quinta-feira, 7 de outubro de 2010
43.
Um não-existir dentro do Ser,
Um etéreo não-ser fundo sentido,
Uma mais que real Idealidade,
Sujeito e objecto um todo unido.
Nem Vida ou Morte, razão ou sem-razão,
Mas fundo sentir do não-sentimento,
Que calma profunda! Mais funda que a angústia,
Talvez como um pensar sem pensamento.
Beleza e fealdade, amor e ódio,
Virtude e vício - tudo já estranhezas;
Essa paz toda calma apagará
De nossa vida e eterna incerteza.
Um sossego de toda a humana esp'rança,
Um fio de exausto, febril respirar...
A alma em vão tacteia a expressão certa;
A lógica da fé vai ultrapassar.
Um oposto de alegria, do fundo
Desconsolo pela vida que temos,
Um acordar para o sono que dormimos
Um dormir para a vida que vivemos.
Tudo diferente da vida que é nossa
E do que atravessa o nosso pensar;
É um lar se vida nos é túmulo,
É um túmulo se nossa vida um lar.
Tudo o que choramos e o que aspiramos,
Como a criança ao peito, ali está,
E seremos mais do que desejamos
E nossas almas malditas terão paz.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 94-97
Teu espírito tem asas, p'ra que alturas?
Que alta visão lhe dói até cegar?»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 95
38.
Não sei se em mim a mente se quebrou
Nem se a razão me foi adoecer;
Não sei se o amor é só o último sinal
De Deus em mim, ou a voz que se calou
No caos do querer.
Meu pensar deve ser o da loucura
E minha alma é por fantasmas habitada -
Formas grotescas e estranhas a rolar
Em minha mente, quais vermes em sepultura...
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 91
- ¿Que tienen de particular los habladores?
(...)
- Son una prueba prueba palpable de que contar historias puede ser algo más que una mera diversión – se me ocurrió decirle - . Algo primordial, algo de lo que depende la existencia misma de un pueblo.
(...)
((Es hora de descasar)), ((Es hora de sentarse a escuchar lo que habla)). Así lo hacían: descasaban con el sol o se reunían a oír el hablador hasta que empezaba a oscurecer. Entonces desperezándose, decían: (( Ha llegado el momento de vivir.)) p.62
Vidal, A. C (2009). Vargas Llosa: um intelectual latino-americano entre Sartre e Camus. Revista Brasileira de História & Ciências , - Número I .
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
“... nenhuma mãe arranca os olhos de um príncipe, por ele achar bela a filha”.
porém só de maneira alusiva através de corpos.
Gotthold Ephraim Lessing,Laokoon (Laocoonte ou Sobre os Limites da Pintura e Poesia), de 1766
«Ah, quando, em mim, eu for minha esperança,
Meu próprio ser, divino e redimido.
E minha sombra apenas for lembrança
Bem longe, em outro mundo transcendente,
À luz sem sol jamais anoitecido,
Serei contigo, amor, eternamente.»
Teixeira Pascoaes, Elegias, Renascença Portuguesa, Porto, 1912.
Para Vivenciar Nadas
borboleta é um ser irrequieto4.
para vestes usa pólen.
tem um cheiro colorido
e babas de amizade.
descola por ventos
e facilmente aterriza em sonhos.
borboleta tem correspondência directa
com a palavra alma.
para existir usa liberdades.
desconhece o som da tristeza
embora saiba afogá-la.
usa com afinidades
o palco da natureza.
nega maquilhagens isentas
de materiais cósmicos. como digo:
pó-de-lua, lápis solar
castanho-raíz, cinzento-nuvem.
borboleta dispõe de intimidades
com arco-íris
a ponto de cócegas mútuas.
para beijar amigos e vidas ela usa olhos.
borboleta é um ser
de misteriosos nadas.
Ondjaki, Há Prendisajens com o Xão O Segredo Húmido da Lesma &Outras Descoisas, Lisboa, Editorial Caminho, 2002, pp. 38/39
terça-feira, 5 de outubro de 2010
(This Photograph is My Proof, 1974)
João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.5
João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.4
A atenção à vida presente nos três principais heterónimos de Fernando Pessoa...
recriar o mundo pedra a pedra”
Carlos de Oliveira
“Ao longe, ao luar,/No rio uma vela,/Serena a passar,/Que é que me revela?//Não sei, mas meu ser/Tornou-se-me estranho”
Fernando Pessoa
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Eduardo Lourenço
''Krétakör''
Pela primeira vez eu encontrara efectivamente alguém que sabia descer um pouco aos recantos ignorados do meu espírito — os mais sensíveis, os mais dolorosos para mim. E com ele o mesmo acontecera — havia de mo contar mais tarde.
