quinta-feira, 20 de março de 2014

Por favor, escreve-me Nora querida" (29 de Agosto de 1904); "Talvez me possas enviar esta noite quatro linhas para dizer-me que me perdoas por toda a dor que te causei" (10 de Setembro de 1904);
"Se tiveres tempo, escreve-me." (26 de Setembro de 1904);"Nora, escreve-me, em consideração ao meu amor morto" (6 de Agosto de 1909); "Querida, escreve-me e pensa em mim" (22 de Agosto de 1909); "Minha pequena e silenciosa Nora, passaram dias e dias sem uma carta tua" (7 de Setembro de 1909); "Minha querida Nora, desejo ardentemente, com impaciência,ter as tuas respostas a essas obscenas cartas minhas" (3 de Dezembro de 1909); "Oh, estou tão ansioso por receber a tua resposta, querida!"(6 de Dezembro de 1909); "Querida, nem uma carta!" (15 de Dezembro de 1909); "Fiquei surpreso e desiludido por não ter recebido hoje uma carta tua" (23 de Agosto de 1912)
«Como desejo, a carta de amor aguarda resposta; impõe implicitamente ao outro uma resposta, sem a qual a sua imagem se altera, transformando-se noutra. É isto que, porém, o jovem Freud explica à noiva: ‘Não quero, porém, que as minhas cartas fiquem sempre sem resposta e, se não me responderes, deixarei imediatamente de te escrever. Perpétuos monólogos a propósito de um ser amado conduzem a ideias erróneas que atingem as relações mútuas  e fazem de nós uns estranhos quando novamente nos encontramos e vemos as coisas diferentes das que, sem nos certificarmos,imaginávamos’» 



ROLAND BARTHES, Fragments d'un Discours Amoreux , 1977

(Barthes 1995 [1977]: 60)

A Carta e a Espera

Há uma carta que não me atrevo a ser o primeiro a escrever e porém espero que algum dia o faças. Uma carta apenas para os meus olhos. Talvez tu a escrevas e assim se mitigue a angústia da minha espera.


JAMES JOYCE (carta endereçada a Nora, 22 de Agosto de 1909).

vórtice suicidário

«(...) a esfera da criação artística ao universo da exercitação do desejo mediante um perturbante vórtice suicidário.»
És uma pessoa triste, e como eu próprio sou um tipo sumamente melancólico, presumo que o nosso amor seja ainda mais sombrio.

JAMES JOYCE (carta endereçada a Nora Barnacle, 1 de Novembro de 1909)

'microscópios linguísticos'

quarta-feira, 19 de março de 2014

ÁGUA DA MORTE

São humanos, meus rios.
A lua aberta, resignada tela.
Os dedos que desfio
Descidos de um terror de vidro frio
Desperdícios de luz e de cratera.

Mas tudo, ó verde planta da manhã,
Dor de seiva insistente sob a neve,

Estremece geométricos destinos.
Noite de multidões. Serpente de marés.
Água. Água de morte. Água de sinos.

Assim, velha montanha me levantas.
Assim, vou para ti, rastejo, quero.
Assim desfiro a nota vertical
Desespero animal do desespero.

E não proíbam mais o retrocesso
Ao real abandono.
Não enfeitem os arcos de mentiras
No triunfo do sono.

E não digam: - «Tem tudo. Que mais quer?»
Seca de névoa, a água horizontal
Quer a nascente para bem-morrer,
E a cada passo atrás desaparecer.
Água de Morte.
                          Bíblica Mulher.
Estátua de sal.
 
(«A Segunda Imagem»)




Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 238/9
«Sou mil milhões de partos
em que me dás a Dor.
O gelo dos teus actos
não pode ser amor.
A que reino pertenço?»



Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 237
«Mas eu que me encontre contigo,
e que eu me encontre comigo!»


Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 236

«O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.»
 
Sophia de Mello Breyner Andresen  Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 225
«Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta»
 
 
Sophia de Mello Breyner Andresen  Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 224
«Deixem-no sozinho, com olhos sombrios,
sofrer esse instante sem sonho e sem venda.»
 
 
Maria Manuela Couto Viana Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 213

Ensina-me a beijar as rosas, sem mordê-las

Maria Manuela Couto Viana Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 212

terça-feira, 18 de março de 2014


A ILHA DA GRANDE SOLIDÃO

(Excerto do poema)
..............................................................................................................

