segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Julia Margaret Cameron:Ophelia

Varium et mutabile semper femina

Virgílio


*A mulher sempre inconstante e mutável
Privados de luz, os homens caminham,
fortificados na sua própria sede

De rerum natura

Lucrécio

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

«Decididamente, minha amiga, maças-me sem dó nem piedade; dir-se-ia, ao ouvir-te suspirar, que sofres mais que as sexagenárias que respingam o restolho das searas e do que as velhas mendigas que apanham migalhas de pão à porta das tabernas.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p. 32

Sou o último e o mais solitário dos homens

«(...), todo encolhido contra o pedestal, levanta os olhos cheios de lágrimas para a imortal Divindade.
    E os seus olhos dizem: - «Sou o último e o mais solitário dos homens, privado do amor e da amizade, e nisto bem inferior ao mais imperfeito dos animais. E todavia sei-me capaz, eu também, de compreender e sentir a Beleza imortal! Ah! Deusa! tende piedade da minha tristeza e do meu delírio!»
    Mas a Vénus implacável olha não sei para quê de longínquo com os seus olhos de mármore.»



Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.24

Imagens evasivas da leitura

Vivo a minha vida em círculos cada vez maiores
que sobre as coisas se entendem.

Rainer Maria Rilke, Sonetos a Orpheu


op.cit, Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 147

Isabella Grace, 5 Princes Gardens, South Kensington (1864), by Lady Clementina Hawarden

«O grande pássaro materno é um cadáver,»


Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 116
Ela ilude-se
na delícia dos rostos, entre
trincheiras guarnecidas com celusas. Todo
este calor superficial nos seus olhos
de sombra demasiado pura de metáforas,
estas desculpáveis indiscrições.
Ela curva-se, ondula. A calma medida da tempestade
atinge-a na forma mais viva do seu equilíbrio. Prisioneira
de um erudito desejo de agradar,
assemelha-se a essas águias enredadas
nas suas próprias lembranças: finge ignorar
os cavalos, o mar assombrado. Bruscamente,
compõe aos pés deliciosos do animal
um caniço cercado de silêncios
e de compridas tapeçarias.


Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 95

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

nem a espada
nem o touro
nem o medo:
a fonte está lá e
segreda-lhe ao ouvido
que ela é eterna,
que o seu ser possui
a nascente,
a sua sede, a sua perenidade,
um busto de alabastro,
uma memória de gaio.


Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 79

Fragmento de algum oceano imaginário

Ele falava de coisas que estão num lugar qualquer
onde os nossos deuses não habitam - coisas que
faltavam mas que estavam já no coração.
Os nossos deuses são velhos. Esqueceram-se de nós
como de muitos filhos (bastardos).


Fernando Pessoa, O privilégio dos caminhos


op. cit Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 64
Em ti desejava captar
a águia e os seus instintos.
Poder pintar o nevoeiro
da claridade solar.

Sinto que em ti palpita
o meu pensamento.

Depois do silêncio
virá uma fuga húmida.
Depois da tua natureza: uma curva
que respira. Os teus lábios
livres - purificados.



Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 47
«Dormias, entre
lençóis de tesouras entrançadas.
Dormias.
Não me atrevi a tocar-te.


Gérard de Cortanze. O movimento das coisas. Tradução de Isabel Aguiar Barcelos. Campo das Letras Editores, Porto, 2002., p. 17

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

«E agora a profundeza do céu consterna-me; a sua limpidez exaspera-me. A insensibilidade do mar, a imutabilidade do espectáculo, revoltam-me...Ah! será preciso sofrer eternamente, ou fugir eternamente do belo?
   Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, deixa-me! Cessa de provocar os meus desejos e o meu orgulho! O estudo da beleza é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.14
«(...) todas estas coisas pensam através de mim, ou eu através delas (pois na grandeza do sonho, o eu perde-se depressa!);»


Charles Baudelaire. O Spleen de Paris. Pequenos poemas em prosa. Tradução de António Pinheiro Guimarães. Relógio D'Água, Lisboa, 1991.,p.13

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

domingo, 13 de fevereiro de 2011

«O que não é luz, é Pedra.»


Octavio Paz
«O império da beleza inspira respeito e até o celerado mais corrompido lhe presta, apesar de tudo, uma espécie de culto que não infringe sem sentir remorsos.»


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 93

Beatrice, 19th October 1870, by Julia Margaret Cameron

Mia vita, a te non chiedo lineamenti
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.

Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.

Eugenio Montale in Ossi di seppia
Portami il girasole ch'io lo trapianti
nel mio terreno bruciato dal salino,
e mostri tutto il giorno agli azzurri specchianti

del cielo l'ansietà del suo volto giallino.

Tendono alla chiarità le cose oscure,
si esauriscono i corpi in un fluire
di tinte: queste in musiche.
Svanire è dunque la ventura delle venture.


Eugenio Montale in Ossi di seppia

sábado, 12 de fevereiro de 2011

«Mas eu não conhecia o coração que procurava enternecer.»


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 44

The Kiss of Peace, by Julia Margaret Cameron (c.1869)




"A picture instinct with delicate observation, sweetness and refinement. One of the noblest works ever produced by photography." 

 P. H. Emerson
«Todos os dias, a todos os minutos, tereis diante dos olhos essa mãe terna a que a vossa mão bárbara terá lançado no túmulo, ouvireis a sua voz queixosa pronunciar mais uma vez o doce nome que foi o encanto da vossa infância...Ela aparecer-vos-á nas nossas vigílias, perseguir-vos-á nos vossos sonhos, abrirá com as suas mãos ensanguentadas todas as feridas que lhe tiverdes causado. Deste então, nunca mais tereis um momento de sossego na Terra, todos os vossos prazeres serão envenenados, todas as vossas ideias se perturbarão, e a mão celeste, cujo poder ignorais, vingará os dias que tiverdes destruído, deteriorará todos os vossos, e sem que tenhais fruído o resultado da vossa malvadez perecereis do remorso mortal de terdes ousado pô-la em prática.»




Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 44
«O momento do despertar é o mais fatal para os infortunados.»