Não éramos felizes — oh não!As nossas vidas passavam torturadas de ânsias, e incompreensões, de agonias de sombra…»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.14
Ah! como Gervásio tinha razão, como eu no fundo abominava essa gente —os artistas. Isto é, os falsos artistas cuja obra se encerra nas suas atitudes; que falam petulantemente, que se mostram complicados de sentidos e apetites, artificiais, irritantes, intoleráveis. Enfim, que são os exploradores da arte apenas no que ela tem de falso e de exterior.
Mas, na minha incoerência de espírito, logo me vinha outra ideia: — Ora, se os odiava, era só afinal por os invejar e não poder nem saber ser como eles…»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.8
E eis o que ninguém sabe; eis no que ninguém pensa. Assim, para todos, os prazeres dos sentidos são a luxúria, e se resumem em amplexos brutais, em beijos húmidos, em carícias repugnantes, viscosas. Ah! mas aquele que fosse um grande artista e que, para matéria-prima, tomasse a voluptuosidade, que obras irreais de admiráveis não alteraria!… Tinha o fogo, a luz, o ar, a água, e os sons, as cores, os aromas, os narcóticos e as sedas — tantos sensualismos novos ainda não explorados… Como eu me orgulharia de ser esse artista!… E sonho uma grande festa no meu palácio encantado, em que os maravilhasse de volúpia… em que fizesse descer sobre vós os arrepios misteriosos das luzes, dos fogos multicolores — e que a vossa carne, então, sentisse enfim o fogo e a luz, os perfumes e os sons, penetrando-a a dimaná-los, a esvaí-los, a matá-los!… Pois nunca atentaram na estranha voluptuosidade do fogo, na perversidade da água, nos requintes viciosos da luz?.. Eu confesso-lhes que sinto uma verdadeira excitação sexual — mas de desejos espiritualizados de beleza — ao mergulhar as minhas pernas todas nuas na água de um regato, ao contemplar um braseiro incandescente, ao deixar o meu corpo iluminar-se de torrentes eléctricas, luminosas… Meus amigos, creiam-me, não passam de uns bárbaros, por mais requintados, por mais complicados e artistas que presumam aparentar!»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.6
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.4
nunca que possuo as minhas amantes; elas é que me possuem…»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.4
domingo, 3 de outubro de 2010
Uma corola
esplende uma corola
de cor vermelho-queimado
metálico
não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou da janela
não cheira
não atrai abelhas
não murchará
apenas fulge
em alguma parte alguma
da vida
Ferreira Gullar in Jornal de letras, artes e ideias, Nº 1043, 22 de Setembro a 5 de Outubro de 2010
O Jasmim
no limite do veneno
assim de muito perto
esse aroma rude é um oculto
fogo verde
(quase fedor)
que me lesiona
as narinas
entre o orgasmo e a morte
mal pergunto
o que é isto um cheiro?
quem o faz?
a flor ou eu?
um invento
milenar da flora?
quando? desde quando?
já estaria na massa das estrelas
[ o cheiro da alfazema?
Nasce o perfume com as
[florestas
um silêncio a inventar-se nas
[plantas
vindo da terra escura
como caules, talos ramos
[folhas
o aroma
que se torna arbusto
[ - um jasmineiro.
Nos jardins dos prédios
[ (na rua senadir Eusébio,
por exemplo), nos matagais,
são usinas de aromas
a fabricar jasmim anis
[ alfazema
(alguns cheiros são perversos
como o anis
que a muitos poetas endoidou
durante a belle époque:
já o da alfazema
dorme manso nas gravatas
[de roupas
em São Luís
e reacende o perdido)
Tudo isto para dizer que
[ontem à noite
arranquei flores de um
[jasmineiro
no Flamengo
e vim com elas
- um lampejo entre
[as mãos-
pela rua
sorvendo-lhe o aroma
[selvagem
enquanto foguetes Tomahawk
[caíam sobre Bagdá.
