«Não sei ao certo se a erosão das estátuas, no lado mais exposto ao tempo, as prejudica ou não.»
Carlos de Oliveira
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sábado, 6 de outubro de 2018
domingo, 22 de fevereiro de 2015
"sente-se a lentidão, o peso,
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;
dançam agora dois a dois,
reconstituem a unidade
cindida ainda há pouco; os pares
mortais; a vocação
de transformar o tempo em rostos;
somam-se duas mortes,
e obtém-se uma criança; ela, sim:
resistirá, crescendo,
ao desgaste do dia,
procurará na outra noite
o corpo que define o seu;
protege-a a espuma, a máscara,
até de madrugada; e então,"
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;
dançam agora dois a dois,
reconstituem a unidade
cindida ainda há pouco; os pares
mortais; a vocação
de transformar o tempo em rostos;
somam-se duas mortes,
e obtém-se uma criança; ela, sim:
resistirá, crescendo,
ao desgaste do dia,
procurará na outra noite
o corpo que define o seu;
protege-a a espuma, a máscara,
até de madrugada; e então,"
-"Entre Duas Memórias"
- Carlos de Oliveira
- Carlos de Oliveira
terça-feira, 1 de abril de 2014
«Afirma Pessoa, noutra carta a Gaspar Simões, 11/12/1931, que Freud lhe ensinou alguma coisa embora não tenha precisado dele para «conhecer, pelo simples estilo literário, [...] o onanista e, adentro do onanismo, o onanista praticante e o onanista psíquico». E mais adiante, referindo-se ao «que há de abusivamente sexual» nalgumas interpretações freudianas aplicadas à literatura, chama a atenção para o risco de conduzirem «a um rebaixamento automático, sobretudo perante o público, do autor criticado, de sorte que a explicação, sinceramente baseada e inocentemente exposta, redunda numa agressão». Talvez. O pior é a terminologia escolhida: rebaixamento, agressão, que faz pensar num ouriço a eriçar-se. Declara na mesma carta ter aprendido com Freud que o tabaco e o álcool são translações do onanismo. Ele, grande fumador e bebedor (concluo eu), está a coberto da suspeita. Mas que importância tem isto senão a de pôr a nu alguns preconceitos sociais de Pessoa?»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 443
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Infância, heterónimo de Mrs. Davies
«Mrs. Davies, vinda da Cidade do Cabo, desembarca em Lisboa a 29 de novembro de 1935, véspera da morte de Fernando Pessoa. Tinha-o conhecido em Durban, numa escola inglesa, ambos pequenos, ele com nove ou dez anos, ela com cinco ou seis, e vinha enfim procurá-lo conforme prometera um dia, quando os pais a levaram da cidade para uma quinta no interior do Transvaal. Pessoa foi-lhe sempre fiel. Nunca mais a esqueceu embora julgasse que sim e cantou-a sem desfalecimento sob o nome de Infância mesmo quando pensava falar doutra coisa. Infância, heterónimo de Mrs.Davies. Iria jurar que o belo título «Prayer of Woman's Body» lho inspirou também ela subconscientemente. Prece por um corpo de criança transformado em mulher, a irreparável metamorfose que o desgostava por duas razões independentes: a) a imagem do paraíso perdido de facto perdida, b) trocada por uma feminilidade que dizia pouco à sua misogenia.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441
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«(...), loira, desse loiro de cobre ao lume donde saltam cintilações ruivas.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441
«O podre e o fermento. O perigo destas imagens está no exagero.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 436
«A evidência da tara arrasta despoticamente as personagens em linha recta, sem desvios, nuances ou hesitações. Gera-se um frio mecanismo entre causa e efeito, tão inexorável que não há lugar para atritos, recuos, complexidades. A análise psicológica aproxima-se assim, de modo assustador, dum logicismo previsível que não comporta qualquer surpresa ou inesperada descoberta de riqueza humana. Chega-se a esta situação paradoxal; o patológico que, à primeira vista, devia ser o anormal e o incontrolável processa-se afinal dentro da mais primária, preconcebida, das normalidades.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434
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«O objectivo primacial da «Patologia» cifrava-se na demonstração deste postulado: os tipos psíquicos patológicos são resultado dum desequilíbrio entre os três elementos que estão na base de toda a actividade psicológica: o sentimento, o pensamento e a vontade. O predomínio de qualquer deles provocaria as torções de carácter, os desvios de conduta. Não se trata agora da concepção, mas de apontar apenas, dando ainda de barato que fosse verdadeira, como a visão do romancista é dentro dela demasiado linear.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434
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«O meu exemplar (primeira edição, hoje rara) descobri-o em Coimbra, por acaso, durante o despejo dum armazém de alfarrabista pobre. Não está mal conservado apesar no segundo terço do livro e um túnel de traça, ainda incipiente, que eu próprio limpei e desinfectei, assim como meti cola nova na lombada, esta sem dúvida em mau estado: a tela interior no fio, o papel de fora a esfarelar-se.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 425
«(...) mandem gravar na campa do poeta o epitáfio que ele próprio escreveu:
A dádiva suprema é dar a vida
Ao silêncio de pedra que é a morte.
Larga-me da vida, morte,
Faz-me da morte pedra.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421
A dádiva suprema é dar a vida
Ao silêncio de pedra que é a morte.
Larga-me da vida, morte,
Faz-me da morte pedra.
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421
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« - Sabes, um suicídio a dois só com o acordo de ambos e tu não me perguntaste nada, pois não?»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 416
nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só
«De Álvaro de Campos: «ó companheira que eu não tenho nem quero ter». Olho para Gelnaa e não compreendo: tenho-a e quero tê-la. Mas ao mesmo tempo compreendo: não a devia ter a ela; ou não vale a pena tê-la; ou então dói-me a sua fragilidade, sombra dum arquétipo, eterno neste momento. Logo depois volto a não compreender: meu amor mortal, de carne e osso, tenho-te para sempre, agora. Coisas que se equivalem, na gramática relativa da vida. Não nos deram outra, Gelnaa. E mal acabo de pensar isto compreendo de novo: nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só. Etc.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 415
segunda-feira, 31 de março de 2014
(...)
«Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 401
«Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 401
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domingo, 30 de março de 2014
LÍQUENES
I
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 296
Algures,
no lugar
mais frio
da memória,
mas
nítido
como um centímetro
quadrado de neve
que pede
a própria luz
à algidez interior,
surge
a paisagem
de líquenes,
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 296
ESPAÇO
I
«A noite
impôs ao céu
uma servidão
de inúmeras
estrelas»,
e a via láctea
aprende
como nasce
um cometa
dilacerante,
«que o meu corpo
se despedace
nas pontas
das estrelas»,
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 301
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