140/1
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« - Ouça o conselho duma tola e aceite se bem achar. A água não é muita; são duas odradas, se tanto. Se nós a bebêssemos?! Tirávamos, depois, o queijo a seco...
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 136
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 136
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« - Então isso é que é a peste, sua grande saca de mentiras?
-Foi um anjo que me viu a morrer e me trouxe esta hostiazinha...
-Também quero...
-Se tens o coração puro, come...Mas vê lá!
A Patifina pôs-se, sem vergonha, a manducar e, enquanto enchia o fole, reparou nos montes de ossos que havia pelos cantos, ossos velhos, brancos como a cal, ossos ainda vermelhos de sangue, ossos mal esburgados, tantos que parecia haver ali a indústria de cabos de faca e canivete. (...)»
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Uma grécia secreta dorme em cada coração
na noite que precede a inevitável manhã
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 83
na noite que precede a inevitável manhã
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 83
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To Helena
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais corrente
A vida enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de se ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 75/6
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais corrente
A vida enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de se ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 75/6
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Ruy Belo
Mãos humanas aqui matam a morte
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 70
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 70
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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
A metamorfose
Entende-se no enredo kafkiano, a metamorfose, não como uma transformação de ordem física ou metáfora de estados do ser, mas, sim, como uma representação de uma situação limite que coloca o corpo social sujeito à desumanização, aniquilamento, um desaparecimento bárbaro, que também no limite, retrata a família numa face trágica e desoladora.
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Franz Kafka
A necessidade de um quarto.
Nas suas cartas a Felice, Kafka, falava da sua absoluta necessidade do silêncio para o exercício da escrita; o de fechar-se no seu quarto, pela altas horas da madrugada, quando já não se ouvem numa casa habitada por pessoas, os barulhos monótomos e comuns, sendo que, à medida que a noite avança eles diminuem até se apagarem totalmente no silêncio.
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Franz Kafka
Por instantes sou eu ninguém morreu aqui
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 32
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Súplica
O outono demora-se no mundo
A juventude há muito despediu
a primavera da primeira ave
Respiro as lágrimas das raparigas
recordo-me do seu odor nocturno
Escuto o movimento lento da ramada
esqueci a escada habitual do dia-a-dia
a cortina da chuva corre-se de novo
Nesta manhã de outono alviões da vida
murmuram-nos mulheres minuciosas
O ombro da colina ergue o nevoeiro
na madrugada não cantaram os melros
A areia bebe cheia a chuva enquanto
nós infinitamente nos distanciamos
de quanto - diz a santa - desejamos
Aonde está a mãe da minha infância?
Talvez com ela tudo começasse
É nos fins do verão alguém morreu
foi-se a ferocidade das cigarras
no caminho das tílias percorridas
Deixo cair as mãos pois nem sempre me restam essas
aves do mar que a tempestade impele
em tempo de equinócio para a costa
É o cabo do mundo é o fim do ano
a era perfeita da culpabilidade
Respiro já os meus últimos dias
Sobre este céu nenhuma ave adeja
Que a terra humedecida me proteja
A juventude há muito despediu
a primavera da primeira ave
Respiro as lágrimas das raparigas
recordo-me do seu odor nocturno
Escuto o movimento lento da ramada
esqueci a escada habitual do dia-a-dia
a cortina da chuva corre-se de novo
Nesta manhã de outono alviões da vida
murmuram-nos mulheres minuciosas
O ombro da colina ergue o nevoeiro
na madrugada não cantaram os melros
A areia bebe cheia a chuva enquanto
nós infinitamente nos distanciamos
de quanto - diz a santa - desejamos
Aonde está a mãe da minha infância?
Talvez com ela tudo começasse
É nos fins do verão alguém morreu
foi-se a ferocidade das cigarras
no caminho das tílias percorridas
Deixo cair as mãos pois nem sempre me restam essas
aves do mar que a tempestade impele
em tempo de equinócio para a costa
É o cabo do mundo é o fim do ano
a era perfeita da culpabilidade
Respiro já os meus últimos dias
Sobre este céu nenhuma ave adeja
Que a terra humedecida me proteja
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 27
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Não comia a eito as espigas
«Não comia a eito as espigas, não; apenas aquelas que mais gradas se mostrassem; também não as comia vestidas como se vêem na haste, mas depois de as descamisar, operação em que era mais hábil e mais ligeira que as raparigas nas esfolhadas. E voltava sempre a lamber o beiço, que gostoso para ela como o milho em verde nem ginjas, uvas maduras, ou passas caídas ao chão das cerejeiras.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 120
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«-Ora lá vem esta minha princesa com as suas birras. Sempre queria saber que mal lhe fiz eu?
