Depois das longas chuvas de Outubro, no ouro celeste do dia aberto, fomos todos até às vinhas. Platero levava a merenda e os chapéus das meninas numa das bolsas do alforge e, na outra, como contra-peso, terna, branca e rosada, como uma flor de alperce, levava Branca.
Que encanto o do campo renovado! Iam os ribeiros a transbordar, estavam as terras brandamente aradas, e nos choupos marginais, ainda engalanados de amarelo, viam-se já os pássaros negros.
De repente, as meninas, uma atrás da outra, corriam, gritando:
- Uma uva! Uma uva!
Numa cepa velha, cujos longos sarmentos enredados mostravam ainda algumas enegrecidas e carminadas folhas secas, o sol forte iluminava um claro e saudável cacho de âmbar, brilhante como a mulher no seu Outono. Todas o queriam! Victoria, que o colheu, defendia-o atrás das costas. Então eu pedi-lho, e ela, com aquela obediência voluntária que proporciona ao homem a menina que caminha para mulher, cedeu-mo de bom grado.
O cacho tinha cinco grandes uvas. Dei uma a Victoria, uma a Branca, uma a Lola e uma a Pepa - as meninas - e a última, entre risos e palmas unânimes, a Platero, que a apanhou, brusco, com os seus dentes enormes.
Juan Ramón Jiménez. Platero E Eu. Tradução de Luís Lima Barreto. Edições Cotovia, Lisboa, 2007, p.123