Para todas as mulheres Ogdala da Nação Lakota
1
Ele queria sair.
Ele disse-me «Tu ficas em casa»
Eu disse «Eu queria sair»
Ele disse´«Tu tens de tomar conta do bebé»
Eu disse «O bebé é dos dois»
Eu deitei o bebé
Provavelmente sentiu a minha inquietação
Porque choramingava
Ergui o olhar
E ele deu-me uma bofetada,
o meu marido
Não um murro que põe um olho negro.
Isso foi mais tarde.
Foi uma bofetada,
Uma bofetada forte.
Ele olhou para mim.
Sorria.
Era inacreditável.
Ele estava a sorrir.
Deu-me outra bofetada.
O pai dele maltratava a mãe.
Vi-o sorrir.
O que se estava a passar?
Ele era muito simpático.
Tinha cabelo preto comprido.
Dantes
quando fazíamos amor
ele soltava o cabelo.
2
Fomos jantar fora,
Queria que eu saísse com o seu patrão.
Eu não queria.
Deu-me um pontapé debaixo da mesa,
Disse-me que fingisse estar feliz
Disse-me que sorrisse.
Eu sorri.
Ele deu-me outro pontapé,
Perguntou-me quem é que eu queria foder,
disse-me que parasse
de me atirar a toda a gente.
Parei de sorrir.
Ele deu-me outro pontapé.
Continuou a agredir-me.
Lá fora
puxou-me os cabelos
e arrastou-me até eu estar caída na estrada.
Tinha nevado.
Ele enterrou-me na neve.
Deu-me socos na sarjeta.
A neve derretia.
Eu estava suja.
Tinha a sensação de que o meu cabelo
sangrava.
3
Ele bebia.
Eu também.
Devo ter desmaiado.
Acordei no hospital
Depois de cinco operações ao cérebro.
Não tinha cabelo.
Raparam-no.
Tive que aprender outra vez a falar
e a mexer os braços.
Demorei quatro meses
a lembrar-me como se prepara
o pequeno-almoço.
Lembro-me de pôr
o ovo na frigideira
com o
bacon.
Eu sabia que era um ovo
só não me lembrei
de o partir.
Apenas o ovo com casca
na frigideira.
Não tinha cabelo.
4
Ele batia-me
há dezoito anos.
De manhã
ele era outra vez muito amável
eu penteava-lhe o cabelo comprido
e fazia-lhe uma trança.
Entrançava os cabelos devagar
como se gostasse muito dele
Fazia uma trança torta.
Os cabelos ficavam espetados
como os penteados dos doidos.
Depois ele esquecia-se de que
as nódoas negras no meu
rosto eram as marcas das suas mãos.
Ele pavoneava-se pela rua
todo machão na estrada
mas a sua trança estava muito torta
e dava-lhe um ar muito estúpido.
Eu devia ter ficado feliz.
Muito feliz.
5
Soube que ele estava
com outra mulher
e que faziam amor e que ela lhe despenteava
o cabelo quando ele estava louco
em cima dela.
Ele chegou a casa
muito mais tarde
e tinha a trança bem feita
e apertada.
Ele desmaiou
por causa da bebida
Depois eu levantei-me
com a tesoura na mão
enquanto ele ressonava
e aproximei-me lentamente dele
e cortei a trança
bem rente
e poisei-a na mão dele
e quando acordou ele gritou
«Que raio! Vou matar-te!»
e pôs-se de pé
num salto
mas eu atara-lhe
os sapatos um ao outro
por isso ele não conseguia correr.
Só voltei
para ele três anos depois
quando soube que tinha o cabelo comprido.
6
Eu não queria ir para a cama com ele.
Ele estava bêbado.
Para ele
eu não passava de um pedaço de carne,
de um buraco.
Fingi
que estava a dormir.
Ele deu-me uma cotovelada, sacudiu-me
puxou-me.
Lembro-me de ter pensado
despacha-te.
Ele estava mole e continuava continuava
até eu estar dorida.
Eu disse: «Não foi bom.»
Ele disse: «Com quem estiveste?»
Ele era maior do que eu? Gostaste?»
É como a história do rato e do leão.
Tinha de fugir depressa.
Ele pegou em mim
como se eu fosse um trapo.
Tinha um olhar vazio.
Eu ouvia o meu filho gritar
a pleno pulmões...e
as amígdalas,
eu conseguia ver as suas amígdalas.
O meu marido espancou-me
enrolou o meu cabelo preto comprido à volta
da sua mão,
sacudiu-me a cabeça.
Tentei pegar no meu filho
«Ele não é teu filho», disse ele,
prendendo o meu cabelo na sua mão.
«Já não é teu filho.»
Agora ele chama por mim a meio
da noite
e chora.
Arrepende-se de ter batido na mulher.
Arrepende-se de a ter espancado.
Quer suicidar-se.
Sabe aquilo por que a mãe passou.
Mas ele não consegue parar - o meu filho.
Eles tiraram-nos a nossa terra.
Tiraram-nos o nosso modo de vida.
Tiraram-nos os nossos homens.
Nós queremo-los de volta.
(Este monólogo baseia-se em entrevistas a mulheres índias da Reserva a Pine Ridge.)
Eve Ensler. Os Monólogos da Vagina. Publicações Europa-América, 2008., p. 133-138