domingo, 10 de outubro de 2010

76.

Raiva

Sinto uma raiva - sim, uma raiva! -
Do tempo que passa sem se deter,
Sede de vida que nada acalma,
Um ódio que nada pode reter.
E cada hora que sinto passar
E funde a noite com um novo dia
Faz, de pensá-lo, a alma clamar:
«Tortura eterna, tortura sem fim!
Os dias passam e nem uma acção!
Um forte desejo, como uma cobiça
Da vontade ausente - Oh, desolação! -
Um sonho dorido, condenado em mim!»

Sinto uma raiva! Raiva por sentir
Tristeza e mistério, em confusão,
Até que a mente num rodopiar,
Louca, contempla essa maldição
Descarnada, que é o mundo a passar,
Como ante um crime fica um paralítico
Sem ter o poder para o evitar.
Diante do sol, eu sinto estranheza,
Frente ao rio, aos campos, fico angustiado,
Sinto-me um cínico ante a baixeza
E, perante Deus, um revoltado.



Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 169/171

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