Ferreira Gullar in Jornal de letras, artes e ideias, Nº 1043, 22 de Setembro a 5 de Outubro de 2010
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
O dia dos fantasmas
erguer-se como pó
e desatar às gargalhadas.
Amanhã é o dia dos fantasmas, que
caíram na terra das batatas. Não posso
negar que eu
sou culpado desta morte dos rebentos.
Sou culpado!
Amanhã é o dia dos fantasmas, que trazem
na fronte o meu tormento,
que possuem o meu trabalho diário.
Amanhã é o dia dos fantasmas, que dançam
como carne no muro do cemitério
e me mostram o Inferno.
Porque tenho eu de ver o Inferno? Não há outro caminho
para Deus?
Uma voz: Não há outro caminho! E este caminho
passa pelo dia dos fantasmas,
passa pelo Inferno.
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 25
A persona che mai tornasse al mondo,
Questa fiamma staria senza più scosse.
Ma per cìo che giammai di questo fondo
Non tornò viva alcun, s'i'odo il vero,
Senza tema d'infamia ti rispondo.
Então vem, vamos juntos os dois,
A noite cai e já se estende pelo céu,
Parece um doente adormecido a éter sobre
[a mesa;
Vem comigo por certas ruas semi-desertas
Que são refúgio de vozes murmuradas
De noites sem repouso em hotéis baratos de
[uma noite
E restaurantes com serradura e conchas
[de ostra:
Ruas que se prolongam como argumento
[enfadonho
De insidiosa intenção
Que te arrasta àquela questão inevitável...
Oh, não perguntes «Qual será?»
Vem lá comigo fazer a tal visita.
(...)
T.S.Eliot. A canção de amor de J. Alfred Prufrock. Edição bilingue do poema e de um texto crítico de E. Pound. Trad. de João Almeida Flor. Assírio & Alvim, Lisboa, 1985, p.17
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou — apenas — os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio.»
terça-feira, 28 de setembro de 2010
«Acontece que, tendo-me voltado, nesta ocasião, para o meu percurso, eu me dei conta de que, para não me perder de mim próprio, como na história célebre do Pequeno Polegar dos Irmãos Grimm, fui deixando muitas pedras brancas no meu caminho, mais numerosas do que eu podia imaginar, algumas hoje já desconhecidas de mim próprio. Hoje, nem essas pedras brancas me servem para eu, através delas, reinventar o meu próprio passado. Mas elas estão lá, podem ser lidas por outros, revisitadas como objecto de curiosidade ou objecto de interesse, se o tiverem.»
Eduardo Lourenço a 21 de Janeiro de 2003, por ocasião de uma homenagem pelos seus sessenta anos de vida literária e filosófica.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Green Night
We walked down the path to breakfast.
The morning swung open like an iron gate.
We sat in Adirondack chairs and argued
for hours about the self—it wasn’t personal—
and the nature of nature, the broken
Word, the verse of God in fragments.
We trotted back and forth to readings.
The trees were the greenest I had ever seen.
We cut bread from a large brown loaf
at a long wooden table in the mountains.
A farmer hayed the meadows
and the afternoon flared around us.
Pass the smoky flask. Pass the cigarettes:
twenty smoldering friends in a package.
We swam in the muddy pond at dusk.
The sky was a purple I had never seen.
Someone was always hungover,
scheming with rhymes, hanging out.
Nothing could quench our thirst for each other.
At the bonfire, we flamed with words.
The houses were named after trees.
I slept with someone at the top of a maple.
It was a green night to be a poet in those days.
We didn’t care if the country didn’t care about us.
Edward Hirsch
Mas aspiração tal em mim não sinto.
De bosques e de prados cedo farto,
Nunca invejei aos pássaros as asas.
Como o prazer do estudo outro nos leva
De livro em livro, de uma a outra página!
Assim se tornam belas, tediosas
Noites de inverno, e calorosa vida
Os membros nos aquece, e, ai!, se acaso
Um douto pergaminho desenrolas,
É o céu que sobre ti baixar se digna!
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 55
domingo, 26 de setembro de 2010
Que me dizes, senão que em outro tempo,
Como o meu, delirou teu pobre cérebro,
A luz do dia procurou, com vasto
Desejo de verdade, e vagou triste
Em deprimente, lúgubre crepúsculo?
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 40
Se o próprio coração vos ficar mudo.»
