segunda-feira, 24 de março de 2014
ADMINIMISTÉRIO
Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?
- Paulo Leminski, TODA POESIA,
São Paulo, Companhia das Letras, 2013
LADRÕES DE BICICLETAS — VITTORIO DE SICA (1948)
Mil quilómetros por dia pedalava meu pai, desde
a cama junto ao Douro até à próspera Cerâmica
de Valadares. Se qualquer homem recebe,
à nascença, uns sessenta inimigos por hora,
imaginem a jornada de um operário ciclista.
Tudo são despesas para ele: o rosário de geada
nas giestas, o jornal atropelado pelo vento, o verdor
da Primavera, a poalha do suor em cada mão.
Meu pai, é claro, não se queixa, ganha um conto
de réis, tem uma casa portuguesa e grandes sonhos
de amanhãs a gasolina. Pelo menos não trabalho
em nenhum matadouro, pensa ele, e com razão,
erguido nos pedais do seu veículo de sombra,
solitário trepador pela encosta de Avintes. Não
trabalha em nenhum matadouro. E nesse reconforto
passa à Quinta dos Frades, alcança o Freixieiro,
sente já o rumor de fumacentos camiões na nacional,
onde tudo, depois, será muito mais plano.
- JOSÉ MIGUEL SILVA
in 'Telhados de Vidro' n.º 4, Lisboa, Averno, Maio de 2005.
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«A respiração dos seios empurra contra as paredes do quarto, em ondas lentas, o meu corpo afogado.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 226
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FRUTO
«Por um desvio semântico qualquer, que os filólogos ainda não estudaram, passámos a chamar manhã à infância das aves. De facto envelhecem quando a tarde cai e é por isso que ao anoitecer as árvores nos surgem tão carregadas de tempo.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 224
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'' o poema esboroa-se no rasto da criança''
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 214
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II
«Os camponeses, esses, destinados às sepulturas rasas, aos estratos de mortos sobre mortos, servem-se do pinho, dos adobes (materiais perecíveis), erguem casas na lama, manuseiam utensílios tão rudimentares como a charrua de madeira. Passam sobre a areia e as pegadas somem-se depressa, «mas carregam aos ombros a pedra do meu lar (pensa a criança obscuramente) e a minha lápide futura».
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 212
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ESTÁTUA
a Jane L.
Nos umbrais desta página recebo o poema que chegou de longe, duma memória escura, voluntária, atravessando lama, sono, olvido. Desvendo-lhe as feições, sílaba a sílaba. Quando grito por fim «eis uma cara nova», penso logo «afinal, eras tu». Reconheci apenas outro rosto esquecido na aridez do mundo, recolhi-o da sombra donde veio, e aqui lho deixo, adoradora de estátuas muito antigas, petrificado no papel.»
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LOOK BACK IN ANGER
«Podia ser a névoa habitual da noite, os charcos cintilantes, o luar trazido por um golpe de vento às trincheiras da Flandres, mas não era. Quando acordou mais tarde num hospital da retaguarda, ensinaram-no a respirar de novo. Lentas infiltrações de oxigénio num granito poroso, durante anos e anos, até à imobilidade pulmonar das estátuas.
Hoje, um dos seus filhos sobe ao terraço mais obscuro da cidade em que vive e olha o passado com rancor. O sangue bate, gota a gota, na pedra hereditária dos brônquios e ele sabe que é o mar contra os rochedos, a pulsação difícil das algas ou dos soldados mortos nessa noite da Flandres.
As imagens latentes, penso eu, porque sou eu o homem na armadilha do terraço difuso, entrego-as às palavras como se entrega um filme aos sais de prata. Quer dizer: numa pura suspensão de cristais, revelo a minha vida.»
Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 203
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domingo, 23 de março de 2014
«Elias pega na corrente, põe-se a passá-la nos dedos e à volta do pulso. É uma cadeia delicada em forma de pulseira mas numa bela perna de mulher vale como um compromisso público de pacto de cama.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 87
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«Disse isto e deitou-lhe um olhar certeiro, a ver o efeito. E depois, como quem não quer a coisa: Neste momento veio-me uma à ideia que não deixava de ter a sua graça.
