(Sala de jantar em casa de SORIN. À esquerda e à direita, há portas. Aparador. Outro armário, com muitos remédios. Mesa, no meio da sala. Uma mala e caixas de chapéus. Preparativos de viagem, bem visíveis. TRIGORIN está a almoçar. MASHA, de pé, junto da mesa)
MASHA Se lhe falo nisto, é precisamente por o senhor
ser escritor. Se quiser, pode utilizar tudo. Se
ele estivesse gravemente ferido, eu não seria
capaz de continuar a viver nem mais um mi-
nuto. Ah, mas ainda conservo algum ânimo, e
resolvi arrancar este amor do meu coração, de
uma vez para sempre, arrancar-lhe raízes.
TRIGORIN Como?
MASHA Casando-me. Vou casar-me com o
Medvedenko.
TRIGORIN O professor?
MASHA Sim.
TRIGORIN Para mim não é muito clara a razão que a
compeliu a isso.
MASHA É um amor sem esperança, ano após ano à
espera...Se eu me casar, deixo de ter tempo
para o amor. Responsabilidades novas hão-
-de apagar os antigos afectos. De qualquer
modo vai ser uma situação nova para mim.
Acompanha-me? (Enche os copos)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p. 59/60
sexta-feira, 18 de março de 2011
NINA O que é que está a escrever?
TRIGORIN São só uns apontamentos...Ocorreu-me agora
mesmo um tema...(Mete o bloco de notas na
algibeira) Um tema para um conto. Uma ra-
pariga que passou a vida à beira de um lago,
Assim, como você. Essa rapariga ama o lago.
como uma gaivota, e é feliz e livre como uma
gaivota. Um homem passa, olha para ela, e
como não tem mais nada que fazer, destrói-a
- como aquela gaivota ali. (Pausa)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.58
TRIGORIN São só uns apontamentos...Ocorreu-me agora
mesmo um tema...(Mete o bloco de notas na
algibeira) Um tema para um conto. Uma ra-
pariga que passou a vida à beira de um lago,
Assim, como você. Essa rapariga ama o lago.
como uma gaivota, e é feliz e livre como uma
gaivota. Um homem passa, olha para ela, e
como não tem mais nada que fazer, destrói-a
- como aquela gaivota ali. (Pausa)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.58
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quinta-feira, 17 de março de 2011
Monsieur le Président
Je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C'est pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter
Depuis que je suis né
J'ai vu mourir mon père
J'ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j'étais prisonnier
On m'a volé ma femme
On m'a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J'irai sur les chemins
Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens:
Refusez d'obéir
Refusez de la faire
N'allez pas à la guerre
Refusez de partir
S'il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n'aurai pas d'armes
Et qu'ils pourront tirer
Je vous fais une lettre
Que vous lirez peut-être
Si vous avez le temps
Je viens de recevoir
Mes papiers militaires
Pour partir à la guerre
Avant mercredi soir
Monsieur le Président
Je ne veux pas la faire
Je ne suis pas sur terre
Pour tuer des pauvres gens
C'est pas pour vous fâcher
Il faut que je vous dise
Ma décision est prise
Je m'en vais déserter
Depuis que je suis né
J'ai vu mourir mon père
J'ai vu partir mes frères
Et pleurer mes enfants
Ma mère a tant souffert
Elle est dedans sa tombe
Et se moque des bombes
Et se moque des vers
Quand j'étais prisonnier
On m'a volé ma femme
On m'a volé mon âme
Et tout mon cher passé
Demain de bon matin
Je fermerai ma porte
Au nez des années mortes
J'irai sur les chemins
Je mendierai ma vie
Sur les routes de France
De Bretagne en Provence
Et je dirai aux gens:
Refusez d'obéir
Refusez de la faire
N'allez pas à la guerre
Refusez de partir
S'il faut donner son sang
Allez donner le vôtre
Vous êtes bon apôtre
Monsieur le Président
Si vous me poursuivez
Prévenez vos gendarmes
Que je n'aurai pas d'armes
Et qu'ils pourront tirer
Boris Vian
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Mas quando, de repente, vi a minha roupa reflectida como que num espelho,
Percebi nela o meu eu inteiro também,
E através dela reconheci e vi a mim mesmo.
Pois, embora nós derivássemos de um único e mesmo, estávamos
parcialmente divididos; e aí, de novo, éramos um, com uma única
forma.
E até os tesoureiros que tinham trazido a roupa
Eu via como dois seres, mas existia uma única forma em ambos,
Uma única prova real consistindo em duas metades.
E eles tinham o meu dinheiro e riqueza nas suas mãos, e deram-me a minha
recompensa:
A bela roupa de cores vivas;
Que era bordada com ouro, pedras preciosas e pérolas para dar uma
impressão conveniente.
Layton, As Escrituras Gnósticas, pg. 443.
Percebi nela o meu eu inteiro também,
E através dela reconheci e vi a mim mesmo.
Pois, embora nós derivássemos de um único e mesmo, estávamos
parcialmente divididos; e aí, de novo, éramos um, com uma única
forma.
E até os tesoureiros que tinham trazido a roupa
Eu via como dois seres, mas existia uma única forma em ambos,
Uma única prova real consistindo em duas metades.
E eles tinham o meu dinheiro e riqueza nas suas mãos, e deram-me a minha
recompensa:
A bela roupa de cores vivas;
Que era bordada com ouro, pedras preciosas e pérolas para dar uma
impressão conveniente.
Layton, As Escrituras Gnósticas, pg. 443.
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terça-feira, 15 de março de 2011
TREPLEV (Entra, sem chapéu, com uma espingarda.
Traz na mão uma gaivota morta) Está aqui
sozinha?
NINA Sozinha. (TREPLEV poisa a gaivota no chão,
aos pés de NINA) Que quer isto dizer?
TREPLEV Hoje cometi um acto desprezível. Matei esta
gaivota. E agora deponho-a a teus pés.
NINA Mas o que é que tu tens? (Pega na gaivota e
observa-a).
TREPLEV (Após uma pausa) Não vai tardar muito que
eu me mate também.
NINA Não estou a reconhecer-te.
TREPLEV Foi desde que eu deixei de te reconhecer a ti.
Mudaste, no teu comportamento para comigo.
Tens um olhar frio...a minha presença constran-
ge-te.
NINA E tu, de há algum tempo para cá, tornaste-te
irritável. Nem é fácil apanhar o sentido do
que tu dizes - parece que falas por símbolos.
Quer parecer-me que esta gaivota também
é um símbolo, obviamente, mas não o
entendo, desculpa-me. (Põe a gaivota em
cima do banco) Sou demasiado simples para
poder entender-te.
TREPLEV Tudo começou naquela noite, com o falhanço
da minha peça. Um falhanço estúpido! E as
mulheres não perdoam nunca o insucesso. Já
queimei a peça, não ficou nem uma folha. Se
tu soubesses como eu me sinto infeliz. Essa
tua frieza é horrível. É inacreditável. Sinto-me
como se tivesse acordado de repente, e visse
o lago todo seco, bebido pela terra. Disseste
que eras simples de mais para me entenderes.
Mas entenderes o quê? A minha peça desa-
gradou a todos. E tu não dás valor à minha
inspiração, consideras-me medíocre, uma
nulidade, como a maior parte das outras pes-
soas...(Bate com um dos pés) Ah, como eu
estou a compreender tudo, a compreender
muitíssimo bem! É como se me tivessem dado
uma martelada na cabeça. Maldito! Maldito
orgulho que me está a sugar o sangue até à
derradeira gota, que é como uma víbora...
(Vê TRIGORIN a aproximar-se, lendo o seu
bloco de apontamentos) Eis que vem aí um
verdadeiro génio, tem as passadas de Hamlet,
e, como ele, avança de livro na mão. (Zomba)
''Words, words, words...'' Ainda este sol
vem longe e já o teu sorriso desponta. A
frieza do teu olhar aquece sob os seus raios.
Não quero ser importuno. (Sai, rápido)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.48-50
Traz na mão uma gaivota morta) Está aqui
sozinha?
NINA Sozinha. (TREPLEV poisa a gaivota no chão,
aos pés de NINA) Que quer isto dizer?
TREPLEV Hoje cometi um acto desprezível. Matei esta
gaivota. E agora deponho-a a teus pés.
NINA Mas o que é que tu tens? (Pega na gaivota e
observa-a).
TREPLEV (Após uma pausa) Não vai tardar muito que
eu me mate também.
NINA Não estou a reconhecer-te.
TREPLEV Foi desde que eu deixei de te reconhecer a ti.
Mudaste, no teu comportamento para comigo.
Tens um olhar frio...a minha presença constran-
ge-te.
NINA E tu, de há algum tempo para cá, tornaste-te
irritável. Nem é fácil apanhar o sentido do
que tu dizes - parece que falas por símbolos.
Quer parecer-me que esta gaivota também
é um símbolo, obviamente, mas não o
entendo, desculpa-me. (Põe a gaivota em
cima do banco) Sou demasiado simples para
poder entender-te.
