«Mas, num ímpeto, ela puxou-lhe a espingarda das mãos. E, antes que ele pudesse tomar consciência do que se passava, um estampido vermelho reboou na serenidade da manhã e a burra oscilou sobre o piso orvalhado. A burra fez ainda um esforço para erguer as patas traseiras, mas, gemebunda, logo voltou a cair sobre os joelhos. Um dos seus olhos estava estilhaçado e dele corria uma nódoa quente no chão da courela. A nódoa foi alastrando, abrindo nervuras na terra negra. Já não era sangue da besta. Era a courela que gemia um suor de agonia, um suor de sangue. E nem um vento áspero, esse vento emigrado das montanhas do Norte, faltou ali para lhe enrugar a superfície viscosa e coagulada.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 246