-A mim, nenhum; mas o traste que você é, sabe-o este mundo e o outro.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 114
-A mim, nenhum; mas o traste que você é, sabe-o este mundo e o outro.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 114
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011
«Entardecia. O sol tombava por trás dos cabeços, e era como rosa amarela a emurchecer depois duma batalha de flores.
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 97
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 97
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Se queres, ensino-te...
«-Ná, ná, que vossemecê faz-me alguma das suas...
-Ó filho, varre-me tão negras ideias do entendimento. Não faço mal a uma mosca. Tomara eu que me deixassem!
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 95
-Ó filho, varre-me tão negras ideias do entendimento. Não faço mal a uma mosca. Tomara eu que me deixassem!
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 95
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«Mas não há bem que sempre dure e tristemente acabou aquela fartura de sangue morno e carne fresca a palpitar.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 88
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 88
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VI
«Estava a romper o dia. A névoa que pousava sobre a ribeira esfarrapava-se, e pela planície iam flutuando fiapos, brancos e mansos como gansos a voejar à flor dum lago. Já se ouvia o canto madrugador da cotovia, mas no céu, para bandas do Norte, faiscava ainda a estrela da manhã, como dália de oiro num açafate de prata.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 77
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"a Arte é longa, o Tempo é curto."
Charles Baudelaire
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"O tédio", escreve Benjamin, "é o lado externo dos acontecimentos inconscientes''.
Walter Benjamin. ''O Tédio, Eterno retorno". Passagens. Op. cit.: 146.
Walter Benjamin. ''O Tédio, Eterno retorno". Passagens. Op. cit.: 146.
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«Ao escrever, mato-me e mato.»
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
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«Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me.»
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
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«Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.»
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
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Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant
Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant
Cent amoureux sonnets donnés pour mon martyre,
Si peu de mes langueurs qu'il m'est permis d'écrire
Soupirant un Hécate, et mon mal gémissant.
Pour ces justes raisons, j'ai observé les cent :
A moins de cent taureaux on ne fait cesser l'ire
De Diane en courroux, et Diane retire
Cent ans hors de l'enfer les corps sans monument.
Mais quoi ? puis-je connaître au creux de mes hosties,
A leurs boyaux fumants, à leurs rouges parties
Ou l'ire, ou la pitié de ma divinité ?
Ma vie est à sa vie, et mon âme à la sienne,
Mon coeur souffre en son coeur. La Tauroscytienne
Eût son désir de sang de mon sang contenté.
Cent amoureux sonnets donnés pour mon martyre,
Si peu de mes langueurs qu'il m'est permis d'écrire
Soupirant un Hécate, et mon mal gémissant.
Pour ces justes raisons, j'ai observé les cent :
A moins de cent taureaux on ne fait cesser l'ire
De Diane en courroux, et Diane retire
Cent ans hors de l'enfer les corps sans monument.
Mais quoi ? puis-je connaître au creux de mes hosties,
A leurs boyaux fumants, à leurs rouges parties
Ou l'ire, ou la pitié de ma divinité ?
Ma vie est à sa vie, et mon âme à la sienne,
Mon coeur souffre en son coeur. La Tauroscytienne
Eût son désir de sang de mon sang contenté.
Théodore Agrippa d' Aubigné
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
A l'éclair violent de ta face divine
A l'éclair violent de ta face divine,
N'étant qu'homme mortel, ta céleste beauté
Me fit goûter la mort, la mort et la ruine
Pour de nouveau venir à l'immortalité.
Ton feu divin brûla mon essence mortelle,
Ton céleste m'éprit et me ravit aux Cieux,
Ton âme était divine et la mienne fut telle :
Déesse, tu me mis au rang des autres dieux.
Ma bouche osa toucher la bouche cramoisie
Pour cueillir, sans la mort, l'immortelle beauté,
J'ai vécu de nectar, j'ai sucé l'ambroisie,
Savourant le plus doux de la divinité.