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 30
«Todas as vezes que cortava pão, punha-se um cestinho por baixo para recolher o que caía e a que se juntava cuidadosamente as migalhas das refeições. Aos domingos tudo isso era frito com um pouco de manteiga rançosa e constituía o banquete desse dia de descanso.»



Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 22
«(...) A virtude que tanto alardeais não serve para nada deste mundo e por muito que a exibais ninguém vos dará um copo de água por ela. As pessoas que como nós se prestam a dar esmola, uma das coisas que fazemos menos e que mais nos repugna, querem ser recompensadas pelo dinheiro que tiram do bolso.»


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 16
«Quanto mais empobrecia mais me desprezavam; quanto mais precisava de auxílio menos esperança tinha de o obter ou mais propostas indignas e ingnominiosas me faziam.»



Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p. 16

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

«Tu sabes, basta um pouco de chuva
          para reverdecer a erva dos caminhos.»


Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 170

Na montanha

Das águas do Jing emergem rochas brancas,
       num céu gélido revolteiam folhas púrpura.
Não choveu nos caminhos da montanha,
       mas minha cabaia humedecida pelo azul do vazio.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 167

Adeus à Primavera

Os dias cada vez mais vazios, eu envelhecendo,
        mas todos os anos trazem de volta a Primavera.
Meus pequenos prazeres numa taça de vinho,
        para quê lamentar o esvoaçar das flores.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 153

Adeus

Desces do cavalo, encho-te a taça de vinho,
        peço-te notícias, não pareces feliz.
''Estou de regresso, vou descansar nos montes do Sul.''
        Podes partir, não faço mais perguntas.
Nas montanhas, nuvens brancas ao encontro do céu.



_________________
O interlocutor do poeta é, segundo alguns comentadores chineses,
o também poeta e mandarim Meng Haoran (690-740) que, caído em
desgraça, procura a paz, a liberdade, nas montanhas, entre nuvens e céu.
Wang Wei sabe. Quem depende dos homens está sujeito a mil mudanças,
quem depende da Natureza é eterno.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 137

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Crepúsculo outonal na montanha

Depois da chuva, na montanha vazia,
          a frescura do entardecer anunciando o Outono.
Os pinheiros filtrando raios de luar,
          um arroio de cristal brincando sobre as pedras.
Os bambus sussurrando, as lavadeiras regressando,
          os lótus ondulando, a barca do pescador oscilando.
Pouco a pouco esvai-se o perfume da Primavera.
          Sim, como conservá-lo?


__________________________
Os pinheiros, verdes todo o ano, as pedras, imutáveis, evocam a permanência,
a longevidade, enquanto o luar e as águas a correr simbolizam a imaterialidade
das coisas. Em Wang Wei tudo se entrelaça.




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 135
Como pesa, no corpo, a mais leve de todas as sedas!


Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 125

Alma ausente

No te conoce el toro ni la higuera,
ni caballos ni hormigas de tu casa.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.

No te conoce el lomo de la piedra,
ni el raso negro donde te destrozas.
No te conoce tu recuerdo mudo
porque te has muerto para siempre.

El otoño vendrá con caracolas,
uva de niebla y montes agrupados,
pero nadie querrá mirar tus ojos
porque te has muerto para siempre.

Porque te has muerto para siempre,
como todos los muertos de la Tierra,
como todos los muertos que se olvidan
en un montón de perros apagados.

No te conoce nadie. No. Pero yo te canto.
Yo canto para luego tu perfil y tu gracia.
La madurez insigne de tu conocimiento.
Tu apetencia de muerte y el gusto de su boca.

La tristeza que tuvo tu valiente alegría.
Tardará mucho tiempo en nacer, si es que nace,
un andaluz tan claro, tan rico de aventura.
Yo canto su elegancia con palabras que gimen
y recuerdo una brisa triste por los olivos.


Frederico García Lorca

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A natureza do mal

«Serão uma mesma coisa [o bem e o mal], pela qual testemunhamos com raiva
nossa impotência, e a paixão de alcançar o infinito, mesmo pelos meios mais
insensatos? Ou então, serão duas coisas diferentes? Sim... que sejam antes a
mesma coisa... pois senão, o que será de mim no dia do juízo?»


 Lautréamont. Os cantos de Maldoror, Poesias, Cartas., p. 78


coroada morte à qual serei levada pelo voo

Ode II

Igual dos deuses esse homem
me parece: diante de ti
sentado, e tão próximo, ouve
a doçura da tua voz,

e o teu riso claro e solto. Pobre
de mim: o coração me bate
de assustado. Num ápice te vejo
e a voz me vai;

a língua paralisa; um arrepio
de fogo, fugaz e fino,
corre-me a carne; enevoados
os olhos; tontos os ouvidos.

O suor me toma, um tremor
me prende. Mais verde sou
do que uma erva – e de mim
não me parece a morte longe…



Alvim, P. tr. Safo de Lesbos. São Paulo: Ars Poética, 1992.
Presumível retrato da poeta grega Safo.
Pintura proveniente de Pompeia. Colecção Roger-Viollet

Semelhante aos deuses me parece
o homem que diante de ti se senta
e, tão doce, a tua voz escuta,

ou amoroso riso – que tanto agita
meu coração de súbito, pois basta ver-te
para que nem atine com o que diga,

ou a língua se me torne inerte.
Um subtil fogo me arrepia a pele,
deixam de ver meus olhos, zunem meus ouvidos,

o suor inunda-me o corpo de frio,
e tremendo toda, mais verde que as ervas,
julgo que a morte não pode já tardar.


Eugénio de Andrade. Poemas e Fragmentos de Safo. Porto, Limiar, 1974

Na primavera, pensamentos da mulher sozinha

Dói muito olhar a chuva, caindo como rolos de seda,
         a saudade cresce quando o vento da Primavera rasga o
                                                                                    [céu.

