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segunda-feira, 14 de julho de 2014

«Mas, num ímpeto, ela puxou-lhe a espingarda das mãos. E, antes que ele pudesse tomar consciência do que se passava, um estampido vermelho reboou na serenidade da manhã e a burra oscilou sobre o piso orvalhado. A burra fez ainda um esforço para erguer as patas traseiras, mas, gemebunda, logo voltou a cair sobre os joelhos. Um dos seus olhos estava estilhaçado e dele corria uma nódoa quente no chão da courela. A nódoa foi alastrando, abrindo nervuras na terra negra. Já não era sangue da besta. Era a courela que gemia um suor de agonia, um suor de sangue. E nem um vento áspero, esse vento emigrado das montanhas do Norte, faltou ali para lhe enrugar a superfície viscosa e coagulada.»



Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 246
«Vieirinha já não o escutava: fechara-se em melancolia. A sua face era a de um velho. Estava exausto e ausente como um velho. Mas as suas palavras reboavam ainda nos ouvidos do Loas, atiravam-no para um abismo de problemas. Lutar consigo. As palavras do Vieirinha avolumavam-se, inchavam, começando a afogueá-lo. Mas, por obscuras que parecessem, essas palavras representavam uma lúcida revelação.»
 

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 231
« - Um homem deve fazer perguntas, compadre. Um homem não deve consentir que outro qualquer, homem ou Diabo, lhe deixe a boca fechada.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 225

mastigando as lágrimas

«Bem o sabia. E, mastigando as lágrimas, para que elas não fossem  explodir, pôs-se a pensar na terra como se nada mais lhe restasse, como se a sua terra fosse apenas cor, folhas, árvores, e a nostalgia do passado apenas a saudade de um bosque, a nostalgia de uma cor.»



Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 224
«Poeira, secura, solidão. E por toda a parte o odor quente do trigo, espesso e lascivo, fundindo-se com o mofo daquelas terras onde os restolhos apodreciam até que o arado, na próxima sementeira, os sepultasse no subsolo. E também os pensamentos mergulhavam nesse charco, sem que um vendaval, chuva, serras, árvores, vento, os revolvesse e tornasse límpidos. Joana, fugindo da charneca, fugindo do trigo, fugia dos seus pensamentos estagnados.»

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 221

«Levantou-se subitamente, com os olhos orvalhados, e escondeu-se em casa para chorar à vontade.»

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 204
«E apetecia-lhe estoirar o cérebro e ao carne de encontro às pedras, às árvores, aos astros, de encontro a alguma coisa, ainda não identificada, onde se devia acoitar o responsável da sua desgraça. Loas semicerrou os olhos a esse pensamento capcioso, lento, terrível. Todo ele se encolheu, de pêlos eriçados, como um bicho à espreita do assalto de outro bicho. Que sentia no seu cérebro? Sonho, génio, loucura - apenas tragédia? Havia nele uma zona obscura e esquiva, que afinal temia explorar, um inacessível inferno donde brotavam lavas, clarões fugazes, iluminando-lhe o pensamento para o logo escurecer. Donde partira a sua desgraça?»



Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 198
«Depois dos dias incertos de Outono, nuvens esparsas correram de todos os lados do horizonte, fechando o céu num cinzento pesado e definitivo - e, então, a chuva persistiu durante semanas. Às vezes diminuía para ser apenas nevoeiro, uma poalha húmida, outras vezes corria torrencialmente, arrasando as belgas. Nas madrugadas, a geada encaramelava os alqueives e Barbaças era dos que iam apanhar as lebres na cama, atordoadas da invernia.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 187
«Manhã cedo, Loas encaminhou-se para o interior da charneca, lá onde os montados areentos, às vezes com a giesta da altura de um homem, isolavam os casais do resto do mundo. Quem sabe se o albardeiro se teria ali refugiado? Os camponeses ficavam a meia porta, ou no escuro dos postigos, assim que o Loas, no seu passo irritadiço, desafiando os ladros dos cães, lhes surgia por entre os silvados. Um albardeiro? Sim, andara por aí um homem com uma albarda às costas, mostrando-a a toda a gente, mas não tinha cara de ladrão.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 183
«As árvores já húmidas do Outono friorento balouçavam docemente no entardecer, pelas folhas corria um frémito que os ouvidos percebiam como um arrepio. Loas abria as narinas e esse aroma de erva molhada, de seiva que brotava da terra. A terra exalava a plenitude de um ventre fecundado.»
 

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 182
«Loas parecia satisfeito, mas logo os seus olhos claros procuraram a inspiração das distâncias. As pessoas da courela tinham razões para temer esse olhar que se estendia pela charneca, que ultrapassava a charneca, que fugia das coisas próximas e concretas, perdendo-se num mundo interdito.»

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 181
«Por essa altura vieram as primeiras chuvas. Inopinadamente, no céu liso, formavam-se nuvens espessas, acastelando-se umas sobre as outras, e logo a trovoada se desfazia com a rapidez que começara. Na terra ardente, as grossas gotas de chuva deixavam cicatrizes, com o cheiro de carne queimada. »

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 173

«Que precisava um homem para ser feliz? A vila estava pejada de homens que nasciam e morriam de mãos vazias e de outros que nasciam e morriam num permanente fastio de já nada terem para desejar.»

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 158

sexta-feira, 27 de junho de 2014

«A boca violácea de D. Quitéria cobriu-se de espuma e a pele encarquilhada do rosto estremeceu de indignação.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 158

«E o homem fechou-se num mutismo agressivo.»

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 149
    «Depois, a mulher, com a solicitude de quem cuida de um filho, tomou a iniciativa de lhe esfregar as costas menos acessíveis e mais renitentes. Barbaças, vendo-a assim acocorada a seus pés, humilde e carinhosa, manifestando nesse servilismo toda a sua gratidão, sentiu que lhe era necessário praguejar ou fazer qualquer coisa por onde se escoasse tamanha felicidade.»
 

Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 138

«(...) desfez-lhe a rigidez dos braços com um abraço insaciável.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 112

quarta-feira, 14 de maio de 2014

«Sentia em si paz e brandura, tal como das vezes em que, depois de um ano inteiro de fome angustiada, acaba de possuir uma mulher.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 100
  «Loas respondeu-lhe com um olhar estranhamente suave. Olhar sem animosidade e sem compaixão: liso como um lago nas madrugadas de Estio.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 100

« Ninguém poderia suspeitar a tempestade que, no seu íntimo, o ia transformar noutro homem.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 99
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