«Tinha diante de Si os olhos dos Anjos que lhe serviam de espelho e neles media as suas próprias feições, e criou lenta e cuidadosamente, numa esfera que tinha no colo, o primeiro rosto.»
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008.
sábado, 30 de julho de 2011
Minha amiga,
Um dia depositei este livro nas suas mãos, e a senhora
prezou-o como ninguém antes o prezara.
A costumei-me assim a pensar que ele lhe pertencia.
Permita-me então que eu escreva o seu nome, não só
no seu exemplar mas em todos os exemplares desta
nova edição; que eu escreva:
«As histórias do Bom Deus pertencem a Ellen Key»
Rainer Maria Rilke
Roma, Abril 1904
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008.
Um dia depositei este livro nas suas mãos, e a senhora
prezou-o como ninguém antes o prezara.
A costumei-me assim a pensar que ele lhe pertencia.
Permita-me então que eu escreva o seu nome, não só
no seu exemplar mas em todos os exemplares desta
nova edição; que eu escreva:
«As histórias do Bom Deus pertencem a Ellen Key»
Rainer Maria Rilke
Roma, Abril 1904
Rainer Maria Rilke. Histórias do Bom Deus. Trad. Sandra Filipe. Edições Quasi, 1ª edição, 2008.
BERNARDA
Achas decente que uma mulher da tua posição ande com um
anzol atrás de um homem, no dia do enterro do pai? Responde!
Quem foste tu ver?
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 29
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ADELA
Tome, mãe. (Dá-lhe um leque redondo com flores vermelhas
e verdes)
BERNARDA
(atirando o leque para o chão)
É isto leque que se dê a uma viúva!? Vai buscar-me um leque
negro e aprende a respeitar o luto de teu pai.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 24
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BERNARDA
É assim que se tem de falar neste maldito povo sem rio, terra de poços,
onde se bebe sempre a água com medo que esteja envenenada.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 23
É assim que se tem de falar neste maldito povo sem rio, terra de poços,
onde se bebe sempre a água com medo que esteja envenenada.
Frederico García Lorca. A Casa de Bernarda Alba. Publicações Europa-América, Lisboa, p. 23
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domingo, 24 de julho de 2011
7
(...)
«Lembra-se do focinho de homens e mulheres que espiou
em orgias, e do mundo santo como aqueles vários dedos
cumprimentavam, no dia seguinte,
e se cruzavam em rezas sinceras e públicas.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 169
«Lembra-se do focinho de homens e mulheres que espiou
em orgias, e do mundo santo como aqueles vários dedos
cumprimentavam, no dia seguinte,
e se cruzavam em rezas sinceras e públicas.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 169
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4
E Bloom tem uma memória e não a perdeu.
Teve familiares desonestos, amigos antigos
que lhe provocam agora repulsa,
inimigos de que se lembra com prazer.
Teve amigos e inimigos. Lembra-se de adultérios
escabrosos em casais perfeitos.
E lembra-se de Mary.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 168
Teve familiares desonestos, amigos antigos
que lhe provocam agora repulsa,
inimigos de que se lembra com prazer.
Teve amigos e inimigos. Lembra-se de adultérios
escabrosos em casais perfeitos.
E lembra-se de Mary.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 168
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138
A vida, é certo, não será um sítio excepcional para as paixões.
Nos países humanos, o amor mistura-se muito
com palavras equívocas.
O fogo que existe numa lareira, por exemplo,
é um fogo servil, cultural, educado.
Uma coisa vermelha, mas mansa,
que nos obedece.
Só é natureza, o fogo na lareira,
quando, vingando-se, provoca um incêndio.
E o amor assim funciona. Mas é preferível o contrário.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 163
Nos países humanos, o amor mistura-se muito
com palavras equívocas.
O fogo que existe numa lareira, por exemplo,
é um fogo servil, cultural, educado.
Uma coisa vermelha, mas mansa,
que nos obedece.
Só é natureza, o fogo na lareira,
quando, vingando-se, provoca um incêndio.
E o amor assim funciona. Mas é preferível o contrário.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 163
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133
E não há vinganças subtis. A vingança
é uma coisa imensa, ou não é.
O rancor não tem meio,
se estás nele estás sempre no limite,
no ponto extremo que te obriga a não conhecer
outras acções que não as da maldade.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161
é uma coisa imensa, ou não é.
O rancor não tem meio,
se estás nele estás sempre no limite,
no ponto extremo que te obriga a não conhecer
outras acções que não as da maldade.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161
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132
Mary morreu e Bloom amava-a,
caro Jean M.
O mundo é isto: combate-se. Atacamos, defendemos.
Há milénios atrás, em certos locais,
as flores foram indícios da futura fábrica.
Vejo e percebo: do jardim
vem um fumo que já não cheira a delicadezas.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161
caro Jean M.
O mundo é isto: combate-se. Atacamos, defendemos.
Há milénios atrás, em certos locais,
as flores foram indícios da futura fábrica.
Vejo e percebo: do jardim
vem um fumo que já não cheira a delicadezas.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 161
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109
A boa imagem do coração, deve-se, em grande parte,
ao seu eficaz esconderijo. Sabe melhor isso
do que eu, Jean M. Os outros
são apenas alguém que nos olha.
Vigiar ou seduzir. Tudo o resto é cegueira.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 153
ao seu eficaz esconderijo. Sabe melhor isso
do que eu, Jean M. Os outros
são apenas alguém que nos olha.
Vigiar ou seduzir. Tudo o resto é cegueira.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 153
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74
Mas o meu pai aprendeu a lição. Pagou juros altíssimos
por um mau investimento, mas regressou
à cadeira ainda com vontade de se levantar.
As derrotas devem surgir
enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos
fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.
Uma derrota no tempo certo é aquilo que
te fará vencer no tempo certo. E estes
podem ser dois tempos ou um. Parece-me.
75
A intensidade com que se é esmagado não importa,
de facto o que importa é a intensidade que nos resta
depois de sermos esmagados.
A realidade não é coisa física,
mas pressentimento que nos cerca,
nojo - ou por vezes, raramente,
um certo assombro feliz.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 143
Mas o meu pai aprendeu a lição. Pagou juros altíssimos
por um mau investimento, mas regressou
à cadeira ainda com vontade de se levantar.
As derrotas devem surgir
enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos
fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.
Uma derrota no tempo certo é aquilo que
te fará vencer no tempo certo. E estes
podem ser dois tempos ou um. Parece-me.
75
A intensidade com que se é esmagado não importa,
de facto o que importa é a intensidade que nos resta
depois de sermos esmagados.
A realidade não é coisa física,
mas pressentimento que nos cerca,
nojo - ou por vezes, raramente,
um certo assombro feliz.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 143
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Uma viagem à índia
27
As mulheres sempre foram mais
minuciosas na vingança - disse Bloom. Folheiam-na
sem saltar uma página. E tratam das unhas
antes de pagar no machado.
Pelo contrário, o homem com raiva
e ressentimento é atabalhoado, desastrado,
incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência.
28
como se pegasse em ferramentas
despropositadas: a charrua
para arrancar uma flor,
o martelo para ver mais perto.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 128
As mulheres sempre foram mais
minuciosas na vingança - disse Bloom. Folheiam-na
sem saltar uma página. E tratam das unhas
antes de pagar no machado.
Pelo contrário, o homem com raiva
e ressentimento é atabalhoado, desastrado,
incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência.
28
como se pegasse em ferramentas
despropositadas: a charrua
para arrancar uma flor,
o martelo para ver mais perto.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 128
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Uma viagem à índia
26
No erotismo o que importa é no corpo da amada
não existir saída.