Caem flores sobre a terra coberta de musgo,
          dia após dia, ninguém me vem visitar.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 117

Partindo de madrugada para o desfiladeiro de Ba

De madrugada, com restos de Primavera,
          deixo a capital, rumo ao desfiladeiro de Ba.
Uma mulher lava roupa nas águas limpas do rio,
          os pássaros chilreiam ao sol da manhã.
Sobre as águas, faz-se o comércio nos barcos,
          há pontes suspensas do topo das árvores.
Subo a um monte, emergem cem aldeias,
           lá longe, dois rios brilham como prata.
As pessoas falam estranhos dialectos,
           mas os pintassilgos cantam, como na minha terra.
Sou capaz de reconhecer a paisagem,
           minha tristeza se atenua.




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 107

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

«Sinto saudades do meu amigo, em viagem,
          ergo a taça, não sou capaz de beber.»



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 91
«Não, não sou ainda um velho,
           ao meu coração compraz a vida de ermita.»



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 90

VI

Após a chuva da noite, os botões da flor de pessegueiro
        aveludadamente rosa,
com a névoa da manhã, os rebentos de salgueiro
        intensamente verdes.
Os criados não varreram o tapete de pétalas caídas,
        os rouxinóis cantam, o homem da montanha dorme ain-
                                                                                       [da.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 71
«O caminho foi espinhoso, ninguém duvida com certeza, pois é através da mais humilhante e dura aprendizagem que tais raparigas triunfam na vida. A que hoje se deita no leito de um príncipe talvez ainda tenha no corpo as marcas humilhantes da brutalidade dos libertinos depravados em cujas mãos a lançaram a sua estreia, a sua juventude e a sua inexperiência.»


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.9/10
« (...) Vim pedir-vos os conselhos de que a minha juventude e a minha infelicidade necessitam e vós quereis que os pague com um crime...»


Justine


Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.9
« (...), acontece infelizmente que devido à perversidade alheia só se nos deparam espinhos, enquanto os maus só colhem rodas, que admira que pessoas privadas de um fundo de virtude tão grande que lhes permite colocarem-se acima das reflexões resultantes de tão tristes circunstâncias pensem que mais vale abandonarem-se à torrente do que resistir-lhe e digam que a virtude, por muito bela que seja, quando infelizmente é demasiado fraca para lutar contra o vício se transforma no pior partido que se pode tomar e que num século inteiramente corrompido o mais seguro é proceder como os outros? Um pouco mais instruídos, se quisermos, e abusando das luzes adquiridas, não dirão como o anjo Jesrad, de Zadig, que não há mal donde não provenha bem?»



Marquês de Sade. Justine ou Os Infortúnios da Virtude. Tradução de Adelino dos Santos Rodrigues. Livros de bolso Europa-América, 2003., p.5

A lua sobre o rio do Leste

A lua sai de dentro da montanha,
      eleva-se, devagar, sobre o portão da casa.
Mil árvores perfuram a humidade do céu,
      nuvens negras voam no espaço.
De súbito, o luar embranquece a floresta,
     a terra respira no orvalho frio.
Águas de Outono cantam nas cascatas,
     uma névoa azul paira sobre as rochas,
sombras partidas abraçam cumes vazios.
     Como num sonho, tudo é transparente, puro.
De pé, à janela, diante do rio.
     de madrugada, sonolento, sem pensar.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 63
«Invisíveis as gentes do lugar,
         a névoa principia aos pés da minha cama.»



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 62

Em Qizhou, adeus a Zu, o Terceiro

No reencontro, apenas o tempo de um sorriso,
            logo depois, na despedida, lágrimas nos olhos.
As salas tristes, amarga, deserta a cidade,
           frio o céu, distantes, puras, as montanhas.
Cai a tarde, correm as águas do grande rio.
         A tua barca parte, de velas enfunadas,
eu, de pé, na margem, os meus olhos em ti,
        um longo momento.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 59
«Se um dia me sorrir a ventura do regresso,
         ficará a tristeza, os cabelos embranquecidos pelos anos.»



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 57

Meditando no Outono

No alpendre, um vento gelado
         atravessa a minha roupa fina.
É noite, ressoam os últimos tambores,
         goteja a água na clepsidra de jade.
A lua atravessa a Via Láctea,
         embebeda-a de luz.
Uma pega salta de uma árvore de Outono,
        uma chuva de folhas cai.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 56
«Não me vou perder quando um dia aqui voltar,
          acordarei ao nascer da aurora, subirei a montanha.»



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 53

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A senhora Xi

As boas graças do presente
         não fazem esquecer os anos do passado.
Os olhos cheios de lágrimas,
        jamais disse uma palavra ao príncipe de Chu.



___________________

Este jueju, apenas vinte caracteres, necessita, ao bom modo dos comentado-
res chineses, de uma longa explicação.
Terá sido composto em circunstâncias muito particulares, por ordem do príncipe
Ning, irmão do imperador Xuanzong.
O príncipe, apesar de possuir já dez mulheres no seu serralho, cobiçou a esposa
bonita de um pasteleiro da cidade e acabou por fazer dela sua concubina, recom-
pensando o homem com umas tantas moedas de prata. Um ano mais tarde,
perguntou à agora sua concubina favorita se ela ainda recordava o antigo marido.
Como sempre, a mulher não falou e o príncipe deu ordens para trazerem o padei-
ro à presença de ambos. A concubina, ao olhar o marido, começou a chorar.
O príncipe Ning pediu então aos poetas presentes na corte que compusessem
um poema sobre o sucedido. Wang Wei  tinha 20 anos e improvisou este jueju.
No entanto, ao referir o príncipe de Chu, recordava uma outra história.
Em 680 a.c., o príncipe de Chu derrotou o príncipe de Xi e ficou com a esposa
deste último. A mulher deu-lhe dois filhos, mas jamais pronunciou uma só palavra
na presença do novo senhor. Um dia explicou porquê: ' Eu, pobre de mim, fui
condenada a servir dois amos. Incapaz de encontrar a morte, que posso então
dizer?''
Com este poema, ao recordar uma história esquecida, Wang Wei impressionou
de tal modo o príncipe Ning, e a corte, que a mulher do pasteleiro foi entregue
ao seu primeiro marido.





Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 48

Subindo à torre da muralha de Hebei

Na aldeia, sobre a falésia de Fu,
        o pavilhão dos viajantes, entre bruma e nuvens.
Do alto da muralha, contemplo o sol poente,
        o rio distante espelha as montanhas verdes.
Nas águas, uma luz brilha em barca solitária,
        anoitece, pescadores e aves, de regresso.
Adormecem os espaços do céu e da terra
        e meu coração em paz, como o grande rio.




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 47

Canções de uma noite de Outono

I


Na longa noite, gota a gota, cai a água na clepsidra,
       as nuvens finas, dispersas, deixam passar o luar.
Escondidos, os insectos de Outono inundam de canções o ar.
      Não chegou ainda a roupa de Inverno, oxalá a geada não
                                                                       [comece a cair.

II

Brilhante a acácia na lua, suave o orvalho de Outono,
      ela não despiu a túnica de seda leve.
Rasga a noite, dedilhando a lira de prata,
     perturbada, não deseja o regresso ao quarto vazio.




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 37

A leste das montanhas, recordando meus irmãos

Solitário, estranho em terra estranha,
      em dia de festa, mais viva a saudade dos meus.
Eu sei, lá longe, meus irmãos subindo ao alto,
      levando, cada um, um ramo de abrunheiro.



Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 34

Inscrição jovial numa pedra

Os seixos bonitos na nascente cristalina,
         um ramo de salgueiro pincelando,
ao de leve, a minha taça de vinho.
        Se o vento da Primavera
ignora o sentir de um coração
        porque sopra para mim as pétalas da flor?




Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 31

' (...) após contemplar um quadro de Wang Wei, Su Dongbo escreve:'

'' Ele ultrapassou todos os limites, tem as asas de um imortal que paira por cima da gaiola.[...] Olhei um dos quadros, longamente. Retirei-me em silêncio, incapaz de pronunciar uma palavra.''

Su Dongbo in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 23
(...)

Eis aqui o lago Longting,
         mais além a trança prateada de um ribeiro.
O vento suspira na copa das árvores,
         as nuvens amontoam-se num tropel.
Será que o pescador, remando solitário,
        Vai encontrar abrigo, antes de anoitecer?



Du Fu in Clássicos Chineses. Poemas de Wang Wei. Tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Instituto Cultural de Macau, 1993, p. 22

Ervas sobre a planície antiga: uma canção de despedida

Aqui e ali, surgem ervas na planície,
Em cada ano morrem e renascem.
Fogos selvagens queimam-nas, não as matam,
Com o vento primaveril, ei-las outra vez!
A fragrância, longínqua, perfuma a via antiga:
Um feixe de esmeraldas nas velhas ruínas.
É tempo, outra vez, de dizermos adeus,
E do senhor que parte se despedem elas.

Bai Juyi

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ESTRAGON     Há quanto tempo é que estamos juntos? 
VLADIMIR       Não sei. Talvez há cinquenta anos.
ESTRAGON     Lembras-te do dia em que me atirei ao rio
                          Ródano?
VLADIMIR       Andávamos nas vindimas.
ESTRAGON     Foste tu que me tiraste lá de dentro.
VLADIMIR       Isso já está morto e enterrado.
ESTRAGON     As minhas roupas secaram ao sol.
VLADIMIR       Não penses mais nisso. Anda.
                          Arrasta-o consigo. Como antes.
ESTRAGON     Espera.
VLADIMIR       Estou com frio!
ESTRAGON     Espera! (Afasta-se de Vladimir.) Não sei se
                          não estaríamos melhor sozinhos, cada um
                          para o seu lado. (Atravessa o palco e senta-se
                          no monte de terra.) Não fomos feitos para o
                          mesmo caminho.
VLADIMIR       (sem se ofender) Vai-se lá saber.
ESTRAGON      Pois é, nunca se sabe.
                           Vladimir atravessa o palco lentamente e
                            senta-se ao lado de Estragon.
VLADIMIR         Se achas que é melhor, podemos sempre se-
                            parar-nos.
ESTRAGON       Agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
VLADIMIR         Pois, agora já não vale a pena.
                            Silêncio.
ESTRAGON       Então, vamos embora?
VLADIMIR         Vamos.
                             Não se mexem.
 

Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.73

Ternura deslocada

 
  Plutarco na sua vida de Sólon, nota que a grande maioria das pessoas cujos corações estão quer por natureza quer por artifício fechados aos sentimentos ternos inspirados por afectos de qualquer espécie foi observada a conceder os seus sentimentos a objectos absolutamente indignos e desprezíveis. Esta teoria pode ser adequadamente ilustrada e confirmada pelos que amam apaixonadamente animais e raramente ganharam reputação de filantropos; e embora este não passe de um leve assunto de especulação, ainda assim oferece tantos exemplos que não deveria passar despercebido num trabalho que professe tratar não tanto de questões sérias quanto de questões leves de um modo sério.
   Lord Lytton, citando M. Georges Duval, diz-nos que a afeição por animais era um traço distintivo dos heróis sangrentos da Revolução Francesa. Couthon, ouvimos, estava grandemente preso a um spaniel que invariavelmente levava ao colo para a Convenção; Chaunette devotava as suas horas vagas a um aviário; Founier levava aos ombros um esquilo preso por uma cadeia de prata; «Panis mostrava a maior ternura por dois faisões dourados; e Marat, que não descontaria uma das três mil cabeças que pedia, criava pombas.» Billaud, diz Lord Macaulay, entretinha as horas solitárias dos seus últimos dias ensinando papagaios a falar.
   «A propósito do spaniel de Couthon, Duval dá-nos uma anedota divertida de Sergent, um dos não menos implacáveis agentes do massacre de Setembro. Uma senhora veio implorar a sua protecção para um dos parentes dele encarcerado na Abbaye. Quase não condescendeu em falar à senhora. Quando em desespero ela se retirava, pisou por acidente a pata do favorito spaniel. Sergent, voltando-se, enraivecido e furioso exclamou, 'Senhora, não tendes humanidade?'»
  Desumanidade com os humanos e humanidade com os animais num coração feminino (em que estes sentimentos contraditórios muitas vezes se encontram) é descrita no seguinte estilo por Mme Rieux: «Há certas mulheres que têm coração apenas para as bestas. O macaco da marquesa de ...mordeu tão perigosamente o braço de uma das suas criadas que se teve receio mesmo pela sua vida. Embora a marquesa ralhasse com o macaco e o proibisse de morder tanto outra vez, tiveram, contudo, de cortar o braço à criada. Alguns dias depois da sua cura, vendo a marquesa que não podia prestar os mesmos serviços que dantes, despediu-a prometendo que tomaria conta dela. Sendo censurada pela desumanidade deste acto, respondeu mal-humorada 'Mas que queriam que fizesse com aquela criada? Ela só tinha um braço.'»
   Umas linhas de juvenal podem servir de pendant a esta história:
«Um animal ocupa invariavelmente o primeiro lugar no coração de uma mulher que não ama nem o seu amante nem o seu marido. E a vida destes valeria muito pouco se o sacrifício dela salvasse a existência do seu cão, do seu gato ou da sua ave.»
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 157/8
(...)
 