Altas horas acordo em sobressalto
na cabana de troncos mal cortados:
são uivos dos lobos e do vento,
misturados.
Um leve raspar de unhas na janela,
e lá vou eu, descalça e apavorada,
de candeia na mão,
abrir a porta a alguém
que entra, silencioso,
trazendo o vento, a noite, os lobos,
as aves assustadas,
e o fumo da giesta,
das estevas queimadas.
É um deus da Floresta.
É o deus da Floresta.
Depois, mais nada.
E embora o sonho se repita,
ano a ano,
jamais pude entender por que razão
eu me levanto
àquela hora morta
da ante-madrugada,
para lhe abrir a porta,
descalça e apavorada.
......................................................................................................................


Fernanda de Castro Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 190/1

segunda-feira, 17 de março de 2014

«fecha os olhos a todo o sofrimento
e terás feito a carne do teu verso.»

                                            («Daquém e Dalém Alma»)

«Daquém e Dalém Alma» (1935)

Medo

  Ouve o grande silêncio destas horas!
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos e não choras!
   As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloquência muda, apaixonada...
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras...
   O momento mais triste duma vida
é o momento fatal da despedida.
-Vê como o medo cresce em mim, latente...
   Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
- Vejo-te ainda e já te sinto ausente.


Virgínia Vitorino Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 183

Estonteante fome, áspera e cruel,

Florbela EspancaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 167

INGRATIDÃO

   Abri meu coração de par em par.
Dei-te um jardim de cravos e verbenas...
E quis que fosses rei, e foste apenas
um rei que nunca soube governar.
    Fui esfinge para mais te perturbar...
Em altitudes graves e serenas,
fiz perguntas, perguntas às centenas,
 - e nunca me soubeste decifrar!
   Fui um pouco de todas que conheces,
quis dominar-te eu só, quis que soubesses
como se aprende a amar uma mulher...
    Agora gostas doutra, e tanto, tanto!
Foi em mim que aprendeste a achar-lhe o en-
                                                                                       [canto
-E nunca mo soubeste agradecer!


Virgínia Vitorino Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 181
Um dia (sei-o bem)
os campos ficarão eternamente floridos

(...)



Mário Dionísio in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 346
(...)
«Minhas mãos escorregavam lentas...
Tu lentamente cedias
e os olhos eram poços fundos e escuros
na noite que descia.»


João José Cochofel in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 344

Tudo em ti era uma espera

João José Cochofel in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 344

Transfiguração

E os meus olhos rasgarão a noite;
E a chuva que vier ferir-se nas vidraças
compreenderá, então, a sua inutilidade;

E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;

E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;

E a mão alva que me apontava as noites
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;

E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste meu reino;

E todas as luzes que tresnoitarem os homens
apagar-se-ão;

E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;

E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virão festejar a paz em minha honra;

E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;

O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inútil cruz do martírio
se erguerá o pendão da vitória;

E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!



Fernando Namora in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 342/343

domingo, 16 de março de 2014

Donas de Casa

Algumas mulheres casam-se com casas.
É outro tipo de pele, tem um coração,
uma boca, um fígado e movimento de entranhas. As paredes são
permanentes e cor-de-rosa. Vejam como ela está ajoelhada
o dia todo, lavando-se fielmente de alto a baixo...
Os homens entram à força, atraídos como Jonas

para as suas mães carnudas.
Uma mulher é a sua própria mãe
e isso é o mais importante.



Anne Sexton
(trad. Maria Sousa)





 

Why do you come here ?
And why do you hang around ?
I'm so sorry
I'm so sorry

Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
Why do you telephone ? (Hmm...)
And why send me silly notes ?
I'm so sorry
I'm so sorry

Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
You had to sneak into my room
'just' to read my diary
"It was just to see, just to see"
(All the things you knew I'd written about you...)
Oh, so many illustrations
Oh, but
I'm so very sickened
Oh, I am so sickened now

Oh, it was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh, it was a good lay, good lay
Oh
Oh, it was a good lay
It was a good lay
Oh, a good lay
Oh, it was a good lay
Good lay, good lay
Oh
It was a good lay

 

NEVOEIRO

A névoa desce sobre a terra,
abraçada à noite.
Vejo, imprecisamente,
o casario e as luzes
da outra margem do rio.
Mais à direita, ao longe,
são já da névoa a praia, o mar.
Ouve-se apenas o ronco
do farol - um som molhado.
Para os lados dos pinhais,
anda a bruma a fazer medo
e a pôr mais pressa nos passos
de quem lhe quer fugir.
Não há luar, não há estrelas.
De novo, olho para o rio.

