segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Canções de uma noite de Outono

I


Na longa noite, gota a gota, cai a água na clepsidra,
       as nuvens finas, dispersas, deixam passar o luar.
Escondidos, os insectos de Outono inundam de canções o ar.
      Não chegou ainda a roupa de Inverno, oxalá a geada não
                                                                       [comece a cair.

II

Brilhante a acácia na lua, suave o orvalho de Outono,
      ela não despiu a túnica de seda leve.
Rasga a noite, dedilhando a lira de prata,
     perturbada, não deseja o regresso ao quarto vazio.




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 37

A leste das montanhas, recordando meus irmãos

Solitário, estranho em terra estranha,
      em dia de festa, mais viva a saudade dos meus.
Eu sei, lá longe, meus irmãos subindo ao alto,
      levando, cada um, um ramo de abrunheiro.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 34

Inscrição jovial numa pedra

Os seixos bonitos na nascente cristalina,
         um ramo de salgueiro pincelando,
ao de leve, a minha taça de vinho.
        Se o vento da Primavera
ignora o sentir de um coração
        porque sopra para mim as pétalas da flor?




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 31

' (...) após contemplar um quadro de Wang Wei, Su Dongbo escreve:'

'' Ele ultrapassou todos os limites, tem as asas de um imortal que paira por cima da gaiola.[...] Olhei um dos quadros, longamente. Retirei-me em silêncio, incapaz de pronunciar uma palavra.''

Su Dongbo in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 23
(...)

Eis aqui o lago Longting,
         mais além a trança prateada de um ribeiro.
O vento suspira na copa das árvores,
         as nuvens amontoam-se num tropel.
Será que o pescador, remando solitário,
        Vai encontrar abrigo, antes de anoitecer?



Du Fu in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 22

Ervas sobre a planície antiga: uma canção de despedida

Aqui e ali, surgem ervas na planície,
Em cada ano morrem e renascem.
Fogos selvagens queimam-nas, não as matam,
Com o vento primaveril, ei-las outra vez!
A fragrância, longínqua, perfuma a via antiga:
Um feixe de esmeraldas nas velhas ruínas.
É tempo, outra vez, de dizermos adeus,
E do senhor que parte se despedem elas.

Bai Juyi

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ESTRAGON     Há quanto tempo é que estamos juntos? 
VLADIMIR       Não sei. Talvez há cinquenta anos.
ESTRAGON     Lembras-te do dia em que me atirei ao rio
                          Ródano?
VLADIMIR       Andávamos nas vindimas.
ESTRAGON     Foste tu que me tiraste lá de dentro.
VLADIMIR       Isso já está morto e enterrado.
ESTRAGON     As minhas roupas secaram ao sol.
VLADIMIR       Não penses mais nisso. Anda.
                          Arrasta-o consigo. Como antes.
ESTRAGON     Espera.
VLADIMIR       Estou com frio!
ESTRAGON     Espera! (Afasta-se de Vladimir.) Não sei se
                          não estaríamos melhor sozinhos, cada um
                          para o seu lado. (Atravessa o palco e senta-se
                          no monte de terra.) Não fomos feitos para o
                          mesmo caminho.
VLADIMIR       (sem se ofender) Vai-se lá saber.
ESTRAGON      Pois é, nunca se sabe.
                           Vladimir atravessa o palco lentamente e
                            senta-se ao lado de Estragon.
VLADIMIR         Se achas que é melhor, podemos sempre se-
                            parar-nos.
ESTRAGON       Agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
VLADIMIR         Pois, agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
ESTRAGON       Então, vamos embora?
VLADIMIR         Vamos.
                             Não se mexem.
 

Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.73

Ternura deslocada

 
  Plutarco na sua vida de Sólon, nota que a grande maioria das pessoas cujos corações estão quer por natureza quer por artifício fechados aos sentimentos ternos inspirados por afectos de qualquer espécie foi observada a conceder os seus sentimentos a objectos absolutamente indignos e desprezíveis. Esta teoria pode ser adequadamente ilustrada e confirmada pelos que amam apaixonadamente animais e raramente ganharam reputação de filantropos; e embora este não passe de um leve assunto de especulação, ainda assim oferece tantos exemplos que não deveria passar despercebido num trabalho que professe tratar não tanto de questões sérias quanto de questões leves de um modo sério.
   Lord Lytton, citando M. Georges Duval, diz-nos que a afeição por animais era um traço distintivo dos heróis sangrentos da Revolução Francesa. Couthon, ouvimos, estava grandemente preso a um spaniel que invariavelmente levava ao colo para a Convenção; Chaunette devotava as suas horas vagas a um aviário; Founier levava aos ombros um esquilo preso por uma cadeia de prata; «Panis mostrava a maior ternura por dois faisões dourados; e Marat, que não descontaria uma das três mil cabeças que pedia, criava pombas.» Billaud, diz Lord Macaulay, entretinha as horas solitárias dos seus últimos dias ensinando papagaios a falar.
   «A propósito do spaniel de Couthon, Duval dá-nos uma anedota divertida de Sergent, um dos não menos implacáveis agentes do massacre de Setembro. Uma senhora veio implorar a sua protecção para um dos parentes dele encarcerado na Abbaye. Quase não condescendeu em falar à senhora. Quando em desespero ela se retirava, pisou por acidente a pata do favorito spaniel. Sergent, voltando-se, enraivecido e furioso exclamou, 'Senhora, não tendes humanidade?'»
  Desumanidade com os humanos e humanidade com os animais num coração feminino (em que estes sentimentos contraditórios muitas vezes se encontram) é descrita no seguinte estilo por Mme Rieux: «Há certas mulheres que têm coração apenas para as bestas. O macaco da marquesa de ...mordeu tão perigosamente o braço de uma das suas criadas que se teve receio mesmo pela sua vida. Embora a marquesa ralhasse com o macaco e o proibisse de morder tanto outra vez, tiveram, contudo, de cortar o braço à criada. Alguns dias depois da sua cura, vendo a marquesa que não podia prestar os mesmos serviços que dantes, despediu-a prometendo que tomaria conta dela. Sendo censurada pela desumanidade deste acto, respondeu mal-humorada 'Mas que queriam que fizesse com aquela criada? Ela só tinha um braço.'»
   Umas linhas de juvenal podem servir de pendant a esta história:
«Um animal ocupa invariavelmente o primeiro lugar no coração de uma mulher que não ama nem o seu amante nem o seu marido. E a vida destes valeria muito pouco se o sacrifício dela salvasse a existência do seu cão, do seu gato ou da sua ave.»
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 157/8
(...)
 