O veado encantado (o veado enfeitiçado) é o grande aterrador da imaginação simples dos camponeses na Grécia. É uma espécie de poder divino cheio de terrores sagrados. Traz a cruz nos galhos e o crescente (a Lua) no corpo; quando se abana as montanhas e os campos tremem; com as patas arranca as árvores; a alta voz é re-ecoada pelos mais altos picos das montanhas:
 
«Tem uma cruz nos galhos e uma lua no seu dorso.
Treme e tremem as montanhas, treme e tremem as planícies.
Ao mexer as suas patas muitas árvores arranca.
Falou com a voz aos guinchos, gemem as montanhas, ladeiras:
'Aqui onde cinco nem pisam e dez não atravessam,
Que procuravas sozinho armado e indo a pé?'»
 
       As tradições relacionadas com este veado são muito antigas e datam da era bizantina.
       Insectos encantados encontram-se aqui e acolá na Grécia. Existe uma lenda coríntia que descreve uma elevação escarpada entre Xylocastrum e Zura na qual um enxame de abelhas tinha estabelecido sua morada. Ninguém a não ser um destemido viajante tentou apanhar o mel dessa colmeia. Mandou que o baixassem com uma longa corda; contudo, no mesmo instante em que o baixaram uma extensão considerável foi visto contocer-se debaixo das maiores torturas pensando que a corda era uma cobra que procurava enredá-lo no seu abraço mortal. Incapaz por fim de suportar a tortura mental puxou da faca, cortou a corda e perdeu-se no abismo.
     Uma abelha vermelha encantada crêem os de Rodes que entra no quarto dos homens ou mulheres moribundos precisamente uma hora antes que eles ou elas expirem; e os de Samos falam das abelhas que fixam residência na casa do perjuro com um ruído inaudível a quaisquer outros ouvidos.»
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 154
«O semblante do primeiro Satã era de um sexo ambíguo, e havia
nas linhas do seu corpo a molície dos antigos Bacos. Os belos
olhos lânguidos, de cor tenebrosa e indecisa, assemelhavam-se
a violetas carregadas, ainda, das pesadas lágrimas da
tempestade(...).
Fitou-me com os seus olhos inconsolavelmente aflitos (...) e
disse-me em voz cantante:
– Se quiseres, se quiseres, eu te farei o soberano das almas, e tu
serás o senhor da matéria viva, ainda mais do que o escultor o
pode ser da argila; e conhecerás o prazer, ininterruptamente
renovável, de sair de ti mesmo para te esqueceres em
outrem, e de atrair as outras almas até confundi-las com a
tua.»


Charles Baudelaire. Pequenos Poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. p. 59-60.

“quando piove col sole il diavolo fa l’amore”

Provérbio italiano

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Asking for Roses

A HOUSE that lacks, seemingly, mistress and master,
With doors that none but the wind ever closes,
Its floor all littered with glass and with plaster;
It stands in a garden of old-fashioned roses.
I pass by that way in the gloaming with Mary;
'I wonder,' I say, 'who the owner of those is.
'Oh, no one you know,' she answers me airy,
'But one we must ask if we want any roses.'
So we must join hands in the dew coming coldly
There in the hush of the wood that reposes,
And turn and go up to the open door boldly,
And knock to the echoes as beggars for roses.
'Pray, are you within there, Mistress Who-were-you?'
'Tis Mary that speaks and our errand discloses.
'Pray, are you within there? Bestir you, bestir you!
'Tis summer again; there's two come for roses.
'A word with you, that of the singer recalling--
Old Herrick: a saying that every maid knows is
A flower unplucked is but left to the falling,
And nothing is gained by not gathering roses.'
We do not loosen our hands' intertwining
(Not caring so very much what she supposes),
There when she comes on us mistily shining
And grants us by silence the boon of her roses.


