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domingo, 5 de fevereiro de 2023
Se eu vos disser: «tudo abandonei»
É porque ela não é a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
Não é verdade
E a bruma de fundo em que me movo
Não sabe nunca se eu passei.
O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o único a falar deles,
O único a ser cingido
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que não tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delícias.
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo,
Eu canto por cantar, amo-te para cantar
O mistério em que o amor me cria e se liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
“A de Sempre, Toda Ela”, de Paul Éluard
quarta-feira, 20 de julho de 2011
IN MEMORIAM PAUL ÉLUARD
Depõe no túmulo do morto as palavras
que ele pronunciou para viver.
Deita-lhe a cabeça entre elas,
fá-lo sentir
as falas da nostalgia,
as facas.
Depõe sobre as pálpebras do morto a palavra
que ele recusa àquele
que o tratava por tu,
a palavra
que viu passar por ela o sangue do seu coração,
quando uma mão, despida como a sua,
atou aquele que o tratava por tu
às árvores do futuro.
Depõe-lhe esta palavra sobre as pálpebras:
talvez
surja nos seus olhos, ainda azuis,
um outro, mais estranho, tom de azul,
e aquele que o tratava por tu
sonhe com ele: Nós.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 63
que ele pronunciou para viver.
Deita-lhe a cabeça entre elas,
fá-lo sentir
as falas da nostalgia,
as facas.
Depõe sobre as pálpebras do morto a palavra
que ele recusa àquele
que o tratava por tu,
a palavra
que viu passar por ela o sangue do seu coração,
quando uma mão, despida como a sua,
atou aquele que o tratava por tu
às árvores do futuro.
Depõe-lhe esta palavra sobre as pálpebras:
talvez
surja nos seus olhos, ainda azuis,
um outro, mais estranho, tom de azul,
e aquele que o tratava por tu
sonhe com ele: Nós.
Paul Celan. Sete Rosas Mais Tarde. Edição Bilingue. Antologia Poética, 3ª edição. Selecção, tradução e introdução de João Barrento e Y. K. Centeno. Edições Cotovia, 1996., p. 63
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