O veado encantado (o veado enfeitiçado) é o grande aterrador da imaginação simples dos camponeses na Grécia. É uma espécie de poder divino cheio de terrores sagrados. Traz a cruz nos galhos e o crescente (a Lua) no corpo; quando se abana as montanhas e os campos tremem; com as patas arranca as árvores; a alta voz é re-ecoada pelos mais altos picos das montanhas:
 
«Tem uma cruz nos galhos e uma lua no seu dorso.
Treme e tremem as montanhas, treme e tremem as planícies.
Ao mexer as suas patas muitas árvores arranca.
Falou com a voz aos guinchos, gemem as montanhas, ladeiras:
'Aqui onde cinco nem pisam e dez não atravessam,
Que procuravas sozinho armado e indo a pé?'»
 
       As tradições relacionadas com este veado são muito antigas e datam da era bizantina.
       Insectos encantados encontram-se aqui e acolá na Grécia. Existe uma lenda coríntia que descreve uma elevação escarpada entre Xylocastrum e Zura na qual um enxame de abelhas tinha estabelecido sua morada. Ninguém a não ser um destemido viajante tentou apanhar o mel dessa colmeia. Mandou que o baixassem com uma longa corda; contudo, no mesmo instante em que o baixaram uma extensão considerável foi visto contocer-se debaixo das maiores torturas pensando que a corda era uma cobra que procurava enredá-lo no seu abraço mortal. Incapaz por fim de suportar a tortura mental puxou da faca, cortou a corda e perdeu-se no abismo.
     Uma abelha vermelha encantada crêem os de Rodes que entra no quarto dos homens ou mulheres moribundos precisamente uma hora antes que eles ou elas expirem; e os de Samos falam das abelhas que fixam residência na casa do perjuro com um ruído inaudível a quaisquer outros ouvidos.»
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 154
«O semblante do primeiro Satã era de um sexo ambíguo, e havia
nas linhas do seu corpo a molície dos antigos Bacos. Os belos
olhos lânguidos, de cor tenebrosa e indecisa, assemelhavam-se
a violetas carregadas, ainda, das pesadas lágrimas da
tempestade(...).
Fitou-me com os seus olhos inconsolavelmente aflitos (...) e
disse-me em voz cantante:
– Se quiseres, se quiseres, eu te farei o soberano das almas, e tu
serás o senhor da matéria viva, ainda mais do que o escultor o
pode ser da argila; e conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres em
outrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua.»


Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.

“quando piove col sole il diavolo fa l’amore”

Provérbio italiano

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Asking for Roses

A HOUSE that lacks, seemingly, mistress and master,
With doors that none but the wind ever closes,
Its floor all littered with glass and with plaster;
It stands in a garden of old-fashioned roses.
I pass by that way in the gloaming with Mary;
'I wonder,' I say, 'who the owner of those is.
'Oh, no one you know,' she answers me airy,
'But one we must ask if we want any roses.'
So we must join hands in the dew coming coldly
There in the hush of the wood that reposes,
And turn and go up to the open door boldly,
And knock to the echoes as beggars for roses.
'Pray, are you within there, Mistress Who-were-you?'
'Tis Mary that speaks and our errand discloses.
'Pray, are you within there? Bestir you, bestir you!
'Tis summer again; there's two come for roses.
'A word with you, that of the singer recalling--
Old Herrick: a saying that every maid knows is
A flower unplucked is but left to the falling,
And nothing is gained by not gathering roses.'
We do not loosen our hands' intertwining
(Not caring so very much what she supposes),
There when she comes on us mistily shining
And grants us by silence the boon of her roses.