O advogado: Sim?
Elias Chefe já com a mão na porta: A amante do major, senhor doutor. Não era nada do outro mundo se ela lhe aparecesse àquela porta um dia destes.
O advogado em despedida de mão mole: Meu amigo, surpresas dessas nem ao diabo se desejam.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 85
O advogado: Sim?
Elias Chefe já com a mão na porta: A amante do major, senhor doutor. Não era nada do outro mundo se ela lhe aparecesse àquela porta um dia destes.
O advogado em despedida de mão mole: Meu amigo, surpresas dessas nem ao diabo se desejam.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 85
«Mena. A porta fechada e ela cá dentro a escorrer chuva. Tremulava na água, muito hirta, havia um pequeno lago aos seus pés. E no entanto entrava sol pela janela e a cabeleira platinada irradiava luz gelada.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 83
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 83
« - Não preciso de esmolas! - disse o vadio, com uma dignidade que o emocionou a si próprio.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 46
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 46
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«Entre as pessoas letradas da vila contava-se que D.Quitéria, numa das recepções do paço episcopal, discutira em voz alta com outra senhora o emprego do há e do hão; D. Quitéria, por fim, pretendera esmagar a rival com exemplos concretos:
-Então a senhora diz «há coisas» ou «hão coisas»?
-«Há coisas», evidentemente.
-Pois diz mal. «Coisas» é plural.
Contava-se que o bispo, ao ouvir o remate da conversa, concluíra para um abade que o acompanhava:
-É estúpida, mas coerente.
E era, de facto.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 45
-Então a senhora diz «há coisas» ou «hão coisas»?
-«Há coisas», evidentemente.
-Pois diz mal. «Coisas» é plural.
Contava-se que o bispo, ao ouvir o remate da conversa, concluíra para um abade que o acompanhava:
-É estúpida, mas coerente.
E era, de facto.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 45
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insulso
adjectivo
1. sem sal; insosso
2. figurado que não tem graça; desenxabido
(Do latim insulsu-, «insípido»)
1. sem sal; insosso
2. figurado que não tem graça; desenxabido
(Do latim insulsu-, «insípido»)
«Cada um possuía uma intimidade de que ele era afastado. A sua alma, vazia de alegrias e sofrimentos, era afinal corroída pelo isolamento.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 42
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 42
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«Dias lentos! Dias que pediam repouso e eternidade, sono e independência, tudo menos compromissos.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 33
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«A tontinha da Alice estava ansiosa e fascinada. E, na verdade, seria engraçado domesticar um rato; mas que anos de paciência uma tarefa dessas exigia!»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 33
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«Todo o homem verdadeiro traz da juventude uma direcção. Depois, só lhe resta ter vergonha e manter-se-lhe fiel; ou, então, apodrecer.»
Fernando Namora in ''O Homem Disfarçado''
Fernando Namora in ''O Homem Disfarçado''
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«Bem: à falta de um bom espectáculo, com o gato, o vadio pôs essa coisinha arrepiada na palma da mão e logo sentiu o quanto era excitante ter uma vida fechada num capricho, mesmo tratando-se apenas de um frágil ratinho, tão miserável que bastaria um gesto para o sufocar. O coração do Barbaças, porém, não era o de um carnívoro: em vez de violências, afagou o ingénuo prisioneiro, sob a vigilância de Alice, vigilância que, de tão ardente, era aflitiva, poisando-o depois cuidadosamente na clareira de sol, enquanto procurava à volta, e um pouco à toa, qualquer coisa que pudesse fazer um ratinho feliz: migalhas, restos de bolota, talvez caracóis. Qual seria o manjar mais do apetite de um rato daquela idade? Trigo, alface? Que baralhada! A convivência do Loas fazia-lhe a cabeça parva.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 31/2
Alice
«Alice estava deitada sobre a grama, o rosto ávido apoiando-se num cotovelo, num silêncio fascinado, devorando o rato com o seu pasmo. Alice e um ratinho parvo, à espera que um bichano lhe viesse roer o pêlo sedoso e os tenros ossos!»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 31
«(...) um sujeito relaxado como ele, que ainda não se civilizara o bastante para se mostrar humilde»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 29
