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quinta-feira, 25 de dezembro de 2014


«FILIPE - A minha mulher não perde nunca uma ocasião de me colocar mal.
A CONSCIÊNCIA DE FILIPE - Não reparaste que envelheceu de repente, como se a asa da morte a tivesse tocado?
FILIPE - Sempre foi uma histérica, uma exagerada que já teve de ser internada duas vezes.»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 60

«PAULA - Ah, não, desta vez não conseguirás intimidar-me!
A CONSCIÊNCIA DE PAULA - Porque tremes então? Estás pálida, exausta, envelheceste desde ontem.
PAULA - Admiras-te? Nunca me deste um momento de liberdade, detestas que seja feliz!
A CONSCIÊNCIA DE PAULA - Chamas felicidade a essa inquietação, a esse mal estar, a essa espécie de desejo triste?
PAULA - Gosto dele e ele gosta de mim.
A CONSCIÊNCIA DE PAULA - Bem sabes que não é bastante.
PAULA - Talvez, mas estava farta, farta de silêncio e de solidão!
A CONSCIÊNCIA DE PAULA - Saiste de casa sem dizer uma palavra, sem deixar, sequer, duas linhas a despedir-te.
PAULA - A despedir-me de quem? A quem tenho de dar satisfações?
A CONSCIÊNCIA DE PAULA - A mim, pelo menos.»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 44/5

«FILIPE - Imaginei-te tanto, sonhei-te tanto, que não te realizo ainda na terra, mas no espaço, como um pássaro no céu...E tenho medo que as asas te cresçam e que fujas da gaiola, de todas as gaiolas...

PAULA - Não tenho asas, meu pobre Filipe...Se fugir é a pé, que é como quem diz de comboio ou de camionete.

FILIPE - (apertando-a nos braços e beijando-a) Vês como é bom rir, dizer tolices?»



Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 39/40

«FILIPE - (furioso) Cuidadinho, Francisca, a paciência tem limites! Se não podes estar calada, vai para a cozinha e fala com os tachos e com as panelas! Ouviste?»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 36

«PAULA - Tenho medo, Filipe...medo de acordar amanhã com mais uma amargura, mais uma repugnância, e náusea de ti e de mim...Já não sei o que digo, tudo se confunde na minha pobre cabeça. Perdoa, mas nada posso contra esta horrível sensação...Tenho medo, medo da noite, medo do silêncio, medo das sombras...

FILPE - (pegando-lhe na mão e levando-a como uma criança) Vamos, amanhã já não haverá sombras.»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 26

FILIPE - Cuidado a ferida é ainda recente, não a faças sangrar.


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 25

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014


PAULA - Ah, como seria maravilhoso esquecer, fechar a memória à chave e deixar cair a chave no fundo do lago! Mas tenho na cabeça um relógio que não pára, que constantemente dá horas...Horas de pensar, horas de lembrar, horas de sofrer...(passa a mão pela cabeça e pelos olhos) Estou cansada. Nunca vi uma noite assim, toda branca e azul.
FILIPE - (pegando-lhe na mão) Tens as mãos frias...



Fernanda de Castro. A espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 11

domingo, 20 de julho de 2014

MANUEL DA SILVA
 
   Tinha-se-te metido na cabeça que, se fechasses os olhos, nunca mais os poderia abrir e, durante dezassete dias e dezassete noites, ninguém teve um momento de sossego nesta casa.
 
LEONOR
 
  E afinal, graças a Deus, tens adormecido e acordado centenas de vezes desde então ... (Um pequeno silêncio.)
 
 
Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 39
MANUEL SILVA
 
   A tua mãe adorava-te, estava sempre a temer que um sopro te levasse...Quando eras pequeno, tinhas um feitio infeliz... Não sabias brincar como as outras crianças e choravas em silêncio, como um homem. Foi tudo isto, com certeza, que a inquietou e lhe deu ideias absurdas...No fundo, creio que tinha pena de ti por ver que sofrias, como ela, dum excesso de sensibilidade. Como vês, nada disto tem a mínima importância.
 
 
Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 38/9

«A tua única doença é a imaginação. Essa é que precisa de regime e de médico assistente...»

Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 37
«...És por natureza um nevropata, um exaltado, e a verdade é que fazes tudo para agravar esta característica do teu temperamento.»


Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 13

«Sou caprichosa, exigente, inadaptável;»

Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 25
ISABEL

   Enganas-te: ficou também um certo cansaço, um certo mal-estar, que, apesar de tudo, nos separa. Estou farta de combater eternamente os seus demónios, aquele gosto do sofrimento que é para ele uma espécie de segunda natureza. Tu bem sabes que detesto complicações, que só tenho uma ambição na vida: ser feliz, viver simplesmente, sem histórias, sem dramas. Ele, pelo contrário, adora a tragédia, as discussões inúteis, as reconciliações momentâneas que não remedeiam nada. Ah, Clara, estou farta, farta!




Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 15
ISABEL

  Pois bem, seja! Aliás, o que tenho a dizer-te é muito simples: o teu irmão está doido, completamente doido!

CLARA

Isso já nós sabemos há muito. E depois?

ISABEL

Depois?! Achas que é pouco?!

CLARA

 A loucura dele é mansa...No fundo, não é capaz de fazer mal a uma mosca


Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 13

segunda-feira, 17 de março de 2014

«fecha os olhos a todo o sofrimento
e terás feito a carne do teu verso.»

                                            («Daquém e Dalém Alma»)

«Daquém e Dalém Alma» (1935)

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