TREPLEV Tudo começou naquela noite, com o falhanço
da minha peça. Um falhanço estúpido! E as
mulheres não perdoam nunca o insucesso. Já
queimei a peça, não ficou nem uma folha. Se
tu soubesses como eu me sinto infeliz. Essa
tua frieza é horrível. É inacreditável. Sinto-me
como se tivesse acordado de repente, e visse
o lago todo seco, bebido pela terra. Disseste
que eras simples de mais para me entenderes.
Mas entenderes o quê? A minha peça desa-
gradou a todos. E tu não dás valor à minha
inspiração, consideras-me medíocre, uma
nulidade, como a maior parte das outras pes-
soas...(Bate com um dos pés) Ah, como eu
estou a compreender tudo, a compreender
muitíssimo bem! É como se me tivessem dado
uma martelada na cabeça. Maldito! Maldito
orgulho que me está a sugar o sangue até à
derradeira gota, que é como uma víbora...
(Vê TRIGORIN a aproximar-se, lendo o seu
bloco de apontamentos) Eis que vem aí um
verdadeiro génio, tem as passadas de Hamlet,
e, como ele, avança de livro na mão. (Zomba)
''Words, words, words...'' Ainda este sol
vem longe e já o teu sorriso desponta. A
frieza do teu olhar aquece sob os seus raios.
Não quero ser importuno. (Sai, rápido)
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.48-50
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ARKADINA (...) Onde é que está o Boris Alexeevich?
NINA Está lá em baixo, a pescar.
ARKADINA Nunca se cansa de pescar, não entendo.
(Prepara-se para prosseguir leitura)
NINA Que livro é esse?
ARKADINA Na Água, do Maupassant, minha querida.
(Lê umas linhas, para consigo) Bem, o que
vem a seguir não tem interesse, nem sequer é
verdadeiro. (Fecha o livro) Estou preocupa-
díssima, verdadeiramente aflita, no meu
íntimo. Sabe dizer-me o que é que se passa
com o meu filho? Porque é que ele anda tão
abatido, tão triste? Deixa-se ficar dias e dias
inteiros, à beira do lago, e mal o vejo.
MASHA Tem o coração doente. (Para NINA, com ti-
midez) Não faz o favor de nos ler uma pas-
sagem da peça dele?
NINA (Depois de encolher os ombros) Quer que eu
leia? Mas é tão pouco interessante, a peça.
MASHA Quando é ele próprio a ler, os seus olhos
brilham, e empalidece. Uma voz linda, me-
lancólica. Parece mesmo um poeta.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.40
NINA Está lá em baixo, a pescar.
ARKADINA Nunca se cansa de pescar, não entendo.
(Prepara-se para prosseguir leitura)
NINA Que livro é esse?
ARKADINA Na Água, do Maupassant, minha querida.
(Lê umas linhas, para consigo) Bem, o que
vem a seguir não tem interesse, nem sequer é
verdadeiro. (Fecha o livro) Estou preocupa-
díssima, verdadeiramente aflita, no meu
íntimo. Sabe dizer-me o que é que se passa
com o meu filho? Porque é que ele anda tão
abatido, tão triste? Deixa-se ficar dias e dias
inteiros, à beira do lago, e mal o vejo.
MASHA Tem o coração doente. (Para NINA, com ti-
midez) Não faz o favor de nos ler uma pas-
sagem da peça dele?
NINA (Depois de encolher os ombros) Quer que eu
leia? Mas é tão pouco interessante, a peça.
MASHA Quando é ele próprio a ler, os seus olhos
brilham, e empalidece. Uma voz linda, me-
lancólica. Parece mesmo um poeta.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.40
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MINETTI
(Para a Senhora)
Não acha
que devemos odiar o progresso
a partir dum dado momento?
Thomas Bernhard. Minetti seguido No Alvo. Minetti Tradução de João Barrento; No Alvo Tradução de Anabela Mendes. Edições Cotovia, Lisboa, 1990, p. 18
(Para a Senhora)
Não acha
que devemos odiar o progresso
a partir dum dado momento?
Thomas Bernhard. Minetti seguido No Alvo. Minetti Tradução de João Barrento; No Alvo Tradução de Anabela Mendes. Edições Cotovia, Lisboa, 1990, p. 18
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Noite de Inverno
«Um lobo vermelho a ser estrangulado por um anjo. As tuas pernas tilintam, a andar, como gelo azul, e um sorriso cheio de tristeza e arrogância empederniu-te o rosto, e a fonte empalidece com a volúpia da geada;»
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 91
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Metamorfose Do Mal
(2ª versão)
(...)
«Alguém te abandonou na encruzilhada, e tu olhas longamente para trás. Passos argênteos na sombra de macieiras raquíticas. Purpúreo, o fruto resplandece nos ramos negros, e na erva a serpente está na muda de pele. Oh, a escuridão! O suor que apareceu na fronte de gelo e os tristes sonhos no vinho, na taberna da aldeia sob traves negras de fumo. Tu, deserto ainda, que faz nascer por magia ilhas de rosas das nuvens castanhas do tabaco e lhes arranca do interior o grito selvagem de um grifo que caça, rodando falésias negras, por mares, tempestades e gelos. Tu, um metal verde e por dentro um rosto de fogo que quer sair para cantar, de cima do monte de ossadas, tempos sinistros e a queda flamejante do anjo. Oh, desespero que num grito mudo cai de joelhos!
Um morto vem visitar-te. Do coração corre-lhe o sangue que ele próprio verteu, e no sobrolho negro
aninha-se um instante indizível. Encontro lúgrebe. Tu - uma lua de púrpura, quando o outro aparece na sombra verde da oliveira. Segue-o a noite eterna.»
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 87
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segunda-feira, 14 de março de 2011
DORN Ainda outra coisa. Na obra de arte, tem de
haver sempre um pensamento claro e bem
definido. Temos de saber para que se está a
escrever. De outro modo, quando envereda-
mos por um caminho cheio de pitoresco mas
sem objectivo, perdemos o rumo e somos
aniquilados pelo nosso próprio talento.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.34
haver sempre um pensamento claro e bem
definido. Temos de saber para que se está a
escrever. De outro modo, quando envereda-
mos por um caminho cheio de pitoresco mas
sem objectivo, perdemos o rumo e somos
aniquilados pelo nosso próprio talento.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.34
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NINA Estou só. E uma vez apenas, de cem em cem
anos, abro a minha boca para falar, e a minha
voz ressoa melancólica neste lugar ermo e de-
solado, e ninguém a ouve...
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.24
anos, abro a minha boca para falar, e a minha
voz ressoa melancólica neste lugar ermo e de-
solado, e ninguém a ouve...
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.24
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(...)
«À noite, no terraço, embriagámo-nos com vinho castanho.
Vermelho arde o pêssego na folhagem;
Doce sonata, alegre riso.
Belo é o silêncio da noite.
Na planície negra
Encontramo-nos com pastores e estrelas brancas.'»
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 57
domingo, 13 de março de 2011
Cântico Da Noite
I
Da sombra de um sopro nascidos,
Erramos pelo mundo abandonados
E andamos no eterno perdidos,
Sem sabermos a que Deus consagrados.
Pobres néscios à porta, ao relento,
Pedintes sem nada de seu,
Quais cegos escutando o silêncio
Em que o nosso rumor se perdeu.
Somos os viadantes sem norte,
Nuvens, e o vento a dissipá-las,
Flores estremecendo com o frio da morte,
À espera que venham cortá-las.
II
Que em mim se consume o último sofrimento,
Não vos detenho, forças negras do Mal!
Vós sois a estrada para o grande silêncio,
Por onde entramos em noites de cristal.
No velho hábito crepita o meu lume.
Paciência! Morre a estrela, os sonhos passam
Para aqueles reinos, para nós sem nome,
Que só os homens sem sonhos atravessam.
III
Coração negro, oh noite cerrada,
Quem espelha vossos sacros recantos,
Do vosso mal os derradeiros antros?
A nossa dor deixa a máscara gelada -
A nossa dor, o nosso prazer,
E esse riso de pedra da máscara sem dundo,
Que fez ruir as coisas deste mundo
E escapa a quem o queira conhecer.
Mas ele aí está, inimigo de fora,
Rindo das coisas por quem nos arriscamos,
Ensombrando as canções que cantamos
E deixando no escuro o que em nós chora.
IV
Tu és o vinho que embriaga o mundo,
E eu esvaio-me em sangue em danças de amor,
Coroando de flores a minha dor!
É a tua vontade, oh noite sem fundo!
Eu sou a harpa em ti a tanger,
E as últimas dores no meu coração
Cedem à tua negra canção,
Que me faz eterno e me apaga o ser.
V
Paz profunda, dorme o vento,
Nem um som de sinos traz.
Doce mãe de sofrimento -
É da morte a tua paz.
Deixa que sangrem para dentro,
Sara as feridas, estende a mão
De bálsamo e compaixão,
Doce mãe de sofrimento -
VI
Que o meu silêncio seja a tua canção!
De que te serve o ciciar do deserdado,
Que dos jardins da vida se afastou?
