Retratos de Família
As badaladas da torre, pelo fim do dia...
Os homens regressavam do trabalho, enxada aos
[ombros.
Os pastores vinham sondar a estrada e o crepúsculo,
saindo dos matos como faunos;
as suas flautas de cana choravam penas ou amores ou
[apenas humildade.
Eram sons talvez sem música. Mas a sua melopeia trazia
[paz e também candura
e deixava-as à flor da terra, um orvalho
que ficasse poisado nos fetos
até à manhã seguinte.
Essa paz fazia-me companhia no meu regresso do pinhal.
E eu enchia as narinas de tudo isso,
orvalho, moitas, flautas, terra,
e sentia-me calmo e repleto.
Mas em chegando à aldeia estava de novo só.
E na minha solidão gritava por um amigo.
Não ter um amigo! Se o tivesse,
outras coisas boas se dariam!
Iria, por exemplo,
até ao pico da montanha, ouvir ranger as velas do moinho.
E talvez o ardor me levasse mais longe.
Até onde, não sei. Sabê-lo-ia
se tivesse um amigo.
Fernando Namora. As Frias Madrugadas. Publicações Europa-América, 4ª ed, Lisboa, 1971., p. 111-112