quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A OUTRA CANÇÃO PERDIDA


Das mulheres
     que na minha vida passaram
ficou-me aquela lembrança
de um fio de areia
sobre o regato sedento,
de qualquer frase
que se ficou no tinteiro,
de um cigarro caro
que não se fumou além do meio,
de um grito rouco
gorado nos ouvidos,
de folhas de um diário inacabado
que o tempo desbotou
de vinho
que não deixou nódoa no soalho

Sinto a alma ávida
como sempre
e um cansaço inútil
de bater a tantas portas.

Apenas, do logro,
me resta o travo
dos desejos amargos,
...e ainda às vezes
aquela esperança enganosa
de que passe
quem nunca no meu caminho passou.



Fernando Namora. As Frias Madrugadas. Publicações Europa-América, 4ª ed, Lisboa, 1971., p.14/5
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