Deixa-te em mim ser o não nomeado -
Como se em mim te erguesses sem sonhar,
Como a ausência de toque nos sinos,
Como a noiva de mel da minha dor
E a papoila ébria dos meus sonhos.
VII
Ouvi flores nos abismos a morrer
E das fontes a queixa inebriada
E da boca dos sinos uma canção a sair,
Noite, e uma pergunta ciciada;
E, chaga de morte, um coração nascer
Do outro lado desta pobre jornada.
VIII
As trevas apagaram-se sem nada dizer,
Tornei-me sombra morta em pleno dia -
Saí então da casa do prazer
Para a noite me engolir.
Com o coração cheio de silêncio vi
Como ele é insensível ao tédio do dia -
E te oferece um sorriso de espinhos de ti,
Noite - até ao fim!
IX
Noite, muda porta do meu sofrimento,
Olha o meu sangue negro da chaga a correr,
E como já se inclina o cálice da dor!
Oh noite, é o momento!
Tu, noite, jardim do esquecimento
Do brilho órfão do mundo desta pobreza minha!
Murcha a coroa de espinhos, a folhagem da vinha.
Oh vem, supremo tempo!
X
Tempos houve em que o meu demónio ria,
E eu era uma luz em jardins soalheiros,
Tinha jogo e dança por companheiros
E o vinho do amor que me inebria.
Tempos houve em que o meu demónio chorava,
E eu era uma luz em jardins de crueldade,
Tinha por companheira a humildade
Que a casa da pobreza iluminava.
Hoje o meu demónio não ri nem chora,
Eu sou uma sombra num jardim perdido,
E o meu companheiro, pela morte enegrecido,
É o silêncio vazio de antes da aurora.
XI
Meu pobre sorriso que te cortejava,
Minha triste canção que no escuro se apagava.
Agora a jornada quer chegar ao fim.
Concede que eu entre na tua catedral
Como outrora um simples devoto, fiel,
Para mudo te adorar a ti.
XII
Tu és em funda meia-noite
Uma praia morta num mar de silêncio,
Uma praia morta: Esquecimento!
Tu és em funda meia-noite.
Tu és em funda meia-noite
O céu em que foste estrela por vezes,
O céu em que já não florescem deuses.
Tu és em funda meia-noite.
Tu és em funda meia-noite
Um não-concedido em ventre de amor,
O que nunca foi e não tem ser!
Tu és em funda meia-noite.
Georg Trakl. Outono Transfigurado. Tradução e prefácio de João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 25-35
sexta-feira, 11 de março de 2011
ARKADINA (Recita uma passagem do Hamlet)
''Meu filho, fizeste
voltar o meu olhar para dentro de mim.
E vejo nódoas tão raiadas e escuras
que nada lhes lavará a tinta.''
TREPLEV (Do Hamlet:)
''Porque vos haveis vós entregado ao vício
e procurado o amor nos abismos do crime?''
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.22
''Meu filho, fizeste
voltar o meu olhar para dentro de mim.
E vejo nódoas tão raiadas e escuras
que nada lhes lavará a tinta.''
TREPLEV (Do Hamlet:)
''Porque vos haveis vós entregado ao vício
e procurado o amor nos abismos do crime?''
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.22
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A Gaivota,
Anton Tchekov,
escritor e dramaturgo russo,
excerto
DORN (Canta) ''Nunca digas que a tua juventude foi
perdida...''
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.19
perdida...''
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.19
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A Gaivota,
Anton Tchekov,
escritor e dramaturgo russo
NINA É tão difícil de representar, a tua peça. Não
tem personagens vivas, nenhuma.
TREPLEV Personagens vivas! A vida não tem que ser
reproduzida como é, nem como deveria ser.
É a vida que vemos em sonho que nós temos
de reproduzir.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.18/9
tem personagens vivas, nenhuma.
TREPLEV Personagens vivas! A vida não tem que ser
reproduzida como é, nem como deveria ser.
É a vida que vemos em sonho que nós temos
de reproduzir.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.18/9
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Anton Tchekov,
escritor e dramaturgo russo,
excerto
NINA O meu pai e a mulher não querem nunca dei-
xar-me vir. Dizem que há aqui um ambiente
de boémia...Receiam que eu queira ser actriz.
Mas eu estou sempre a desejar tanto, tanto,
vir para a beira do lago...como se fosse uma
gaivota. E o meu coração está tão cheio, tão
cheio de ti....(Olha em volta)
TREPLEV Estamos completamente sós.
NINA Pareceu-me ouvir alguém.
TREPLEV Ninguém. (Beijam-se)
NINA Esta árvore, o que é?
TREPLEV É um ulmeiro.
NINA Tão sombrio, porquê?
TREPLEV Está a anoitecer. Todas as coisas vão ficando
sombrias. Não te vás embora tão cedo, peço-
-te.
NINA Não posso ficar mais tempo.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.17
xar-me vir. Dizem que há aqui um ambiente
de boémia...Receiam que eu queira ser actriz.
Mas eu estou sempre a desejar tanto, tanto,
vir para a beira do lago...como se fosse uma
gaivota. E o meu coração está tão cheio, tão
cheio de ti....(Olha em volta)
TREPLEV Estamos completamente sós.
NINA Pareceu-me ouvir alguém.
TREPLEV Ninguém. (Beijam-se)
NINA Esta árvore, o que é?
TREPLEV É um ulmeiro.
NINA Tão sombrio, porquê?
TREPLEV Está a anoitecer. Todas as coisas vão ficando
sombrias. Não te vás embora tão cedo, peço-
-te.
NINA Não posso ficar mais tempo.
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992., p.17
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Anton Tchekov,
escritor e dramaturgo russo,
excerto
quarta-feira, 9 de março de 2011
POEMA SIMPLES
Quando, à nossa volta, já tudo escurece, e lilás se rasga o céu, então
[gostaria de ver os teus olhos.
Quando te olho, só vejo teus olhos, e gostaria de beijar tuas mãos,
[com audácia.
Gostaria de beijar-te, e quando estou ao Teu lado, sei que não
[beijarei tuas mãos.
József Attila in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 179
[gostaria de ver os teus olhos.
Quando te olho, só vejo teus olhos, e gostaria de beijar tuas mãos,
[com audácia.
Gostaria de beijar-te, e quando estou ao Teu lado, sei que não
[beijarei tuas mãos.
József Attila in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 179
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VELA INCLINADA
Estala, vira-se o leme, a longa
verga,
ceifa quase a onda,
e a barca larga!
Mastro e vela, vê,
lança-se quando
vitoriosa? Quando se
inclina ao mais profundo.
Illyés Gyula in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 175
verga,
ceifa quase a onda,
e a barca larga!
Mastro e vela, vê,
lança-se quando
vitoriosa? Quando se
inclina ao mais profundo.
Illyés Gyula in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 175
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terça-feira, 8 de março de 2011
Entre flores no chão deitar-nos e
queres, queres brincar à morte?
Kosztolányi Dezső in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 154
queres, queres brincar à morte?
Kosztolányi Dezső in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 154
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ENTRE CAIXÃO E BERÇO
Mãe, quando, um dia, eu voltar de vez,
fico aqui contigo para sempre.
Quando abraçar a velha soleira
e beijar as santas árvores de antigamente
e, cansado, em lágrimas tremendo,
teus olhos olhar.
Espera, então, por mim, que uma noite virei.
Será Outono, sei, luz púrpura ziguezagueia,
fulva luz noctura.
A grande porta de ferro, troando, há-de fechar-se de tal modo,
que a velha casa, fria, tremerá
de medo.
Mas tu não receies, vem ao meu encontro, suavemente,
por mais medonho e branco que seja,
aperta-me nos teus braços, não busques o coração,
que inunda o sangue feio e preto,
olha só para os meus olhos dormentes e baços,
acaricia-me a cabeça, em silêncio.
Eu nem sequer te contarei como vivi
entre beijos ulcerados, na noite clara,
olhar-te-ei somente, como no passado,
então, compreenderei que tu és o início
e tu és o fim.
Mudo, deitar-me-ei na grande cama branca,
eu, velho bebé que falar não sabe,
e do coração aos lábios sobe, vibrante,
a ida melancolia da minha vida.
Tu escutas, como quem vela junto a um berço,
eu devaneio, sorrindo, triste,
e, hesitando entre caixão e berço,
fias minha branca coroa de flores.
Passou quase a noite, em repetidos suspiros;
curando, franze teu abençoado sorriso;
e, em lágrimas, com flores e uma canção muito antiga,
cantas a morte do teu pobre filho.
1907
Kosztolányi Dezső in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 153
fico aqui contigo para sempre.
Quando abraçar a velha soleira
e beijar as santas árvores de antigamente
e, cansado, em lágrimas tremendo,
teus olhos olhar.
Espera, então, por mim, que uma noite virei.
Será Outono, sei, luz púrpura ziguezagueia,
fulva luz noctura.
A grande porta de ferro, troando, há-de fechar-se de tal modo,
que a velha casa, fria, tremerá
de medo.