Uma boa luta - amorosa -
é pois aquela onde os dois corpos estão,
um no outro,
como se no meio do famoso labirinto
de onde ninguém consegue sair.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 127
não existir saída.
Uma boa luta - amorosa -
é pois aquela onde os dois corpos estão,
um no outro,
como se no meio do famoso labirinto
de onde ninguém consegue sair.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 127
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Uma viagem à índia
(...)
«Não sou indiferente às repetições, suporto melhor o tédio
que certas aventuras desnecessárias.
Não estou, pois, obcecado por novidades.
Porém, não suporto que, em mim,
a não surpresa já não me surpreenda.»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 104
«Não sou indiferente às repetições, suporto melhor o tédio
que certas aventuras desnecessárias.
Não estou, pois, obcecado por novidades.
Porém, não suporto que, em mim,
a não surpresa já não me surpreenda.»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 104
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OS PRIMEIROS ENCONTROS
Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo,
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através dos húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho
Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genuflectia. E ao acordar
Eu diria «Abençoada sejas!»
Sabendo como pretenciosa era a bênção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.
Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
E tu com a bola de cristal nas mãos,
Sentada num trono enquanto dormes,
- Deus do céu! - tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra «tu»
O seu novo sentido: significa «rei».
Simples objectos transfigurados,
Tudo - a bacia, o jarro -, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.
Íamos, sem saber por onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta a nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes à procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.
Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.
Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assíro&Alvim, Lisboa, 1987., p.15-19
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo,
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através dos húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho
Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genuflectia. E ao acordar
Eu diria «Abençoada sejas!»
Sabendo como pretenciosa era a bênção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.
Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
E tu com a bola de cristal nas mãos,
Sentada num trono enquanto dormes,
- Deus do céu! - tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra «tu»
O seu novo sentido: significa «rei».
Simples objectos transfigurados,
Tudo - a bacia, o jarro -, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.
Íamos, sem saber por onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta a nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes à procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.
Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.
Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assíro&Alvim, Lisboa, 1987., p.15-19
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TIVE EM miúdo uma doença
E fome e medo. Grossas escamas soltando-se
Dos lábios, que eu humedecia. Nunca esqueci
Esse sabor, salgado e frio.
Mas não parava de andar, andar, andar.
Sentava-me nos degraus do alpendre ao sol,
Caminhava no meu modo leve como se dançasse
A melodia do caçador de ratos, no rio. Sentava-me
Ao sol nos degraus, a tiritar.
E a mãe vinha ali, acenando, parecia
Tão perto, e eu sem poder tocar-lhe:
Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.
Sentia-me quente,
Desapertei o colarinho e adormeci,
As trombetas soaram, cavalos a galope, a luz
Batia suave minhas pálpebras, a mãe,
Que voava sobre o caminho, acenando,
Partiu...
Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assírio & Alvim, Lisboa, 1987., p.11/2
E fome e medo. Grossas escamas soltando-se
Dos lábios, que eu humedecia. Nunca esqueci
Esse sabor, salgado e frio.
Mas não parava de andar, andar, andar.
Sentava-me nos degraus do alpendre ao sol,
Caminhava no meu modo leve como se dançasse
A melodia do caçador de ratos, no rio. Sentava-me
Ao sol nos degraus, a tiritar.
E a mãe vinha ali, acenando, parecia
Tão perto, e eu sem poder tocar-lhe:
Movo-me para ela, que sete degraus acima
Acena; movo-me para ela, que acena
Sete degraus acima.
Sentia-me quente,
Desapertei o colarinho e adormeci,
As trombetas soaram, cavalos a galope, a luz
Batia suave minhas pálpebras, a mãe,
Que voava sobre o caminho, acenando,
Partiu...
Arseny Tarkovsky. « 8 Ícones». Versão de Paulo da Costa Domingos. Assírio & Alvim, Lisboa, 1987., p.11/2
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sábado, 23 de julho de 2011
70
Procuro uma mulher, disse Bloom, ou então
a sabedoria. Se em Paris não as encontrares juntas,
responderam-lhe, pelo menos com uma delas
te cruzarás. E uma pode levar-te à outra.
Claro que é menos provável
uma mulher levar-te à sabedoria
que ao seu quarto, disseram a Bloom,
mas se por um extraordinário acaso tal acontecer,
não te esqueças de a relembrar: o quarto, primeiro
o quarto. E Bloom sorriu.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 99/100
a sabedoria. Se em Paris não as encontrares juntas,
responderam-lhe, pelo menos com uma delas
te cruzarás. E uma pode levar-te à outra.
Claro que é menos provável
uma mulher levar-te à sabedoria
que ao seu quarto, disseram a Bloom,
mas se por um extraordinário acaso tal acontecer,
não te esqueças de a relembrar: o quarto, primeiro
o quarto. E Bloom sorriu.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 99/100
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sexta-feira, 22 de julho de 2011
«Ensina-me o arrependimento; é semelhante
A selares o meu perdão com o Teu sangue.»
John Donne. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 87
A selares o meu perdão com o Teu sangue.»
John Donne. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 87
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«O adiar só nos irá trazer enganos,»
William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 77
William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 77
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Soneto XXX PARA AS SESSÕES NO SILÊNCIO DA MENTE
Para as sessões no silêncio da mente
Convoco as recordações d'outrora.
Muitas não vêm: plo tempo inutilmente
Gasto, pla antiga dor mais se chora.
Desacostumado de chorar, então,
Choro amigos que a grande noite esconde,
A reprimida dor de uma paixão,
Visões perdidas sabe-se lá onde.
Tanto sofrimento a quanto monta? -
De antigos pesares o rol não finda!
De dor em dor, pago a triste conta,
Como se o não tivesse feito ainda!
Mas se pensar em ti, querido amigo,
Adeus às perdas e às penas digo.
William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 71
Convoco as recordações d'outrora.
Muitas não vêm: plo tempo inutilmente
Gasto, pla antiga dor mais se chora.
Desacostumado de chorar, então,
Choro amigos que a grande noite esconde,
A reprimida dor de uma paixão,
Visões perdidas sabe-se lá onde.
Tanto sofrimento a quanto monta? -
De antigos pesares o rol não finda!
De dor em dor, pago a triste conta,
Como se o não tivesse feito ainda!
Mas se pensar em ti, querido amigo,
Adeus às perdas e às penas digo.
William Shakespeare. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 71
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«Inocência fecha-lhe os olhos finalmente.»
Michael Drayton. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 59
Michael Drayton. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 59
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quinta-feira, 21 de julho de 2011
Aí tem a enfermidade de seu marido.
« - Sabe qual é o mal que corrói Ricardo?...Hem, não sabe?...Sabe, sabe, que eu já lho dei a entender. Hem?...Eu repito: amar Mónica em demasia. Garanto-lho. Julga-se no ocaso, o pateta, e para ele a esposa - não veja cumprimento que me limito a reproduzir palavras dele - é a madrugada. Gosta de si perdidamente e assim não é para admirar que o amor venha enlodado de ciúme. Ciúme de fera que não olha ao passado nem ao presente, mas apenas ao futuro, para lá dos anos, para lá, porventura, da morte, tão tirânico e absurdo é esse sentimento. Pode compreender semelhante aberração, se assim se lhe deve chamar?...Há-de poder...Eu posso. Aí tem a enfermidade de seu marido.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 244
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UMA FOLHA, sem árvore,
para Bertolt Brecht:
Que tempos são estes
em que uma conversa
é quase um crime,
porque contém
tanta coisa dita?
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 171
para Bertolt Brecht:
Que tempos são estes
em que uma conversa
é quase um crime,
porque contém
tanta coisa dita?