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 35
Espírito. - Reluz uma chama avermelhada. O Espírito aparece na chama)
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 33
37.
Seja ilusão só, a enganar;
Que o rio que ora passa a correr
Encontre, inda que longe, um mar;
Que para além do frágil saber
Uma vida maior vá guardar.»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 89
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
17.
Homens do presente, nada do passado,
Antes de serdes as coisas que vemos,
Quem podia ter sabido ou pensado
Que seríeis hoje aquilo que temos?
Ah, passantes pela mesma via,
Quem pôde pensar-vos antes deste dia?
Homens do presente e pó de amanhã,
Ao passar dos anos aonde ireis ter?
Que rude mudez ou ânsia em pressa vã
Irá registar vossa dor ou prazer?
Ondas ou cristas do mar desta vida,
Quem vos pensará passado este dia?
Só o génio pode o fogo atiçar
Que na natureza em vós abrigais;
Só o génio pode a lira tocar
E erguer vosso nome aos céus dos mortais;
O génio pode a morte romper
E o nada de ontem num tudo verter.
Mas a virtude, como os choros humanos,
Pelos areais depressa bebida,
Mergulha no pó dos passados anos
E nem sabereis onde está escondida.
Que o génio, então, possa ser laureado;
Que o pó de amanhã seja eternizado.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 29
domingo, 19 de setembro de 2010
14.
Pudesse o que penso exprimir e dizer
Cada pensamento oculto e silente,
Levar meu sentir moldado na mente
A ser natural perante o viver;
Pudesse a alma verter, confessar
Os segredos íntimos em meu ser;
Grande eu seria, mas não pude aprender
Uma língua bem, que expressasse o pesar.
(...)
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 29
13.
(...)
«Pois quando no pensar o escuro pesa
E sobre a tua alma a noite desce,
Não regressam de novo os teus pesares?
Não fica a tua alma presa às sombras?
Não sentes em ti que o medo cresce?»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 29
2.
Do grande ventre da noite a manhã rompeu em dor,
Sobre a terra palpitante ronca a feroz a trovoada,
O Titã acorda enfim, sua cara ensanguentada,
E o rude carvalho arranca, brutal, em seu estertor.
Em agonia mortal delira e, ao seu rugido,
Aves tremem, a costa afunda-se em mar e de terror
Rios secam, montes sucumbem no seu interior,
Rochedos fendem e o manto das nuvens é rompido.
Uiva o relâmpago, os mares extravasam em estrondo;
O gigante vacila e então, com embate hediondo
Cai, e dos tronos brilhantes as estrelas irrompem.
Caiu; a terra alarmada, em louca fúria ferida,
Fendeu, rompeu, vergou; no ar, o eco da praga ouvida;
Mas no céu, o som continuou a sorrir em seu desdém.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 11
Fedeli, M. A mão que balança o berço. Funções do feminino em Júlio Dinis. São Paulo, 2007 Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas,.p.34
tour doit se poser l'interprète, consiste à reconnaître [...]ce que
fut la question d'abord posé, et comment fut articulée la réponse»
Jean Starobinski
sábado, 18 de setembro de 2010
Ânimo sinto de arrojar-me ao mundo,
Da terra os gozos partilhar e as penas,
Lutar com a tormenta , e ao estrondo
De naufrágio cruel suster o rosto!»
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 32/3
E perguntas ainda porque ansioso
Teu coração no peito confrange,
E oculto sofrer inexplicado
A energia vital em ti comprime?
Em lugar de vivente natureza.
Em cujo seio Deus criou os homens,
Rodeiam-te entre a podridão e o fumo
Somente ossadas nuas e esqueletos.»
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 30/1
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 22
Nunca ao homem que hesita ela se mostra.
Se vos dais por poetas, que a poesia
A vosso mando ceda. O que é preciso
Já de mais o sabeis; licor bem forte
245 Desejamos beber; pois sem demora
No-lo dai preparado. Não se cumpre
Amanhã o que hoje não for feito,
E nem um dia só perder se deve.
Um homem resoluto, do possível
250 Lança mão com ardor, fugir não o deixa
E na empresa prossegue, assim lhe é a força.
Sabeis que cada qual nos nossos palcos
Exp'rimenta o que quer; pois neste dia
Prospectos não poupeis nem maquinismos.