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«Barbaças sentiu fieiras de agulhas espetarem-lhe as entranhas. Estava angustiado. Aquele Loas falava de defuntos e de diabos como quem se refere a companheiros de taberna!»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 28
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 28
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sábado, 22 de março de 2014
sentia-me pouco à vontade, para não dizer infeliz
«É impressionante como o tempo nos faz compreender certas coisas, só agora é que percebo como isso já na altura me magoava, ele gostar de mim por essa necessidade de proteger. Verdade. Mesmo miúda tinha um pressentimento qualquer, sentia-me pouco à vontade, para não dizer infeliz. Enfim, tudo acabou como tinha que acabar, mas foram oito meses da minha vida que não é possível esquecer.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 77
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«Mena passa a mão pela testa e pára a olhar por entre os dedos uma mancha de bolor que tinha descoberto nessa manhã a um canto do tecto. Tinha o feitio duma osga, o pardo e o repelente duma osga imóvel no cimento, com aqueles dedos abertos, minuciosos e arredondados em pontas de ventosa. Suspira. Depois conta: Ele estava tremendamente bêbado nessa noite.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 71
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«Três homens à roda duma mesa e uma mulher que fumava, que fuma, com aquele aspirar arrastado que tanto incomoda o chefe de brigada (dentro em pouco a cela vai entrar em nebulosa, o prato da folha que faz de cinzeiro está a transbordar.) Aquilo não era uma casa, era uma insónia, recorda Mena. Fumávamos como cavalos.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 68-9
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«Durante semanas e semanas Mena tinha-se queimado por dentro com cigarros, tinha-se embrutecido com valium num batalhar contra as insónias da Casa da Vereda. Temporal, ruídos de sobressalto lá fora, e ela de olhos acesos no escuro, deitada ao lado do major e a fixar o vulto dum gato de barro que estava em cima da cómoda com uma cabeleira de mulher. O gato com a peruca enfiada na cabeça, a peruca das viagens clandestinas de Mena, reflexos platinados, cinza e mescla. Até de noite o adivinhava. Mas estranhamente o sono voltou-lhe na própria noite do crime. Em cima dos tiros e do sangue o sono abateu-se sobre ela de pancada; e foi espesso e brutal, e durou uma noite, e só uma, porque dali em diante era ela que não queria adormecer. Tinha medo de sonhar com o morto.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 63
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sexta-feira, 21 de março de 2014
«A presa sentada em solidão, sempre mais agarrada ao seu espaço íntimo, e ele a aproximar-se atrás de cada pergunta. Como que por acaso, como que por acaso. Pode fazer-se isso com pequenos movimentos de quem se inclina para ouvir melhor e avança um pouco a cadeira, ou no acto de se apanhar qualquer objecto que se deixou cair, ou indo à janela e ganhando mais um palmo ao sentar-se. Mil pretextos. Perguntas, sempre perguntas; às duas por três Elias já estava colado à prisioneira, cobria-a com o seu bafo de polícia. Invasão do espaço individual.»
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«Elias vai em salteado (conhece os textos). Pára e treslê, no tresler é que está a leitura, é assim que ele arruma a cabecinha, e de quando em quando queda-se a admirar a unha gigante. Também pensa de alto, às vezes diz coisas. Mas se fala e ao mesmo tempo lê, a unha escuta - e não há nisto nada de especial, não se pense, porque é uma unha do mindinho, o dedo que tudo adivinha, e porque é com ela que o chefe de brigada sublinha todos os momentos indecisos da pessoa e do caos.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 52
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«É dia ou noite, tanto faz. Tanto fez. E agora estão a contas com uma jovem que fuma, que se enovela em fumo, e que fala a uma distância dela mesma.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 48
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«Quando, na sua exacerbada autocrítica, ele se descreve como mesquinho,egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único objectivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até onde sabemos,que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo; ficamos imaginando, tão-somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie.»