Não sei se o vejo:
anda a névoa, já, com ele
e os meus olhos dizem
o que é bruma, o que é rio.
E ela não para:
avança ao meu encontro,
cauta, subtil, insinuante...
Cerca-me.
E eu tenho, apenas
orvalho nas árvores do jardim,
gotas de água que se partem na alameda,
o ar húmido que me trespassa,
os cabelos encharcados
e pensamento de névoa...



Alberto de Serpa in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 324/5

7

- Porque esconder as lágrimas,
disfarçar a emoção que te cansa?

Fútil o motivo?
- Embora!

Chora, poeta,
chora como uma criança!



Saul Dias in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 325

sábado, 15 de março de 2014

VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA!

Viver sempre também cansa!

O sol é sempre o mesmo e o céu azul,
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica!
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros,
como máquinas verdes;

As paisagens também não se transformam!
Não cai neve vermelha!
Não há flores que voem!
A lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua!

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são homens!
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação!
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos;
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...

E obrigaram-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano,
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte!

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer, com teu sorriso
onde há um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã!
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela!»
E virias, depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a morte, ainda menina, no meu colo!

                                                                           Maio, 1931


José Gomes Ferreira in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 312/13

The Smoking Nuns, c. 1965

''(...)como se sente miserável e irado, muito irado, ainda irado''

“A vida é uma pocilga porque todos nós, sem excepção, acabamos as nossas vidas em lágrimas. Muito poucas pessoas morrem num acesso de histeria numa roda gigante”.

Morrissey

quinta-feira, 13 de março de 2014

Uma menina triste e sem afagos...

''luxúria da Morgue''


''rendas de gramíneas''

Passei a vida a amar e a esquecer...


Florbela EspancaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 164

«Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!»


Florbela EspancaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 162

(...)

«E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
     Porque és assim tão escura, assim tão
                                                                     [triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!
          Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!...Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!»


Florbela EspancaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 162

As lágrimas interiores choradas

Irene LisboaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 159
)

capisce?

barregã


nome feminino

antiquado pessoa que mantém uma relação amorosa com outra com a qual não é casada; amante, concubina, amásia


«E isto é a Conde Redondo em dia de todo o ano: uma rua empinada que leva à cadeia e ao manicómio Miguel Bombarda, a casas de passe, a quartéis e ao mais que há e não se vê. Boa merda tudo aquilo. O mundo é um grandessíssimo cadáver com moscas de vaivém para abrilhantar.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 34


demoiselle

Tête-à-tête

parolar

«(...) Um padre é pai, é Deus, é pecado, tudo duma assentada. Há gajas que não querem outro petisco.
    Otero: Você, Covas, só lê livros depravados.
    Elias: É.


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 20

quarta-feira, 12 de março de 2014

)

OLHAR

Límpidas serenidades de águas claras
com algas verdes, flutuantes, lentas,
em ondulações tenuíssimas e raras...
Desmaios da manhã, em claridade,
roçando, leve, a prata silenciosa
de um lago
vago....
Dormência funda; serena eternidade
como um sonho de esfinge misteriosa...
Ondas revoltas do mar
com cadáveres de naufrágios a boiar
de bruços, olhos mergulhados
e perdidos
na busca dos abismos desejados
e nunca conseguidos...


Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 292

o sabor entre os dentes dos sabores todos da noite

Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 287

Os cafés estão abertos nas casas como olhos que não podem ter sono

Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 286

MUNDO REMOTO

Noite opaca e impenetrável
noite que parece conter todos os caminhos
a possibilidade de todas as vitórias
os segredos de todas as interrogações
noite
                                     afinal pasmada e morta
                                                                                       inerte e gelada

noite enganosa
esfinge vazia que dá a treva como um sinal que parece
                       esperar-nos e é só indiferença
noite
                 flexível como um corpo de prostituta a estrear
dando-se como ela de sentidos ausentes
de sentidos fechados e fingindo

opaca e impenetrável
opaca e insensível
derramando névoas que empapam os olhos de sonho
afinal porta falsa para qualquer parte
varanda irreal sem Ocidente nem Oriente sem Norte nem
          Sul
afinal como um cenário pintado
muda e distante
                       alheia...

(...)



Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 283

INOCÊNCIA

Eu que procuro a paz e a detesto
que sonho as Babilónias, já sabendo
o cansaço que delas hei-de ter,
eu que tudo amo...e nada quero,
embora sempre em busca doutra coisa,
donde tiro ainda a força dos meus braços?



Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 277

terça-feira, 11 de março de 2014



« (...); o mais, animus conspirandi ou anus conspirandi, mais cu, menos cu, soa a conversa de um empata para jornais amestrados se rirem. Elias lá para ele sabe apenas que: houve intenção, mais nada. Alguém segredou à imprensa que desviasse o caso para crime comum, apresentando o major De Cuju como um viciado de rabo para a lua a ser estraçalhado por uma matilha de arrebenta-cus.»




José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 20
«Elias, em cima do lavrar da unha: Quando o sangue cheira a política até as moscas largam a asa.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 19

'gravata de luto'

a agonia lenta duma alma não minha.

Adolfo Casais Monteiro in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 277
)

«Sim;
Mordi bocas que choravam
Para de novo as morder;
Depois, um dia, casei
Pra mais vida conhecer.»


António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 270

bibliófilo


« - Numa lágrima
Dizia
O meu passado e o meu presente.»

António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 269
(...)

Anoitece nos meus olhos.

- Se vens falar-me d'amor,
vê lá bem se isso é verdade.»


António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 265

OBSCURA PALAVRA DO DESERTO

"Em cada um de nós, dizia ele, há um livro que nos transforma em vocábulos, como o sangue se reforma no sangue. A cada palavra, a cada vocábulo corresponde um baque de coração.
O preço do livro é o preço de uma aliança."



Edmond Jabés. A Obscura Palavra do Deserto.

segunda-feira, 10 de março de 2014

PAÍS DA MAGIA #2



"Até neste país de magia será necessário as cidades que realmente me atraem mostrarem-se insuportáveis? Eu irritava-me, ficava como doido, lamentava já não ser criança para ter o direito de gritar, chorar, bater o pé, queixar-me a alguém. O que fazer?
Só ouvia reclamações:
Telefonaram-te. Acabam de te telefonar (ou devo dizer telecomunicar?). Obrigaram-te a voltar a telefonar... Isto o que significa?... Por que não respondeste?
Porque não podem conceber que se não entendam as mensagens ocultas, não leiam nas paredes palavras em maiúsculas, três vezes sublinhadas."

 


"No País da Magia"
Henri Michaux 
«De facto, a minha aparência é algo medonha, mas censurar-me é censurar a Deus. Pudesse eu recriar-me novamente, não te decepcionaria. Pudesse eu abarcar o mundo de pólo a pólo ou abraçar o oceano num amplexo, seria medido pela minha alma, a base da mente do homem.»





Poema de Isaac Watts com que Joseph Merrick terminava as suas cartas.

The Elephant Man: A Study in Human Dignity


Licambas - “lobo andante”

A raposa incendiou o ninho da águia, depois que esta, passando-se por sua amiga, lhe comeu as crias.

(Aesop. fab. I. 1 Hausrath e Archil., frr. 172-181 W.)
«o valor da palavra que, eficazmente manipulada, fere mais do que espadas e mata mais do
que os venenos mais mortíferos.»

... mas uma grande sabedoria eu possuo:
a quem me faz mal, responder com terríveis injúrias.


(Archil. fr. 126 West)
Coração, ó coração, por males sem remédio derrubado,
ergue-te! Defende-te dos inimigos, opondo-lhes um peito
adverso, firme suportando as ciladas dos que te são hostis!
Se venceres, em demasia não rejubiles,
nem, vencido, em casa te deites em pranto.
Alegra-te antes com as alegrias, dói-te com as tristezas,
sem exagero. Aprende bem o ritmo que domina os homens.



Arquíloco, (frg. 128 W.)

carpe diem

 «A solução única reservada aos homens é a fruição do momento – que Horácio haveria de formular magistralmente na máxima do carpe diem –, seja pelo envolvimento amoroso, pelo degustar de um bom vinho ou mesmo pelo prazer de uma borracheira menos contida.»
Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram.
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas,
em tempos ligeiras na dança, como pequenas corças.
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer?
alguém que não envelhece é algo que não pode existir.

Safo
Nós somos como as folhas que cria a florida estação
da Primavera, quando crescem depressa sob os raios do sol.
Como elas nos deleitamos num braço de tempo com as flores
da juventude, sem sabermos o que de mau ou de bom
nos virá dos deuses. Mas as negras Desgraças estão
ao nosso lado: uma delas segura o desfecho da áspera velhice;
a outra, o da morte. O fruto da juventude é tão breve
quanto é o tempo de o sol se espalhar sobre a terra.
Porém quando passa este fim de estação,
melhor do que ficar vivo é morrer logo.

