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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

 “Grotesque and odd are the shapes that rule/ In my brain as worms in a grave” 


Versos de “Fragment of delirium”, de Alexander Search.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

XII


Coisas terrenas,
Oh, são inúteis e frágeis, mas nelas
Me inspirando, posso esquecer as minhas angústias;
Todo o pensar que dói, as lágrimas vertidas por outros,
Todas as dores e todos os desejos nelas mergulho.
Ao pensá-las, mais dói o pensamento, daí que
Embora temendo, desejo fechar os olhos em morte breve,
Só que mais sofro ainda, pois não sei o que é a morte.
Oh, o mistério do homem, que triste tu és
E tão profundo! Que horrível é o teu rosto
Marcado pelo véu da vida mortal!
Profunda de mais p'ra dizer, grande de mais p'ra pensar.

Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 367

domingo, 17 de outubro de 2010

XXII
Mulher (para Marino):
Certos homens têm um negro semblante,
Os seus olhos não respondem à luz do olhar
Pois estão mergulhados na sombra. Mas os teus
Têm a escuridão abafada da noite tropical
Onde o relâmpago está prestes...



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 335
XVIII


A Morte veio e levou-o de mim.
(...)
Acho que (de mim tão amigo e chegado)
Nesta aparência de mortal frialdade,
Senti sobre a face o sopro abafado
Do grande vortéx da eternidade.

Tão perto, que a Morte parecer tocar
Meu corpo tremente; triste me parece
Que a Morte junto a mim não vai voltar
Salvo por mim mesmo...
(...)
Alguns morrem na batalha sangrenta,
Alguns no cadafalso, outros esfaqueados,
Outros dão o ser sem qualquer contenda,
Mas os mártires por outros são imolados.

Morrem alguns no leito de agonia,
Noutros funda angústia os arranca à sorte,
Uns partem sem ver quão belo é o dia,
Outros bem tarde. Mas morte é sempre morte.





Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 331
XIII

Menestrel: Tão bem te conheço, Giles Attom, que tu
Não te conheces a ti tão bem quanto eu;
Tua infância e juventude, a tua idade adulta
Tudo me é conhecido; teus pais igualmente
Conheci muito bem; até da tua vida
Conheço os segredos - tuas paixões, cuidados,
Teus amores e desgostos, tuas raivas e calmas,
Chamas e friezas; sei do teu presente
E, de igual modo, o teu futuro conheço.
Giles: Como tal? Quem és e o que és para falar assim?
Para te gabares de tudo conhecer?
Men: Não interessa
Quem sou e o que sou. Basta dizer-te...






Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 323/325
«Que o homem é tão estranho na sua existência,
Tão raro no seu fado, tão obscuro na sua origem,
Que ante coisas tão simples perdemos a voz.
Tão ridículo, tão bizarro, tão real, irreal
E contudo tão triste! Como exprimir tudo isto?
Tivesse em mil línguas, mil maneiras
De expressar meu pensar e uma ideia só a dizer
Inda a mente me oprimiria ante um pensamento
Que amaldiçoa a palavra.

Sim, por vezes acho
Que vou ter a resposta de tudo; só que então
Algo demasiado horroroso em si aparece,
Uma loucura que alastra, uma ausência de luz,~
E de novo emudeço.
Quando medito sobre
Este espaço imenso, silencioso, interminável,
Sinto a vertigem do viandante que olha
Arrebatado sobre o fundo de um abismo,
Em escuro envolvido, donde se soltam terríveis sons -
Assim é estridente na minha alma o som solene
Do pensamento em si pesado.
Eu te dou algo para pensar, mas retém uma só
Palavra - uma pequena palavra, amigo - «Deus»
E diz-me tudo o que nela está. Ou então não digas
E pensa somente.




Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 323

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

132.

Primeiros fragmentos

I

-«O que é a fama após a morte?
Uma vida sem vida, caro rapaz,
Uma vida que se vive e não apraz,
Um nome escrito à esquina duma rua,
Um busto que podemos espezinhar,
Um vento leve que a tempestade destrua:
Essa a fama póstuma. Maldito quem se agastar
Só por tê-la; e quem por ela morrer, Marino,
Se matará duas vezes. Por isso escuta...

II
É bom ser amado por toda a gente,
Melhor ainda o amor só de alguém;
Mas não há na vida maior amargura
Do que não ter o amor de ninguém.

III
Nunca as negras nuvens serão tão densas
Que não haja um azul para vislumbrar;
Nunca o céu tão escuro que um raio luminoso
Através dele não possa passar.