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 171
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«ONDE EU me esqueci de ti,
tornaste-te pensamento,»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 153
tornaste-te pensamento,»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 153
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versos soltos,
Yvette K. Centeno
«A morte
que me ficaste a dever, eu
carrego-a
até ao fim.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 151
que me ficaste a dever, eu
carrego-a
até ao fim.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 151
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«É como se pudesse ouvir,
como se eu ainda te amasse»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 141
como se eu ainda te amasse»
«TU ERAS a minha morte:
a ti podia agarrar-te
enquanto tudo me fugia.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 141
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QUANDO O BRANCO NOS AGREDIU, de noite;
quando do cântaro das dádivas saiu
mais do que água;
quando o joelho esfolado
avisou o sino do sacrifício:
Voa! -
Então
eu era
ainda inteiro.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 127
quando do cântaro das dádivas saiu
mais do que água;
quando o joelho esfolado
avisou o sino do sacrifício:
Voa! -
Então
eu era
ainda inteiro.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 127
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DIANTE O TEU ROSTO TARDIO,
so-
litário entre
noites que também me transformaram,
algo se imobilizou
que já outrora estivera connosco, in-
tocado por pensamentos.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 121
so-
litário entre
noites que também me transformaram,
algo se imobilizou
que já outrora estivera connosco, in-
tocado por pensamentos.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 121
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«Ainda e sempre
a escrita duma nídtida asa.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 111
a escrita duma nídtida asa.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 111
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« eu sei,
eu sei e tu sabes, nós sabíamos,
nós sabíamos, nós
afinal estávamos aqui e não lá
e às vezes, quando
entre nós só havia o Nada, o nosso
encontro era perfeito.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 101
eu sei e tu sabes, nós sabíamos,
nós sabíamos, nós
afinal estávamos aqui e não lá
e às vezes, quando
entre nós só havia o Nada, o nosso
encontro era perfeito.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 101
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a caminho do passado que não volta
«Ali sentado na areia a meditar nesse outro mundo antigo e desconhecido, imaginei o espanto de Gatsbt, quando, pela primeira vez, identificou a luz verde que brilhava na ponta do molhe da Daisy. Tinha vindo de longe para chegar a este relvado azul, e o sonho deve-lhe ter parecido tão próximo que só dificilmente poderia escapar ao seu abraço. Não sabia que o sonho era já uma coisa do passado, atrás dele, perdido algures na vasta obscuridade para além do clarão da cidade, onde os vastos planos da República se desenrolavam sem fim sob o céu estrelado.
O Gatsby acreditara na luz verde, no orgíaco futuro, que, ano após ano, foge e recua diante de nós, Se hoje nos iludiu, pouco importa: amanhã correremos mais depressa, alongaremos mais os braços...Até que uma bela manhã...
Assim vamos teimando, proas contra a corrente, incessantemente cortando as águas, a caminho do passado que não volta.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 171/2
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«Não podia perdoar-lhe nem gostar dele mas compreendi que o que ele tinha feito era, aos seus olhos, inteiramente justificado. Tudo muito pensado e confuso. Era uma gente estouvada, a Daisy e o Tom - despedaçavam coisas e pessoas e, depois, entrincheiravam-se no seu imenso dinheiro ou na sua insensatez, ou lá o que os mantinha unidos, e deixavam aos outros o cuidado de varrer os estragos por ele produzidos...»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 170
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- Tenho trinta anos - retorqui. - Cinco anos mais do que o máximo permitido para mentir a mim próprio e chamar a isso «honra».
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 169
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 169
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« - Triste filho duma puta!»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 167
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 167
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. Disse-me uma vez que eu comia como um javardo, e eu dei-lhe uma sova...
« - Achei este livro por acaso - disse o velho. - Mas mostra bem o que ele era, não mostra? O meu Jimmy estava guardado para grandes coisas.Tinha sempre destas resoluções ou outras parecidas. Vê como ele pensava em se instruir? Nisso foi sempre um ás. Disse-me uma vez que eu comia como um javardo, e eu dei-lhe uma sova...»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 166
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« - Aprendamos a manifestar a nossa amizade a um homem enquanto ele é vivo, e não depois dele estar morto. Tirado ser isso, a minha regra é: não lhe bulas, que é pior.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 164
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 164
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«Atingira a idade em que a morte perdeu já toda a sua espectral surpresa.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 135
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 135
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quarta-feira, 20 de julho de 2011
HAVIA TERRA NELES, e
cavavam.
Cavavam e cavavam, assim passava
o seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,
que, segundo ouviam, queria tudo isto,
que, segundo ouviam, sabia tudo isto.
Cavavam e não ouviam mais nada;
não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,
não imaginavam qualquer espécie de linguagem.
Cavavam.
Veio um silêncio, veio também uma tempestade,
vieram os mares todos.
Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,
e aquilo que ali canta diz: eles cavam.
Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:
para onde íamos que não fomos para lado nenhum?
Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,
e no dedo acorda-nos o anel.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 99
cavavam.
Cavavam e cavavam, assim passava
o seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,
que, segundo ouviam, queria tudo isto,
que, segundo ouviam, sabia tudo isto.
Cavavam e não ouviam mais nada;
não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,
não imaginavam qualquer espécie de linguagem.
Cavavam.
Veio um silêncio, veio também uma tempestade,
vieram os mares todos.
Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,
e aquilo que ali canta diz: eles cavam.
Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:
para onde íamos que não fomos para lado nenhum?
Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,
e no dedo acorda-nos o anel.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 99
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*
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 85
Veio. Veio. Em parte alguma
perguntam -
Sou eu, eu,
estava entre vós, estava
aberto, era
audível, toquei-vos, a vossa respiração
obedeceu, sou
eu ainda, mas vocês
estão a dormir.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 85
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ARGUMENTUM E SILENTIO
Para René Char
Acorrentada
entre o ouro e o esquecimento:
a noite.
Ambos a desejaram.
A ambos se ofereceu.
Põe,
põe tu também ali o que
amanhecerá com os dias:
a palavra sobrevoada de estrelas,
submersa pelo mar.
A cada qual sua palavra.
A cada qual a palavra cantou para ele,
quando a matilha o atacou pelas costas -
A cada qual a palavra que cantou para ele, petrificando.
A ela, a noite,
sobrevoada de estrelas, submersas pelo mar,
a ela, ganha pelo silêncio,
a quem não gelou o sangue quando o dente venenoso
atravessou as sílabas.
(...)
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 69
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«Nós vemos-te, terra, nós vemos-te.
De alma em alma
expões-te,
de sombra em sombra.
Assim respiram os incêndios do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 67
De alma em alma
expões-te,
de sombra em sombra.
Assim respiram os incêndios do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 67
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IN MEMORIAM PAUL ÉLUARD
Depõe no túmulo do morto as palavras
que ele pronunciou para viver.
Deita-lhe a cabeça entre elas,
fá-lo sentir
as falas da nostalgia,
as facas.
Depõe sobre as pálpebras do morto a palavra
que ele recusa àquele
que o tratava por tu,
a palavra
que viu passar por ela o sangue do seu coração,
quando uma mão, despida como a sua,
atou aquele que o tratava por tu
às árvores do futuro.
Depõe-lhe esta palavra sobre as pálpebras:
talvez
surja nos seus olhos, ainda azuis,
um outro, mais estranho, tom de azul,
e aquele que o tratava por tu
sonhe com ele: Nós.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 63
que ele pronunciou para viver.
Deita-lhe a cabeça entre elas,
fá-lo sentir
as falas da nostalgia,
as facas.
