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domingo, 19 de fevereiro de 2017

domingo, 14 de fevereiro de 2016

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A PALAVRA CORPO
"Aquilo de que eu gosto no teu corpo éo sexo.
Aquilo de que eu gosto no teu sexo é a boca.
Aquilo de que eu gosto na tua boca é a língua.
Aquilo de que eu gosto na tua língua é a palavra."
-"Papéis Inesperados"
- Julio Cortázar

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

AQUILO



 "Aquilo de que gosto no teu corpo é o sexo.
Aquilo de que eu gosto no teu sexo é a boca.
Aquilo de que eu gosto na tua boca é a língua.
Aquilo de que eu gosto na tua língua é a palavra."...


 Julio Cortázar.  "Papéis Inesperados"

domingo, 12 de janeiro de 2014

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

domingo, 6 de junho de 2010

Etiquetas e Preferências

Sempre se me afigurou que o traço distintivo da nossa família é o recato. Levamos o pudor a extremos inacreditáveis, tanto na maneira de vestir e comer, como nas palavras, como a subir para o eléctrico. As alcunhas, por exemplo, que no bairro do Pacífico se adjudicam tão afoitamente, são para nós motivo de cuidado, reflexão e até de inquietude. Parece-nos que se não pode atribuir um apodo qualquer a alguém que durante toda a sua vida o deverá absorver e sofrer como um atributo. As senhoras da rua de Humboldt chamam Toto, Coco ou Cacho aos filhos e Nega ou Beba às raparigas, mas na nossa família tal tipo de alcunha não existe, e muito menos outras rebuscadas e espaventosas como Chirola, Cachuzo ou Matagatos, que abundam para os lados de Paraguay e Dodoy Cruz. Como por exemplo do cuidado que temos com estas coisas bastará citar o caso de uma minha tia. Visivelmente dotada de um traseiro de imponentes dimensões, nunca nos permitimos ceder à fácil tentação das alcunhas habituais; assim, em vez de dar-lhe o cognome brutal de Ânfora Etrusca, assentámos no de Cuzuda. Procedemos sempre com igual tacto, embora tenhamos as nossas brigas com vizinhos e amigos que insistem em motes tradicionais. Ao meu primo em segundo grau, o mais novo, notoriamente cabeçudo, sempre recusámos a alcunha de Atlas que lhe tinha sido dada na tasca da esquina e preferimos a infinitamente mais delicada de Mona. E assim por diante.
Quero esclarecer que não fazemos estas coisas para nos diferenciarmos do resto do bairro. Só desejaríamos modificar, gradualmente e sem pretender vexar os sentimentos de ninguém, as rotinas e tradições. Desgosta-nos a vulgaridade em qualquer das suas formas, e basta que algum de nós oiça no café frases como: «Foi uma partida de cariz violento», ou: «As finalizações de Faggioli foram caracterizadas por um notável trabalho de infiltração prévia da linha média», para que imediatamente nos socorramos de expressões mais castiças e aconselháveis ao caso como: «Foi cá um arraial de porrada», ou «Primeiro baratinámo-los e depois foi cá uma goleada». As pessoas olham-nos, surpresas, mas há sempre alguém que aproveita a lição existente nestas frases delicadas. O meu tio mais velho, que lê os escritores argentinos, afirma que com muitos deles se poderia fazer algo parecido, mas nunca nos explicou lá muito bem como. E é pena.


Julio Cortázar. Histórias de Cronópios e de Famas. Trad. Alfacinha da Silva. Editorial Estampa, Lisboa, 1999, 2ª ed., p. 33/4

domingo, 30 de maio de 2010

Instruções para matar formigas em Roma

As formigas estão a comer Roma, está visto. Andam entre as pedras; que caminho de pedras preciosas, ó loba, te corta a garganta? De algum lado saem as águas das fontes, pedras vivas, os trémulos camafeus que em plena noite negam a história, as dinastias e comemorações. Encontrar o coração que faz pulsar as fontes e precavê-lo das formigas, organizar nesta cidade cheia de sangue, cheia de cornucópias tensas como mãos de cego, um rito de salvação para que o futuro parta nos montes os dentes, se arraste sem forças e lento, sem formigas nenhumas.
Localizar primeiro as fontes, o que se torna fácil estando nos mapas coloridos, nas monumentais plantas,as flores como repuxos e cascatas azul-celestes, só que é procurá-las bem, enfiadas num círculo a lápis azul e não vermelho, porque um bom mapa de Roma é como Roma, vermelho. Sobre o vermelho de Roma, o lápis traçará um risco violeta à volta de cada fonte, e podemos agora ficar mais descansados pois já conhecemos a língua das águas.
Mais difícil, ínfimo e secreto é furar a pedra opaca sob a qual serpenteiam as veias de mercúrio, descobrir à força da paciência a chave de cada fonte, velar amorosamente em noites de lua penetrante junto aos vasos imperiais, até que de tanto sussurro verde, de tanto gotejar como flores, vão nascendo as direcções, as confluências, as outras vias, as vivas. E, despertos, segui-las com varas de aveleira em forma de forquilha, triangulares, duas varinhas em cada mão, segurar um só nos dedos soltos, mas tudo isto invisível aos carabineiros e à amavelmente receosa população, andar pelo Quirinal, subir ao Campidoglio, aos gritos correr pelo Pincio, imóvel como um globo de fogo perturbar a ordem da Piazza della Essedra, extrair dos surdos metais do solo a nomenclatura dos rios subterrâneos.E não pedir ajuda a ninguém, nunca.
E ver como nesta mão de mármore desolado as veias vogam harmoniosas, no prazer da água, artifício do jogo, até aos poucos se irem chegando, a confluir, enlaçar-se a crescer em artérias, desaguar duras na praça central onde palpita o tambor de vidro líquido, a raiz de copas pálidas, o cavalo profundo. Então saberemos onde, em que abóbodas calcárias, entre pequenos esqueletos de lémures, o coração da água tem o seu tempo.
É difícil sabê-lo, mas saber-se-á. Então mataremos as formigas que cobiçam as fontes, fogo pregaremos às galerias que esses horríveis mineiros tramam para possuir a vida secreta de Roma. Basta chegar primeiro à fonte central e mataremos as formigas. E num comboio nocturno, obscuramente felizes, fugiremos das lâminas vingadoras, misturados com soldados e freiras.


