me invade as ventas
no limite do veneno
assim de muito perto
esse aroma rude é um oculto
fogo verde
(quase fedor)
que me lesiona
as narinas
entre o orgasmo e a morte
mal pergunto
o que é isto um cheiro?
quem o faz?
a flor ou eu?
um invento
milenar da flora?
quando? desde quando?
já estaria na massa das estrelas
[ o cheiro da alfazema?
Nasce o perfume com as
[florestas
um silêncio a inventar-se nas
[plantas
vindo da terra escura
como caules, talos ramos
[folhas
o aroma
que se torna arbusto
[ - um jasmineiro.
Nos jardins dos prédios
[ (na rua senadir Eusébio,
por exemplo), nos matagais,
são usinas de aromas
a fabricar jasmim anis
[ alfazema
(alguns cheiros são perversos
como o anis
que a muitos poetas endoidou
durante a
belle époque:
já o da alfazema
dorme manso nas gravatas
[de roupas
em São Luís
e reacende o perdido)
Tudo isto para dizer que
[ontem à noite
arranquei flores de um
[jasmineiro
no Flamengo
e vim com elas
- um lampejo entre
[as mãos-
pela rua
sorvendo-lhe o aroma
[selvagem
enquanto foguetes Tomahawk
[caíam sobre Bagdá.
Ferreira Gullar in Jornal de letras, artes e ideias, Nº 1043, 22 de Setembro a 5 de Outubro de 2010