Robert Frost

A Servant to Servants

I didn't make you know how glad I was
To have you come and camp here on our land.
I promised myself to get down some day
And see the way you lived, but I don't know!
With a houseful of hungry men to feed
I guess you'd find.... It seems to me
I can't express my feelings any more
Than I can raise my voice or want to lift
My hand (oh, I can lift it when I have to).
Did ever you feel so? I hope you never.
It's got so I don't even know for sure
Whether I am glad, sorry, or anything.
There's nothing but a voice-like left inside
That seems to tell me how I ought to feel,
And would feel if I wasn't all gone wrong.
You take the lake. I look and look at it.
I see it's a fair, pretty sheet of water.
I stand and make myself repeat out loud
The advantages it has, so long and narrow,
Like a deep piece of some old running river
Cut short off at both ends. It lies five miles
Straight away through the mountain notch
From the sink window where I wash the plates,
And all our storms come up toward the house,
Drawing the slow waves whiter and whiter and whiter.
It took my mind off doughnuts and soda biscuit
To step outdoors and take the water dazzle
A sunny morning, or take the rising wind
About my face and body and through my wrapper,
When a storm threatened from the Dragon's Den,
And a cold chill shivered across the lake.
I see it's a fair, pretty sheet of water,
Our Willoughby! How did you hear of it?
I expect, though, everyone's heard of it.
In a book about ferns? Listen to that!
You let things more like feathers regulate
Your going and coming. And you like it here?
I can see how you might. But I don't know!
It would be different if more people came,
For then there would be business. As it is,
The cottages Len built, sometimes we rent them,
Sometimes we don't. We've a good piece of shore
That ought to be worth something, and may yet.
But I don't count on it as much as Len.
He looks on the bright side of everything,
Including me. He thinks I'll be all right
With doctoring. But it's not medicine--
Lowe is the only doctor's dared to say so--
It's rest I want--there, I have said it out--
From cooking meals for hungry hired men
And washing dishes after them--from doing
Things over and over that just won't stay done.
By good rights I ought not to have so much
Put on me, but there seems no other way.
Len says one steady pull more ought to do it.
He says the best way out is always through.
And I agree to that, or in so far
As that I can see no way out but through--
Leastways for me--and then they'll be convinced.
It's not that Len don't want the best for me.
It was his plan our moving over in
Beside the lake from where that day I showed you
We used to live--ten miles from anywhere.
We didn't change without some sacrifice,
But Len went at it to make up the loss.
His work's a man's, of course, from sun to sun,
But he works when he works as hard as I do--
Though there's small profit in comparisons.
(Women and men will make them all the same.)
But work ain't all. Len undertakes too much.
He's into everything in town. This year
It's highways, and he's got too many men
Around him to look after that make waste.
They take advantage of him shamefully,
And proud, too, of themselves for doing so.
We have four here to board, great good-for-nothings,
Sprawling about the kitchen with their talk
While I fry their bacon. Much they care!
No more put out in what they do or say
Than if I wasn't in the room at all.
Coming and going all the time, they are:
I don't learn what their names are, let alone
Their characters, or whether they are safe
To have inside the house with doors unlocked.
I'm not afraid of them, though, if they're not
Afraid of me. There's two can play at that.
I have my fancies: it runs in the family.
My father's brother wasn't right. They kept him
Locked up for years back there at the old farm.
I've been away once--yes, I've been away.
The State Asylum. I was prejudiced;
I wouldn't have sent anyone of mine there;
You know the old idea--the only asylum
Was the poorhouse, and those who could afford,
Rather than send their folks to such a place,
Kept them at home; and it does seem more human.
But it's not so: the place is the asylum.
There they have every means proper to do with,
And you aren't darkening other people's lives--
Worse than no good to them, and they no good
To you in your condition; you can't know
Affection or the want of it in that state.
I've heard too much of the old-fashioned way.
My father's brother, he went mad quite young.
Some thought he had been bitten by a dog,
Because his violence took on the form
Of carrying his pillow in his teeth;
But it's more likely he was crossed in love,
Or so the story goes. It was some girl.
Anyway all he talked about was love.
They soon saw he would do someone a mischief
If he wa'n't kept strict watch of, and it ended
In father's building him a sort of cage,
Or room within a room, of hickory poles,
Like stanchions in the barn, from floor to ceiling,--
A narrow passage all the way around.
Anything they put in for furniture
He'd tear to pieces, even a bed to lie on.
So they made the place comfortable with straw,
Like a beast's stall, to ease their consciences.
Of course they had to feed him without dishes.
They tried to keep him clothed, but he paraded
With his clothes on his arm--all of his clothes.
Cruel--it sounds. I 'spose they did the best
They knew. And just when he was at the height,
Father and mother married, and mother came,
A bride, to help take care of such a creature,
And accommodate her young life to his.
That was what marrying father meant to her.
She had to lie and hear love things made dreadful
By his shouts in the night. He'd shout and shout
Until the strength was shouted out of him,
And his voice died down slowly from exhaustion.
He'd pull his bars apart like bow and bow-string,
And let them go and make them twang until
His hands had worn them smooth as any ox-bow.
And then he'd crow as if he thought that child's play--
The only fun he had. I've heard them say, though,
They found a way to put a stop to it.
He was before my time--I never saw him;
But the pen stayed exactly as it was
There in the upper chamber in the ell,
A sort of catch-all full of attic clutter.
I often think of the smooth hickory bars.
It got so I would say--you know, half fooling--
"It's time I took my turn upstairs in jail"--
Just as you will till it becomes a habit.
No wonder I was glad to get away.
Mind you, I waited till Len said the word.
I didn't want the blame if things went wrong.
I was glad though, no end, when we moved out,
And I looked to be happy, and I was,
As I said, for a while--but I don't know!
Somehow the change wore out like a prescription.
And there's more to it than just window-views
And living by a lake. I'm past such help--
Unless Len took the notion, which he won't,
And I won't ask him--it's not sure enough.
I 'spose I've got to go the road I'm going:
Other folks have to, and why shouldn't I?
I almost think if I could do like you,
Drop everything and live out on the ground--
But it might be, come night, I shouldn't like it,
Or a long rain. I should soon get enough,
And be glad of a good roof overhead.
I've lain awake thinking of you, I'll warrant,
More than you have yourself, some of these nights.
The wonder was the tents weren't snatched away
From over you as you lay in your beds.
I haven't courage for a risk like that.
Bless you, of course, you're keeping me from work,
But the thing of it is, I need to be kept.
There's work enough to do--there's always that;
But behind's behind. The worst that you can do
Is set me back a little more behind.
I sha'n't catch up in this world, anyway.
I'd rather you'd not go unless you must.


Robert Frost

THE SOUND OF THE TREES

I wonder about the trees.
Why do we wish to bear
Forever the noise of these
More than another noise
So close to our dwelling place?
We suffer them by the day
Till we lose all measure of pace,
And fixity in our joys,
And acquire a listening air.
They are that that talks of going
But never gets away;
And that talks no less for knowing,
As it grows wiser and older,
That now it means to stay.
My feet tug at the floor
And my head sways to my shoulder
Sometimes when I watch trees sway,
From the window or the door.
I shall set forth for somewhere,
I shall make the reckless choice
Some day when they are in voice
And tossing so as to scare
The white clouds over them on.
I shall have less to say,
But I shall be gone.


Robert Frost
(...) necessitamos de livros que sobre nós exerçam uma acção idêntica à de uma desgraça que muito nos tenha afligido, tal como a morte de alguém que amássemos mais do que a nós mesmos, como se fôssemos proscritos, condenados a viver nas florestas, afastados de todos os nossos semelhantes, como um suicídio – um livro deve ser o machado que quebre o mar congelado em nós. É assim que eu penso.


Franz Kafka

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

POZZO   (...) « O ar esta noite tem qualquer coisa de outono. (Pozzo acaba de vestir o casaco, dobra-se, verifica se está bem, endireita-se.) Chicote! (Luckey avança, dobra-se, Pozzo arranca-lhe o chicote da boca, Luckey volta ao seu lugar.) Pois é, meus senhores, não posso passar muito tempo sem conviver com os meus semelhantes (põe os óculos e olha para os dois semelhantes) mesmo quando a semelhança é imperfeita.»



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 34/5

domingo, 30 de janeiro de 2011

ESTRAGON    Olha para isto. (Observa o que resta da cenoura segurando-a pela rama.) É engraçado
                         que quanto mais como pior me sabe.
VLADIMIR      Comigo é exactamente o contrário.
ESTRAGON     Ou seja?
VLADIMIR      À medida que como vou-me habituando ao gosto.
ESTRAGON     (após prolongada reflexão)   E isso é o con-
                          trário?
VLADIMIR       Uma questão de temperamento.
ESTRAGON      De personalidade.
VLADIMIR       Não podes fazer nada.
ESTRAGON     É inútil resistir.
VLADIMIR       Cada um é o que é.
ESTRAGON     É inútil fugir.
VLADIMIR       O essencial nunca se altera.




Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 30/1

Os Navios

       Da imaginação até ao Papel. É uma difícil passagem, é um perigoso mar. A distância parece curta à primeira vista, e embora seja assim quão longa viagem é, e quão prejudicial por vezes para os navios que a empreendem.
       O primeiro prejuízo provém da natureza assaz frágil das mercadorias que os navios transportam. Nos mercados da Imaginação a maior parte das coisas e as melhores são fabricadas de vidros finos e de cerâmicas transparentes, e com todo o cuidado do mundo muitas vezes se partem no caminho, e muitas vezes se partem quando as desembarcam para a terra. E todo o prejuízo deste género é sem remédio, porque é impensável que o navio volte atrás para recolher coisas da mesma forma. Não há hipótese de encontrar a mesma loja que as venda. Os mercados da Imaginação têm lojas grandes e luxuosas mas não de duração longa. As suas transacções são curtas, arrematam as suas mercadorias rapidamente e liquidam de seguida. É muito raro para um navio voltar e encontrar os mesmos exportadores com os mesmos géneros.
       Um outro prejuízo provém da capacidade dos navios. Partem dos portos dos continentes prósperos sobrecarregados, e depois quando se encontram em alto mar vêem-se obrigados a deitar para fora parte da carga para salvar o todo. De tal modo que quase nenhum navio consegue levar completos tantos tesouros quantos recolheu. As coisas despejadas são obviamente os géneros de menor valia, mas por vezes acontece que os marinheiros, na sua grande pressa, cometem erros e deitam ao mar objectos preciosos.
        Mal chegam ao porto branco do papel e são precisos outros sacrifícios de novo. Vêm os oficiais da alfândega e examinam um género e pensam se devem permitir o desembarque; recusam deixar que se descarregue um outro género; e de certas tralhas apenas aceitam pequena quantidade. Um lugar tem as suas leis. Nem todas as mercadorias têm a entrada livre e é estritamente proibido o contrabando. A importação de vinhos é impedida porque os continentes de que vêm os navios fazem vinhos e álcoois de uvas que crescem e amadurecem a temperatura mais generosa. Os oficiais da alfândega não querem para nada estas bebidas. São demasiado embriagadoras. Não são propícias para quaisquer cabeças. Para além disso existe uma companhia no lugar que tem o monopólio dos vinhos. Fabrica líquidos que têm a cor do vinho e o sabor da água, e deles se pode beber o dia inteiro sem que subam à cabeça. É uma velha companhia. Goza de grande reputação, e as suas acções estão sempre sobrevalorizadas.
         Devemos, porém, ficar satisfeitos quando os navios entram no porto mesmo que seja com todos estes sacrifícios. Porque ao fim de contas com vigia e com muito cuidado limita-se o número de recipientes partidos e atirados ao mar durante a viagem. Também, as leis do lugar e as normas alfandegárias são tirânicas em grande medida mas não de todo proibitivas, e grande parte da carga desembarca-se. Nem os oficiais da alfândega são infalíveis, e alguns dos géneros impedidos passam dentro de caixas fraudulentas em que se escreve uma coisa por fora e por dentro se tem outra, e importam-se alguns bons vinhos para banquetes excelentes.
        Triste, triste é outra coisa. É quando passam alguns navios enormes, com joalharias de coral e mastros de ébano, com grandes bandeiras desfraldadas brancas e vermelhas, cheios de tesouros, que nem sequer se aproximam do porto quer por todos os géneros que levam serem proibidos, quer por o porto não ter bastante profundidade para os acolher. E seguem o seu caminho. Vão de vento em popa sobre as suas velas de seda, o sol fulgura na sua figura de proa em ouro, e afastam-se tranquila e majestosamente, afastam-se para sempre de nós e do nosso porto constrito.
        Felizmente são muito raros estes navios. Apenas vemos dois, três durante a nossa vida inteira. E rapidamente os esquecemos. E depois de passarem alguns anos se algum dia - quando estamos inertes olhando a luz e ouvindo o silêncio - por acaso voltarem os nossos ouvidos mentais algumas estrofes entusiásticas, de início não as reconhecemos e atormentamos a nossa memória para recordar onde as tínhamos ouvido antes. Dificilmente acorda a antiga memória e recordamos que estas estrofes são do cântico que salmodiavam os marinheiros, belos como heróis da Ilíada, quando passavam os grandes, os excelsos navios e avançavam indo - quem sabe para onde.
 
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 145-147
«Quando vestir as roupas negras e quando morar dentro de uma casa negra, dentro de um quarto escuro, abrirei de vez em quando o móvel com alegria, com desejo e com desespero.»

 

Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 144

Antes de o tempo os mudar

Entristeceram grandemente     no momento da sua separação.
Eles não a queriam;       foram as circunstâncias.
Necessidades vitais       fizeram um deles
ir embora para longe -        Nova Iorque ou Canadá.
O seu amor não era     por certo como dantes;
tinha diminuído       a atracção gradualmente,
tinha diminuído       muito a sua atracção.
Mas separar-se,     não o queriam.
Foram as circunstâncias. -     Ou porventura artista
foi a Sorte      separando-os agora
antes de apagar-se o sentimento deles,      antes de o Tempo os mudar;
o um para o outro       ficará para sempre como se fosse
esse belo rapaz      dos vinte e quatro anos.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 115

Em desespero

De todo o perdeu.            E agora adiante
dos lábios de um seu             qualquer novo amante
seus lábios demanda;        na união de um qualquer
seu novo amante        o engano demanda
de ser aquele rapaz,         a quem ele se entrega.

De todo o perdeu,      como se nem existisse.
Porque pretendia - ele lho disse -   pretendia salvar-se
do estigmatizado,        do mórbido prazer;
Ainda era tempo de -   ele lho disse - salvar-se.

