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quinta-feira, 26 de junho de 2014

A Prostituição [Isidore Ducasse - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro]

Fiz um pacto com a prostituição para semear a desordem nas famílias.
Recordo-me da noite que precedeu esta perigosa ligação. Vi um túmulo à minha frente. Ouvi um pirilampo, grande como uma casa, que me disse: "Vou-te alumiar. Lê a inscrição. Não é de mim que vem esta ordem suprema." Uma vasta luz cor de sangue, em face da qual me bateram os dentes e os braços me caíram inertes, espalhou-se pelos ares, até ao horizonte. Apoiei-me contra um muro em ruínas, pois estava quase a cair, e li: "Aqui jaz um adolescente que morreu de tísica. Bem sabeis porquê. Não oreis por ele." Muitos homens não teriam tido, talvez, a coragem que eu tive.
Entretanto uma bela mulher, nua, veio deitar-se a meus pés. E eu para ela, de rosto triste: "Podes levantar-te." Estendi-lhe a mão com que o fratricida corta o pescoço à irmã. Diz-me o pirilampo: "Pega numa pedra e mata-a." "Porquê?", disse eu. E ele: "Toma cuidado contigo. És o mais fraco, porque eu sou o mais forte. Esta chama-se prostituição."
De lágrimas nos olhos, a raiva no coração, senti nascer em mim uma força desconhecida. Peguei numa grande pedra. Depois de muitos esforços, ergui-a a custo à altura do peito. Coloquei-a em cima do ombro, com os braços. Subi a uma montanha, até ao alto. Dali, esmaguei o pirilampo.

A Maldade [Isidore Ducasse - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro]

Deve-se deixar crescer as unhas durante quinze dias. Oh como é doce arrancar brutalmente da cama uma criança que nada tem ainda sobre o lábio superior e, com os olhos bem abertos, fingir que se lhe passa suavemente a mão na testa, inclinando-lhe para trás os seus lindos cabelos. Depois, de repente, no momento em que ela menos espera, enterrar-lhe as unhas compridas no peito mole, de modo a que não morra! Porque, se morresse, não se teria mais tarde o espectáculo das suas misérias!... Seguidamente, bebe-se o sangue lambendo as feridas. E durante esse tempo, que devia durar tanto quanto dura a eternidade, a criança chora! Nada é tão bom como o seu sangue, extraído como acabo de dizer, e ainda quentinho, a não ser as suas lágrimas, amargas como sal. Homem, nunca provaste do teu sangue quando por acaso te cortaste num dedo? É bom, não é? Porque não tem gosto nenhum.

O Herói [Isidore Ducasse - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro - António Rafael]

Direi em poucas palavras como Maldoror foi bom.
Direi em poucas palavras como Maldoror foi bom nos seus primeiros anos.
Direi em poucas palavras como Maldoror foi bom nos seus primeiros anos em que viveu feliz.
Está dito!
Apercebeu-se depois que tinha nascido mau. Fatalidade extraordinária! Escondeu o seu carácter tanto quanto pôde, durante um grande número de anos. Mas por fim, por causa desta concentração que não lhe era natural, todos os dias o sangue lhe subia à cabeça. Até que, não podendo mais suportar tal vida, se atirou resolutamente para a carreira do mal. Doce atmosfera! Quem diria? Quando beijava uma criança de rosadas faces teria gostado de lhe arrancar as bochechas à navalhada, e tê-lo-ia muitas vezes feito se a justiça, com o seu longo cortejo de castigos, o não tivesse sempre impedido. Não era mentiroso, confessava a verdade e dizia-se cruel. Humanos, ouvis? Ele ousa repeti-lo com esta voz que treme! Ele é então um poder mais forte que a vontade... Maldição!

domingo, 10 de julho de 2011

Maldoror

*


   Assentemos em poucas linhas como Maldoror foi bom nos seus primeiros anos, em que viveu feliz; está dito. Reparou depois que tinha nascido mau: fatalidade extraordinária! Ocultou o seu carácter enquanto pôde, durante um grande número de anos; mas, por fim, por causa desta concentração que lhe não era natural, todos os dias o sangue lhe subia à cabeça; até que, não podendo mais suportar tal vida, se atirou resolutantemente para a carreira do mal...doce atmosfera! Quem diria que, ao beijar uma criança de rosadas faces, gostaria de lhe arrancar as bochechas à navalha, e que muitas vezes o teria feito, se a Justiça, com o seu longo cortejo de castigos, o não tivesse impedido sempre! Não era mentiroso, ele, confessava a verdade e dizia-se cruel. Humanos, ouvis? Ele ousa repeti-lo com esta pena que treme!»




Conde de Lautréamont. Cantos de Maldoror. Trad. Pedro TamemPrefácio Jorge de Sena, 2ª edição, Moraes Editores,Lisboa, 1979, p. 17
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