IV
Nada é mais frio do que as cinzas são
E contudo o lume ali se ateou;
A noite que envolve uma única estrela
Mais negra parece quem a olhou.

(...)




Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 313/314

124.

Dia de Inverno



II

A visão que tenho deste dia frio,
A depressão funda em que o pensar extravio
Um símbolo e um resumo é, simplesmente,
Do que a minha vida é perpetuamente.

Em tristeza e dor, que fundo o pensamento!
Como a alma mergulha em desespero intensivo!
Que desolado o peito emudecido
Das palavras que são como odor expelido
Da flor aberta da plena juventude!
Como fico encerrado na minha inquietude!
Como fico neste círculo confinado,
Círculo trágico do meu ser odiado!
Nem uma ambição ou desejo me chama -
Humanitarismo, poder, riqueza ou fama.
Mas sinto-me cansado, frio, desiludido,
Tal como este dia. Tenho envelhecido
A ver os sonhos a passar e desaparecer,
Deixando a lembrança pura, luzindo,
De algo que, como a luz, se foi extinguindo
Sem o vivo horror de se ver morrer.

Negrito


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 291

122.

Oh, estrela solitária

Oh, estrela brilhante que na solidão
Espreitas do seio da noite envolvente,
Nada iguala em beleza a tua amplidão
No céu despido e de estrelas ausente.

Promete manter o teu cintilar
Na noite luzindo em dormente prazer,
Como de uma fada o indolente olhar
Que, p'ra pensar, recusa adormecer.

Que há outras estrelas, eu sei muito bem,
Que podem ter mais brilho e verdade;
Mas não as desejo, porém só uma vem
Pedir atenção e vencer a vontade.

E se, disto, a lição não tiverdes tirado
Muito da Virtude terás desprezado.


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 283

106.

Rasgos de Loucura



III

Os olhos são coisas raras.
Neles o sentido se transforma em vida.
Neles a vida tem asas.

Olha para mim. É louco e estranho o teu olhar.
Uma luta interior se vê reflectida.
Mais que belo Horror ele vem revelar!

IV

1.

Quanto tu falavas, apenas sentia
Um terror alienado e estranho.
Imagina. Ajoelhar-me poderia
Ante teus lábios, seu mover, seu desenho.
A forma dos lábios, cheia de expressão,
E teus dentes meio descobertos
Eram do delírio, chicotes despertos.
Senti desaparecer minha razão.

Um fetichismo mais que sensual
Visita minha mente delirante.
Maior do que o abismo se apresenta
A fenda entre a razão e sentimento,
Aberta ao alvião do sofrimento.

Tudo contém mais do que aparenta.



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 241
«E, de modo estranho e indefinido,
Perdidos no Todo, um só vivente,
Essa prisão a que eu chamo a alma
E esse limite a que chamo mente.»



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 233
«Lamento o passado e temo o futuro,
Choro e desejo o que nunca fui eu,
Aquilo que não houve na Natureza
E o que havendo nunca será meu.

Saudade do prazer que já é passado,
Tristeza da dor outrora vivida,
A dor do que visto em vagas visões
É apenas eco da amargura tida.»

(...)



91. A minha vida


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 201

89.

O Lábio


Um dia em delírio entorpecido,
Onde vi estranhas coisas a passar,
Vi num sonho, sem luz alguma a brilhar,
Um homem com um só lábio -
Exactamente, exactamente,
Exactamente um só lábio.

Lembro bem que ele não tinha rosto
Nem nariz, com a ponta para vê-lo,
Nem olhos, nem faces, nem cabelo
Mas apenas só um lábio -
Um somente, um somente
Apenas um, um só lábio.

Podeis pensar nisto sem terror?
E nenhum outro lábio ressalva
À visão, nem tampouco lhe faltava:
Havia somente um lábio.
Vendo-o como eu, ficaríeis loucos -
O homem com um só lábio.




Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 197/8

domingo, 10 de outubro de 2010

76.

Raiva

Sinto uma raiva - sim, uma raiva! -
Do tempo que passa sem se deter,
Sede de vida que nada acalma,
Um ódio que nada pode reter.
E cada hora que sinto passar
E funde a noite com um novo dia
Faz, de pensá-lo, a alma clamar:
«Tortura eterna, tortura sem fim!
Os dias passam e nem uma acção!
Um forte desejo, como uma cobiça
Da vontade ausente - Oh, desolação! -
Um sonho dorido, condenado em mim!»