De todo o perdeu,      como se nem existisse.
Por imaginação,       por alucinações
nos lábios doutros rapazes          os lábios dele demanda;
sentir procurando     seu amor de novo.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 111
E da tragédia o Verbo fulgurante
não tires nunca do teu pensamento -



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 99
O corpo morto do herói com devoção e com tristeza Febo levanta-o e leva-o para o rio.
Lava-o do pó e do sangue;
fecha as feridas horríveis, sem deixar
que se veja nenhum traço; aromas
de ambrosia despejada sobre ele; e com esplêndidas
roupagens olímpicas o veste.
A sua pele branqueia; e com um pente de pérolas
penteia os cabelos todos negros.
Seus belos membros aforma e deita.


O Funeral de Sarpèdón




Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 91

Deslealdade

Ora nós, que elogiamos muita coisa em Homero, não louvaremos
uma [...] Nem Ésquilo, quando faz dizer a Tétis que Apolo, ao
cantar nos seus esponsais, exaltara a sua bela progénie

de vida isenta de doenças e de longa duração.
Depois que anunciou que de tudo, no meu destino,
cuidariam os deuses,

                                                                                                                   entoou o péan, para minha alegria.
                                                                                                                  Julgava eu que era sem dolo, Febo
                                                                                                                  a boca imortal, plena da arte dos oráculos.
                                                                                                                 E ele, o mesmo que cantou este hino,[...] 
                                                                                                                      [...] ele mesmo é que o matou,
                                                                                         
                                                                                                                  esse  filho que é meu.


Platão, República II (383a-b)



Quando casaram Tétis com Peleu
levantou-se Apolo no esplêndido festim
do casamento, e falou da ventura dos recém-casados
com o rebento que sairia da sua união.
Disse: A este nunca lhe tocará a doença
e terá vida longínqua. - Quando disse isto,
Tétis alegrou-se muito, pois as palavras
de Apolo que conhecia de profecias
lhe pareceram garantia para o seu filho.

E enquanto Aquiles crescia, e era
a sua beleza alarde da Tessália,
Tétis lembrava-se da palavra do deus.
Mas um dia chegaram velhos com notícias,
e disseram a chacina de Aquiles em Tróia.
E Tétis rasgava a sua roupa púrpura,
e arrancava de cima de si e atirava
ao chão as pulseiras e os anéis.
E por entre os seus prantos lembrou-se do passado;
e perguntou que fazia o sábio Apolo
por onde andava o poeta que nos festins
maravilhosamente fala, por onde andava o profeta
quando matavam o seu filho na flor da vida.
E responderam-lhe os velhos que Apolo
ele próprio desceu a Tróia
e com os troianos matou Aquiles.


 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 87-89

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ESTRAGON    E se nos enforcássemos?
VLADIMIR      Mmm. Depois ficávamos com tesão!
ESTRAGON    (muito excitado) Tesão?
VLADIMIR      Com todas as suas consequências. Crescem
                         mandrágoras onde ele cai. É por isso que
                         elas gritam quando as arrancamos. Não sa-
                         bias?
ESTRAGON    Vamos enforcar-nos agora mesmo!
VLADIMIR      Num ramo? (Aproximam-se da árvore.) Não
                         me parece de confiança.
ESTRAGON    Não se perde nada em experimentar.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.25/6

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

       Houve noites, em que nada disseste a ninguém, nem a ti própria. Ficaste entregue ao parapeito da janela, fixando o movimento das nuvens na madrugada. Escorriam enlutadas chamas de ti, do teu peito, e, olhavas certa a saudade. Olhavas e choravas, com a ingenuidade de uma criança.
      Não poderás esquecer (e, sempre lembrar?) o quarto de paredes frias e baças. Estavas só. Entregue à morte do teu sangue dentro ainda de um outro. E, desde então, foi como se houvesse vida numa morte. Um tronco algo queimado, onde pequenas folhas crescem com alguma timidez pelo dorso resistente. O sal que queima nos lábios, dá-te ânimo - já estiveste tão longe; não chegaste ao fim da viagem, porque as viagens não têm fim, mas são sempre os re(começados) caminhos que esperam pela luta e pelo cansaço.
        
          Pisaste (pisas?) um caminho doloroso, mas que escolheste (escolhes?). Tornaste-te mais tu própria e embora o céu te faça falta, a tua vida segue longe daquele que te cá deixou, entregue aos teus anseios e agonias.E se há dias em que o teu rosto mergulha na profundidade das mãos, sem ninguém entender razões, é porque, por alguma razão, ninguém te espera.

ESTRAGON   (frio) Há alturas em que não sei se não seria
                         melhor separarmo-nos.
VLADIMIR      Não ias longe.
ESTRAGON    Isso seria muito mau, muito mau mesmo.
                         (Pausa.)Não é verdade, Didi, muito mau
                          mesmo? (Pausa.) Tendo em conta a beleza
                          do caminho. (Pausa.) E a bondade dos ca-
                          minhantes. (Pausa. Carinhoso.) Não é verda-
                          de, Didi?


Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.24
ESTRAGON     Tens a certeza que era esta noite?
VLADIMIR       O quê?
ESTRAGON     Que tínhamos de esperar.


Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.23
VLADIMIR       Fico contente por te voltar a ver. Pensava
                          que te tinhas ido embora para sempre.
ESTRAGON      Também eu.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006

Acto I

Uma estrada no campo. Uma árvore.
                      Anoitecer.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NON CHIEDERCI LA PAROLA

Non chiederci la parola che squadri da ogni lato
l'animo nostro informe, e a lettere di fuoco
lo dichiari e risplenda come un croco
perduto in mezzo a un polveroso prato.

Ah l'uomo che se ne va sicuro,
agli altri ed a se stesso amico,
e l'ombra sua non cura che la canicola
stampa sopra uno scalcinato muro!

Non domandarci la formula che mondi possa aprirti,
sì qualche storta sillaba e secca come un ramo.
Codesto solo oggi possiamo dirti,
ciò che non siamo, ciò che non vogliamo.


Eugenio Montale

Edith, Danville, Virginia




«Primeiro falou o velho. Depois a mulher. Em seguida falou de novo o velho. Depois, de novo a mulher. Enquanto ela falava, devo ter adormecido, sem, no entanto, fenómeno realmente singular, perder a sequência da narrativa, como se aquela voz surgisse do mais profundo de mim mesmo. Quando o dia clareou e eu despertei, o velho voltou a falar.»


 Ignazio Silone. Fontamara, op. cit., p. 26.

Fontamara

«Não haveria nada mais a se dizer sobre Fontamara, se não tivessem ocorrido os estranhos acontecimentos que estou para contar. Lá vivi os primeiros vinte anos da minha vida e não saberia mais o que lhes contar». .


