quarta-feira, 13 de outubro de 2010

106.

Rasgos de Loucura



III

Os olhos são coisas raras.
Neles o sentido se transforma em vida.
Neles a vida tem asas.

Olha para mim. É louco e estranho o teu olhar.
Uma luta interior se vê reflectida.
Mais que belo Horror ele vem revelar!

IV

1.

Quanto tu falavas, apenas sentia
Um terror alienado e estranho.
Imagina. Ajoelhar-me poderia
Ante teus lábios, seu mover, seu desenho.
A forma dos lábios, cheia de expressão,
E teus dentes meio descobertos
Eram do delírio, chicotes despertos.
Senti desaparecer minha razão.

Um fetichismo mais que sensual
Visita minha mente delirante.
Maior do que o abismo se apresenta
A fenda entre a razão e sentimento,
Aberta ao alvião do sofrimento.

Tudo contém mais do que aparenta.



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 241

2 comentários:

  1. Beatriz à medida que vou lendo muito do que tem publicado sobre Alexander Search, apreendo do pouco que sabia deste heterónimo, e surpreendo-me. se é verdade que quem escreve sempre um pouco transparece e ao mesmo tempo sempre se protege no que transmite através da poesia, como ser emotivo, Fernando Pessoa conseguia "se surpasser" e ser muitos de forma coerente e profunda.

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  2. Concordo consigo.

    Fernando Pessoa tinha uma sensibilidade de estranhar as coisas, senti-las e pensá-las que de alguma forma, ainda hoje (e sempre) tocam a alma de quem lê (e sente?).


    Mas, em boa verdade, no nosso 'Eu' há sempre Outros. Se lhes dermos voz, há muitas palavras 'noutros' que são nossas.

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