255Da lua e sol servi-vos, e aos centos
Espalhai as estrelas. Fogo e águas,
Rochedos, bosques, pássaros não faltem.
Do bastidor no acanhado espaço
A criação inteira se desdobre,
260E caminhai, com rapidez medida,
Desce o céu, pela terra, ao fundo inferno.
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 19/20
Em vossos cantos brilhem; mas cuidado,
Que neles a loucura também entre.
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 15
A saudosa lembrança. Sombras caras
Ressurgem numerosas; qual remota
Tradição esquecida, vão volvendo
Primeiro amor, antigas amizades;
A memória cruel com dor recorda
A marcha errante que seguiu a vida,
E nobres peitos lembra, que, frustrados
Pela sorte de dias deleitosos,
Antes de mim a vida terminaram.
Dedicatória
J. W. Goethe. Fausto. Trad. Agostinho D'Ornelas. Ed. ao cuidado de Paulo Quintela. , 1953, Acta Universitatis Conimbrigensis.,p 11
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Sonho de prisão
Canti Orfici
Rita Ciotta Neves. Dino Campana, Um Poeta Maldito (seguido da tradução de quatro poemas) .Babilónia n.3 pp. 121
No quarto um cheiro a podre: há
No quarto uma chaga vermelha languescente.
As estrelas são botões de madrepérola e a noite veste-se de veludo:
E treme a noite fátua: é fátua a noite e treme mas há
No coração da noite há,
Sempre uma chaga vermelha languescente.
Canti Orfici
Rita Ciotta Neves. Dino Campana, Um Poeta Maldito (seguido da tradução de quatro poemas) .Babilónia n.3 pp. 121
São todos autores que falam da loucura. Dino Campana não fala dela, mas vive-a na pele, no corpo martirizado, na alma atormentada e recria-a através do poder mágico das palavras.
Nele, a Vida transforma-se, definitivamente, em Literatura.»
Rita Ciotta Neves. Dino Campana, Um Poeta Maldito (seguido da tradução de quatro poemas) .Babilónia n.3 pp. 115
Rita Ciotta Neves. Dino Campana, Um Poeta Maldito (seguido da tradução de quatro poemas) .Babilónia n.3 pp. 114
«Mi volevano matto per forza» (2)
Dino Campana
1 «Mas se vós tiverdes uma qualquer necessidade de criação não sentireis que sobe à vossa
volta a energia primordial que dá ossos aos vossos fantasmas?»
2 «Queriam à força que eu fosse louco »
O ESTUDANTE DE LATIM
Hermann Hesse.Contos de Amor. Trad. Maria Adélia Silva Melo. Difel, 1995., p.19/20
Ordena que às árvores subam as lagartas.»
Frédéric Mistral. Miréia. Trad. Manuel Bandeira. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p.85
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Sobre os dois beijos
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
1
Quando penso que os dias a passar
Em passos breves, mas em peso sentidos,
Minh'alma levam a espaços temidos
E a juventude à morte vai dar,
Por estranho e triste me pareça
Que em breve (ora vivo) eu vá morrer,
Vaga, incerta dor que pesa em meu ser
Faz com que a mente em pavor desfaleça.
Contudo mesmo em raiva, choro e pena
Cada instante é consolo ao coração
E com riso acolherei cada gemido:
Do fundo desespero a esp'rança acena.
Na morte não vejo a libertação -
É melhor o mau que o desconhecido.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 11
Tu, que nasceste entre pastores,
Dá alento à minha voz, fogo às minhas palavras.
Tu o sabes: em meio à verdura,
Aos raios do sol, à orvalhada,
Quando os figos amadurecem
Vem o homem como um lobo e pilha a árvore toda.
Frédéric Mistral. Miréia. Trad. Manuel Bandeira. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p.43
A Lamartine
A minha alma e o meu coração;
-Uva da Crau, com as folhas todas, que te envia,
Humildemente, um aldeão.
Maillane (Bouches du Rhône), 8 de setembro de 1859.
Frédéric Mistral. Miréia. Trad. Manuel Bandeira. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p.39
domingo, 12 de setembro de 2010
Segunda Meditação
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.53
Todas elas haveria de dar por Mefistófeles.
Por ele serei o Imperador do mundo,
Farei uma ponte através dos ares instáveis
Para com um bando de homens passar o oceano;
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.49
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Trovão. Entram Lúcifer e quatro diabos. Fausto dirige-se-lhes.