Robert Frost

A Servant to Servants

I didn't make you know how glad I was
To have you come and camp here on our land.
I promised myself to get down some day
And see the way you lived, but I don't know!
With a houseful of hungry men to feed
I guess you'd find.... It seems to me
I can't express my feelings any more
Than I can raise my voice or want to lift
My hand (oh, I can lift it when I have to).
Did ever you feel so? I hope you never.
It's got so I don't even know for sure
Whether I am glad, sorry, or anything.
There's nothing but a voice-like left inside
That seems to tell me how I ought to feel,
And would feel if I wasn't all gone wrong.
You take the lake. I look and look at it.
I see it's a fair, pretty sheet of water.
I stand and make myself repeat out loud
The advantages it has, so long and narrow,
Like a deep piece of some old running river
Cut short off at both ends. It lies five miles
Straight away through the mountain notch
From the sink window where I wash the plates,
And all our storms come up toward the house,
Drawing the slow waves whiter and whiter and whiter.
It took my mind off doughnuts and soda biscuit
To step outdoors and take the water dazzle
A sunny morning, or take the rising wind
About my face and body and through my wrapper,
When a storm threatened from the Dragon's Den,
And a cold chill shivered across the lake.
I see it's a fair, pretty sheet of water,
Our Willoughby! How did you hear of it?
I expect, though, everyone's heard of it.
In a book about ferns? Listen to that!
You let things more like feathers regulate
Your going and coming. And you like it here?
I can see how you might. But I don't know!
It would be different if more people came,
For then there would be business. As it is,
The cottages Len built, sometimes we rent them,
Sometimes we don't. We've a good piece of shore
That ought to be worth something, and may yet.
But I don't count on it as much as Len.
He looks on the bright side of everything,
Including me. He thinks I'll be all right
With doctoring. But it's not medicine--
Lowe is the only doctor's dared to say so--
It's rest I want--there, I have said it out--
From cooking meals for hungry hired men
And washing dishes after them--from doing
Things over and over that just won't stay done.
By good rights I ought not to have so much
Put on me, but there seems no other way.
Len says one steady pull more ought to do it.
He says the best way out is always through.
And I agree to that, or in so far
As that I can see no way out but through--
Leastways for me--and then they'll be convinced.
It's not that Len don't want the best for me.
It was his plan our moving over in
Beside the lake from where that day I showed you
We used to live--ten miles from anywhere.
We didn't change without some sacrifice,
But Len went at it to make up the loss.
His work's a man's, of course, from sun to sun,
But he works when he works as hard as I do--
Though there's small profit in comparisons.
(Women and men will make them all the same.)
But work ain't all. Len undertakes too much.
He's into everything in town. This year
It's highways, and he's got too many men
Around him to look after that make waste.
They take advantage of him shamefully,
And proud, too, of themselves for doing so.
We have four here to board, great good-for-nothings,
Sprawling about the kitchen with their talk
While I fry their bacon. Much they care!
No more put out in what they do or say
Than if I wasn't in the room at all.
Coming and going all the time, they are:
I don't learn what their names are, let alone
Their characters, or whether they are safe
To have inside the house with doors unlocked.
I'm not afraid of them, though, if they're not
Afraid of me. There's two can play at that.
I have my fancies: it runs in the family.
My father's brother wasn't right. They kept him
Locked up for years back there at the old farm.
I've been away once--yes, I've been away.
The State Asylum. I was prejudiced;
I wouldn't have sent anyone of mine there;
You know the old idea--the only asylum
Was the poorhouse, and those who could afford,
Rather than send their folks to such a place,
Kept them at home; and it does seem more human.
But it's not so: the place is the asylum.
There they have every means proper to do with,
And you aren't darkening other people's lives--
Worse than no good to them, and they no good
To you in your condition; you can't know
Affection or the want of it in that state.
I've heard too much of the old-fashioned way.
My father's brother, he went mad quite young.
Some thought he had been bitten by a dog,
Because his violence took on the form
Of carrying his pillow in his teeth;
But it's more likely he was crossed in love,
Or so the story goes. It was some girl.
Anyway all he talked about was love.
They soon saw he would do someone a mischief
If he wa'n't kept strict watch of, and it ended
In father's building him a sort of cage,
Or room within a room, of hickory poles,
Like stanchions in the barn, from floor to ceiling,--
A narrow passage all the way around.
Anything they put in for furniture
He'd tear to pieces, even a bed to lie on.
So they made the place comfortable with straw,
Like a beast's stall, to ease their consciences.
Of course they had to feed him without dishes.
They tried to keep him clothed, but he paraded
With his clothes on his arm--all of his clothes.
Cruel--it sounds. I 'spose they did the best
They knew. And just when he was at the height,
Father and mother married, and mother came,
A bride, to help take care of such a creature,
And accommodate her young life to his.
That was what marrying father meant to her.
She had to lie and hear love things made dreadful
By his shouts in the night. He'd shout and shout
Until the strength was shouted out of him,
And his voice died down slowly from exhaustion.
He'd pull his bars apart like bow and bow-string,
And let them go and make them twang until
His hands had worn them smooth as any ox-bow.
And then he'd crow as if he thought that child's play--
The only fun he had. I've heard them say, though,
They found a way to put a stop to it.
He was before my time--I never saw him;
But the pen stayed exactly as it was
There in the upper chamber in the ell,
A sort of catch-all full of attic clutter.
I often think of the smooth hickory bars.
It got so I would say--you know, half fooling--
"It's time I took my turn upstairs in jail"--
Just as you will till it becomes a habit.
No wonder I was glad to get away.
Mind you, I waited till Len said the word.
I didn't want the blame if things went wrong.
I was glad though, no end, when we moved out,
And I looked to be happy, and I was,
As I said, for a while--but I don't know!
Somehow the change wore out like a prescription.
And there's more to it than just window-views
And living by a lake. I'm past such help--
Unless Len took the notion, which he won't,
And I won't ask him--it's not sure enough.
I 'spose I've got to go the road I'm going:
Other folks have to, and why shouldn't I?
I almost think if I could do like you,
Drop everything and live out on the ground--
But it might be, come night, I shouldn't like it,
Or a long rain. I should soon get enough,
And be glad of a good roof overhead.
I've lain awake thinking of you, I'll warrant,
More than you have yourself, some of these nights.
The wonder was the tents weren't snatched away
From over you as you lay in your beds.
I haven't courage for a risk like that.
Bless you, of course, you're keeping me from work,
But the thing of it is, I need to be kept.
There's work enough to do--there's always that;
But behind's behind. The worst that you can do
Is set me back a little more behind.
I sha'n't catch up in this world, anyway.
I'd rather you'd not go unless you must.


Robert Frost

THE SOUND OF THE TREES

I wonder about the trees.
Why do we wish to bear
Forever the noise of these
More than another noise
So close to our dwelling place?
We suffer them by the day
Till we lose all measure of pace,
And fixity in our joys,
And acquire a listening air.
They are that that talks of going
But never gets away;
And that talks no less for knowing,
As it grows wiser and older,
That now it means to stay.
My feet tug at the floor
And my head sways to my shoulder
Sometimes when I watch trees sway,
From the window or the door.
I shall set forth for somewhere,
I shall make the reckless choice
Some day when they are in voice
And tossing so as to scare
The white clouds over them on.
I shall have less to say,
But I shall be gone.


