«Durante semanas e semanas Mena tinha-se queimado por dentro com cigarros, tinha-se embrutecido com valium num batalhar contra as insónias da Casa da Vereda. Temporal, ruídos de sobressalto lá fora, e ela de olhos acesos no escuro, deitada ao lado do major e a fixar o vulto dum gato de barro que estava em cima da cómoda com uma cabeleira de mulher. O gato com a peruca enfiada na cabeça, a peruca das viagens clandestinas de Mena, reflexos platinados, cinza e mescla. Até de noite o adivinhava. Mas estranhamente o sono voltou-lhe na própria noite do crime. Em cima dos tiros e do sangue o sono abateu-se sobre ela de pancada; e foi espesso e brutal, e durou uma noite, e só uma, porque dali em diante era ela que não queria adormecer. Tinha medo de sonhar com o morto.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 63