SIGMUND FREUD, “Luto e Melancolia”, 1917
quinta-feira, 20 de março de 2014
James Joyce - Nora Barnacle
“há relação sexual entre eles – refere Lacan -, mas marcada por uma degradação dum carácter particular: ele evita-a com a mais viva das repugnâncias, é por depreciação que faz dela uma mulher eleita” (Lacan cit. p. Laurent 1986: 15).
Regressa à tu própria vida e deixa-me ir sozinho à minha ruína. Não é bom para ti viver com uma besta vil como eu, ou permitir que as minhas mãos toquem nos teus filhos. / [...] Não tenho direito de me queixar ou de jamais levantar os olhos para ti. […] / Deixa-me. Para ti é uma vergonha e uma humilhação viver com um pobre infeliz como eu. Age com coragem e abandona-me.
(18 de Novembro de 1909)
(18 de Novembro de 1909)
O melancólico exibe ainda uma outra coisa que está ausente no luto — uma diminuição extraordinária da sua auto-estima, um empobrecimento de seu ego em grande escala. Noluto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O pacienterepresenta o seu ego para nós como sendo
desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração pelos seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível.
(Freud 1917: [2])
desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração pelos seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível.
(Freud 1917: [2])
«Ele avança a pouco e pouco; ainda está mergulhado na região paradisíaca dos signos subtis e clandestinos, como um predador silencioso. A desfocagem, evidente nas duas últimas imagens da série, onde o “ataque” finalmente se consumou (tomada abrupta da "presa"), parece significativamente simulara cegueira inerente ao arrebatamento pulsional do avanço predador masculino. Ela, petrificada na suapose imóvel, revela-se, por fim, como imagem fantasmática que subitamente se desvanece. Depois de possuído pela febre sexual que consubstanciou um momento de crise no seu isolamento, ele adia a volúpia, regressando à potencialidade (interior) agitada e fermente.»
Por favor, escreve-me Nora querida" (29 de Agosto de 1904); "Talvez me possas enviar esta noite quatro linhas para dizer-me que me perdoas por toda a dor que te causei" (10 de Setembro de 1904);
"Se tiveres tempo, escreve-me." (26 de Setembro de 1904);"Nora, escreve-me, em consideração ao meu amor morto" (6 de Agosto de 1909); "Querida, escreve-me e pensa em mim" (22 de Agosto de 1909); "Minha pequena e silenciosa Nora, passaram dias e dias sem uma carta tua" (7 de Setembro de 1909); "Minha querida Nora, desejo ardentemente, com impaciência,ter as tuas respostas a essas obscenas cartas minhas" (3 de Dezembro de 1909); "Oh, estou tão ansioso por receber a tua resposta, querida!"(6 de Dezembro de 1909); "Querida, nem uma carta!" (15 de Dezembro de 1909); "Fiquei surpreso e desiludido por não ter recebido hoje uma carta tua" (23 de Agosto de 1912)
«Como desejo, a carta de amor aguarda resposta; impõe implicitamente ao outro uma resposta, sem a qual a sua imagem se altera, transformando-se noutra. É isto que, porém, o jovem Freud explica à noiva: ‘Não quero, porém, que as minhas cartas fiquem sempre sem resposta e, se não me responderes, deixarei imediatamente de te escrever. Perpétuos monólogos a propósito de um ser amado conduzem a ideias erróneas que atingem as relações mútuas e fazem de nós uns estranhos quando novamente nos encontramos e vemos as coisas diferentes das que, sem nos certificarmos,imaginávamos’»
ROLAND BARTHES, Fragments d'un Discours Amoreux , 1977
(Barthes 1995 [1977]: 60)
A Carta e a Espera
Há uma carta que não me atrevo a ser o primeiro a escrever e porém espero que algum dia o faças. Uma carta apenas para os meus olhos. Talvez tu a escrevas e assim se mitigue a angústia da minha espera.
JAMES JOYCE (carta endereçada a Nora, 22 de Agosto de 1909).
vórtice suicidário
«(...) a esfera da criação artística ao universo da exercitação do desejo mediante um perturbante vórtice suicidário.»
quarta-feira, 19 de março de 2014
ÁGUA DA MORTE
São humanos, meus rios.
A lua aberta, resignada tela.
Os dedos que desfio
Descidos de um terror de vidro frio
Desperdícios de luz e de cratera.