Mas tu não receies, vem ao meu encontro, suavemente,
por mais medonho e branco que seja,
aperta-me nos teus braços, não busques o coração,
que inunda o sangue feio e preto,
olha só para os meus olhos dormentes e baços,
acaricia-me a cabeça, em silêncio.
Eu nem sequer te contarei como vivi
entre beijos ulcerados, na noite clara,
olhar-te-ei somente, como no passado,
então, compreenderei que tu és o início
e tu és o fim.
Mudo, deitar-me-ei na grande cama branca,
eu, velho bebé que falar não sabe,
e do coração aos lábios sobe, vibrante,
a ida melancolia da minha vida.
Tu escutas, como quem vela junto a um berço,
eu devaneio, sorrindo, triste,
e, hesitando entre caixão e berço,
fias minha branca coroa de flores.
Passou quase a noite, em repetidos suspiros;
curando, franze teu abençoado sorriso;
e, em lágrimas, com flores e uma canção muito antiga,
cantas a morte do teu pobre filho.
1907
Kosztolányi Dezső in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 153
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« A chuva transformava-se em brisa. Ouviu: «O perdão dos pecados e a ressurreição da carne. Amén.» Isso era cá dentro, onde as mulheres rezavam o fim do rosário. Levantavam-se; fechavam-se os pássaros; trancavam a porta; apagavam a luz.
Só permanecia a luz da noite, o ciciar da chuva como um murmúrio de grilos...
-Porque é que não foste rezar o rosário? Estamos na novena pelo teu avô.
Lá estava a sua mãe, na ombreira da porta, de vela na mão. A sua sombra, que se estendia até ao tecto, longa, desdobrada. E as vigas do tecto desenvolviam-se em pedaços, despedaçada.
-Sinto-me triste - disse.
Então, ela voltou-se. Apagou a chama da vela. Fechou a porta e abriu os seus soluços que continuaram a ouvir-se, confundindo-se com a chuva.
O refúgio da igreja deu as horas, uma a seguir à outra, como se o tempo estivesse encolhido.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 31
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«Os teus lábios estavam molhados como se o orvalho os houvesse beijado.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 28
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 28
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A Ilha Que Desaparecia
Presumimos um dia radicar-nos
Para sempre entre as suas colinas azuis
E a costa árida onde passámos a noite
De desespero em oração e vigília,
Mas uma vez colhida a lenha que o mar trouxe,
Construída uma lareira, e pendurado
O nosso caldeirão como um firmamento,
Quebrou-se a ilha sob os nossos pés como uma onda.
A terra que nos sustinha parecia
Só ter firmeza quando a abraçávamos
In extremis. Tudo o que lá sucedeu,
Creio, foi visão.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.399
Para sempre entre as suas colinas azuis
E a costa árida onde passámos a noite
De desespero em oração e vigília,
Mas uma vez colhida a lenha que o mar trouxe,
Construída uma lareira, e pendurado
O nosso caldeirão como um firmamento,
Quebrou-se a ilha sob os nossos pés como uma onda.
A terra que nos sustinha parecia
Só ter firmeza quando a abraçávamos
In extremis. Tudo o que lá sucedeu,
Creio, foi visão.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.399
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Clareiras
Em memória de M.K.H., 1911-1984
Ela ensinou-me o que o seu tio lhe ensinara:
Como o maior carvão rachava facilmente
Se o ângulo entre o veio e o martelo fosse o certo.
O som dessa pancada aliciante e segura,
O seu eco agregado e obliterado,
Ensinou-me o golpe certeiro, e a distensão,
Ensinou-me, entre o maço e o cepo, a enfrentar
Consequências. Ensina-me agora a escutar,
A acertar no veio entre as linhas a negro.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.365
Ela ensinou-me o que o seu tio lhe ensinara:
Como o maior carvão rachava facilmente
Se o ângulo entre o veio e o martelo fosse o certo.
O som dessa pancada aliciante e segura,
O seu eco agregado e obliterado,
Ensinou-me o golpe certeiro, e a distensão,
Ensinou-me, entre o maço e o cepo, a enfrentar
Consequências. Ensina-me agora a escutar,
A acertar no veio entre as linhas a negro.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.365
A Lanterna do Espinheiro
Arde fora do tempo o invernal pilrito,
pomo entre espinhos, pequena luz para pequena
gente, desta só esperando que não deixe
extinguir-se a mecha do respeito por si própria,
não tendo de a cegar com um clarão.
Mas quando o hálito se condensa na invernia
toma às vezes a forma errante de Diógenes
com a sua lanterna, em busca de um homem justo;
e assim nos vemos observando de trás
à altura dos olhos, e estremecemos
perante pele e caroço tão coesos,
espinho de sangue que esperamos nos teste e liberte,
pomo maduro e picado que nos sonda
e depois se afasta.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.351
pomo entre espinhos, pequena luz para pequena
gente, desta só esperando que não deixe
extinguir-se a mecha do respeito por si própria,
não tendo de a cegar com um clarão.
Mas quando o hálito se condensa na invernia
toma às vezes a forma errante de Diógenes
com a sua lanterna, em busca de um homem justo;
e assim nos vemos observando de trás
à altura dos olhos, e estremecemos
perante pele e caroço tão coesos,
espinho de sangue que esperamos nos teste e liberte,
pomo maduro e picado que nos sonda
e depois se afasta.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.351
segunda-feira, 7 de março de 2011
(...)
«Tu conheces o fio da lâmina, o sabor do sangue,
os minutos de tensão,
os espasmos da traqueia lacerada, e a luta
e terror de sufocar.
Ajuda-me! Tu já sabes tudo, tudo passaste,
adulto sábio! Tu sabes bem
quanto sofrimento suporta o homem, que nem é muito
para a bondade de Deus,
e o que vale a vida...E, talvez, que nem é
uma coisa assim tão grande a morte.»
Verão de 1937
Babits Mihály in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 150
«Tu conheces o fio da lâmina, o sabor do sangue,
os minutos de tensão,
os espasmos da traqueia lacerada, e a luta
e terror de sufocar.
Ajuda-me! Tu já sabes tudo, tudo passaste,
adulto sábio! Tu sabes bem
quanto sofrimento suporta o homem, que nem é muito
para a bondade de Deus,
e o que vale a vida...E, talvez, que nem é
uma coisa assim tão grande a morte.»
Verão de 1937
Babits Mihály in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 150
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PERGUNTAS DA NOITE
Quando a noite, esta manta branda,
negra, lisa manta de veludo
que estende uma gigantesca ama,
lentamente cobre a terra resguardada,
e tão cuidadosamente, que cada fio de erva
fique, direito, sob doce véu
e não curve a pétala das flores
e as duplas asas subtis das bordadas borboletas
não percam o esmalte de arco-íris
e assim descansem na sombra velada,
leve, liso, aveludado véu,
esse véu de quem nem sentem o peso:
então, por onde andes, no vasto mundo,
ou estejas em casa, sentado no quarto escuro e triste,
ou vejas, no café, admirado,
que acendem, um após outro, candeeiros de gás de luz solar;
ou, cansado, com teu cão na falda da colina
observes a preguiçosa lua entre as frondas;
ou pela estrada, que levantou pó,
teu cocheiro ensonado, cabeceando, te conduza;
ou tenhas vertigens no chão vacilante
do navio, ou no assento do comboio;
ou, errando através de uma cidade estrangeira,
pares nas esquinas para admirar, tranquilo,
o longo fio de ruas longínquas,
a dupla linha de ruas em chamas;
ou até em cidade aquática, no Riva,
onde um espelho opalino, estragado, pontilha chamas,
tenhas saudades do passado longínquo regressando,
cuja recordação docemente te tortura,
tempo ido que, qual imagem da
lâmpada encantada, está presente, mas não existe,
cuja recordação nunca pode ser fria,
cuja recordação é um peso, mas também um tesouro;
aí, tua espada cabeça de recordações
no chão de mármore possas inclinar:
entre puras belezas e em prazeres andando,
irás só ainda pensar, cobarde:
toda esta beleza para quê?
irás ainda pensar, órfão:
para quê a água de seda, o mármore multicolor?
para quê a noite, alada manta?
porquê as colinas e porquê as frondas,
e o mar, que ninguém semeia?
para quê os fluxos, para quê os refluxos,
e as nuvens, essas tristes Danaides,
e o sol, essa pedra de Sísifo escaldante?
para quê as recordações, para quê os passados?
porquê as lâmpadas e porquê as luas?
porque é que o tempo não mata o seu fim?
Ou toma exemplo do minúsculo fio de erva:
porque cresce a erva, se há-de secar?
porque seca, se cresce de novo?