Depõe sobre as pálpebras do morto a palavra
que ele recusa àquele
que o tratava por tu,
a palavra
que viu passar por ela o sangue do seu coração,
quando uma mão, despida como a sua,
atou aquele que o tratava por tu
às árvores do futuro.
Depõe-lhe esta palavra sobre as pálpebras:
talvez
surja nos seus olhos, ainda azuis,
um outro, mais estranho, tom de azul,
e aquele que o tratava por tu
sonhe com ele: Nós.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 63
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terça-feira, 19 de julho de 2011
a caminho da morte
«...Mas tinha a Jordan a meu lado, e ela, ao invés da Daisy, era demasiado sensata para carregar de ano em ano o fardo dos esquecidos sonhos...Ao transpormos a negra ponte, o seu rosto enigmático descaiu preguiçosamente no meu ombro, e o dobre soturno dos trinta anos desvaneceu-se sob a pressão tranquilizadora dos seus dedos.
E assim continuámos rolando a caminho da morte, no crepúsculo que refrescava.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 136
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ele acabou por desistir
«(...), e só o sonho morto continuou a debater-se na tarde que se escoava - a esforçar-se por tocar o que se tornava intangível, a esbracejar com desespero para alcançar aquela voz perdida, no lado oposto da sala.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 135
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«O coração bateu-lhe mais e mais depressa, à medida que o rosto dela se aproximou do seu. Sabia que quando tivesse beijado esta rapariga, e para sempre consorciado as suas indizíveis visões ao imperecível hálito dela, a sua mente não voltaria a vaguear, como Deus, pelo infinito. Esperou, pois, mais um instante para tornar a ouvir o diapasão de prata que ressoara, batendo numa estrela. Então beijou-a. Quando os seus lábios a tocaram, ela abriu-se para ele como uma flor e a encarnação foi completa.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 116
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« Tudo o que ele queria da Daisy, esse pouco, era que ela fosse ter com o Tom e lhe dissesse: «Eu nunca te tive amor.» Depois de ela ter obliterado aqueles quatro anos com uma simples frase, poderiam decidir das providências práticas a tomar. Uma delas era, logo que Daisy fosse livre, voltarem para Louisville para se consorciarem na casa dela - tal como se fosse há cinco anos atrás.
- E ela não percebe! Antigamente era capaz de entender...Ficávamos sentados durante horas...
Interrompeu-se e começou a passear para cá e para lá numa álea desolada, coberta de restos de fruta, ornamentos de festa abandonados e flores esmagadas. Aventurei-me a dizer:
- O senhor não devia exigir-lhe demasiado. O passado não se pode repetir.
-Não se pode repetir? - gritou ele, incrédulo. - Claro que sim, que se pode!
Olhou em torno, esgazeado, como se o passado e estivesse espreitando, aqui na sombra da casa, mas fora do seu alcance.
-Vou tornar a pôr tudo como dantes era - disse ele, assentindo com determinação. - E ela vai ver!
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 115
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«Partir já e sozinha era bem o desejo dela, sôfrega como estava de desafogar, chorar, gemer, arranhar-se, talvez, mesmo durante o trajecto.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 216
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 216
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os olhos de Mónica
«(...) os olhos de Mónica foram-se enevoando de tristeza como o céu escurece quando está para chover.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 212
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 212
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«Ao pé, hipocritamente de joelhos e mãos em cruz, o gato familiar finge que dorme, mas pela fresta subtilíssima das pálpebras com despeito sádico vê sarabandear os pardais dos telhados que andam a dizer uns aos outros com certo alvoroço onde se pode molhar o bico.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p. 204/5
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«Procurei os teus olhos quando os ergueste e ninguém te olhou,
estendi aquele secreto fio
por onde o orvalho que imaginaste
escorreu para os jarros
guardados pela palavra que nenhum coração acolheu.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.33
estendi aquele secreto fio
por onde o orvalho que imaginaste
escorreu para os jarros
guardados pela palavra que nenhum coração acolheu.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.33
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«Ela sabe as palavras mas limita-se a sorrir.
Mistura o seu sorriso no cálice do vinho:
tens de o beber, para estar no mundo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.27
Mistura o seu sorriso no cálice do vinho:
tens de o beber, para estar no mundo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.27
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«Sem ver
cala-se agora o teu olhar no meu
vagueando
ergo o teu coração aos lábios,
ergues o meu coração aos teus:
o que agora bebemos
mata a sede das horas;
o que agora somos
é servido pelas horas do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.25
cala-se agora o teu olhar no meu
vagueando
ergo o teu coração aos lábios,
ergues o meu coração aos teus:
o que agora bebemos
mata a sede das horas;
o que agora somos
é servido pelas horas do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.25
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«QUEM ARRANCA de noite o coração do peito deseja a rosa.
Pertencem-lhe a sua folha e o seu espinho.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.19
Pertencem-lhe a sua folha e o seu espinho.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.19
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segunda-feira, 18 de julho de 2011
fantasmas ocultos no coração do homem
«Deve ter havido, nessa tarde, momentos em que a própria Daisy há-de ter ficado aquém do sonho - não por culpa dela, mas devido à colossal vitalidade da própria ilusão. Tudo a tinha ultrapassado, ultrapassado tudo. O Gatsby precipitara-se todo inteiro naquele sonho, com toda a sua paixão criadora, acrescentado-o hora a hora, ornando-o de todas as plumas e pedrarias de cor que de caminho lhe surgiam. Não há fogo nem refrigério, por grandes que sejam, que possam aceitar o repto de todos os fantasmas ocultos no coração do homem.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 103
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estava consumido de assombro com a presença dela
«Tinha atravessado visivelmente duas fases e entrava agora na terceira: depois do enleio inicial e da alegria insensata, estava consumido de assombro com a presença dela. A ideia obcecara-o por tanto tempo, tinha sonhado aquilo tudo até os últimos pormenores, esperando de dentes cerrados, por assim dizer, a um inconcebível grau de intensidade!, e agora, na ressaca, entrava em ponto morto, como um relógio a que se deu demasiada corda.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 100
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Os Americanos
''Os Americanos, ainda que às vezes se sujeitem à servidão, recusaram-se sempre, obstinadamente, a serem «camponeses».''
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 97/8
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Gatsby
«O Gatsby, ainda de mãos nos bolsos, estava encostado ao mármore da chaminé, numa estranha falsificação de perfeito à-vontade, de tédio mesmo: de cabeça tão inclinada para trás, até se apoiar no mostrador de um defunto relógio de chaminé; dessa posição, os seus olhos consternados fitavam em baixo a Daisy, que poisava, assustada mas graciosa, na borda de uma cadeira.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 95
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Daisy
«A vibração juvenil da sua voz era como um tónico na chuva. Sentia-me forçado a seguir-lhe por instantes as ondulações, só com o ouvido, antes de poder estrair qualquer sentido das palavras. Uma madeixa húmida de cabelo atravessava-lhe a face como uma pincelada de azul, e a mão reluzia gotas de chuva quando lhe peguei para a ajudar a apear-se.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 95
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«É tempo que a pedra se decida a florir,
que ao desassossego palpite um coração.
É tempo que seja tempo.
É tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.15
que ao desassossego palpite um coração.
É tempo que seja tempo.
É tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.15
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Elogio da distância
«Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.13
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.13
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OS ANOS DE TI PARA MIM
O teu cabelo volta a ondular-se quando choro. Com o azul dos
teus olhos
pões a mesa do nosso amor: uma cama entre o verão e o
outono.
Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu, nem
um terceiro:
sorvemos um último vazio.