FAUSTO - Agora que a sombra triste da noite
Rompe do mundo antárctico até ao céu,
Embaciando o empíreo com o seu bafo negro,
Para ver o toldado rosto de Oríon,
Começa, Fausto, os teus encantamentos,
E vê se ao teu apelo os diabos obedecem,
Pelos sacrifícios e orações que lhes ofertaste.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.45
huma verdade existe em nós.
Mas parece então
Que temos de pecar e, por conseguinte, morrer.
Ai...temos de morrer, e morrer para todo o sempre.
Como chamais a esta lei? Che sarà, sarà:
O que for se há-de ver. Teologia, adeus.
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.35
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Sobre os autores
Montaigne. Dos Livros. Trad. Telma Costa. Edição conjunta da Fnac com a Teorema, comemorativa do dia mundial do livro. Lisboa, 1999., p. 42
Montaigne. Dos Livros. Trad. Telma Costa. Edição conjunta da Fnac com a Teorema, comemorativa do dia mundial do livro. Lisboa, 1999., p. 16/7
Montaigne: Dos Livros
(...)
Percebeu que não há saber sem atenção e paixão; só uma relação pessoal e crítica com os livros produz homens verdadeiramente livres; percebeu que não podemos ler todos os livros e que a relação com o saber é um exercício individual. Exercício de leitura, reflexão e recriação.
cit. Conceição Moreira in Montaigne. Dos Livros. Trad. Telma Costa. Edição conjunta da Fnac com a Teorema, comemorativa do dia mundial do livro. Lisboa, 1999., p. 11/14
domingo, 5 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.
O que tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d'ir urinar.
Isso eu o quis dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por mim até)
................................................................................................................
Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu sendo
eu» foi um bom trabalho
Para continuar tudo co'a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes durante e depois de morrer.
Mário Cesariny. Cesariny Uma Grande Razão os poemas maiores. Assíro & Alvim. Lisboa, 2007.,p.141
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
discurso ao príncipe de epaminondas, mancebo de grande futuro
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de quaisquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és a flor nem luto nem acalanto nem estrêla
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espêlho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral, rasgando-os os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barbas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.147
ars magna
ter um mar próprio e olhos cintilantes
devo saber de cor o cetro e a espada
devo estar sempre pronto para ser rei e lutar
devo ter descobertas privativas implicando viagens
ao grande imprevisto
de um pássaro as ossadas de uma ilha a floresta do
teu peito o animal que inanimado canta
devo ser Júlio César e Cleópatra a força de Dniepper
e o carmim dos olhos de El-Rei D. Dinis
devo separar bem a alegria das lágrimas
fazer desaparecer e fazer que apareça
dia sim dia não
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.147
manuel
Esta rosa cortada para ti morreu
O teu irmão morreu
A noiva e o amigo e a alegria da sêde e da fortuna
morreram
A bem dizer estás vivo no deserto
Foi um luto gradual um luto que só foi luto de
repente
um dia
ninguém estava a dar por isso
e que alargou os teus braços essa forma especial
de pensamento que trazes colada ao peito para destinar países
É verdade Manuel! É verdade! É verdade!
Eu, de luto para luto, fico mais criança.
Havias de brincar à criança que sou
em volta desta mesa - e que servisse de exemplo!
Não falas? Não. Não falas
Os fantasmas não falam logo ao primeiro encontro
e tu és um fantasma COM TODA A FAMÍLIA VIVA
apesar do que digo, para variar
Que crueldade, não é? Mesmo variada.
Antes a tua sombra e essa rosa cortada.
Boa noite Manuel vou-te concretizar
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.145/6
arte de ser natural com eles
Tudo foi e tudo acabou
numa cidade venezuelana
Boa parte de mim lá ficou
não vês senão o que voltou
no princípio desta semana
Senhor Fantasma, em que é que trabalha?
Em luzes e achados
chãos e valados
barcos chegados
comboios idos
Procuro os meus antepassados
altos hirsutos penteados
mudos miúdos desprevenidos
Senhor Fantasma, a vida é má
muito concerto pouca harmonia
A vida é o que nos dá
Não quero outra filosofia,
Senhor fantasma, diga lá
que estrêla se deve seguir?
(Mestre Fantasma: Ah, ah, ah!)