Primavera de 1909
Babits Mihály in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 144/5
negra, lisa manta de veludo
que estende uma gigantesca ama,
lentamente cobre a terra resguardada,
e tão cuidadosamente, que cada fio de erva
fique, direito, sob doce véu
e não curve a pétala das flores
e as duplas asas subtis das bordadas borboletas
não percam o esmalte de arco-íris
e assim descansem na sombra velada,
leve, liso, aveludado véu,
esse véu de quem nem sentem o peso:
então, por onde andes, no vasto mundo,
ou estejas em casa, sentado no quarto escuro e triste,
ou vejas, no café, admirado,
que acendem, um após outro, candeeiros de gás de luz solar;
ou, cansado, com teu cão na falda da colina
observes a preguiçosa lua entre as frondas;
ou pela estrada, que levantou pó,
teu cocheiro ensonado, cabeceando, te conduza;
ou tenhas vertigens no chão vacilante
do navio, ou no assento do comboio;
ou, errando através de uma cidade estrangeira,
pares nas esquinas para admirar, tranquilo,
o longo fio de ruas longínquas,
a dupla linha de ruas em chamas;
ou até em cidade aquática, no Riva,
onde um espelho opalino, estragado, pontilha chamas,
tenhas saudades do passado longínquo regressando,
cuja recordação docemente te tortura,
tempo ido que, qual imagem da
lâmpada encantada, está presente, mas não existe,
cuja recordação nunca pode ser fria,
cuja recordação é um peso, mas também um tesouro;
aí, tua espada cabeça de recordações
no chão de mármore possas inclinar:
entre puras belezas e em prazeres andando,
irás só ainda pensar, cobarde:
toda esta beleza para quê?
irás ainda pensar, órfão:
para quê a água de seda, o mármore multicolor?
para quê a noite, alada manta?
porquê as colinas e porquê as frondas,
e o mar, que ninguém semeia?
para quê os fluxos, para quê os refluxos,
e as nuvens, essas tristes Danaides,
e o sol, essa pedra de Sísifo escaldante?
para quê as recordações, para quê os passados?
porquê as lâmpadas e porquê as luas?
porque é que o tempo não mata o seu fim?
Ou toma exemplo do minúsculo fio de erva:
porque cresce a erva, se há-de secar?
porque seca, se cresce de novo?
Primavera de 1909
Babits Mihály in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 144/5
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«No alto, vermelho, heróico, nupcial
leito, de revoluções virgens éramos.
Mas, sob a pele, queima, ardente, já nosso
sangue, triste e pesado até aqui.
Faz silêncio, qual se não tremêssemos,
e precipitamo-nos prà revolução.»
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 135
leito, de revoluções virgens éramos.
Mas, sob a pele, queima, ardente, já nosso
sangue, triste e pesado até aqui.
Faz silêncio, qual se não tremêssemos,
e precipitamo-nos prà revolução.»
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 135
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«Negar a sucessão temporal, negar o eu, negar o Universo dos astros, são parentes desesperos e secretas consolações. O nosso destino (ao contrário do inferno de Swedenborg e do inferno da mitologia tibetana)não é extraordinário por ser irreal; é extraordinário por ser irreversível e de ferro. O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrasta, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo. O mundo, desgraçadamente, é real. Eu, desgraçadamente, sou Borges.»
Borges. Novas Inquirições, pg. 218.
Esta é a utilidade da memória:
Libertação – não diminuição do amor mas crescimento
Do amor para além do desejo, e assim libertação
Do futuro e do passado.
Thomas Stearns Eliot
Libertação – não diminuição do amor mas crescimento
Do amor para além do desejo, e assim libertação
Do futuro e do passado.
Thomas Stearns Eliot
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Thomas Stearns Eliot
da enciclopédia chinesa que se intitula: Empório celestial de conhecimentos benévolos
«Nas suas remotas páginas está escrito que os animais se dividem em (a) pertencentes ao Imperador, (b) embalsamados, (c) amestrados, (d) leitões, (e) sereias, (f) fabulosos (g) cães soltos, (h) incluídos nesta classificação, (i) que se agitam como loucos, (j) inumeráveis, (k) desenhados com um finíssimo pincel de pêlo de camelo, (l) etcétera, (m) que acabam de quebrar o vaso, (n) que de longe parecem moscas.»
O trecho é citado por Foucault como fonte de inspiração na abertura de As Palavras e as Coisas
O trecho é citado por Foucault como fonte de inspiração na abertura de As Palavras e as Coisas
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A regência pelo absurdo poético,
Foucault
«Os românticos, como afirma Eduardo Lourenço (1999), não viajam realmente em direcção ao passado, antes trazem o passado para o presente, fazendo da palavra Saudade, e do sentimento que ela exprime, de sofrimento e de doçura, a sua verdadeira musa.»
Delfina de Araújo Madureira. Sehnsucht e Saudade Para uma história comparada do pathos. Universidade do Minho, 2008.
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O sublime
«Para Frost, e segundo a sugestão de Most, para a maior parte de nós, o sublime existe só no modo de desgosto, pesar, de nostalgia, de uma saudade de alguma coisa que de facto nunca esteve presente, de uma falta. Este sublime é uma sombra, cuja frieza imediata nós sentimos, mas que não forma qualquer corpo, uma cicatriz cujas margens nós tocamos, de uma ferida que nunca recebemos.»
Delfina de Araújo Madureira. Sehnsucht e Saudade Para uma história comparada do pathos. Universidade do Minho, 2008.
domingo, 6 de março de 2011
(...)
púrpura sobre o Diabo antigo.
Crucifixo, duas velas, dor.
Grande e sem fim triste torneio.
e o vinho espalha-se na mesa.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 120
púrpura sobre o Diabo antigo.
Crucifixo, duas velas, dor.
Grande e sem fim triste torneio.
e o vinho espalha-se na mesa.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 120
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(...)
Um rio de peregrinos respondendo ao sino
Subia os degraus enquanto eu os descia
Em direcção à sombra calma e verde escura
De um carvalho. Sombras da quinta sabina
Nos canteiros do Purgatório de S. Patrício.
Fim de Verão, extensões rurais, nem uma aragem:
Distenda-se a toga para o vinho e poesia
Até que Febo regresse e destrone a estrela da manhã.
Ouvindo elevar-se, arrastando, um hino a Maria
Senti um velho tormento com que os sacos de grão
E as hastes arqueadas de enxadas e forquilhas
Em tempos troçavam de mim, virgem, com os meus longos
Jejuns e sedes, sombrios festins nocturnos,
Percorrendo os celeiros de palavras como seios.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.297
Um rio de peregrinos respondendo ao sino
Subia os degraus enquanto eu os descia
Em direcção à sombra calma e verde escura
De um carvalho. Sombras da quinta sabina
Nos canteiros do Purgatório de S. Patrício.
Fim de Verão, extensões rurais, nem uma aragem:
Distenda-se a toga para o vinho e poesia
Até que Febo regresse e destrone a estrela da manhã.
Ouvindo elevar-se, arrastando, um hino a Maria
Senti um velho tormento com que os sacos de grão
E as hastes arqueadas de enxadas e forquilhas
Em tempos troçavam de mim, virgem, com os meus longos
Jejuns e sedes, sombrios festins nocturnos,
Percorrendo os celeiros de palavras como seios.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.297
''A menos que aqui estejas para um último olhar.''
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.289
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.289
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Seamus Heaney
''Sou mais velho do que eras quando partiste''
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.289
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.289
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poeta e escritor irlandês,
Seamus Heaney
«Se os tempos eram duros, também eu o seria.»
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.279
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.279
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poeta e escritor irlandês,
Seamus Heaney,
verso solto
II
Tinha a certeza de o conhecer. O tempo que eu passara
obsessivamente naquele quarto lá em cima a aproximar-me dele:
em cada hiato absorto, fumando um cigarro atrás de outro e
olhando as águas-furtadas para a encosta coberta de erva, eu
estava a abrir-me. Ele dependia de mim enquanto eu pendia de um
passo traduzido como um miúdo desafiado a aventurar-se por um
ramo de amieiro sobre o remoinho. Pequeno eu sonhador nos
ramos. Medos experimentados em sonhos, aos quais eu era dado, e
que interrogava agora:
-Foi a ti que após subir as escadas a correr encontrei afogado
sob a água corrente na banheira?
-Foi a ti que a máquina ceifeira cortou como uma lebre na
rígida moldura da ceifa?
-Cujas pequenas vestes ensanguentadas enterrámos no
jardim?
-Eras tu que jazias acordado no escuro só com a parede a
separar-te dos cascos inquietos?
Após ousar estas invocações, retrocedi até ao portão para o seguir.
E o meu passo furtivo era já espontâneo, como se assim me
tornasse eu próprio. Recordei-me de que tinha sido in-vestido
nestas funções.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.267
obsessivamente naquele quarto lá em cima a aproximar-me dele:
em cada hiato absorto, fumando um cigarro atrás de outro e
olhando as águas-furtadas para a encosta coberta de erva, eu
estava a abrir-me. Ele dependia de mim enquanto eu pendia de um
passo traduzido como um miúdo desafiado a aventurar-se por um
ramo de amieiro sobre o remoinho. Pequeno eu sonhador nos
ramos. Medos experimentados em sonhos, aos quais eu era dado, e
que interrogava agora:
-Foi a ti que após subir as escadas a correr encontrei afogado
sob a água corrente na banheira?
-Foi a ti que a máquina ceifeira cortou como uma lebre na
rígida moldura da ceifa?