Miramo-nos nos espelhos do mar profundo e passamos mais
depressa um ao outro os alimentos:
a noite é a noite, começa com a manhã,
é ela que me deita a teu lado.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.11
teus olhos
pões a mesa do nosso amor: uma cama entre o verão e o
outono.
Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu, nem
um terceiro:
sorvemos um último vazio.
Miramo-nos nos espelhos do mar profundo e passamos mais
depressa um ao outro os alimentos:
a noite é a noite, começa com a manhã,
é ela que me deita a teu lado.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.11
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MARIANNE
Sem lilases é o teu cabelo, o teu rosto de espelho.
De olhos para olho segue a nuvem, como de Sodoma para Babel:
desfolha a torre como folhagem e brama em torno do arbusto de
enxofre.
Há então um relâmpago cortando a tua boca - aquele abismo
com os restos do violino.
Com dentes de neve há um que maneja o arco: mais belo o som
da cana!
Amada, também tu és a cana e nós todos a chuva;
o teu corpo um vinho sem igual, e somos dez a bebê-lo;
o teu coração uma barca no trigo, nós levamo-la em direcção à
noite;
um cantarinho azul, saltas assim ligeira sobre nós, e nós dor-
mimos...
Passa diante da tenda a centúria, e emborrachados levamos-te a
enterrar.
E soa então nas lages do mundo o duro táler dos sonhos.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.5
De olhos para olho segue a nuvem, como de Sodoma para Babel:
desfolha a torre como folhagem e brama em torno do arbusto de
enxofre.
Há então um relâmpago cortando a tua boca - aquele abismo
com os restos do violino.
Com dentes de neve há um que maneja o arco: mais belo o som
da cana!
Amada, também tu és a cana e nós todos a chuva;
o teu corpo um vinho sem igual, e somos dez a bebê-lo;
o teu coração uma barca no trigo, nós levamo-la em direcção à
noite;
um cantarinho azul, saltas assim ligeira sobre nós, e nós dor-
mimos...
Passa diante da tenda a centúria, e emborrachados levamos-te a
enterrar.
E soa então nas lages do mundo o duro táler dos sonhos.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.5
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«Ele não conhece o manto e não invocou a estrela e segue aquela
folha ondeando à sua frente.
«Oh, folha de erva», julga ele ouvir, «oh, flor do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.5
folha ondeando à sua frente.
«Oh, folha de erva», julga ele ouvir, «oh, flor do tempo.»
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p.5
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«E é evidente: conhecem-se os homens pelo que lêem
mas não só. Como matam - que armas usam -
e como se apaixonam - que palavras utilizam nas
declarações de amor. (...)»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 51
mas não só. Como matam - que armas usam -
e como se apaixonam - que palavras utilizam nas
declarações de amor. (...)»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 51
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40
E tendo já a flecha começado o seu caminho,
como a queres parar? Tal como a morte (que é coisa única:
se já começou não a poderás suspender),
também assim a tua vontade.
Bem mais fácil é decepar um braço grosso
e musculado. Vê pois como pensar é acto potente
e os seus efeitos - as ideias - são matéria resistente.
Vai veloz para um sítio; e que não tenhas tempo para recuar
- eis um conselho, Bloom.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 43
como a queres parar? Tal como a morte (que é coisa única:
se já começou não a poderás suspender),
também assim a tua vontade.
Bem mais fácil é decepar um braço grosso
e musculado. Vê pois como pensar é acto potente
e os seus efeitos - as ideias - são matéria resistente.
Vai veloz para um sítio; e que não tenhas tempo para recuar
- eis um conselho, Bloom.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 43
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''Uma frase começou a pulsar-me ao ouvido, numa espécie de excitação capitosa: «Neste mundo há só os perseguidos e os perseguidores, os empreendedores e os fatigados!»''
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 91
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 91
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Nova Iorque
« Nova Iorque vista da ponte de Queensboro é sempre a visão virgem da cidade, com a sua primeira promessa desvairada de todo o mistério e de toda a beleza do mundo.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 82
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 82
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«- Veio então a guerra, meu velho. Foi um grande alívio, e eu fiz todo o possível por morrer, mas até parece que havia um feitiço a proteger-me.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 80
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 80
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o grande Gatsby
«(...) os cigarros acesos descreviam trajectórias de gestos ininteligíveis.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 74
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Entendia-nos só até onde a nossa pessoa desejaria ser entendida
«Sorriu compreensivamente - não, muito mais do que isso. Era um destes raros sorrisos que trazem consigo uma espécie de confiança, como só os encontramos quatro ou cinco vezes na vida. Encarava por um instante - ou parecia encarar - todo o mundo exterior, e depois concentrava-se em nós com um preconceito irresistível a nosso favor. Entendia-nos só até onde a nossa pessoa desejaria ser entendida, acreditava em nós como gostaríamos de acreditar em nós próprios e assegurava-nos ter a nosso respeito, precisamente, a impressão que desejaríamos causar aos outros, nos nossos melhores momentos.»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 66
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o grande Gatsby
aposto que já matou alguém!
« - Um tipo que faz uma coisa destas tem o seu quê de esquisito - disse a outra pequena com ardor. - Ele não quer ter complicações com ninguém.
- Quem é que não quer? - perguntei.
- O Gatsby. Já alguém me disse...
As duas pequenas e a Jordan juntaram as cabeças em confidência:
- Alguém me disse que ele, segundo parece, matou em tempos um homem.
Um arrepio atravessou-nos. Os três Srs. Entre-Dentes inclinaram-se a escutar avidamente.
- Eu acho que não é bem isso - aduziu Lucille com cepticismo -, mas sim que ele foi espião da Alemanha durante a guerra.
Um dos homens acenou a confirmar:
-Ouvi dizer mesmo a um sujeito que o conhece bem, foram criados juntos na Alemanha - disse, com positiva convicção.
- Oh, não, não podia ser! - disse a primeira pequena. - Ele esteve no exército americano durante a guerra! - E como a nossa credulidade se polarizasse nela, continuou com fogosidade:
- Olhem-no bem quando ele não notar que o estão a observar: aposto que já matou alguém!»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 63
- Quem é que não quer? - perguntei.
- O Gatsby. Já alguém me disse...
As duas pequenas e a Jordan juntaram as cabeças em confidência:
- Alguém me disse que ele, segundo parece, matou em tempos um homem.
Um arrepio atravessou-nos. Os três Srs. Entre-Dentes inclinaram-se a escutar avidamente.
- Eu acho que não é bem isso - aduziu Lucille com cepticismo -, mas sim que ele foi espião da Alemanha durante a guerra.
Um dos homens acenou a confirmar:
-Ouvi dizer mesmo a um sujeito que o conhece bem, foram criados juntos na Alemanha - disse, com positiva convicção.
- Oh, não, não podia ser! - disse a primeira pequena. - Ele esteve no exército americano durante a guerra! - E como a nossa credulidade se polarizasse nela, continuou com fogosidade:
- Olhem-no bem quando ele não notar que o estão a observar: aposto que já matou alguém!»
F. Scott Fitzgerald. O Grande Gatsby. Prefácio e tradução de José Rodrigues Miguéis, 2.ª edição, Lisboa, 1986, p. 63
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sexta-feira, 15 de julho de 2011
«(...)conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres emoutrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua.»
Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.
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Estava aqui a ler umas coisas, sobre observações etnológicas que sugerem que os sentimentos, para os quais não há expressão verbal, são praticamente inexistentes. E isso leva-me a pensar na importância de toda a arte em transmitir o in(existente) dentro de cada um de nós. E, é nos livros, em cada palavra, que encontro a certeza de existir expressão, o sublime, a beleza, o fim último.
a mente da Rainha Isabel I
«Teve na pessoa de Roger Ascham um notável tutor, que afirmava não possuir a mente da rainha '' nenhuma dessas fraquezas próprias das mulheres...'' e que '' a sua perseverança e memória eram iguais às de um homem...''»