«[...] por vinte anos a mesma terra, as mesmas chuvas, o mesmo vento, a mesma neve, as mesmas festas, as mesmas comidas, as mesmas angústias, as mesmas penas, a mesma miséria: a miséria recebida dos pais que haviam herdado dos avós, e contra o qual o trabalho honesto nunca serviu para nada.»



Ignazio Silone

Dias de 1903

Não voltarei a encontrá-los - esses tão depressa perdidos....
esses olhos poéticos, esse pálido
rosto....no anoitecer da rua....

Não os encontrarei mais - aos adquiridos inteiramente por acaso,
que tão facilmente deixei;
e que depois com ansiedade queria.
Esses olhos poéticos, esse pálido rosto,
aqueles lábios não os encontrei mais.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 71
«O Lanes a quem amaste não está aqui, Marcos,
no túmulo a que vens chorar, e ficas horas e horas.
O Lanes a quem amaste tu o que tens mais perto de ti
quando em tua casa te fechas e vês a imagem,
a qual um tanto conservou do que tinha que valesse,
a qual um tanto conservou do que tinhas amado.»


Túmulo de Lanes




Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 61

As coisas perigosas

Disse Myrtias (estudante sírio
em Alexandria; sendo reis
augustus Constans e augustus Constantius;
em parte gentio, e em parte cristianizante);
«Fortalecido com teoria e estudo,
eu e as minhas paixões não vou temer como cobarde.
O meu corpo aos prazeres vou dar,
aos deleites sonhados,
aos desejos eróticos mais audazes,
aos ímpetos lascivos de meu sangue, sem
medo nenhum, pois sempre que queira -
e terei vontade, fortalecido
como estarei com teoria e estudo -
nos momentos críticos hei-de encontrar
o meu espírito, como dantes, ascético.»




Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 43

Troianos

São nossos esforços, os dos infortunados;
são nossos esforços como os dos troianos.
Conseguimos um pouco; um pouco
levantamos a cabeça; e começamos
a ter coragem e boas esperanças.

Mas sempre surge alguma coisa que nos pára.
Aquiles junto do fosso à nossa frente
surge e com grandes gritos assusta-nos. -

São nossos esforços como os dos troianos.
Cuidamos que mudaremos com resolução
e valor a contrariedade da sorte,
e estamos cá fora para lutar.

Mas quando vier o momento decisivo,
o nosso valor e a nossa resolução perdem-se;
a nossa alma fica alterada, paralisa;
e em redor das muralhas corremos
à procura de nos salvarmos pela fuga.

Porém a nossa queda é certa. Em cima,
nas muralhas já começou o pranto.
Choram pelas memórias e os sentimentos dos nossos dias.
Amargamente choram por nós Príamo e Hécuba.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 33

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ítaca

Tradução de Jorge de Sena


Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.


Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.

Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.


Konstantinos Kaváfis
«O que George Seferis, o primeiro crítico grego de Kaváfis verdadeiramente atento, achava singular nele era que ninguém poderia ter previsto, com base nos seus trabalhos iniciais, que tinha talento suficiente para ser considerado, no devido tempo, um poeta de conteúdo, ou mesmo o mais importante poeta de língua grega do século XX, sendo sua obra mundialmente traduzida.»


Edmund Keeley. O essencial de Kaváfis (fragmentos)
“Da árvore encarnada, meio dentro da memória, apenas a folhagem salta pelos olhos e se espalha pelo rosto [...]. As raízes entram-lhe no sangue [...], não tarda que penetrem pela terra a cujos intestinos vão buscar com que saciar-lhes os olhos – as visões ascendem tumultuosamente, como seiva a ferver”

Luís Miguel Nava

Smoking in Bed

domingo, 23 de janeiro de 2011

A eleição do 'compadre' Cavaco Silva, bem que poderia resumir-se a isto...

  «Multidões de camponeses que anseiam por democracia, e supostamente estariam a celebrar a morte de um tirano, estão, na realidade, a carregar esse mesmo tirano às costas, declarando-o o salvador do povo.»
 
 
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 51

O FOGO NÃO É UM CONVIDADO AMÁVEL

          Eu era encarregado de um manicómio, pois estava louco.
          Chegou um fogo, que ficou esfomeado; por isso eu disse podes comer um toro, mas não subas as escadas e não comas uma dementia praecox.
          Eu disse, doidos, ide para o sótão enquanto um fogo come uma cadeira de cozinha ao pequeno-almoço.
          Mas o fogo queria uma cortina da cozinha, que comeu e trepou ao mesmo tempo, e depois foi para o tecto comer um caibro.
          Eu disse, se tens tanta fome come um caibro, mas não comas um maníaco.
          Entretanto, um maníaco no sótão, com um machado, começou a atacar o céu.
          Vais provocar chuva, é o que vais fazer, disse eu, feri-lo até que chova.
           O fogo, estava a comer uma senhora idosa. Eu disse, uma senhora idosa, vá lá, e uma criança para sobremesa.
          Eu disse ao fogo que podia dormir a sesta na cama do maníaco. Mas o fogo queria comer a cama. Estás muito esfomeado, fogo, disse eu.
           Mas, por essa altura toda a família do fogo já tinha entrado e estava a comer os cantos do manicómio - Eh, é aí onde os mortos construíram as suas cidades.
          Mas os fogos não queriam ouvir porque não gostam de passar fome.
          Por isso pedi aos lunáticos que saíssem do sótão e disse-lhes que era uma guerra de nutrição, e que deviam comer o fogo senão ele os comeria.
          Mas eles disseram, nós não somos comedores de fogo, somos engolidores de espadas...
 
 
 
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 19-21
«Todas as mulheres da casa observam pelas janelas, esperando para ver o que farei.
  Pai, observa o orvalho nas suas rodas, não te recorda lágrimas?
  Irás destroçar o meu coração enquanto as mulheres vigiam, quase esperando que eu ceda? pois elas anseiam pela vítima que me seria amável entregar.»
 