Julio Cortázar. Histórias de Cronópios e de Famas. Trad. Alfacinha da Silva. Editorial Estampa, Lisboa, 1999, 2ª ed., p.20/1

Instruções para perceber três pinturas célebres




O Amor Sagrado e o Amor Profundo, por Ticiano



Esta detestável pintura representa um velório nas margens do
Jordão. Raras vezes pôde a estupidez de um pintor aludir com
maior baixeza à esperança do Mundo num Messias que brilha
pela ausência; ausente do quadro que o mundo é, brilha horri-
velmente no obsceno bocejo do sarcófago de mármore, enquanto
o anjo encarregado de proclamar a ressurreição da sua carne
patibular espera impávido que os desígnios se cumpram. Não
preciso explicar que o anjo é essa figura nua, prostituída na sua
gordurosa maravilhosa, que se disfarçou de Madalena, ironia das
ironias, no momento em que a verdadeira Madalena avança pela
estrada (onde cresce a venenosa blasfémia de dois coelhos).
A criança que enfia a mão no sepulcro é Lutero, isto é, o
Diabo. Diz-se que a figura vestida representa a Glória no mo-
mento de anunciar que todas as ambições inumanas cabem numa
bacia; mas está mal pintadas e faz pensar num artifício de jasmins
ou num relâmpago de trigo.




Julio Cortázar.Histórias de Cronópios e de Famas. Trad. Alfacinha da Silva. Editorial Estampa, Lisboa, 1999, 2ª ed., p.17

domingo, 11 de abril de 2010

A Dama do Unicórnio, por Rafael

Julgou Saint-Simon ver neste quadro uma confissão herética. O unicórnio, o narval, a pérola obscena do medalhão que parece ser uma fera, e o olhar terrivelmente fixo de Madalena Strozzi num ponto em que se desenrolariam cenas lascivas ou de flagelação: Rafael Sanzio mentiu aqui a sua mais terrível verdade.
A intensa cor verde do rosto da personagem atribuiu-se durante muito tempo a gangrena ou ao solstício da Primavera. Animal fálico, o unicórnio tê-la-ia contaminado: no seu corpo dormem os pecados do mundo. Viu-se depois que bastava levantar as falsas camadas de tinta colocadas por três acérrimos inimigos de Rafael: Carlos Hog, Vincent Grosjean, dito o Mármore, e Ruben o Velho. A primeira camada era verde, verde a segunda, era branca a terceira. Não é difícil vislumbrar aqui o tríplice símbolo da mortal falena, que une ao corpo cadavérico umas asas que a confundem com as folhas de uma rosa. Quantas vezes Madalena Strozzi cortou uma rosa branca, sentiu-a gemer entre os dedos, retorcer-se e gemer debilmente como uma pequena borboleta ou um daqueles lagartos que cantam como as liras quando se lhes mostra um espelho. Já era tarde, a falena tê-la-ia picado: Rafael soube, sentiu que ela estava a morrer. Para poder pintá-la com veracidade, agregou o unicórnio, símbolo de castidade, simultaneamente cordeiro e narval, que bebe pela mão de uma virgem. Mas pintava a falena na sua imagem, e este unicórnio mata a senhora, penetra no seu seio majestoso com o corno ornado de impudicícia, repete a operação de todos os princípios. O que esta mulher sustém nas mãos é a misteriosa taça de que sem saber bebemos, a sede que acalmamos noutras bocas, o vinho vermelho e lácteo donde saem as estrelas, os vermes e as estações ferroviárias.

Julio Cortázar in Histórias de Cronópios e de Famas. Trad. Alfacinha da Silva. Editorial Estampa, Lisboa, 1999, 2ª ed., p.18
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