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Rainha Isabel I (1533-1603)
quinta-feira, 14 de julho de 2011
(...)
''Selvagem eu sou, embora me julgues branda''.
Thomas Wyatt. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 39
''Selvagem eu sou, embora me julgues branda''.
Thomas Wyatt. Antologia de Poesia Anglo-Americana. De Chaucer a Dylan Thomas. Selecção, tradução, prefácio e notas de António Simões. Campo das Letras, 1ª ed., 2002., p 39
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quarta-feira, 13 de julho de 2011
«Bloom, ele, de facto, procurará o impossível:
encontrar a sabedoria enquanto foge;
fugir enquanto aprende.»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 42
encontrar a sabedoria enquanto foge;
fugir enquanto aprende.»
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 42
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Uma viagem à índia
26
Só depois deste grito a ironia regressa,
dizendo, quando muito:
morro, é certo, mas mesmo assim
guardo uma elegante distância em relação
à minha morte.
Eis. Bloom, em traços largos,
a apresentação da velha ironia
que por vezes utilizaremos para evitar
rir às gargalhadas, ou chorar.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 37
dizendo, quando muito:
morro, é certo, mas mesmo assim
guardo uma elegante distância em relação
à minha morte.
Eis. Bloom, em traços largos,
a apresentação da velha ironia
que por vezes utilizaremos para evitar
rir às gargalhadas, ou chorar.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 37
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Uma viagem à índia
12
Cuidado com os homens que partem com vontade
e felizes: na primeira acção, se necessário,
serão capazes de matar.
Cuidado, pois, Bloom, com a tua vontade.
(Mas preocupa-te também, nesta viagem,
com o modo como fazes as coisas.)
Porém Bloom não parte de Lisboa feliz, o que já não é mau.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 33
e felizes: na primeira acção, se necessário,
serão capazes de matar.
Cuidado, pois, Bloom, com a tua vontade.
(Mas preocupa-te também, nesta viagem,
com o modo como fazes as coisas.)
Porém Bloom não parte de Lisboa feliz, o que já não é mau.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 33
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Uma viagem à índia
10
Falaremos da hostilidade que Bloom,
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou sabedoria
e esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 32
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou sabedoria
e esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto.
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 32
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Uma viagem à índia
"Her lips touched his brain as they touched his lips, as though they were a vehicle of some vague speech and between them he felt an unknown and timid pleasure, darker than the swoon of sin, softer than sound or odor."
James Joyce. A Portrait of the Artist as a Young Man, 1917
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james joyce
Que todas as viagens são sempre um regresso ao passado de onde nunca saímos
«Agora já sabe o que pressentia. Que não viajamos para nenhum paraíso. Que todas as viagens são sempre um regresso ao passado de onde nunca saímos.»
Eduardo Lourenço
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 15
Eduardo Lourenço
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Melancolia contemporânea (um itinerário). Prefácio Eduardo Lourenço. Editorial Caminho, 2ª ed., 2011., p. 15
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terça-feira, 12 de julho de 2011
Eu era assim.
«Mas sabem, senhores, qual era o ponto fulcral da minha maldade? Pois bem, a questão principal, o que verdadeiramente me doía assentava no facto de estar sempre, mesmo nos momentos mais viscerais, interna e envergonhadamente consciente de nem sequer ser um homem malévolo, muito menos amargo, de que me limitava a espantar pardais aleatoriamente e que me divertia com isso. Podiam espumar da boca, mas traziam-me uma boneca para brincar, davam-me uma chávena de chá com açúcar e era provável que conseguisse ser apaziguada. Podia até acontecer ficar genuinamente sensibilizado, embora depois, provavelmente, rangesse os dentes e ficasse durante meses acordado à noite com vergonha. Eu era assim.»
Fédor Dostoievski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 8
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Fédor Dostoiévski,
Notas do submundo
«Sou um homem doente...Sou um homem malévolo. Sou um homem repugnante. »
Fédor Dostoievski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 7
Fédor Dostoievski. Notas do Submundo. Trad. Rosário Morais da Silva. Publicações Europa-América, Lisboa, 2007., p. 7
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excerto,
Fédor Dostoiévski,
Notas do submundo
muita gente que não só me não deve nada como me não conhece
«(...), pessoas com quem trocava apenas cumprimentos da mais extremada cerimónia das vezes que se encontrava com elas.
- Ora, ora! Que honra ser das relações do Tavarede, o Tavarede porventura milionário, ora e sempre árbitro das petulâncias! - opôs Teodósio.
- Vi a acompanhar o féretro muita gente que não só me não deve nada como me não conhece - retorquiu Ricardo com secura.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.175
- Ora, ora! Que honra ser das relações do Tavarede, o Tavarede porventura milionário, ora e sempre árbitro das petulâncias! - opôs Teodósio.
- Vi a acompanhar o féretro muita gente que não só me não deve nada como me não conhece - retorquiu Ricardo com secura.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.175
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autores portugueses,
O arcanjo Negro
Essas mãos enxertaram rosas no caule dos cardos
«Mãos de Sísifo, infatigáveis, mãos de Eneias, piedosas mãos de Sepúlveda, crispadas de agonia, mãos abençoadas de demiurgo amassador de civilizações, salve! Essas mãos vestiram de messes o campo de Haceldama. Essas mãos enxertaram rosas no caule dos cardos. Petrificaram, ó Céus, no dia glorioso para a sociedade lusa, triunfante contra a desordem soprada para nossos lares pelo demónio das estepes e das neves eternais.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.170/1
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O arcanjo Negro
VII
«Ouviu Ricardo dar duas, três, quatro horas no relógio da sala, sem conseguir adormecer. Fechava as pálpebras, voltava-se para a direita, voltava-se para a esquerda, fazia por estancar em si o fluxo do pensamento, supunha-se despersonalizado e, de repente, da nebulosa, do magma sem consistência, da absurdez em suspensão que era o seu corpo, uma realidade soltava voz de presença; cá estou! Os sucessos do passado e do presente tornavam a discorrer na sua imaginação em desfiles caprichosos, tão concretos umas vezes que nem revestidos de materialidade, tão fátuos outras que nem puras formas sem nexo, nem senso espiritual.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.152
Mas não tenhas dúvida que os que se acachapam, que aderem, que batem palmas são a escumalha.
«Mas não tenhas dúvidas que os que se acachapam, que aderem, que batem palmas são a escumalha. Pau para toda a colher, quer dizerm donos de uma consciência cívica fraca como a porta das hospedarias, é ilusório fundamentar em tal espécie de gente a força dum regime e muito menos a dum povo. Acontecem estas fatalidades aos países apoucados e semibárbaros. Aqui está porque acima de tudo, independentemente do descalabro que sobrevém às ideias, me fazem pena os que morrem e os que serão acalcanhados sem piedade. Eram, pelo menos, o nervo da população democrática, e só em Portugal os homens não representam um valor como as mais coisas. Se representassem, outro galo nos cantaria. Mas, afinal, que é isto tudo perante a eternidade, como clamas tu e o cura, ali, de S.Paulo?!»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.152
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segunda-feira, 11 de julho de 2011
a observar
«Tavarede não soube ter palavras para responder e encostou-se ao peitoril a observar.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.136
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.136
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O arcanjo Negro
domingo, 10 de julho de 2011
Maldoror
*
Assentemos em poucas linhas como Maldoror foi bom nos seus primeiros anos, em que viveu feliz; está dito. Reparou depois que tinha nascido mau: fatalidade extraordinária! Ocultou o seu carácter enquanto pôde, durante um grande número de anos; mas, por fim, por causa desta concentração que lhe não era natural, todos os dias o sangue lhe subia à cabeça; até que, não podendo mais suportar tal vida, se atirou resolutantemente para a carreira do mal...doce atmosfera! Quem diria que, ao beijar uma criança de rosadas faces, gostaria de lhe arrancar as bochechas à navalha, e que muitas vezes o teria feito, se a Justiça, com o seu longo cortejo de castigos, o não tivesse impedido sempre! Não era mentiroso, ele, confessava a verdade e dizia-se cruel. Humanos, ouvis? Ele ousa repeti-lo com esta pena que treme!»