-Cujas pequenas vestes ensanguentadas enterrámos no
jardim?
-Eras tu que jazias acordado no escuro só com a parede a
separar-te dos cascos inquietos?
Após ousar estas invocações, retrocedi até ao portão para o seguir.
E o meu passo furtivo era já espontâneo, como se assim me
tornasse eu próprio. Recordei-me de que tinha sido in-vestido
nestas funções.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.267
«Ah, é uma maneira de viver sem sentido, distante.
Estou aqui consigo, perfeitamente esgotado e a pensar
- a todo o momento - numa história, na minha história
inacabada que me espera. Estou agora a ver, uma nuvem,
aquela, ali, que me parece um piano enorme. E penso
logo que não posso esquecer-me de a incluir numa
história - uma nuvem que passou, flutuante, e que parecia
um piano enorme. Sinto, em redor, o perfume do heliotrópio.
E, num ápice, anoto no meu pensamento: perfume doce, do
tom da viuvez, lembrar e usar numa descrição de noite estival.»
A. Tchekov. A Gaivota. Tradução de Fiama Hasse Pais Brandão. Relógio D'Água, Lisboa, 1992.
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sábado, 5 de março de 2011
«Sentado, batem ondas, vento frio,
nas águas da Babilónia, sombrias.»
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 118
nas águas da Babilónia, sombrias.»
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 118
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O POETA DO HORTOBÁGY
Era um rapaz de olhos grandes, sangue
cumano, ferido de tristes quereres:
a manada guardava e corria
através do célebre Hortobágy húngaro.
Crepúsculos e miragens cem vezes
a alma lhe tomaram; se uma flor,
porém, no coração lhe crescia,
nele pastava manada de povos.
Mil vezes pensou em maravilhas,
pensou na morte, em vinho, mulheres;
em qualquer outro sítio do mundo
teriam feito dele cantor sacro.
Mas se olhava os companheiros, sujos,
tolos, calças largas, e a manada,
logo enterrava sua canção:
e praguejava ou assobiava.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 106
cumano, ferido de tristes quereres:
a manada guardava e corria
através do célebre Hortobágy húngaro.
Crepúsculos e miragens cem vezes
a alma lhe tomaram; se uma flor,
porém, no coração lhe crescia,
nele pastava manada de povos.
Mil vezes pensou em maravilhas,
pensou na morte, em vinho, mulheres;
em qualquer outro sítio do mundo
teriam feito dele cantor sacro.
Mas se olhava os companheiros, sujos,
tolos, calças largas, e a manada,
logo enterrava sua canção:
e praguejava ou assobiava.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 106
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NÚPCIAS DE FALCÕES NA FOLHAGEM
Partimos. Vamos para o Outono,
uivando, chorando, perseguindo-nos,
dois falcões de asas desfalecidas.
Traz novos ladrões consigo Verão,
batem asas novas de falcão,
assanham-se combates de beijos.
Voamos do Verão, acossados voamos,
paramos, algures, no Outono,
penas eriçadas, com amor.
Estas as nossas últimas núpcias:
laceramos a carne um ao outro
e caímos nas folhas de Outono.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 105
uivando, chorando, perseguindo-nos,
dois falcões de asas desfalecidas.
Traz novos ladrões consigo Verão,
batem asas novas de falcão,
assanham-se combates de beijos.
Voamos do Verão, acossados voamos,
paramos, algures, no Outono,
penas eriçadas, com amor.
Estas as nossas últimas núpcias:
laceramos a carne um ao outro
e caímos nas folhas de Outono.
Ady Endre in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 105
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quarta-feira, 2 de março de 2011
Comala
«Eu imaginava ver tudo aquilo através das memórias da minha mãe; da sua nostalgia, entre retalhos de suspiros. Ela viveu sempre a suspirar por Comala, pelo regresso; mas nunca voltou. Agora venho eu em vez dela. Trago os olhos com que ela viu estas coisas, porque sempre me deu os seus olhos para ver: «Passado o desfiladeiros de Los Colimotes, há a vista mais bonita de uma planície verde, um pouco amarela por causa do milho maduro. Daí vê-se Comala, branqueando a terra, iluminando-a durante a noite.» E a sua voz era sussurrada, quase apagada, como se falasse consigo mesma...A minha mãe.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 20
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«- Não lhe vás pedir nada. Exige-lhe o que nos pertence. O que me devia ter dado e nunca deu...O esquecimento a que nos votou, meu filho, cobra-lho caro.
-Assim farei, mãe.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 19
-Assim farei, mãe.»
Juan Rulfo. Pedro Páramo in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 19
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Pedra de Delfos
A devolver ao santuário numa madrugada
em que o mar alargue para o sul
as suas distantes searas de sol
e eu faça de novo uma oferenda matinal:
para que eu possa escapar ao miasma de sangue derramado,
governar a língua, temer a hybris, temer a divindade
até que ela fale na minha boca enfim liberta.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.255
em que o mar alargue para o sul
as suas distantes searas de sol
e eu faça de novo uma oferenda matinal:
para que eu possa escapar ao miasma de sangue derramado,
governar a língua, temer a hybris, temer a divindade
até que ela fale na minha boca enfim liberta.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.255
de Tempo de Conservação
Lasca de Granito
Pedra denteada. Aberdeen do espírito.
Dizendo Deitarei na taça uma pérola
feri-me na mão, apertando com força
esta lasca tirada da Torre Martello
de Joyce, este brilhante manchado e insolúvel
que guardo mas com o qual pouco tenho em comum -
espécie de faca de circuncisão pré-histórica,
traço calvinista no meu cerne deferente.
O granito é áspero, salgado, punitivo
e exigente. Vinde a mim, diz ele,
todos os que estais cansados e oprimidos,
e não vos aliviarei. E acrescenta, Agarrai
o momento. E ainda, Pegai-me ou largai-me.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.251
Pedra denteada. Aberdeen do espírito.
Dizendo Deitarei na taça uma pérola
feri-me na mão, apertando com força
esta lasca tirada da Torre Martello
de Joyce, este brilhante manchado e insolúvel
que guardo mas com o qual pouco tenho em comum -
espécie de faca de circuncisão pré-histórica,
traço calvinista no meu cerne deferente.
O granito é áspero, salgado, punitivo
e exigente. Vinde a mim, diz ele,
todos os que estais cansados e oprimidos,
e não vos aliviarei. E acrescenta, Agarrai
o momento. E ainda, Pegai-me ou largai-me.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.251
VIII
Relâmpagos na lenha: chuva em grossas gotas
Quentes como o corpo e túrgidas de presságio
Espirrando escuras no ferro do machado.
Esta manhã quando uma gralha saltitante
Inspeccionou um cavalo que dormia junto à lenha
Lembrei-me do orvalho sobre armadura e cadáveres.
Que iria eu encontrar na estrada, ensanguentado?
Onde, na pilha de lenha, se ocultava o sapo?
O que se espoja nesta escura calma das searas?
Recordas-te daquela pensão nas Landes
Em que a velha embalava, embalava, embalava
Um mongolóide, ao som de cançõezinhas?
Vem a mim depressa, estou cá em cima, e tremo.
Minha, toda tu, lenha sob o relâmpago.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.213
Quentes como o corpo e túrgidas de presságio
Espirrando escuras no ferro do machado.
Esta manhã quando uma gralha saltitante
Inspeccionou um cavalo que dormia junto à lenha
Lembrei-me do orvalho sobre armadura e cadáveres.
Que iria eu encontrar na estrada, ensanguentado?
Onde, na pilha de lenha, se ocultava o sapo?
O que se espoja nesta escura calma das searas?
Recordas-te daquela pensão nas Landes
Em que a velha embalava, embalava, embalava
Um mongolóide, ao som de cançõezinhas?
Vem a mim depressa, estou cá em cima, e tremo.
Minha, toda tu, lenha sob o relâmpago.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.213
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terça-feira, 1 de março de 2011
«Cada novo verso como a charrua no regresso.»
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.203
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.203
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prémio nobel da literatura 1995,
Seamus Heaney,
verso solto
«Incompreensível, p'ra ele,
Essa minha outra vida.
Por vezes, num banco alto,
Ocupado com a faca
Num pedaço de tabaco,
Sem os olhos se encontrarem,
Numa pausa após um trago
Mencionava a poesia»
(...)
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.187
Essa minha outra vida.
Por vezes, num banco alto,
Ocupado com a faca
Num pedaço de tabaco,
Sem os olhos se encontrarem,
Numa pausa após um trago
Mencionava a poesia»
(...)