 
 
Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 13-15

The Posture

Of like importance is the posture too,
In which the genial feat of Love we do:
For as the females of the four foot kind,
Receive the leapings of their Males behind;
So the good Wives, with loins uplifted high,
And leaning on their hands the fruitful stroke may try:
For in that posture will they best conceive:
Not when supinely laid they frisk and heave;
For active motions only break the blow,
And more of Strumpets than of Wives they show;
When answering stroke with stroke, the mingled liquors flow.
Endearments eager, and too brisk a bound,
Throws off the Plow-share from the furrow’d ground.
But common Harlots in conjunction heave,
Because ’tis less their business to conceive
Than to delight, and to provoke the deed;
A trick which honest Wives but little need.

Translated by John Dryden


Lucretius

Address to Venus

Delight of Human kind, and Gods above;
Parent of Rome; Propitious Queen of Love;
Whose vital pow’r, Air, Earth, and Sea supplies;
And breeds what e’r is born beneath the rowling Skies:
For every kind, by thy prolifique might,   
Springs, and beholds the Regions of the light:
Thee, Goddess thee, the clouds and tempests fear,
And at thy pleasing presence disappear:
For thee the Land in fragrant Flow’rs is drest,
For thee the Ocean smiles, and smooths her wavy breast;
And Heav’n it self with more serene, and purer light is blest.
For when the rising Spring adorns the Mead,
And a new Scene of Nature stands display’d,
When teeming Budds, and chearful greens appear,
And Western gales unlock the lazy year,
The joyous Birds thy welcome first express,
Whose native Songs thy genial fire confess:
Then savage Beasts bound o’re their slighted food,
Strook with thy darts, and tempt the raging floud:
All Nature is thy Gift; Earth, Air, and Sea:
Of all that breathes, the various progeny,
Stung with delight, is goaded on by thee.
O’er barren Mountains, o’er the flow’ry Plain,
The leavy Forest, and the liquid Main
Extends thy uncontroul’d and boundless reign.
Through all the living Regions dost thou move,
And scattr’st, where thou goest, the kindly seeds of Love:
Since then the race of every living thing,
Obeys thy pow’r; since nothing new can spring
Without thy warmth, without thy influence bear,
Or beautiful, or lovesome can appear,
Be thou my ayd: My tuneful Song inspire,
And kindle with thy own productive fire;
While all thy Province Nature, I survey,
And sing to Memmius an immortal lay
Of Heav’n, and Earth, and every where thy wond’rous pow’r display.
To Memmius, under thy sweet influence born,
Whom thou with all thy gifts and graces dost adorn.
The rather, then assist my Muse and me,
Infusing Verses worthy him and thee.
Mean time on Land and Sea let barb’rous discord cease,
And lull the listening world in universal peace.
To thee, Mankind their soft repose must owe,
For thou alone that blessing canst bestow;
Because the brutal business of the War
Is manag’d by thy dreadful Servant’s care:
Who oft retires from fighting fields, to prove
The pleasing pains of thy eternal Love:
And panting on thy breast, supinely lies,
While with thy heavenly form he feeds his famish’d eyes:
Sucks in with open lips, thy balmy breath,
By turns restor’d to life, and plung’d in pleasing death.
There while thy curling limbs about him move,
Involv’d and fetter’d in the links of Love,
When wishing all, he nothing can deny,
Thy charms in that auspicious moment try;
With winning eloquence our peace implore,
And quiet to the weary World restore.
 

 Lucretius

The Difficulty with a Tree

A woman was fighting a tree. The tree had come to rage at the woman’s attack, breaking free from its earth it waddled at her with its great root feet.
         Goddamn these sentiencies, roared the tree with birds shrieking in its branches.
         Look out, you’ll fall on me, you bastard, screamed the woman as she hit at the tree.
         The tree whisked and whisked with its leafy branches.
         The woman kicked and bit screaming, kill me kill me or I’ll kill you!

         Her husband seeing the commotion came running crying, what tree has lost patience?
         The ax the ax, damnfool, the ax, she screamed.
         Oh no, roared the tree dragging its long roots rhythmically limping like a sea lion towards her husband.
         But oughtn’t we to talk about this? cried her husband.
         But oughtn’t we to talk about this, mimicked his wife.
         But what is this all about? he cried.
         When you see me killing something you should reason that it will want to kill me back, she screamed.

         But before her husband could decide what next action to perform the tree had killed both the wife and her husband.
         Before the woman died she screamed, now do you see?
         He said, what...? And then he died.




Russell Edson, “The Difficulty with a Tree”© Source: The Clam Theater (Wesleyan University Press, 1973)

The Unforgiven

After a series of indiscretions a man stumbled homeward, thinking, now that I am going down from my misbehavior I am to be forgiven, because how I acted was not the true self, which I am now returning to. And I am not to be blamed for the past, because I’m to be seen as one redeemed in the present...
         But when he got to the threshold of his house his house said, go away, I am not at home.
         Not at home? A house is always at home; where else can it be? said the man.
         I am not at home to you, said his house.

         And so the man stumbled away into another series of indiscretions...


''O riso foi sempre próprio dos deuses, porque se supõe que eles conhecem não só o nosso desamparo, como o desamparo que lhes é próprio - ou como, noutra ocasião, escreveu Edson «o sentido de humor é o verdadeiro sentido do trágico».''


Russell Edson. O Túnel. Selecção e tradução de José Alberto Oliveira Assírio& Alvim, Lisboa, 2002, p. 7

¿Por qué esos lirios que los hielos matan?

¿Por qué esos lirios que los hielos matan?
¿Por qué esas rosas a que agosta el sol?
¿Por qué esos pajarillos que sin vuelo
se mueren en plumón?

¿Por qué derrocha el cielo tantas vidas
que no son de otras nuevas eslabón?
¿Por qué fue dique de tu sangre pura
tu pobre corazón?

¿Por qué no se mezclaron nuestras sangres
del amor en la santa comunión?
¿Por qué tú y yo, Teresa de mi alma
no dimos granazón?

¿Por qué, Teresa, y para qué nacimos?
¿Por qué y para qué fuimos los dos?
¿Por qué y para qué es todo nada?
¿Por qué nos hizo Dios?


Miguel de Unamuno

¡Dime qué dices, mar!

Dime qué dices, mar, qué dices, dime!
Pero no me lo digas; tus cantares
son, con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.

Ese mero gemido nos redime
de la letra fatal, y sus pesares,
bajo el oleaje de nuestros azares,
el secreto secreto nos oprime.

La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;

de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona,
y no me digas lo que no te digo.



