Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul,
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica!
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros,
como máquinas verdes;
As paisagens também não se transformam!
Não cai neve vermelha!
Não há flores que voem!
A lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua!
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são homens!
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação!
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos;
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigaram-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano,
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte!
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer, com teu sorriso
onde há um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã!
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela!»
E virias, depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a morte, ainda menina, no meu colo!
Maio, 1931
José Gomes Ferreira in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 312/13