segunda-feira, 17 de março de 2014

Transfiguração

E os meus olhos rasgarão a noite;
E a chuva que vier ferir-se nas vidraças
compreenderá, então, a sua inutilidade;

E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;

E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;

E a mão alva que me apontava as noites
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;

E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste meu reino;

E todas as luzes que tresnoitarem os homens
apagar-se-ão;

E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;

E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virão festejar a paz em minha honra;

E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;

O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inútil cruz do martírio
se erguerá o pendão da vitória;

E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!



Fernando Namora in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 342/343
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