Miguel de Unamuno

En horas de insomnio

Me voy de aquí, no quiero más oírme;
de mi voz toda voz suéname a eco,
ya falta así de confesor, si peco
se me escapa el poder arrepentirme.

No hallo fuera de mí en que me afirme
nada de humano y me resulto hueco;
si esta cárcel por otra al fin no trueco
en mi vacío acabaré de hundirme.

Oh triste soledad, la del engaño
de creerse en humana compañía
moviéndose entre espejos, ermitaño.

He ido muriendo hasta llegar al día
en que espejo de espejos, soy me extraño
a mí mismo y descubro no vivía.


Miguel de Unamuno

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

o semi-heterónimo: Bernardo Soares

Ou pelo menos, assim Pessoa o definiu numa carta enviada a Adolfo Casais Monteiro, a Janeiro, de 1935: “É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela.”

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O envelhecimento não é a velhice

«O envelhecimento não é a velhice, como uma imagem não se reduz a uma etapa. O envelhecimento é um processo irreversível, que se inscreve no tempo. Começa com o nascimento e acaba na destruição do indivíduo. (...) Se o envelhecimento é o tempo da idade que avança, a velhice é o da idade avançada, entende-se, em direção à morte”



Jack Messy. A pessoa idosa não existe: uma abordagem psicanalítica da velhice. 2ªed. São Paulo: ALEPH, 1999.

“o homem de ontem não é o homem de hoje''

 Borges

A relação humana com o mundo físico


“Não tenho absolutamente um mundo físico, não vivo somente no meio da terra, do ar e da água, tenho em volta de mim estradas, plantações, cidades, ruas, igrejas,  utensílios, uma campainha, uma colher, um cachimbo. Cada um desses objectos tem no fundo a marca da acção humana à qual serve. Cada um emite uma atmosfera de humanidade que pode ser muito pouco determinada, se só se trata de alguns traços de passos na areia, ou, pelo contrário, muito determinada, se visito a cabo e rabo uma casa recentemente esvaziada”

                   MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção, 1971.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No pinhal

No pinhal, uma criança corre a tirar a caruma dos púcaros de resina, mergulhando os dedos (e, depois as formigas) nas baças sombras da água.

A Juan Ramón Jiménez

¿Tienes, joven amigo, ceñida la coraza
para empezar, valiente, la divina pelea?
¿Has visto si resiste el metal de tu idea
la furia del mandoble y el peso de la maza?

¿Te sientes con la sangre de la celeste raza
que vida con los números pitagóricos crea?
¿Y, como el fuerte Herakles al león de Nemea,
a los sangrientos tigres del mal darías caza?

¿Te enternece el azul de una noche tranquila?
¿Escuchas pensativo el sonar de la esquila
cuando el Angelus dice el alma de la tarde?...

¿Tu corazón las voces ocultas interpreta?
Sigue, entonces, tu rumbo de amor. Eres poeta.
La belleza te cubra de luz y Dios te guarde.



Rubén Darío
«Platero é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro.Deixo-o solto, e vai para o prado, e acaricia levemente com o focinho, mal as roçando, as florinhas róseas, azuis-celestes e amarelas... Chamo-o docemente: «Platero», e ele vem até mim com um trote curto e alegre que parece rir em não sei que guizalhar ideal...Come o que lhe dou. Gosta das tangerinas, das uvas moscatéis, todas de âmbar, dos figos roxos, com sua cristalina gotita de mel...E terno e mimoso como um menino, como uma menina...; mas forte e seco como de pedra. Quando nele passo, aos domingos, pelas últimas ruelas da aldeia, os camponeses, vestidos de lavado e vagarosos, param a olhá-lo:— Tem aço...Tem aço. Aço e prata de luar, ao mesmo tempo.»


Juan Ramón Jiménez, Platero e Eu.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Amargura, nudez de seios castos


Camilo Pessanha
« (...) O poeta não sabe se ama, mas sabe que tem prazer em estar com a mulher invocada no poema.»



João Camilo, A Clepsidra de Camilo Pessanha, in Persona, 10, 1984, p. 25
«Desejo, nuns transportes de gigante, / Estreitá-la de rijo
 entre meus braços, / Até quase esmagar nestes abraços/ A sua carne
 branca e palpitante; »


Camilo Pessanha
«Eu quisera também, adormecido, / Dos fantasmas da febre ver o mar,/ Mas
sempre sob o azul do seu olhar,/ Envolto no calor do seu vestido;»


Camilo Pessanha
«morre‑me a boca por beijar a tua.»


Camilo Pessanha

existência como ser-para-o-naufrágio

Karl Jaspers
    «Assim, quando chegou a manhã, o Ulisses e eu éramos realmente amigos, como prometera que seríamos. Ou, deixe-me contar isto doutra forma: eu nutria afeição por ele - mais até: amor e paixão - e ele comportava-se como se sentisse o mesmo. O que não é a mesma coisa.»


Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 57

   «Um pouco mais tarde, descobri que Ulisses não era um daqueles homens que, terminado o acto, se deixam rolar, simplesmente, e desatam a ressonar. Não que eu soubesse deste hábito masculino vulgar por experiência própria, mas, como já disse, escutara montes de coisas das servas. Não, o Ulisses queria conversa, e era um excelente narrador que eu adorava escutar. Penso que isso foi o que ele mais apreciou em mim: a capacidade para gostar das suas histórias. É um talento que se subestima nas mulheres.»


 Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 54/55
A água não resiste. A água corre. Quando mergulhas nela a mão, só sentes uma carícia
A água não é uma muralha sólida, não te deterá. Mas a água vai sempre para onde quer ir,
e nada, no fim, pode nada contra ela. A água é paciente. A água a pingar desgasta uma pedra.
Lembra-te de que és metade água. Se não puderes passar através dum obstáculo, contorna-o.
A água fá-lo.

Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 53
  «Uma vez por outra, o nevoeiro aparta-se e temos um vislumbre do mundo dos vivos. É como esfregar o vidro duma janela suja, abrindo um espaço para espreitar.»


Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 29

V

Asfódelos


 «Aqui está escuro, como muitos têm notado. A «Escura Morte», como costumavam dizer. «As sombrias salas do Hades», e por aí adiante. Bom, sim, é escuro, mas tem vantagens - por exemplo, se se vê alguém a quem preferíamos não falar, pode-se fingir sempre que não o reconhecemos.»



Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006, p. 27
Powered By Blogger