Mas tudo, ó verde planta da manhã,
Dor de seiva insistente sob a neve,
Estremece geométricos destinos.
Noite de multidões. Serpente de marés.
Água. Água de morte. Água de sinos.
Assim, velha montanha me levantas.
Assim, vou para ti, rastejo, quero.
Assim desfiro a nota vertical
Desespero animal do desespero.
E não proíbam mais o retrocesso
Ao real abandono.
Não enfeitem os arcos de mentiras
No triunfo do sono.
E não digam: - «Tem tudo. Que mais quer?»
Seca de névoa, a água horizontal
Quer a nascente para bem-morrer,
E a cada passo atrás desaparecer.
Água de Morte.
Bíblica Mulher.
Estátua de sal.
Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 238/9
A lua aberta, resignada tela.
Os dedos que desfio
Descidos de um terror de vidro frio
Desperdícios de luz e de cratera.
Mas tudo, ó verde planta da manhã,
Dor de seiva insistente sob a neve,
Estremece geométricos destinos.
Noite de multidões. Serpente de marés.
Água. Água de morte. Água de sinos.
Assim, velha montanha me levantas.
Assim, vou para ti, rastejo, quero.
Assim desfiro a nota vertical
Desespero animal do desespero.
E não proíbam mais o retrocesso
Ao real abandono.
Não enfeitem os arcos de mentiras
No triunfo do sono.
E não digam: - «Tem tudo. Que mais quer?»
Seca de névoa, a água horizontal
Quer a nascente para bem-morrer,
E a cada passo atrás desaparecer.
Água de Morte.
Bíblica Mulher.
Estátua de sal.
(«A Segunda Imagem»)
Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 238/9
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«Mas eu que me encontre contigo,
e que eu me encontre comigo!»
Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 236
e que eu me encontre comigo!»
Natércia Freire . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 236
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«O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.»
Sophia de Mello Breyner Andresen . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 225
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«Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta»
Sophia de Mello Breyner Andresen . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 224
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Ensina-me a beijar as rosas, sem mordê-las
Maria Manuela Couto Viana . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 212
terça-feira, 18 de março de 2014
A ILHA DA GRANDE SOLIDÃO
(Excerto do poema)
..............................................................................................................Altas horas acordo em sobressalto
na cabana de troncos mal cortados:
são uivos dos lobos e do vento,
misturados.
Um leve raspar de unhas na janela,
e lá vou eu, descalça e apavorada,
de candeia na mão,
abrir a porta a alguém
que entra, silencioso,
trazendo o vento, a noite, os lobos,
as aves assustadas,
e o fumo da giesta,
das estevas queimadas.
É um deus da Floresta.
É o deus da Floresta.
Depois, mais nada.
E embora o sonho se repita,
ano a ano,
jamais pude entender por que razão
eu me levanto
àquela hora morta
da ante-madrugada,
para lhe abrir a porta,
descalça e apavorada.
......................................................................................................................
Fernanda de Castro . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 190/1
segunda-feira, 17 de março de 2014
«fecha os olhos a todo o sofrimento
e terás feito a carne do teu verso.»
(«Daquém e Dalém Alma»)
e terás feito a carne do teu verso.»
(«Daquém e Dalém Alma»)
Medo
Ouve o grande silêncio destas horas!
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos e não choras!
As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloquência muda, apaixonada...
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras...
O momento mais triste duma vida
é o momento fatal da despedida.
-Vê como o medo cresce em mim, latente...
Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
- Vejo-te ainda e já te sinto ausente.
Virgínia Vitorino . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 183
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos e não choras!
As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloquência muda, apaixonada...
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras...
O momento mais triste duma vida
é o momento fatal da despedida.
-Vê como o medo cresce em mim, latente...
Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
- Vejo-te ainda e já te sinto ausente.
Virgínia Vitorino . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 183
Estonteante fome, áspera e cruel,
Florbela Espanca. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 167
INGRATIDÃO
Abri meu coração de par em par.
Dei-te um jardim de cravos e verbenas...
E quis que fosses rei, e foste apenas
um rei que nunca soube governar.
Fui esfinge para mais te perturbar...