Aux yeux des Dieux jaloux, remplis de frénésie,
J'ai des autels fumants comme les autres dieux,
Et pour moi, Dieu secret, rougit la jalousie
Quand mon astre inconnu a déguisé les Cieux.
Même un Dieu contrefait, refusé de la bouche,
Venge à coups de marteaux son impuissant courroux,
Tandis que j'ai cueilli le baiser et la couche
Et le cinquième fruit du nectar le plus doux.
Ces humains aveuglés envieux me font guerre,
Dressant contre le ciel l'échelle, ils ont monté,
Mais de mon paradis je méprise leur terre
Et le ciel ne m'est rien au prix de ta beauté.
N'étant qu'homme mortel, ta céleste beauté
Me fit goûter la mort, la mort et la ruine
Pour de nouveau venir à l'immortalité.
Ton feu divin brûla mon essence mortelle,
Ton céleste m'éprit et me ravit aux Cieux,
Ton âme était divine et la mienne fut telle :
Déesse, tu me mis au rang des autres dieux.
Ma bouche osa toucher la bouche cramoisie
Pour cueillir, sans la mort, l'immortelle beauté,
J'ai vécu de nectar, j'ai sucé l'ambroisie,
Savourant le plus doux de la divinité.
Aux yeux des Dieux jaloux, remplis de frénésie,
J'ai des autels fumants comme les autres dieux,
Et pour moi, Dieu secret, rougit la jalousie
Quand mon astre inconnu a déguisé les Cieux.
Même un Dieu contrefait, refusé de la bouche,
Venge à coups de marteaux son impuissant courroux,
Tandis que j'ai cueilli le baiser et la couche
Et le cinquième fruit du nectar le plus doux.
Ces humains aveuglés envieux me font guerre,
Dressant contre le ciel l'échelle, ils ont monté,
Mais de mon paradis je méprise leur terre
Et le ciel ne m'est rien au prix de ta beauté.
Théodore Agrippa d' Aubigné
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Théodore Agrippa d' Aubigné
Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre
Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre
De nymphe porte-flèche errante par les bois,
De Diane chassante, ainsi comme autrefois
Elle avait fait aux cerfs une ordinaire guerre,
Voyez qui tient l'épieu ou échauffe l'enferre ?
Mon aveugle fureur, voyez qui sont ces doigts
D'albâtre ensanglantés, marquez bien le carquois,
L'arc et le dard meurtrier, et le coup qui m'atterre,
Ce maintien chaste et brave, un cheminer accort.
Vous diriez à son pas, à sa suite, à son port,
A la face, à l'habit, au croissant qu'elle porte,
A son oeil qui domptant est toujours indompté,
A sa beauté sévère, à sa douce beauté,
Que Diane me tue et qu'elle n'est pas morte.
De nymphe porte-flèche errante par les bois,
De Diane chassante, ainsi comme autrefois
Elle avait fait aux cerfs une ordinaire guerre,
Voyez qui tient l'épieu ou échauffe l'enferre ?
Mon aveugle fureur, voyez qui sont ces doigts
D'albâtre ensanglantés, marquez bien le carquois,
L'arc et le dard meurtrier, et le coup qui m'atterre,
Ce maintien chaste et brave, un cheminer accort.
Vous diriez à son pas, à sa suite, à son port,
A la face, à l'habit, au croissant qu'elle porte,
A son oeil qui domptant est toujours indompté,
A sa beauté sévère, à sa douce beauté,
Que Diane me tue et qu'elle n'est pas morte.
Théodore Agrippa d' Aubigné
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Les princes n'ont point d'yeux pour voir ces grand's merveilles,
Leurs mains ne servent plus qu' à nous persécuter . . .
(Agrippa D' Aubigné: À Dieu)
Leurs mains ne servent plus qu' à nous persécuter . . .
(Agrippa D' Aubigné: À Dieu)
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«Mas agora, sob as torturas da sede, até as próprias recordações lhe pesavam.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 60
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 60
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o lobo postou-se de sentinela. «À certa - malucava ele - que a raposa também há-de vir à fonte, que à sede ninguém resiste.»