Sinto uma raiva! Raiva por sentir
Tristeza e mistério, em confusão,
Até que a mente num rodopiar,
Louca, contempla essa maldição
Descarnada, que é o mundo a passar,
Como ante um crime fica um paralítico
Sem ter o poder para o evitar.
Diante do sol, eu sinto estranheza,
Frente ao rio, aos campos, fico angustiado,
Sinto-me um cínico ante a baixeza
E, perante Deus, um revoltado.



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 169/171
«Numa vida doce eu temo pensar,
Família e amigos perto de mim.
Meus olhos detestam o encontrar
Do que é finito - a rua, o lar
E todas as coisas que têm fim.
Não sei o que é que aspiro a ter
Mas isto sei que não posso querer.

Em constante desajuste assim
E frio perante o que é vulgar,
Desço no próprio inferno até ao fim,
Ouvindo o sino a dobrar em mim
Que do meu envelhecer me vem falar,
Mas isto num tom tão estranho vem
Que da Mudança o mistério contém.»



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 163
«Silêncio! Que os sãos fiquem daí e os loucos deste lado.»


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 145

54.

Mania da dúvida

Tudo para mim é um duvidar
Com a normalidade sempre em cisão,
E o seu incessante perguntar
Cansa meu coração.
As coisas são e parecem e o nada sustém
O segredo da vida que contém.

A presença de tudo sempre perguntado
Coisas de angústia premente,
Em terrível hesitação experimentando
A minha mente.
É falsa a verdade? Qual o seu aparentar
Já que tudo são sonhos e tudo é sonhar?

Perante o mistério vacila a vontade
Em luta dividida dentro do pensar,
E a Razão cede, qual cobarde,
No encontrar
Mais do que as coisas em si revelam ser,
Mas que elas, por si só, não deixam ver.





Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 117
«Porque, amigo, embora seja a loucura
Ora doce, ora dor inominada,
Nunca a dor humana a dor atura.»


51. A dor suprema


Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 113

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

49.

Lamento


Quereria de novo ser menino
E tu também criança, doce e pura;
Pudéssemos ser livres, sem destino,
Em nossa consciência, de obscura;
Jogos loucos pudéssemos jogar
Sob a ramagem calada e sombria,
Nomes de contos de fadas usar,
Eu de senhor e tu de senhoria.

E tudo seria plena candura
E desejo saudável de pensar,
E quanta dança e quanta travessura
Fariam nossos pés sem descansar;
E eu bem de palhaço actuaria
Para o teu riso infantil ganhar,
E de minha querida eu te chamaria
Sem outra coisa querer significar.

Sentados juntos nos comoveríamos
Com contos ora tristes, no passado;
Não tendo sexo, não nos amaríamos,
O bem sem contra o mal ter lutado.
E numa flor nosso prazer teríamos,
Barco do tesouro a casca de noz:
À noite num armário fechá-lo-íamos
Como na memória um prazer, a sós.

Gastaríamos o tempo, qual riqueza
De um bem grande de mais para fartar,
Gozaríamos saúde e a pureza
Sem saber que os gozámos a gozar...
Ah, quão mais amargo é tudo isso agora
Que um sentimento em mim faz regressar -
O saber de que se nos foi embora
E do que isso deixou em seu lugar.




Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 108-111

43.

Nirvana

Um não-existir dentro do Ser,
Um etéreo não-ser fundo sentido,
Uma mais que real Idealidade,
Sujeito e objecto um todo unido.

Nem Vida ou Morte, razão ou sem-razão,
Mas fundo sentir do não-sentimento,
Que calma profunda! Mais funda que a angústia,
Talvez como um pensar sem pensamento.

Beleza e fealdade, amor e ódio,
Virtude e vício - tudo já estranhezas;
Essa paz toda calma apagará
De nossa vida e eterna incerteza.

Um sossego de toda a humana esp'rança,
Um fio de exausto, febril respirar...
A alma em vão tacteia a expressão certa;
A lógica da fé vai ultrapassar.

Um oposto de alegria, do fundo
Desconsolo pela vida que temos,
Um acordar para o sono que dormimos
Um dormir para a vida que vivemos.

Tudo diferente da vida que é nossa
E do que atravessa o nosso pensar;
É um lar se vida nos é túmulo,
É um túmulo se nossa vida um lar.

Tudo o que choramos e o que aspiramos,
Como a criança ao peito, ali está,
E seremos mais do que desejamos
E nossas almas malditas terão paz.





Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 94-97
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