És e renasces como a pura linha do amanhecer
e como o sol primeiro és incandescente
rosado de repente e logo a pouco
e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
até à amarela gema de ovo que é o sol a pôr-se
Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
riso tão fresco como tilintar de loiça
Não confies em mim mulher mas desconfio haver de
amar-te
até ao fim do mundo frase conhecida que me surge
no poster ilustrado com esse poema do
palhaço morto do miguel macedo
miúdo que por certo e muito bem desconhecia
a inscrição de pedra inscrita aos pés do túmulo de pedro
esse maldito infante embêbedo de amores
pela açafata a nova isolda do novo tristão
pedro possivelmente pederasta misturados nesses
concúbitos danados que geravam lobisomens
homem que nasce e morre sem amparo de árvores
Seis são os anjos reparei depois tal como foram seis
os beijos que te dei e depois respirei e descansei
que o sétimo seria fosse beijo ou dia
um tempo de repouso e não de guerra
Suspeito ter em ti essa mulher que se requer e que
se nos arrima mais que amor nos dá a rima
Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar
sob o recente sol do dia de ano novo
que em noites de tormenta canta tanto
que para ele caminho até quase cair
depois de tropeçar no escuro nalgum tufo de verdura
quisera para ti o cheiro que me chega
agreste dessa planta sumarenta há bem pouco pisada
quisera para ti a cúpula de tudo essa
perene cúpula que sempre se procura e sempre foge
no desencanto mesmo da menos fugitiva cópula
Sonho contigo e vejo-te valsar
de branco a valsa vienense de johann strauss
elegantemente embebida num vestido branco que embebias
do requinte distante do elegante porte
que sem misericórdia porém sem acinte
opunhas garça de pescoço alto e fino
à mole escura da igreja da atouguia da baleia
inaugurando o ano inaugurando a vida
a causa sem remédio já por mim perdida
E se durante o sono contigo sonhei
ter-te perdido para sempre agora sei
Um dia por exemplo deixarei de ver-te
um dia deixarei de vez de ver-te
dissolvidos os ombros confundidos os cabelos
entre inúmeros ombros e cabelos de distinta gente
nas salas populosas de um museu
Mas surgisses de súbito ó aparição
do solo da cidade onde estiveste há tantos anos
onde por ter um dia estado jamais estiveste
surgisses tu aqui e tudo mudaria
Porém eu sei sem dúvida que um dia após
uma colher de olhar em água dissolvida
além do nome voltarás a ter pra mim um apelido
Na prematura primavera de sevilha
o poeta na musa se assevera
e a palavra em seus olhos mais uma vez brilha
E o vento que te envia a primitiva primavera
com que na raiz dos teus cabelos principia
a construir esse edifício de alegria
visível para quem em ver-te como eu há muito persevera
Hás-de cair da vida um dia como agora este cinzeiro
esta recordação de inolvidável refeição no restaurante
anselmo
de madrid se quebra nos ladrilhos do meu quarto
Onde sem ser no verão sem ser em mim
terá enfim ficado o teu sorriso?
É digna esta cabeça de mulher do espaço desta tarde
que me explode nos olhos mal eu saio do metro
Não sei não sei donde é que venho não importa vindo eu
do metro ou tarde é para ti que na verdade vou
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 130/1
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