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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Mas talvez a tua pessoa se tenha
transformado numa espécie de ar de
neve, que entra pela janela que torna-
mos a fechar, tomados de arrepios
ou de um mal estar prenúncio de drama,
como me aconteceu há semanas atrás. O frio
concentrou-se-me de súbito nos ombros
cobri-me precipitadamente e afastei-me
quando eras tu talvez e o mais quente
que podias mostrar-te, à espera de
ser bem acolhida; tu, tão lúcida, já
não conseguias exprimir-te de outra
maneira.


Henri Michaux
Nós dois ainda
Bonecos Rebeldes, 2009
Tradução de Rui Caeiro

segunda-feira, 10 de março de 2014

PAÍS DA MAGIA #2



"Até neste país de magia será necessário as cidades que realmente me atraem mostrarem-se insuportáveis? Eu irritava-me, ficava como doido, lamentava já não ser criança para ter o direito de gritar, chorar, bater o pé, queixar-me a alguém. O que fazer?
Só ouvia reclamações:
Telefonaram-te. Acabam de te telefonar (ou devo dizer telecomunicar?). Obrigaram-te a voltar a telefonar... Isto o que significa?... Por que não respondeste?
Porque não podem conceber que se não entendam as mensagens ocultas, não leiam nas paredes palavras em maiúsculas, três vezes sublinhadas."

 


"No País da Magia"
Henri Michaux 

quarta-feira, 19 de maio de 2010

« (...) em 1932 Michaux escreve a seu editor dizendo que não compreendia mais francês. Quase 20 anos depois, em 1950, o poeta escreve novamente: "Le français m'est devenu à moitié étranger, culotté, outrecuidant presque. Je ne suis plus à sa hauteur." (ROGER, 1998: 76)
Como sublinha Jérôme Roger, é contra o dogma da clareza da língua francesa, de sua sintaxe incorruptível, de sua lógica perfeita que Michaux pretende fazer dela um outro uso, instaurando um novo modo de estar na língua. O autor experimenta então uma sintaxe esgarçada, dilatada, e chega a criar um léxico próprio, tornando-se uma espécie de estrangeiro em sua própria língua. Pois não é exatamente isso que propõe Gilles Deleuze e Claire Parnet numa passagem muito comentada do livro Dialogues? "Nous devons être bilingues même en une seule langue, nous devons avoir une langue mineure à l'intérieur de notre langue, nous devons faire de notre propre langue un usage mineur." (Deleuze, 1977: 11)

Izabela Guimarães Guerra Leal. Doze nós num poema: Herberto Helder e as vozes comunicantes.Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008., pp. 100

quinta-feira, 29 de abril de 2010

*



J´étais un foetus.
Ma mère me réveillat quand il lui arrivait de penser à M. de Riez.
En même temps, parfois se trouvaient éveillés d´autres foetus, soit de
mères battues ou qui buvaient de l´alcool ou occupées au confessional.
Nous étions ainsi, un soir, soixante-dix foetus qui causions de ventre à
ventre, je ne sais trop par quel mode, et à distance.
Plus tard nous ne sommes jamais retrouvés.
J´étais une parole qui tentait d´avancer à la vitesse de la pensée.
Les camarades de la pensée assistaient.
Pas une ne voulut sur moi tenir le moindre pari, et elles étaient bien là
six cent mille qui me regardaient en riant.



Eu era um feto.
Minha mãe me despertava quando chegava a pensar no Senhor de Riez.
Ao mesmo tempo, às vezes outros fetos acordavam, filhos de
mães espancadas ou que bebiam álcool ou ocupadas no confessionário.
Uma noite, éramos em torno de setenta fetos que conversavam de ventre a ventre, e à distância, não sei muito bem de que maneira.
Nunca mais voltamos a nos encontrar.
Eu era uma palavra que tentava avançar à velocidade do pensamento.
As companheiras do pensamento assistiam.
Nenhuma quis fazer a menor aposta em mim, e elas eram mais
de seiscentas mil, que me observavam, rindo.


Henri Michaux. Publicação na ZUNÁI - Revista de poesia & debates. Trad. Daniela Osvald Ramos.
Le temps plus propice pour naître
n´était pas
n´est pas aujourd´hui


La Tour de la Mort s´élève
se voit déjà de partout
n´aura pas sa pareille

En un cercle, un cercle immensément large
des cycles s´achèvent
Des victimes sans tarder, seront là, présents.
Simultanéité toujours si remarquable
des sacrifiés et des armés.


*

O tempo mais propício para nascer
não era
não é hoje

A Torre da Morte se ergue
já se vê de todos os lugares
não haverá semelhante

Em um círculo, um círculo imensamente amplo
os ciclos acabam
As vítimas estarão lá, sem tardar, presentes.
Simultaneidade sempre tão notável
dos sacrificados e dos armados.


Henri Michaux. Publicação na ZUNÁI - Revista de poesia & debates. Trad. Daniela Osvald Ramos.
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