Mimnermo

sintomatologia amorosa


«Num epodo de Arquíloco, publicado apenas em 1973 (frg. 196a W.)7 o sujeito seduz uma jovem, comparada a uma cerva, em campos verdejantes e odoríferos, terminando por sossegá-la e quase consumar o acto sexual (vv. 42-53):

Tais foram as minhas palavras. Tomei então a donzela
            e num leito de flores
            a estendi. Com sedoso manto
a cobri e o seu colo rodeei com meus braços,
            acalmando o seu sobressalto,
            tal como uma cerva ...
Os seus seios gentis com as mãos acariciei:
            tenra brilhava a sua pele,
            feitiço da sua juventude .
Todo o seu belo corpo percorri
           e então libertei o branco vigor,
           ao toque dos seus louros cabelos?


Cântico dos Cânticos (II. 8-13)

«Na literatura grega, a imagem mais comum é a do homem (identificado com o poeta) que persegue a sua presa por campos verdejantes, desejando tão só a consumação do amor. Ela foge, mas sabem ambos que a própria fuga é um esquema para aumentar o desejo e dar mais prazer ao encontro, que no fim se revelará inevitável.»


J. Tolentino Mendonça 21999: 12 refere já o paralelo com os textos do Papiro Harris 500 e do Papiro Chester Beatty I.
Imortal Afrodite do trono variegado,
filha de Zeus, urdidora de enganos, suplico-te:
com sofrimentos e angústias não subjugues,
ó rainha, o meu coração
(...)


Vem até mim, agora também! Salva-me da aflitiva
ansiedade; e para mim faz cumprir tudo o que
meu coração deseja ver cumprido; e tu própria
combate a meu lado.
o que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem.

frg. 1 W. de Mimnermo (vv. 1-2)

"É preciso pensar sobre este ponto: a vitória do invisível não brilha."

Pascal Quignard

BUCÓLICA

Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo.
De só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra.

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã.
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvalação do corpo.



"A Lume"
Luiza Neto Jorge 

«Queria falar e gaguejava.»

''recorreu à tabuada dos dedos''


«Ela reunira toda a coragem de muitos meses nesse comentário e ficara aturdida e ruborizada. Ninguém poderia conseguir que ela repetisse tal heroísmo.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 40

domingo, 9 de março de 2014



«Vira tudo isso tantas vezes, entusiasmos e desalentos, e de tal modo misturados, que compreendera de uma vez para sempre que o marido só poderia sentir-se feliz com uma existência em que esses sentimentos se alternassem. Ela já evitava acompanhá-lo nas miragens e nos fracassos.»



Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 38

O BELO VERSO




Apetecia-me escrever um belo verso.
Sonoro, elegante, correcto, de mármore!
Nele pôr o que outros me inspirassem.
O que ali aquele poeta estava cantando.
Ele o cantava e eu o repetia.
Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha

                                         [ansiedade.

Mas verso bem feito!
Cheio do que se sonha, não do que se sente.
Parece-me pobre o que sinto.
E vulgar.
Estes olhos que sem querer se envidraçam,
                  [fúteis, sem recato, infantis, esta
                  [voz insegura, enfim, tudo isto...
Que figura iriam fazer dentro de um verso ele-
                 [gante, lapidar?
Belo verso, trair-te-iam, roubar-te-iam toda a
               [graça e até a ressonância, o êxtase
               [e aquela espécie de embalo que ao
               [espírito sempre dás.
Mas sinceramente me apetecia escrever um
                               [verso de mármore belo!
Tudo, tudo por causa daquele poema...»



Irene LisboaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 157

O teu corpo é o meu corpo, 1996


página da artista: ver aqui

"a última romântica"

«Já não sou, meu amor, o que tu amas.
- Esse a quem deste as tuas mãos leais
- Há tempos que morreu! - não volta mais:
Veio o Diabo e atirou-o às chamas!»


António de Sousa in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 221

ESTRELA

Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar 
é entristecer
sem corrompermos
nada.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 192

LÁGRIMA


  A cada hora
o frio
que o sangue leva ao coração
nos gela como o rio
do tempo aos derradeiros glaciares
quando a espuma dos mares
se transformar em pedra.

Ah no deserto
do próprio céu gelado
pudesses tu suster ao menos na descida
uma estrela qualquer
e ao seu calor fundir a neve que bastasse
à lágrima pedida
pela nossa morte.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 179
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