Senhor Fantasma, vamos dormir
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.138/9
XVI
com radiadores ventiladores rosa-chá
passagem ao estado de amora
alguns coupons
e várias teses de combate moderno
A mosca
passa
ou não passa
é um pouco como todas as coisas
estão mas não aparecem
e podem levar anos nisso
Mas duas aranhas esperam a mosca
com serviço de Turismo Dlão
lume aceso
página de sentença judiciária
Ao fundo
o galo enerva-se e quebra a mobília
numa grande convivência francesa
c0'a mosca que foge espavorida no vento
Agora à luz das baratas e dos apetrechos para campo
duas aranhas esperam a aranha
e esta é que não escapa
à ligeira tremura de ter vindo
pois nenhuma aranha escapou jamais às aranhas
nenhuma não sendo mosca fugiu
ao que mandam os deuses
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.104/5
XIV
irei ao cemitéio onde repousa Sá-Carneiro
a gente às vezes esquece a dor dos outros
o trabalho dos outros o coval
dos outros
ora êste foi dos tais a quem não deram passaporte
de forma que embarcou clandestino
não tinha política tinha física
mas nem assim o passaram
e quando a coisa estava a ir a mais
tzzt...uma poção de estricnina
deu-lhe a molesa foi dormir
preferiu umas dores no lado esquerdo da alma
uns disparates com as pernas na hora apaziguadora
herói à sua maneira recusou-se
a beber o pátrio mijo
deu a mão ao Antero, foi-se, e pronto,
desembarcou como tinha embarcado
Sem Jeito Para o Negócio
Mário Cesariny. manual de prestidigitação. Assírio & Alvim, 1981. Lisboa., p.102
Madrugada
o coração da água
a vida que nasce cada dia
a morte que nasce cada vida
Esfrego as pálpebras:
o céu anda na terra.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.99
Aldeia
no dia de pedra
Não há água mas os olhos brilham
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.98
Túmulo de Amir Khusrú
Árvores carregadas de pássaros
sustêm a tarde a pulso.
Arcos e pátios. Entre vermelhos
muros, verde peçonha, um tanque.
Um corredor leva ao santuário:
mendigos, flores, lepra, mármores.
Túmulos, dois nomes, suas histórias:
Nizam Uddin, teólogo andarilho,
Amir Khusrú, língua de papagaio.
O santo e o poeta. Austero.
brota um luzeiro duma cúpula,
evola-se o odor do tanque.
Amir Khusrú, papagaio ou rouxinol:
um e outro em cada instante,
obscura a mágoa, a voz diáfana.
Sílabas, errantes incêndios,
vagabundas arquitecturas:
todo o poema é tempo e arde.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.83
Falar-te-ei uma linguagem de pedra
(respondes com um monossílabo verde)
Falar-te-ei uma linguagem de neve
(respondes com um leque de abelhas)
Falar-te-ei uma linguagem de água
(respondes com uma canoa de relâmpagos)
Falar-te-ei uma linguagem de sangue
(respondes com uma torre de pássaros
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.72
eu sou o caminho de sangue.»
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.70
sábado, 28 de agosto de 2010
Pedras soltas
Os insectos atarefados,
os cavalos cor de sol,
os burros cor de nuvem,
as nuvens, rochas enormes que não pesam,
os montes como céus desmoronados,
a manada de árvores bebendo no arroio,
todos estão aí, felizes no seu estar,
frente a nós que não estamos,
comidos pela raiva, pelo ódio,
pelo amor comidos, pela morte.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.49
Pedras soltas
Não o que pôde ser:
mas o que foi.
E o que foi está morto.
4. Sinos na noite
Ondas de sombra, ondas de cegueira
sobre uma fronte em chamas:
molhai o meu pensamento, e apagai-o!
6. Visão
Ao fechar os olhos vi-me:
espaço, espaço
onde estou e não estou.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.47
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.47
Lição de coisas
talhada em quartzo
Água petrificadas.
Dentro, o velho Tláloc dorme,
sonhando tempestades.
4. Deus surgindo
de uma orquídea de barro
Entre as pétalas de argila
nasce, sorridente,
a flor humana.
6. Calendário
Contra a água, dias de fogo.
Contra o fogo, dias de água.