Conde de Lautréamont. Cantos de Maldoror. Trad. Pedro TamemPrefácio Jorge de Sena, 2ª edição, Moraes Editores,Lisboa, 1979, p. 17
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Conde de Lautréamont,
Isidore Lucien Ducasse,
poeta uruguaio
Isso para mim é grego!
« - Ricardo está a atravessar a fase contrária à do coração insatisfeito, quando se não sentia correspondido; correspondido como era seu entender...Sim senhora, a do amor desconfiado por se ver satisfeito...É a contracurva da estrada.
- Isso para mim é grego!
- Será complicado, será, mas há-de ver que bate certo. Creia, estamos em face duma psicose sentimental. E tudo leva a crer que seu marido lhe volte amável e rendido como dantes, mais depressa do que imagina.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.116
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excerto,
O arcanjo Negro
contrastes de humor
«De começo não ligara importância àqueles contrastes de humor, embora se sucedessem, gradativos como se um prisma monstruoso lhe decompusesse nos vários tons, de hora para hora, o espectro sentimental.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.111
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excerto,
O arcanjo Negro
Porque te não suicidas?
«Não te tomam a sério porque nunca andaste de braço dado com eles pelos sol-e-dós da política nem juraste morte ao padre no altar da deusa Razão. A tua insistência em querer abrir uma porta que te está fechada toca as raias da paranóia. Queres dar cabo de ti, dize, tomando semelhante tóxico?...Coitado, podias adoptar melhor processo! Mas se é assim, se andas realmente insatisfeito com a vida, se é possível caber tal absurdo no espírito dum homem dotado de tudo quanto pode gerar a felicidade, vale mais suicidares-te. Porque não te suicidas? É mais elegante, maças menos os teus amigos, incomodas por uma vez a família. Olha, Ricardo, não leves a mal - e se levas, pouco importa - mas permite que, em nome daquela correcção fraterna de que nos falavam os padres de S.Fiel, te aconselhe a reflectir, a reflectir e dar volta ao miolo de modo a trazeres para a vida activa, quer dizer, para a vida quotidiana, o resto do juízo que ainda possas conservar.»
Aquilino Ribeiro. O Arcanjo Negro. Livraria Bertrand, 1960., p.103
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O arcanjo Negro
Arbre
C’était lors de mon premier arbre,
J’avais beau le sentir en moi
Il me surprit par tant de branches,
Il était arbre mille fois.
Moi qui suis tout ce que je forme
Je ne me savais pas feuillu,
Voilà que je donnais de l’ombre
Et j’avais des oiseaux dessus.
Je cachais ma sève divine
Dans ce fût qui montant au ciel
Mais j’étais pris par la racine
Comme à un piège naturel.
C’était lors de mon premier arbre,
L’homme s’assit sous le feuillage
Si tendre d’être si nouveau.
Etait-ce un chêne ou bien un orme
C’est loin et je ne sais pas trop
Mais je sais bien qu’il plut à l’homme
Qui s’endormit les yeux en joie
Pour y rêver d’un petit bois.
Alors au sortir de son somme
D’un coup je fis une forêt
De grands arbres nés centenaires
Et trois cents cerfs la parcouraient
Avec leurs biches déjà mères.
Ils croyaient depuis très longtemps
L’habiter et la reconnaître
Les six-cors et leurs bramements
Non loin de faons encore à naître.
Ils avaient, à peine jaillis,
Plus qu’il ne fallait d’espérance
Ils étaient lourds de souvenirs
Qui dans les miens prenaient naissance.
D’un coup je fis chênes, sapins,
Beaucoup d’écureuils pour les cimes,
L’enfant qui cherche son chemin
Et le bûcheron qui l’indique,
Je cachai de mon mieux le ciel
Pour ses distances malaisées
Mais je le redonnai pour tel
Dans les oiseaux et la rosée.´
Jules Supervielle
J’avais beau le sentir en moi
Il me surprit par tant de branches,
Il était arbre mille fois.
Moi qui suis tout ce que je forme
Je ne me savais pas feuillu,
Voilà que je donnais de l’ombre
Et j’avais des oiseaux dessus.
Je cachais ma sève divine
Dans ce fût qui montant au ciel
Mais j’étais pris par la racine
Comme à un piège naturel.
C’était lors de mon premier arbre,
L’homme s’assit sous le feuillage
Si tendre d’être si nouveau.
Etait-ce un chêne ou bien un orme
C’est loin et je ne sais pas trop
Mais je sais bien qu’il plut à l’homme
Qui s’endormit les yeux en joie
Pour y rêver d’un petit bois.
Alors au sortir de son somme
D’un coup je fis une forêt
De grands arbres nés centenaires
Et trois cents cerfs la parcouraient
Avec leurs biches déjà mères.
Ils croyaient depuis très longtemps
L’habiter et la reconnaître
Les six-cors et leurs bramements
Non loin de faons encore à naître.
Ils avaient, à peine jaillis,
Plus qu’il ne fallait d’espérance
Ils étaient lourds de souvenirs
Qui dans les miens prenaient naissance.
D’un coup je fis chênes, sapins,
Beaucoup d’écureuils pour les cimes,
L’enfant qui cherche son chemin
Et le bûcheron qui l’indique,
Je cachai de mon mieux le ciel
Pour ses distances malaisées
Mais je le redonnai pour tel
Dans les oiseaux et la rosée.´
Jules Supervielle
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Les amis inconnus
Il vous naît un poisson qui se met à tourner
Tout de suite au plus noir d'une lame profonde,
Il vous naît une étoile au-dessus de la tête,
Elle voudrait chanter mais ne peut faire mieux
Que ses sœurs de la nuit, les étoiles muettes.
Il vous naît un oiseau dans la force de l'âge
En plein vol, et cachant votre histoire en son cœur
Puisqu'il n'a que son cri d'oiseau pour la montrer,
Il vole sur les bois, se choisit une branche
Et s'y pose ; on dirait qu'elle est comme les autres.
Où courent-ils ainsi ces lièvres, ces belettes,
Il n'est pas de chasseur encore dans la contrée
Et quelle peur les hante et les fait se hâter,
L'écureuil qui devient feuille et bois dans sa fuite,
La biche et le chevreuil soudain déconcertés ?
Il vous naît un ami et voilà qu'il vous cherche,
Il ne connaîtra pas votre nom ni vos yeux,
Mais il faudra qu'il soit touché comme les autres
Et loge dans son cœur d'étranges battements
Qui lui viennent des jours qu'il n'aura pas vécus.
Et vous que faites-vous, ô visage troublé,
Par ces brusques passants, ces bêtes, ces oiseaux,
Vous qui vous demandez, vous, toujours sans nouvelles :
Si je croise jamais un des amis lointains
Au mal que je lui fis, vais-je le reconnaître ?
Pardon pour vous, pardon pour eux, pour le silence
Et les mots inconsidérés,
Pour les phrases venant de lèvres inconnues
Qui vous touchent de loin comme balles perdues,
Et pardon pour les fronts qui semblent oublieux.