Robert Frost
(...) necessitamos de livros que sobre nós exerçam uma acção idêntica à de uma desgraça que muito nos tenha afligido, tal como a morte de alguém que amássemos mais do que a nós mesmos, como se fôssemos proscritos, condenados a viver nas florestas, afastados de todos os nossos semelhantes, como um suicídio – um livro deve ser o machado que quebre o mar congelado em nós. É assim que eu penso.


Franz Kafka

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

POZZO   (...) « O ar esta noite tem qualquer coisa de outono. (Pozzo acaba de vestir o casaco, dobra-se, verifica se está bem, endireita-se.) Chicote! (Luckey avança, dobra-se, Pozzo arranca-lhe o chicote da boca, Luckey volta ao seu lugar.) Pois é, meus senhores, não posso passar muito tempo sem conviver com os meus semelhantes (põe os óculos e olha para os dois semelhantes) mesmo quando a semelhança é imperfeita.»



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 34/5

domingo, 30 de janeiro de 2011

ESTRAGON    Olha para isto. (Observa o que resta da cenoura segurando-a pela rama.) É engraçado
                         que quanto mais como pior me sabe.
VLADIMIR      Comigo é exactamente o contrário.
ESTRAGON     Ou seja?
VLADIMIR      À medida que como vou-me habituando ao gosto.
ESTRAGON     (após prolongada reflexão)   E isso é o con-
                          trário?
VLADIMIR       Uma questão de temperamento.
ESTRAGON      De personalidade.
VLADIMIR       Não podes fazer nada.
ESTRAGON     É inútil resistir.
VLADIMIR       Cada um é o que é.
ESTRAGON     É inútil fugir.
VLADIMIR       O essencial nunca se altera.




Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p. 30/1

Os Navios

       Da imaginação até ao Papel. É uma difícil passagem, é um perigoso mar. A distância parece curta à primeira vista, e embora seja assim quão longa viagem é, e quão prejudicial por vezes para os navios que a empreendem.
       O primeiro prejuízo provém da natureza assaz frágil das mercadorias que os navios transportam. Nos mercados da Imaginação a maior parte das coisas e as melhores são fabricadas de vidros finos e de cerâmicas transparentes, e com todo o cuidado do mundo muitas vezes se partem no caminho, e muitas vezes se partem quando as desembarcam para a terra. E todo o prejuízo deste género é sem remédio, porque é impensável que o navio volte atrás para recolher coisas da mesma forma. Não há hipótese de encontrar a mesma loja que as venda. Os mercados da Imaginação têm lojas grandes e luxuosas mas não de duração longa. As suas transacções são curtas, arrematam as suas mercadorias rapidamente e liquidam de seguida. É muito raro para um navio voltar e encontrar os mesmos exportadores com os mesmos géneros.
       Um outro prejuízo provém da capacidade dos navios. Partem dos portos dos continentes prósperos sobrecarregados, e depois quando se encontram em alto mar vêem-se obrigados a deitar para fora parte da carga para salvar o todo. De tal modo que quase nenhum navio consegue levar completos tantos tesouros quantos recolheu. As coisas despejadas são obviamente os géneros de menor valia, mas por vezes acontece que os marinheiros, na sua grande pressa, cometem erros e deitam ao mar objectos preciosos.
        Mal chegam ao porto branco do papel e são precisos outros sacrifícios de novo. Vêm os oficiais da alfândega e examinam um género e pensam se devem permitir o desembarque; recusam deixar que se descarregue um outro género; e de certas tralhas apenas aceitam pequena quantidade. Um lugar tem as suas leis. Nem todas as mercadorias têm a entrada livre e é estritamente proibido o contrabando. A importação de vinhos é impedida porque os continentes de que vêm os navios fazem vinhos e álcoois de uvas que crescem e amadurecem a temperatura mais generosa. Os oficiais da alfândega não querem para nada estas bebidas. São demasiado embriagadoras. Não são propícias para quaisquer cabeças. Para além disso existe uma companhia no lugar que tem o monopólio dos vinhos. Fabrica líquidos que têm a cor do vinho e o sabor da água, e deles se pode beber o dia inteiro sem que subam à cabeça. É uma velha companhia. Goza de grande reputação, e as suas acções estão sempre sobrevalorizadas.
         Devemos, porém, ficar satisfeitos quando os navios entram no porto mesmo que seja com todos estes sacrifícios. Porque ao fim de contas com vigia e com muito cuidado limita-se o número de recipientes partidos e atirados ao mar durante a viagem. Também, as leis do lugar e as normas alfandegárias são tirânicas em grande medida mas não de todo proibitivas, e grande parte da carga desembarca-se. Nem os oficiais da alfândega são infalíveis, e alguns dos géneros impedidos passam dentro de caixas fraudulentas em que se escreve uma coisa por fora e por dentro se tem outra, e importam-se alguns bons vinhos para banquetes excelentes.
        Triste, triste é outra coisa. É quando passam alguns navios enormes, com joalharias de coral e mastros de ébano, com grandes bandeiras desfraldadas brancas e vermelhas, cheios de tesouros, que nem sequer se aproximam do porto quer por todos os géneros que levam serem proibidos, quer por o porto não ter bastante profundidade para os acolher. E seguem o seu caminho. Vão de vento em popa sobre as suas velas de seda, o sol fulgura na sua figura de proa em ouro, e afastam-se tranquila e majestosamente, afastam-se para sempre de nós e do nosso porto constrito.
        Felizmente são muito raros estes navios. Apenas vemos dois, três durante a nossa vida inteira. E rapidamente os esquecemos. E depois de passarem alguns anos se algum dia - quando estamos inertes olhando a luz e ouvindo o silêncio - por acaso voltarem os nossos ouvidos mentais algumas estrofes entusiásticas, de início não as reconhecemos e atormentamos a nossa memória para recordar onde as tínhamos ouvido antes. Dificilmente acorda a antiga memória e recordamos que estas estrofes são do cântico que salmodiavam os marinheiros, belos como heróis da Ilíada, quando passavam os grandes, os excelsos navios e avançavam indo - quem sabe para onde.
 