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.187
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Tardiamente
Alguém me disse que estava velha. Tardiamente compreendo. E a única chama que me fez envelhecer foi a dor. A dor de perder alguém. No calendário uma mancha de sangue assinala os dias já convertidos em mais de um ano passado. Batalho com os meus pensamentos, nas longas noites, nas madrugadas frias e silenciosas. Estamos sós, sim, de facto, sós. Não há ninguém para além da nossa vigília. A lanterna alimenta o desassossego. Deito-me e relembro. Relembro a náusea das paredes excessivamente brancas. Ninguém compreenderá. Já não o esperas. Lês à luz da cabeceira, tentando em vão que a viagem saceie o travo amargo. Tê-lo-ás sempre e, terás de viver com isso. Terás de viver, sabendo que, algures nesse dia morreram as tuas ingénuas esperanças. O céu é o teu rosto que as forças que guiam o alto, afastaram das minhas mãos. Já não há lágrimas, elas, tornaram-se o teu Outro, que observa, indiferente, as ruínas, o berço inumano. Dos ramos da amendoeira, bebo a primeva e longínqua presença. A taça erguida ao alto, chama pela minha sede. No sonho vagueio e escureço. Se me ouves o pranto ferido, acolhe-me no teu leito, que perdi as forças para viver nesta ilha, onde tudo é vago rumor.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
FALA COM AS ÁRVORES O TRISTE VENTO DE OUTONO...
Fala com as árvores o triste vento
de Outono, fala baixo, não se ouve;
que lhes dirá? Ao seu discurso, movem
as árvores, sonhando, a cabeça.
É a meio da tarde; confortável,
estendo-me na largura do sofá...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Manso, numa mão, ondeia o seio
da minha doce e bela adormecida;
na outra, meu livro de orações: a
história das lutas de libertação.
Quais cometas, cavalgam suas letras
através da minha alma exaltada...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Ouro te seduz e o chicote bate,
se lutas pelo tirano, povo escravo;
e a liberdade? Um só sorriso,
e quem crê corre ao campo da batalha,
e aceita, como flor de moça linda,
golpes, morte, perdidamente alegre...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Quantas vidas queridas por ti caíram
já, ó santa liberdade! E qual
a utilidade? Mas ver-se-á
tua vitória na luta final,
e teus mortos também irás vingar,
e tua vingança será terrível!...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Koltó, Setembro de 1847
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 92
de Outono, fala baixo, não se ouve;
que lhes dirá? Ao seu discurso, movem
as árvores, sonhando, a cabeça.
É a meio da tarde; confortável,
estendo-me na largura do sofá...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Manso, numa mão, ondeia o seio
da minha doce e bela adormecida;
na outra, meu livro de orações: a
história das lutas de libertação.
Quais cometas, cavalgam suas letras
através da minha alma exaltada...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Ouro te seduz e o chicote bate,
se lutas pelo tirano, povo escravo;
e a liberdade? Um só sorriso,
e quem crê corre ao campo da batalha,
e aceita, como flor de moça linda,
golpes, morte, perdidamente alegre...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Quantas vidas queridas por ti caíram
já, ó santa liberdade! E qual
a utilidade? Mas ver-se-á
tua vitória na luta final,
e teus mortos também irás vingar,
e tua vingança será terrível!...
A cabeça deitada no meu peito,
dorme fundo, calma, minha mulher.
Koltó, Setembro de 1847
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 92
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Sándor Petőfi
«Trago no coração chama, celeste
chama, que as gotas do sangue aquece,»
...
«Oh, pudesse dizê-lo, não só com
palavras vazias, mas também obras.»
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 86
chama, que as gotas do sangue aquece,»
...
«Oh, pudesse dizê-lo, não só com
palavras vazias, mas também obras.»
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 86
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AQUI ESTOU, NO MEIO DA PLANURA...
Aqui estou, no meio da planura,
como estátua, imóvel.
Cobre o deserto silêncio sepulcral,
qual sudário cobre o morto.
Ao longe, um homem ceifa;
pára agora mesmo,
e afia a foice...
A lâmina não se ouve,
vejo somente como a mão se move.
E olha, agora,
comigo se admira, mas eu nem pestanejo.
Que pensará que eu penso acerca dele?
Szalkszentmárton, antes de 10 de Março de 1846
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 84
como estátua, imóvel.
Cobre o deserto silêncio sepulcral,
qual sudário cobre o morto.
Ao longe, um homem ceifa;
pára agora mesmo,
e afia a foice...
A lâmina não se ouve,
vejo somente como a mão se move.
E olha, agora,
comigo se admira, mas eu nem pestanejo.
Que pensará que eu penso acerca dele?
Szalkszentmárton, antes de 10 de Março de 1846
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 84
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Acto de União
I
Esta noite, um primeiro abalo, latejante
Como se a chuva no pântano engrossasse
Pr'a fluir e alargar: uma explosão,
Um rasgão abrindo o leito vegetal.
O teu dorso é a costa leste, linha firme,
Braços e pernas lançadas para lá
Do teu relevo gradual. Acaricio
A província arquejante onde cresceu o nosso passado.
Sou o reino que por detrás de ti se eleva,
Que não queiras seduzir nem ignorar.
A conquista é uma mentira. Envelheço
Concedendo-te uma meia independência,
Território em que agora o meu legado
Tem o seu ponto culminante, inexorável.
II
E permaneço no aprumo imperial
Do macho - deixando-te com o sofrimento,
A colónia a ser dilacerada,
O ariete, e a explosão vinda de dentro.
A quinta coluna que do acto nasceu
É obstinada e tem o olhar unilateral.
O seu coração ao lado do teu
É um tambor chamando p'rá batalha. E já
Os pequenos punhos, parasitas, ignaros,
Te batem às fronteiras, me ameaçam
Por sobre a água. Nenhum tratado
Poderá o teu corpo marcado sarar,
Estriado, em carne viva com a dor
Que te faz solo rasgado, de novo.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.143
Esta noite, um primeiro abalo, latejante
Como se a chuva no pântano engrossasse
Pr'a fluir e alargar: uma explosão,
Um rasgão abrindo o leito vegetal.
O teu dorso é a costa leste, linha firme,
Braços e pernas lançadas para lá
Do teu relevo gradual. Acaricio
A província arquejante onde cresceu o nosso passado.
Sou o reino que por detrás de ti se eleva,
Que não queiras seduzir nem ignorar.
A conquista é uma mentira. Envelheço
Concedendo-te uma meia independência,
Território em que agora o meu legado
Tem o seu ponto culminante, inexorável.
II
E permaneço no aprumo imperial
Do macho - deixando-te com o sofrimento,
A colónia a ser dilacerada,
O ariete, e a explosão vinda de dentro.
A quinta coluna que do acto nasceu
É obstinada e tem o olhar unilateral.
O seu coração ao lado do teu
É um tambor chamando p'rá batalha. E já
Os pequenos punhos, parasitas, ignaros,
Te batem às fronteiras, me ameaçam
Por sobre a água. Nenhum tratado
Poderá o teu corpo marcado sarar,
Estriado, em carne viva com a dor
Que te faz solo rasgado, de novo.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.143
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Seamus Heaney
«Dia a dia, apercebia-me de que não conseguia afastar de mim os pensamentos pecaminosos. Até que chegou o momento em que desejei também o pecado.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.14
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.14
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excerto
«Lembro-me de que o seu corpo, a sua atitude e os movimentos resultavam por vezes rudes. Não que ela fosse tão rude. Parecia, sobretudo, que se recolhera no interior do seu corpo, que o entregara a si mesmo e ao seu próprio ritmo pausado, indiferente a alguma ordem do cérebro, e que esquecera o mundo exterior. Foi esse mesmo esquecimento do mundo que eu vi na atitude e nos movimentos ao calçar as meias. Mas nisso não era rude, tinha gestos fluidos, graciosos, sedutores; uma sedução que não é seios e nádegas e pernas, mas sim o convite para o mundo dentro do corpo.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.12
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«Sobre a memória do seu rosto de então foram-se depositando, com o passar dos anos, os seus outros rostos. Quando a tenho diante dos olhos como ela era então, vejo-a sem rosto. Tenho de o reconstruir. Testa alta, maxilares salientes, olhos azul-pálidos, lábios grossos bem desenhados e sem sinuosidades, queixo enérgico. Um rosto largo, áspero, de uma mulher adulta. Sei que era bonito. Mas não consigo lembrar-me da sua beleza.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.9
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«Por cima do sofá estava estendida uma manta de veludo vermelho. A cozinha não tinha janelas. A luz passava pelos vidros da porta que abria para a varanda. Não muita luz; a cozinha só era iluminada quando a porta estava aberta. Ouvia-se então o chiar da serra na oficina do pátio e cheirava a madeira.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.8/9
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«(...) O dia está luminoso, o sol brilha, o ar reverba, e a estrada cintila de calor. As paredes laterais do prédio fazem-no parecer recortado, incompleto. Aquelas poderiam ser as paredes de qualquer prédio. A casa não é ali mais sombria do que na Rua da Estação. Mas as janelas estão cobertas de pó, não deixam adivinhar nada dentro das divisões, nem sequer as cortinas. A casa é cega.
Estaciono junto à berma e atravesso a estrada na direcção da entrada. Não se vê ninguém, não se ouve nada, nem tão-pouco o ruído longínquo de um motor, nem o vento, nem um pássaro. O mundo está morto. Subo as escadas e toca a campainha.