Em altitudes graves e serenas,
fiz perguntas, perguntas às centenas,
- e nunca me soubeste decifrar!
Fui um pouco de todas que conheces,
quis dominar-te eu só, quis que soubesses
como se aprende a amar uma mulher...
Agora gostas doutra, e tanto, tanto!
Foi em mim que aprendeste a achar-lhe o en-
[canto
-E nunca mo soubeste agradecer!
Virgínia Vitorino . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 181
Dei-te um jardim de cravos e verbenas...
E quis que fosses rei, e foste apenas
um rei que nunca soube governar.
Fui esfinge para mais te perturbar...
Em altitudes graves e serenas,
fiz perguntas, perguntas às centenas,
- e nunca me soubeste decifrar!
Fui um pouco de todas que conheces,
quis dominar-te eu só, quis que soubesses
como se aprende a amar uma mulher...
Agora gostas doutra, e tanto, tanto!
Foi em mim que aprendeste a achar-lhe o en-
[canto
-E nunca mo soubeste agradecer!
Virgínia Vitorino . Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 181
Um dia (sei-o bem)
os campos ficarão eternamente floridos
(...)
Mário Dionísio in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 346
os campos ficarão eternamente floridos
(...)
Mário Dionísio in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 346
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Tudo em ti era uma espera
João José Cochofel in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 344
Transfiguração
E os meus olhos rasgarão a noite;
E a chuva que vier ferir-se nas vidraças
compreenderá, então, a sua inutilidade;
E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;
E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;
E a mão alva que me apontava as noites
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;
E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste meu reino;
E todas as luzes que tresnoitarem os homens
apagar-se-ão;
E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;
E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virão festejar a paz em minha honra;
E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;
O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inútil cruz do martírio
se erguerá o pendão da vitória;
E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!
Fernando Namora in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 342/343
E a chuva que vier ferir-se nas vidraças
compreenderá, então, a sua inutilidade;
E todos os sinos que alimentavam insónias
hão-de repetir as horas mortas
só para os ouvidos da torre;
E os outros ruídos abafar-se-ão no manto negro da noite;
E a mão alva que me apontava as noites
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;
E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste meu reino;
E todas as luzes que tresnoitarem os homens
apagar-se-ão;
E o silêncio virá cheio de promessas
que não se cansaram na viagem;
E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virão festejar a paz em minha honra;
E os caminhos se abrirão
para os homens que seguirem de mãos dadas;
O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inútil cruz do martírio
se erguerá o pendão da vitória;
E assim terão começo
os sonhados dias dos meus dias!
Fernando Namora in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 342/343
domingo, 16 de março de 2014
Donas de Casa
Algumas mulheres casam-se com casas.
É outro tipo de pele, tem um coração,
uma boca, um fígado e movimento de entranhas. As paredes são
permanentes e cor-de-rosa. Vejam como ela está ajoelhada
o dia todo, lavando-se fielmente de alto a baixo...
Os homens entram à força, atraídos como Jonas
para as suas mães carnudas.
Uma mulher é a sua própria mãe
e isso é o mais importante.
É outro tipo de pele, tem um coração,
uma boca, um fígado e movimento de entranhas. As paredes são
permanentes e cor-de-rosa. Vejam como ela está ajoelhada
o dia todo, lavando-se fielmente de alto a baixo...
Os homens entram à força, atraídos como Jonas
para as suas mães carnudas.
Uma mulher é a sua própria mãe
e isso é o mais importante.
Anne Sexton
(trad. Maria Sousa)
(trad. Maria Sousa)
Why do you come here ?
And why do you hang around ?
I'm so sorry
I'm so sorry
Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
Why do you telephone ? (Hmm...)
And why send me silly notes ?
I'm so sorry
I'm so sorry
Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
You had to sneak into my room
'just' to read my diary
"It was just to see, just to see"
(All the things you knew I'd written about you...)
Oh, so many illustrations
Oh, but
I'm so very sickened
Oh, I am so sickened now
Oh, it was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh, it was a good lay, good lay
Oh
Oh, it was a good lay
It was a good lay
Oh, a good lay
Oh, it was a good lay
Good lay, good lay
Oh
It was a good lay
And why do you hang around ?