Jules Supervielle (1884-1960)
Les amis inconnus, 1934 – éditions Gallimard
Tout de suite au plus noir d'une lame profonde,
Il vous naît une étoile au-dessus de la tête,
Elle voudrait chanter mais ne peut faire mieux
Que ses sœurs de la nuit, les étoiles muettes.
Il vous naît un oiseau dans la force de l'âge
En plein vol, et cachant votre histoire en son cœur
Puisqu'il n'a que son cri d'oiseau pour la montrer,
Il vole sur les bois, se choisit une branche
Et s'y pose ; on dirait qu'elle est comme les autres.
Où courent-ils ainsi ces lièvres, ces belettes,
Il n'est pas de chasseur encore dans la contrée
Et quelle peur les hante et les fait se hâter,
L'écureuil qui devient feuille et bois dans sa fuite,
La biche et le chevreuil soudain déconcertés ?
Il vous naît un ami et voilà qu'il vous cherche,
Il ne connaîtra pas votre nom ni vos yeux,
Mais il faudra qu'il soit touché comme les autres
Et loge dans son cœur d'étranges battements
Qui lui viennent des jours qu'il n'aura pas vécus.
Et vous que faites-vous, ô visage troublé,
Par ces brusques passants, ces bêtes, ces oiseaux,
Vous qui vous demandez, vous, toujours sans nouvelles :
Si je croise jamais un des amis lointains
Au mal que je lui fis, vais-je le reconnaître ?
Pardon pour vous, pardon pour eux, pour le silence
Et les mots inconsidérés,
Pour les phrases venant de lèvres inconnues
Qui vous touchent de loin comme balles perdues,
Et pardon pour les fronts qui semblent oublieux.
Jules Supervielle (1884-1960)
Les amis inconnus, 1934 – éditions Gallimard
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É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!...
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 174
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 174
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«Toda a beleza espectral, transferida, sucedânea,
Toda essa Beleza-sem-Suporte,
Desconjuntada, emersa, variável sempre
E livre - em mutações contínuas,
Em insondáveis divergências...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 173
Toda essa Beleza-sem-Suporte,
Desconjuntada, emersa, variável sempre
E livre - em mutações contínuas,
Em insondáveis divergências...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 173
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«Vou-me mais e mais enternecendo
Até chorar por Mim...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 170
Até chorar por Mim...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 170
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sábado, 9 de julho de 2011
«Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito para festas. Larguem-me! Deixem-me sosse-
Não fui feito para festas. Larguem-me! Deixem-me sosse-
[gar!...
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 157
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«Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 157
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 157
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Último soneto
Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...
Pensei que fosse o meu o teu cansaço -
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...
E fugiste...Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 153/4
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.
Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...
Pensei que fosse o meu o teu cansaço -
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...
E fugiste...Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 153/4
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«Deram-me beijos sem os ter pedido...
Mas como sempre, ao fim -bandeiras pretas,
Tômbolas falsas, carroussel partido...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 146
Mas como sempre, ao fim -bandeiras pretas,
Tômbolas falsas, carroussel partido...»
Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro. Poesias II. Colecção Poesia. Edições Ática., p. 146
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Virginia's Farewell Letter to Her Husband
Virginia Woolf (1882-1941) was an English novelist, essayist, biographer, and feminist. Woolf was a prolific writer, whose modernist style changed with each new novel.[1] Her letters and memoirs reveal glimpses of Woolf at the center of English literary culture during the Bloomsbury era. Woolf represents a historical moment when art was integrated into society, as T.S. Eliot describes in his obituary for Virginia. “Without Virginia Woolf at the center of it, it would have remained formless or marginal…With the death of Virginia Woolf, a whole pattern of culture is broken.”[2]
Virginia Adeline Stephen was the third child of Leslie Stephen, a Victorian man of letters, and Julia Duckworth. The Stephen family lived at Hyde Park Gate in Kensington, a respectable English middle class neighborhood. While her brothers Thoby and Adrian were sent to Cambridge, Virginia was educated by private tutors and copiously read from her father’s vast library of literary classics. She later resented the degradation of women in a patriarchal society, rebuking her own father for automatically sending her brothers to schools and university, while she was never offered a formal education.[3] Woolf’s Victorian upbringing would later influence her decision to participate in the Bloomsbury circle, noted for their original ideas and unorthodox relationships. As biographer Hermione Lee argues “Woolf was a ‘modern’. But she was also a late Victorian. The Victorian family past filled her fiction, shaped her political analyses of society and underlay the behaviour of her social group.”[4]
Mental Illness
In May 1895, Virginia’s mother died from rheumatic fever. Her unexpected and tragic death caused Virginia to have a mental breakdown at age 13. A second severe breakdown followed the death of her father, Leslie Stephen, in 1904. During this time, Virginia first attempted suicide and was institutionalized. According to nephew and biographer Quentin Bell, “All that summer she was mad.”[5] The death of her close brother Thoby Stephen, from typhoid fever in November 1906 had a similar effect on Woolf, to such a degree that he would later be re-imagined as Jacob in her first experimental novel Jacob’s Room and later as Percival in The Waves. These were the first of her many mental collapses that would sporadically occur throughout her life, until her suicide in March 1941.
Though Woolf’s mental illness was periodic and recurrent, as Lee explains, she “was a sane woman who had an illness.”[6] Her “madness” was provoked by life-altering events, notably family deaths, her marriage, or the publication of a novel. According to Lee, Woolf’s symptoms conform to the profile of a manic-depressive illness, or bipolar disorder. Leonard, her dedicated lifelong companion, documented her illness with scrupulousness. He categorized her breakdowns into two distinct stages:
“In the manic stage she was extremely excited; the mind race; she talked volubly and, at the height of the attach, incoherently; she had delusions and heard voices…she was violent with her nurses. In her third attack, which began in 1914, this stage lasted for several months and ended by her falling into a coma for two days. During the depressive stage all her thoughts and emotions were the exact opposite of what they had been in the manic stage. She was in the depths of melancholia and despair; she scarcely spoke; refused to eat; refused to believe that she was ill and insisted that her condition was due to her own guilt; at the height of this stage she tried to commit suicide.”[7]
During her life, Woolf consulted at least twelve doctors, and consequently experienced, from the Victorian era to the shell shock of World War I, the emerging medical trends for treating the insane. Woolf frequently heard the medical jargon used for a “nervous breakdown,” and incorporated the language of medicine, degeneracy, and eugenics into her novel Mrs. Dalloway. With the character Septimus Smith, Woolf combined her doctor’s terminology with her own unstable states of mind. When Woolf prepared to write Mrs. Dalloway, she envisioned the novel as a “study of insanity and suicide; the world seen by the sane and the insane side by side.” When she was editing the manuscript, she changed her depiction of Septimus from what read like a record of her own experience as a “mental patient” into a more abstracted character and narrative. However, she kept the “exasperation,” which she noted, should be the “dominant theme” of Septimus’s encounters with doctors.
Virginia's Farewell Letter to Her Husband:
'Dearest, I feel certain I am going mad again. I feel we can't go through another of those terrible times. And I shan't recover this time. I begin to hear voices, and I can't concentrate. So I am doing what seems the best thing to do. You have given me the greatest possible happiness. You have been in every way all that anyone could be. I don't think two people could have been happier till this terrible disease came. I can't fight any longer. I know that I am spoiling your life, that without me you could work. And you will I know. You see I can't even write this properly. I can't read. What I want to say is I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that - everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can't go on spoiling your life any longer.
I don't think two people could have been happier than we have been.
V.'
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