«Uma tarde o sol foi tão abrasador que a raposinha, cheia de aflição, deitou a correr a um colmeal a molhar a boca no mel. Tombou um cortiço, porém as abelhas deram sobre ela feras e encarniçadas. E o que lhe valeu foi atirar-se ao chão e rebolar-se, rebolar-se muitas vezes até esmagar umas, amachucar outras, cansá-las a todas. Voltou, depois, ao cortiço; saíram novas abelhas a acometê-la. E, segunda, terceira vez, se rojou pelo solo. Ao cabo de alguns ataques e contra-ataques, pôde finalmente chupar os favos em paz, que o enxame perdera a ralé, destroçado. Lambendo o mel, que lhe soube como a melhor canja, notou quanto era grosso e pegajento; e, notando quanto era grosso e pegajento, a ideia do ardil providencial nasceu em sua alma sequiosa. (...)»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 52/3
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excerto
« - Fazeis-me pena, ó bichos destas falperras! Fazeis-me pena e por isso quero falar-vos a verdade verdadeira. Se o lobo é lobo, eu sou urso e neste mundo apenas tenho medo do húngaro e de mais ninguém. A Salta-Pocinhas foi trapaceira? Foi, que enganou o lobo. A Salta-Pocinhas foi lambisqueira? Foi, que bifou a fressura ao lobo. A Salta-Pocinhas assassinou? Alto aí. Quem assassinou o teixugo foi o lobo, que tem mais de bruto que de astuto, e é por igual grotesco e barbaresco, pirata e patarata, caprichoso e maldoso. Arrancai a língua à raposa, o coração e os miolos ao lobo, frigi tudo e deitai-o aos cães se quereis viver em paz.»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 47
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excerto
« - Morra e esfole-se quem é a vergonha da nossa raça!»
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 47
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 47
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LXVIII
-De facto, não é coisa que me interesse muito - disse o gato.
-Fazes mal - disse o rato. - Ainda estou novo, e até este momento tenho sido bem alimentado.
-Eu cá também ando bem alimentado - disse o gato - e isso não faz com que eu sinta vontade de me suicidar. Estás portanto a ver por que é que eu acho essa coisa anormal.
-É porque o não viste a ele - disse o rato.
-O que é que ele fez? - perguntou o gato.
Não tinha grande vontade de sabê-lo. Sentia calor e todos os seus pêlos muito elásticos.
-Está à beira da água - disse o rato -; está à espera, e no momento exacto anda e pára no meio da prancha. Fica a ver uma coisa qualquer.
-Não pode ver grande coisa - disse o gato. - Só se for um nenúfar.
-Sim - disse o rato. -E espera que ele suba para o matar.
-É idiota - disse o gato. - É uma coisa sem interesse.
-Depois de esse momento passar - continuou o rato -, volta para a margem e olha para a fotografia.
-Nunca come? - perguntou o gato.
-Nunca - disse o rato. - Está a ficar muito fraco, e não consigo suportá-lo. Um dia destes ainda vai dar um passo em falso quando passar na prancha.
-E o que tens tu a ver com isso? - perguntou o gato. -Ele, sente-se, por acaso, infeliz?...
-Não se sente infeliz - respondeu o rato -, sofre. É o que eu não consigo suportar. E depois vai acabar por cair na água, por se debruçar de mais.
-Sendo assim - disse o gato -, quero prestar-te o serviço; mas não sei porque digo «sendo assim», uma vez que eu não compreendo nada.
-És formidável - disse o rato.
-Mete a cabeça na minha boca e espera - disse o gato.
-Vai demorar muito tempo? - perguntou o rato.
-O tempo de alguém me pisar o rabo - disse o gato.- Tenho de ter reflexos rápidos. Mas vou deixá-lo bem estendido, não tenhas medo.
O rato afastou as mandíbulas do gato e meteu a cabeça entre os seus dentes afiados. Logo a seguir retirou-a.
-Diz-me cá - perguntou -, hoje de manhã comeste tubarão?
-Ouve - disse o gato - , se não te agrada podes pôr-te a mexer. Esses truques não me impressionam. Desenrasca-te sozinho.
Parecia aborrecido.
-Não te zangues - disse o rato.
Fechou os pequenos olhos pretos e pôs a cabeça em posição. Cauteloso, o gato encostou os caninos acerados ao pescoço cinzento e delicado. Os bigodes pretos do rato misturaram-se com os seus. Desenrolou a cauda felpuda e deixou-se estender no passeio.
Aproximavam-se, a cantar, onze rapariguinhas cegas do Orfanato Júlio o Apostólico.
Memphis, 8 de Março de 1946
Davenport, 10 de Março de 1946.
Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 106-208
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