I'm so sorry
I'm so sorry
Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
Why do you telephone ? (Hmm...)
And why send me silly notes ?
I'm so sorry
I'm so sorry
Why do you come here
When you know it makes things hard for me ?
When you know, oh
Why do you come ?
You had to sneak into my room
'just' to read my diary
"It was just to see, just to see"
(All the things you knew I'd written about you...)
Oh, so many illustrations
Oh, but
I'm so very sickened
Oh, I am so sickened now
Oh, it was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh
It was a good lay, good lay
It was a good lay, good lay
Oh, it was a good lay, good lay
Oh
Oh, it was a good lay
It was a good lay
Oh, a good lay
Oh, it was a good lay
Good lay, good lay
Oh
It was a good lay
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NEVOEIRO
A névoa desce sobre a terra,
abraçada à noite.
Vejo, imprecisamente,
o casario e as luzes
da outra margem do rio.
Mais à direita, ao longe,
são já da névoa a praia, o mar.
Ouve-se apenas o ronco
do farol - um som molhado.
Para os lados dos pinhais,
anda a bruma a fazer medo
e a pôr mais pressa nos passos
de quem lhe quer fugir.
Não há luar, não há estrelas.
De novo, olho para o rio.
Não sei se o vejo:
anda a névoa, já, com ele
e os meus olhos dizem
o que é bruma, o que é rio.
E ela não para:
avança ao meu encontro,
cauta, subtil, insinuante...
Cerca-me.
E eu tenho, apenas
orvalho nas árvores do jardim,
gotas de água que se partem na alameda,
o ar húmido que me trespassa,
os cabelos encharcados
e pensamento de névoa...
Alberto de Serpa in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 324/5
abraçada à noite.
Vejo, imprecisamente,
o casario e as luzes
da outra margem do rio.
Mais à direita, ao longe,
são já da névoa a praia, o mar.
Ouve-se apenas o ronco
do farol - um som molhado.
Para os lados dos pinhais,
anda a bruma a fazer medo
e a pôr mais pressa nos passos
de quem lhe quer fugir.
Não há luar, não há estrelas.
De novo, olho para o rio.
Não sei se o vejo:
anda a névoa, já, com ele
e os meus olhos dizem
o que é bruma, o que é rio.
E ela não para:
avança ao meu encontro,
cauta, subtil, insinuante...
Cerca-me.
E eu tenho, apenas
orvalho nas árvores do jardim,
gotas de água que se partem na alameda,
o ar húmido que me trespassa,
os cabelos encharcados
e pensamento de névoa...
Alberto de Serpa in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 324/5
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7
- Porque esconder as lágrimas,
disfarçar a emoção que te cansa?
Fútil o motivo?
- Embora!
Chora, poeta,
chora como uma criança!
Saul Dias in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 325
disfarçar a emoção que te cansa?
Fútil o motivo?
- Embora!
Chora, poeta,
chora como uma criança!
Saul Dias in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 325
sábado, 15 de março de 2014
VIVER SEMPRE TAMBÉM CANSA!
Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul,
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica!
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros,
como máquinas verdes;
As paisagens também não se transformam!
Não cai neve vermelha!
Não há flores que voem!
A lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua!
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são homens!
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação!
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos;
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigaram-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano,
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte!
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer, com teu sorriso
onde há um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã!
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela!»
E virias, depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a morte, ainda menina, no meu colo!
Maio, 1931
José Gomes Ferreira in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 312/13
O sol é sempre o mesmo e o céu azul,
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O mundo não se modifica!
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros,
como máquinas verdes;
As paisagens também não se transformam!
Não cai neve vermelha!
Não há flores que voem!
A lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua!
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são homens!
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação!
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos;
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigaram-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano,
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte!
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer, com teu sorriso
onde há um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã!
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela!»
E virias, depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a morte, ainda menina, no meu colo!
Maio, 1931
José Gomes Ferreira in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 312/13
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quinta-feira, 13 de março de 2014
Passei a vida a amar e a esquecer...
Florbela Espanca. Antologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 164
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