quarta-feira, 19 de março de 2014

ÁGUA DA MORTE

São humanos, meus rios.
A lua aberta, resignada tela.
Os dedos que desfio
Descidos de um terror de vidro frio
Desperdícios de luz e de cratera.

Mas tudo, ó verde planta da manhã,
Dor de seiva insistente sob a neve,

Estremece geométricos destinos.
Noite de multidões. Serpente de marés.
Água. Água de morte. Água de sinos.

Assim, velha montanha me levantas.
Assim, vou para ti, rastejo, quero.
Assim desfiro a nota vertical
Desespero animal do desespero.

E não proíbam mais o retrocesso
Ao real abandono.
Não enfeitem os arcos de mentiras
No triunfo do sono.

E não digam: - «Tem tudo. Que mais quer?»
Seca de névoa, a água horizontal
Quer a nascente para bem-morrer,
E a cada passo atrás desaparecer.
Água de Morte.
                          Bíblica Mulher.
Estátua de sal.
 
(«A Segunda Imagem»)




Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 238/9
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