Mas não abro a porta. Acordo e sei apenas que atingi a campainha e a toquei. Depois vem-me à memória todo o sonho, e que também já o havia sonhado muitas vezes antes.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.6/7
Estaciono junto à berma e atravesso a estrada na direcção da entrada. Não se vê ninguém, não se ouve nada, nem tão-pouco o ruído longínquo de um motor, nem o vento, nem um pássaro. O mundo está morto. Subo as escadas e toca a campainha.
Mas não abro a porta. Acordo e sei apenas que atingi a campainha e a toquei. Depois vem-me à memória todo o sonho, e que também já o havia sonhado muitas vezes antes.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.6/7
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«Endireitou-se e viu que eu chorava. - Miúdo - disse, surpreendida -, miúdo. - Abraçou-me. Eu era pouco mais alto do que ela, senti os seus seios no meu peito, no aperto do braço cheirei o meu mau hálito e o suor fresco dela e não soube o que fazer com os braços. Parei de chorar.»
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.4
Bernhard Schlink. O Leitor. Traduzido do alemão por Fátima Freire de Andrade. Edições ASA., p.4
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Colmeiro
Há muito apalavrado, apareceu numa certa
Manhã, de surpresa, e na bicicleta
Uma escada leve e um saco de navalhas.
Olhou o velho colmo, testou as traves,
Abriu e ajeitou feixes de palha.
Depois, molhos de varas, de aveleira e salgueiro:
Sopesadas, torcidas - não fossem estalar.
Pareceu gastar toda a manhã a prepara-se:
Firmou então a escada, e com facas bem afiadas
Cortou a palha e aguçou a ponta das varas
Que, dobradas, eram o agrafo de espigões brancos
Com que fixava o seu mundo, em punhados.
Curvados vários dias sobre as vigas
Aparou e poliu extremidades, tudo atou
Numa colmeia em declive, uma resteva,
E a todos espantou com o seu toque de Midas.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.49
Manhã, de surpresa, e na bicicleta
Uma escada leve e um saco de navalhas.
Olhou o velho colmo, testou as traves,
Abriu e ajeitou feixes de palha.
Depois, molhos de varas, de aveleira e salgueiro:
Sopesadas, torcidas - não fossem estalar.
Pareceu gastar toda a manhã a prepara-se:
Firmou então a escada, e com facas bem afiadas
Cortou a palha e aguçou a ponta das varas
Que, dobradas, eram o agrafo de espigões brancos
Com que fixava o seu mundo, em punhados.
Curvados vários dias sobre as vigas
Aparou e poliu extremidades, tudo atou
Numa colmeia em declive, uma resteva,
E a todos espantou com o seu toque de Midas.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.49
sábado, 26 de fevereiro de 2011
QUEM SOU EU?
AH, NÃO, NÃO DIGO...
Quem sou eu? Ah, não, não digo;
se digo, sou conhecido.
E, se me conhecem mesmo,
vou à forca, pelo menos.
Não tenho machado à mão,
se tiver de ser brigão;
pasta longe meu cavalo,
nem fugir, se necessário.
E para quê tanta pressa,
quando me pesa a cabeça?
E não só, e o coração -
vinho e mulher falsos são.
Se, ao largar a rameira,
cozo eu a bebedeira,
e me vão alferes ao pêlo -
quem eu sou hei-de dizê-lo!
Bratislava, Maio de 1843
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 77
AH, NÃO, NÃO DIGO...
Quem sou eu? Ah, não, não digo;
se digo, sou conhecido.
E, se me conhecem mesmo,
vou à forca, pelo menos.
Não tenho machado à mão,
se tiver de ser brigão;
pasta longe meu cavalo,
nem fugir, se necessário.
E para quê tanta pressa,
quando me pesa a cabeça?
E não só, e o coração -
vinho e mulher falsos são.
Se, ao largar a rameira,
cozo eu a bebedeira,
e me vão alferes ao pêlo -
quem eu sou hei-de dizê-lo!
Bratislava, Maio de 1843
Sándor Petőfi in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 77
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Sándor Petőfi
Defeito
Boa, como a clemência, formosa és, qual o ouro;
tens um defeito, Nellike: não seres minha.
1838
Mihály Vörösmarty in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 69
tens um defeito, Nellike: não seres minha.
1838
Mihály Vörösmarty in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 69
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POETA E DRAMATURGO HÚNGARO
Amor Feliz [Canção 35]
Davam já cortes finais,
na mata, lestos ceifeiros;
ao comprido, colossais,
caíam sombras, à beira;
parámos de vez em quando
na erva alta do prado;
e a ponte atravessando
do rio ao nosso lado,
olhar à água desceu:
nela, em cima, o céu,
também dentro; ardeu logo,
nos corações, santo fogo.
Kisfaludi Sándor in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 55
na mata, lestos ceifeiros;
ao comprido, colossais,
caíam sombras, à beira;
parámos de vez em quando
na erva alta do prado;
e a ponte atravessando
do rio ao nosso lado,
olhar à água desceu:
nela, em cima, o céu,
também dentro; ardeu logo,
nos corações, santo fogo.
Kisfaludi Sándor in Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p. 55
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A Apanha das Amoras
Para Philip Hobsbaum
Por fins de Agosto, com chuva forte e sol
Toda uma semana, amadureciam as amoras.
A princípio, uma só, luzidio coágulo púrpura
Entre outras, rubras, verdes, duras como um nó.
Comia-se a primeira e era carnuda e doce
Como vinho fermentado: era o sangue do Verão
Tingindo-nos a língua com o desejo de as
Colher. Escureciam então as vermelhas, e essa fome
Levava-nos com canecas, latas, boiões
Onde as silvas arranhavam e erva húmida
Polia as botas. Por prados, lameiros e searas
Seguíamos na apanha até enchermos as vasilhas,
Até que o seu fundo tilintante se cobria
Com as verdes, e por cima borrões negros reluziam
Como um prato de olhos. Picados de espinhos
Ardiam-nos nas mãos, tão pegajosas
Como as do Barba-Azul.
Guardávamos as bagas frescas no curral.
Mas mal a dorna enchia lhe víamos uma penugem,
Um fungo cinza-rato devorando-nos o tesouro.
Também o sumo estava pestilento. Mal o colhíamos,
Fermentava o fruto, azedava a doce carne.
Apetecia-me chorar. Não era justo
Que tanto deleite fosse agora podridão.
Ano a ano esperava conservá-las,
Sabendo bem que não.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.41
Por fins de Agosto, com chuva forte e sol
Toda uma semana, amadureciam as amoras.
A princípio, uma só, luzidio coágulo púrpura
Entre outras, rubras, verdes, duras como um nó.
Comia-se a primeira e era carnuda e doce
Como vinho fermentado: era o sangue do Verão
Tingindo-nos a língua com o desejo de as
Colher. Escureciam então as vermelhas, e essa fome
Levava-nos com canecas, latas, boiões
Onde as silvas arranhavam e erva húmida
Polia as botas. Por prados, lameiros e searas
Seguíamos na apanha até enchermos as vasilhas,
Até que o seu fundo tilintante se cobria
Com as verdes, e por cima borrões negros reluziam
Como um prato de olhos. Picados de espinhos
Ardiam-nos nas mãos, tão pegajosas
Como as do Barba-Azul.
Guardávamos as bagas frescas no curral.
Mas mal a dorna enchia lhe víamos uma penugem,
Um fungo cinza-rato devorando-nos o tesouro.
Também o sumo estava pestilento. Mal o colhíamos,
Fermentava o fruto, azedava a doce carne.
Apetecia-me chorar. Não era justo
Que tanto deleite fosse agora podridão.
Ano a ano esperava conservá-las,
Sabendo bem que não.
Seamus Heaney. Da Terra à Luz. poemas 1966-1987. Tradução, Prefácio e Notas de Rui Carvalho Homem. Relógio D' Água, Lisboa, 1997., p.41
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A Lúcia
Porque, Lúcia, me desprezas e rejeitas?
Nunca, lembro, a rapariga alguma
(assim vivo, e passo bem) houve que eu não contentasse;
se, porventura, recusas acreditar,
posso provar-to com testemunhos de peso.
Janus Pannonius na Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p.31
Nunca, lembro, a rapariga alguma
(assim vivo, e passo bem) houve que eu não contentasse;
se, porventura, recusas acreditar,
posso provar-to com testemunhos de peso.
Janus Pannonius na Antologia da Poesia Húngara. Selecção e tradução de Ernesto Rodrigues. Âncora, Lisboa, 2002., p.31
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A AGAPITO
Envia-me, Agapito, os teus livros;
envia, digo; não serei crítico, mas leitor.
Janus Pannonius in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002 ., p. 28
envia, digo; não serei crítico, mas leitor.
Janus Pannonius in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002 ., p. 28
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Da Arte
A arte deu-me vigor; atinge-se a perfeição das coisas,
quando a força no engenho se apoia.
Janus Pannonius (1434-1472) in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002
quando a força no engenho se apoia.
Janus Pannonius (1434-1472) in Antologia da poesia húngara. Selecção e tradução Ernesto Rodrigues. Âncora Rodrigues, Lisboa, 2002
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
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