9.Criança e o pião
De cada vez que o joga
cai, exacto,
no centro do mundo.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.43
Pedra-de-toque
Oh pressentida que me pressente
Sonhada que me sonha
Aparecida desvanecida
Vem via ascende desperta
Rompe diques avança
Moita de brancuras
Maré de armas brancas
Mar sem freio galopando na noite
Estrela guiada
Esplendor que te cravas no peito
(Canta ferida fecha-te boca)
Aparece
Vagaroso relâmpago
Fincada águia estremecida
Cai pluma flecha engalanada cai
Faz soar a hora do encontro
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.42
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Hoje, como dizer, deu-me para uma ligeira comoção...
«Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu sendo
eu» foi um bom trabalho
Para continuar tudo co'a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes durante e depois de morrer.»
nenhuma flor aquieta
as asas futuras.
Assim, onde outrem oficia,
coloquêmo-nos
fora da sua égide...
ainda que uma besta se desenrosque
até à cauda,
se engolfe em nossa vigília.
Sebastião Alba. A noite dividida. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.,p. 107
que modelam a vida
sem interferir muito;
os que apenas circulam
no hálito da fala
e apõem, de leve,
um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
entre quem são
e quem eles me parecem,
o meu agrado inclina-se
para o mais reconciliado,
ao acordar,
com a sua última fraqueza;
o que menos preside à vida
e, à nossa, preside
deixando que o consuma
o núcleo incandescente
dum silencioso votivo
de que um fumo de incenso
nos liberta.
Sebastião Alba. A noite dividida. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.,p.82
PÉGASO
pressentimos na brisa
a chegada dos signos da noite
Indeciso, o cavalo
transpõe o fosso do horizonte,
sob a lua e um alto
expoente de pó
Inverte-se o casco percussor
à beira da fonte de Hélicon,
e o cavalo grego
deita-se para morrer
Um frémito distende-lhe as asas;
no olhar anterior ao mito,
aflui agora
a mais pura estância
das lágrimas.
Sebastião Alba. A noite dividida. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.,p.75
Sebastião Alba. A noite dividida. Lisboa, Assírio & Alvim, 1996.,p.39
Russia in color, a century ago
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Destino de Poeta
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.
Também a luz em si mesma se perde.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.19
Lago
Entre áridas montanhas
as águas prisioneiras
repousam, cintilam
como um céu caído.
Nada senão os montes
e a luz entre as brumas;
água e céu repousam,
peito a peito, infinitos.
Como o dedo que afaga
uns seios, um ventre,
estremece as águas,
delgado, um frio sopro.
Vibra o silêncio, bafo
de pressentida música,
invisível ao ouvido,
apenas para os olhos.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.17
Teu nome
amanhece em minha pele,
aurora de luz sonolenta.
Pomba brava teu nome,
tímida sobre o meu ombro.
Octavio Paz. Antologia Poética. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1984., p.15
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Eu vivo. Nunca fiz vida. Fui mais sensato, gozei apenas...
Procriar é uma malvadez: é fazer desgraçados. É um crime matar, preceituam as leis. Crime muito maior é formar assassinos.
O filho devia amaldiçoar os pais. Foram eles que o condenaram à existência...ao suplício eterno...
Só há uma coisa pior que a vida: é a morte.
Se a humanidade fosse inteligente, se porfiasse, acabaria com os homens. Ventura suprema! Suprema superioridade! Demonstraria que tinha mais força do que o Criador: destruiria a sua obra infame.
Mas ninguém quer domar os sentidos; com os sentidos, ninguém quer ser hipócrita...
A morte era a recompensa da vida. Os homens que estragam tudo, estragam também essa recompensa: inventaram a alma, o Inferno e o Céu.
Só se compreende o compreensível. O Universo é incompreensível para os homens. Por isso estes o admiram, pasmam alarvamente diante dessa chocha «maravilha»...
A vida faz doer. E a morte?
Mário de Sá-Carneiro. Loucura. Publicações Europa-América, .p.17
sábado, 21 de agosto de 2010
Se pudéssemos conjugar as nossas duas artes faríamos vida. Felizmente é possível...
Mário de Sá-Carneiro. Loucura. Publicações Europa-América, .p.12
Um louco, parecia-me a hipótese mais verdadeira. Mas no espírito do meu amigo havia tais incoerências que eu, vacilando, terminava por concluir: «É uma criatura incompreensível...um excelente rapaz...um grande artista...»
Mário de Sá-Carneiro. Loucura. Publicações Europa-América, .p.9/10