 
 
 
 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 145-147
«Quando vestir as roupas negras e quando morar dentro de uma casa negra, dentro de um quarto escuro, abrirei de vez em quando o móvel com alegria, com desejo e com desespero.»

 

Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 144

Antes de o tempo os mudar

Entristeceram grandemente     no momento da sua separação.
Eles não a queriam;       foram as circunstâncias.
Necessidades vitais       fizeram um deles
ir embora para longe -        Nova Iorque ou Canadá.
O seu amor não era     por certo como dantes;
tinha diminuído       a atracção gradualmente,
tinha diminuído       muito a sua atracção.
Mas separar-se,     não o queriam.
Foram as circunstâncias. -     Ou porventura artista
foi a Sorte      separando-os agora
antes de apagar-se o sentimento deles,      antes de o Tempo os mudar;
o um para o outro       ficará para sempre como se fosse
esse belo rapaz      dos vinte e quatro anos.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 115

Em desespero

De todo o perdeu.            E agora adiante
dos lábios de um seu             qualquer novo amante
seus lábios demanda;        na união de um qualquer
seu novo amante        o engano demanda
de ser aquele rapaz,         a quem ele se entrega.

De todo o perdeu,      como se nem existisse.
Porque pretendia - ele lho disse -   pretendia salvar-se
do estigmatizado,        do mórbido prazer;
Ainda era tempo de -   ele lho disse - salvar-se.

De todo o perdeu,      como se nem existisse.
Por imaginação,       por alucinações
nos lábios doutros rapazes          os lábios dele demanda;
sentir procurando     seu amor de novo.



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 111
E da tragédia o Verbo fulgurante
não tires nunca do teu pensamento -



Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 99
O corpo morto do herói com devoção e com tristeza Febo levanta-o e leva-o para o rio.
Lava-o do pó e do sangue;
fecha as feridas horríveis, sem deixar
que se veja nenhum traço; aromas
de ambrosia despejada sobre ele; e com esplêndidas
roupagens olímpicas o veste.
A sua pele branqueia; e com um pente de pérolas
penteia os cabelos todos negros.
Seus belos membros aforma e deita.


O Funeral de Sarpèdón




Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 91

Deslealdade

Ora nós, que elogiamos muita coisa em Homero, não louvaremos
uma [...] Nem Ésquilo, quando faz dizer a Tétis que Apolo, ao
cantar nos seus esponsais, exaltara a sua bela progénie

de vida isenta de doenças e de longa duração.
Depois que anunciou que de tudo, no meu destino,
cuidariam os deuses,

                                                                                                                   entoou o péan, para minha alegria.
                                                                                                                  Julgava eu que era sem dolo, Febo
                                                                                                                  a boca imortal, plena da arte dos oráculos.
                                                                                                                 E ele, o mesmo que cantou este hino,[...] 
                                                                                                                      [...] ele mesmo é que o matou,
                                                                                         
                                                                                                                  esse  filho que é meu.


Platão, República II (383a-b)



Quando casaram Tétis com Peleu
levantou-se Apolo no esplêndido festim
do casamento, e falou da ventura dos recém-casados
com o rebento que sairia da sua união.
Disse: A este nunca lhe tocará a doença
e terá vida longínqua. - Quando disse isto,
Tétis alegrou-se muito, pois as palavras
de Apolo que conhecia de profecias
lhe pareceram garantia para o seu filho.

E enquanto Aquiles crescia, e era
a sua beleza alarde da Tessália,
Tétis lembrava-se da palavra do deus.
Mas um dia chegaram velhos com notícias,
e disseram a chacina de Aquiles em Tróia.
E Tétis rasgava a sua roupa púrpura,
e arrancava de cima de si e atirava
ao chão as pulseiras e os anéis.
E por entre os seus prantos lembrou-se do passado;
e perguntou que fazia o sábio Apolo
por onde andava o poeta que nos festins
maravilhosamente fala, por onde andava o profeta
quando matavam o seu filho na flor da vida.
E responderam-lhe os velhos que Apolo
ele próprio desceu a Tróia
e com os troianos matou Aquiles.


 
Konstandinos Kavafis. Poemas e prosas. Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. Relógio D'Água. Lisboa, 1994., p. 87-89

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ESTRAGON    E se nos enforcássemos?
VLADIMIR      Mmm. Depois ficávamos com tesão!
ESTRAGON    (muito excitado) Tesão?
VLADIMIR      Com todas as suas consequências. Crescem
                         mandrágoras onde ele cai. É por isso que
                         elas gritam quando as arrancamos. Não sa-
                         bias?
ESTRAGON    Vamos enforcar-nos agora mesmo!
VLADIMIR      Num ramo? (Aproximam-se da árvore.) Não
                         me parece de confiança.
ESTRAGON    Não se perde nada em experimentar.



Samuel Beckett. À espera de Godot. Trad. de José Maria Vieira Mendes. 3ª edição, Edições Cotovia, 2006., p.25/6

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

       Houve noites, em que nada disseste a ninguém, nem a ti própria. Ficaste entregue ao parapeito da janela, fixando o movimento das nuvens na madrugada. Escorriam enlutadas chamas de ti, do teu peito, e, olhavas certa a saudade. Olhavas e choravas, com a ingenuidade de uma criança.
      Não poderás esquecer (e, sempre lembrar?) o quarto de paredes frias e baças. Estavas só. Entregue à morte do teu sangue dentro ainda de um outro. E, desde então, foi como se houvesse vida numa morte. Um tronco algo queimado, onde pequenas folhas crescem com alguma timidez pelo dorso resistente. O sal que queima nos lábios, dá-te ânimo - já estiveste tão longe; não chegaste ao fim da viagem, porque as viagens não têm fim, mas são sempre os re(começados) caminhos que esperam pela luta e pelo cansaço.
        
          Pisaste (pisas?) um caminho doloroso, mas que escolheste (escolhes?). Tornaste-te mais tu própria e embora o céu te faça falta, a tua vida segue longe daquele que te cá deixou, entregue aos teus anseios e agonias.E se há dias em que o teu rosto mergulha na profundidade das mãos, sem ninguém entender razões, é porque, por alguma razão, ninguém te espera.

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